Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 3
II. Por favor, não me deixes...


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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As masmorras eram exatamente como eu esperava que fossem: escuras, frias… e húmidas. Tão húmidas que a água condensava nas paredes e nas saliências do teto, formando gotículas transparentes que de vez em quando escorriam ou pingavam para o chão… ou para cima de mim. Ainda tentei proteger-me dos pingos com o cobertor esticado no catre da cela, mas este estava tão ou mais molhado do que eu. Acabei por me sentar no chão, abraçando os joelhos contra o peito no canto mais seco que encontrei. Estava longe de confortável, mas a minha prioridade naquele momento era apenas parar aqueles tremores que não sabia se se deviam ao frio ou ao medo.

Não conseguia acreditar no que estava a acontecer. Como é possível que num momento estivesse a apanhar míscaros com a minha família e no seguinte num sítio tão surreal e bizarro quanto aquele? A única explicação que me ocorria, para além da completa loucura, era que estava a ter uma alucinação provocada por aqueles estranhos cogumelos brancos. Sendo esse o caso, só queria que o efeito passasse o mais rapidamente possível para poder sair daquele lugar.

Inspirei fundo e tentei acalmar-me, repetindo na minha cabeça que estava a alucinar. Iria adormecer dentro de momentos e, quando voltasse a acordar, estaria deitada no sofá da casa dos meus tios. Talvez na cama deles. Ou até numa cama de hospital, depois de receber uma injeção do antídoto daqueles cogumelos. Se houvesse um tremor de terra na minha alucinação, assumiria que estava a ser levada de ambulância para o hospital. Isso, sim, faria sentido.

Não sei quanto tempo fiquei ali encolhida. Os meus membros começaram a adormecer ao fim de algum tempo e quase acreditei que isso era o início do meu despertar no “mundo real”. Sabia, contudo, que aquilo se devia ao frio e à posição desconfortável em que estava. Sentia o primeiro entranhar-se em mim, endurecendo os meus músculos e abrandando o bater do meu coração. Lembrei-me, por oposição, do calor do cristal azul. Céus, o que não daria para tocar a pedra agora…

Ergui lentamente a cabeça que poisara nos joelhos quando ouvi um suave chapinhar, como se alguém tivesse pisado uma poça de água. Olhei através das grades na porta da cela e vi uma figura alta e coberta de negro recortada contra o lago esverdeado que existia ao fundo da masmorra. Estava tão entorpecida pelo frio que nem consegui tecer qualquer pensamento sobre a figura misteriosa, limitei-me a ficar quieta enquanto a via aproximar-se cada vez mais da minha cela. Havia uma luz mesmo por cima da porta desta, a qual tratou de revelar os detalhes da figura.

Pela altura e constituição sólida, presumi que fosse um homem. Parecia pronto para um combate, vestido com a metade superior duma armadura negra e vermelha e com o que esperei ser uma máscara feiosa também negra e vermelha. Por favor, que aquilo não seja a cara dele…

   O homem desconhecido não disse nada e eu não estava em condições de iniciar um diálogo, pelo que ficámos vários segundos a fitar-nos em silêncio. O primeiro movimento veio dele, quando começou a descalçar a luva da mão direita. A fechadura na porta da cela era grande o suficiente para me impedir de ver a mão que foi revelada, mas a luminescência vermelha que surgiu fez-me esticar um pouco mais o pescoço, curiosa.

Primeiro, ouvi o silvo baixo e suave de algo a ferver. Depois veio o cheiro a metal queimado que por pouco não me fez espirrar. Contudo, foi só quando vi a fechadura passar de cinzento-escuro a vermelho incandescente que percebi o que estava a acontecer.

Ele estava a libertar-me. “Ilegalmente”, avaliando pelo método a que recorrera.

Desenrolei rapidamente o corpo, ignorando os músculos rígidos que berravam em protesto. Quase caí de cara no chão quando as pernas me falharam, mas não desisti de me arrastar até à porta, ansiosa por sair dali. Não sabia quem era aquele homem ou quais as suas intenções, mas, naquela situação, encararia qualquer pessoa que me ajudasse como um grande e bom amigo.

A fechadura cedeu finalmente e o homem calçou rapidamente a luva antes de puxar a porta. Estendeu a outra mão na minha direção e eu aceitei-a sem hesitar.

O arrepio quente que me subiu pelo braço foi ainda mais forte do que aquele que sentira ao tocar no cristal e não consegui evitar um gemido aliviado quando o senti erradicar o frio debaixo da minha pele. Sem sequer parar para pensar, atirei-me contra o peito do homem e aprisionei-o entre os meus braços, sorvendo o seu calor com cada poro que tinha no corpo. A minha arremetida pareceu surpreende-lo, mas não levou mais do que um batimento de coração para ele me devolver o abraço, acariciando suavemente os meus cabelos.

— Por favor, não me deixes… — dei por mim a implorar com as lágrimas a subir-me aos olhos — Por favor…

O homem afastou-se apenas o suficiente para me permitir ver-lhe o rosto ainda coberto pela máscara, erguendo o dedo indicador diante da boca para pedir silêncio. Eu acenei rapidamente com a cabeça, censurando-me por ser tão descuidada. Estava fora da cela e novamente quente, mas ainda não estava fora de perigo.

O som de passos pesados a aproximarem-se assustou-me tanto que saltei para trás, afastando-me do homem misterioso. Virei-me em todas as direções, procurando um sítio onde nos pudéssemos esconder e, quando o encontrei, voltei-me para o apontar ao meu salvador. Ele, porém, já tinha desaparecido.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 11/9/17]



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