A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 6
Pilares Primavos




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As passadas apressadas dos alunos em direção à imensa clareira, aumentavam a visão à frente um bocado. Castelobruxo erguia-se como uma serra, ao fundo, sendo a mais alta construção da série de estruturas do local.
Aurora caminhava por entre uma série de pedras de aparência totêmica, ásperas e rugosas como nunca vira antes. Todas tinham marcas, ranhuras, com formas geométricas ornamentando os pedregulhos. Uma vista cinzenta impressionante, que ainda carregava uma série de rostos em caretas de berros e urros, algo tribalístico ao extremo. Vários deles, observava ela seguindo a trilha de terra batida, ostentavam pinturas feitas à mão, desgastadas pelo tempo; a pequena índia que caminhava ao seu lado, tocava-as com tremenda devoção.
A garota teve que abaixar a cabeça quando uma dupla de alunos rasgou o ar acima das cabeças dos calouros, montados em vassouras velozes, carregando em mãos uma esfera avermelhada. Lançavam um para o outro, como num jogo.
Javier os guiou por entre a clareira, arregalando os olhos dos alunos, estupefatos com tamanha vista. Haviam três torres que estendiam-se altas por detrás da construção maior; subiam com a base piramidal, porém transitavam para edificações típicas europeias, com ameias de seteiras amplas e guaritas bem-postas. O trio continha ainda uma bandeira em cada um dos topos, vermelha, amarela e azul.
Obviamente, mais monumentos saltavam por entre a grama aparada, alguns menores, assemelhavam-se a templos gregos, com escadarias longas e tetos abobadados sustentados por colunas rígidas e grossas. Outros, pequenos construtos arqueados como passagens ficavam mais à frente, porém pareciam estenderem-se até atrás, onde a mata retornava a crescer, fluída.
O castelo, de fato, erguia-se suntuoso por cerca de cinco andares de altura, por um quarteirão de largura. Também formava sua base com estrutura piramidal, com uma das faces contra o sol que refletia os ornamentos dourados nele. Uma dupla de tochas saudava a entrada de uma escada que afinava até o topo da base, onde um imenso castelo de puro ouro surgia-se com uma torre larga no centro e cercado por outras menores. Cada segmento da estrutura era marcada por uma faixa de concreto que, de certa forma, reluzia tal qual o ouro em volta. A subida pareceu cansativa de início, entretanto, os passos a seguir pareceram tão leves quanto corpos sobre vassouras. Aurora olhou para baixo, vertiginando seu olhar por um momento, até que duas aberturas jorraram uma cascata de água nos dois lados opostos da escada, escorrendo pela pedra, deslizando pelos segmentos piramidais.
No topo, frente às portas do salão principal de Castelobruxo, duas estátuas de concreto maciço cobriam a passagem, com seus sabres cruzados em forma de X. Representavam o período colonial, pois suas roupas pomposas e seus grandes bigodes entregavam a dica excepcionalmente. Até Javier despontar à frente, Aurora lembrou-se da falta de alunos pela clareira. Além da dupla voadora, não havia visto mais ninguém além de sua caravana. A garota vasculhava ao redor, vendo que os traços maias haviam mudados para estruturas góticas, típica dos castelos europeus.

— Olá, nobre soldado. Queira deixar-nos passar, por favor. São os novos alunos – disse, com uma voz pomposa forçada.

As duas estátuas recuaram receosas, fazendo as portas duplas se abrirem para o salão principal; um enorme tapete vermelho os saudou, assim como uma salva de palmas forte e assovios altíssimos. Acima, o teto continha diversas artes em mosaicos entre os candelabros, e nas paredes, pinturas luxuosamente molduradas de soldados e guerreiros, com suas armas expostas abaixo. Três longas mesas cabiam em paralelo ante uma parte mais elevada com homens e mulheres que aplaudiam sem parar. Nas mesas, apenas pratos vazios e velas flutuando em castiçais.
Os novatos foram dirigidos até a área mais à frente, onde uma dezena de adultos os olhavam, curiosos e esperançosos, sentados em cadeiras almofadadas. No centro, numa cadeira maior, uma senhora idosa prosseguia observando, com um imenso cajado ao lado.

— Sra. Dourado. Aqui estão os alunos do primeiro ano de Castelobruxo! - anunciou Javier, para uma explosão de vivas atrás dos calouros. - Passo a ti o comando da cerimônia – terminou, curvando-se e saindo de lado.

Todos se aquietaram. A pequena figura mirrada, levantava-se, apoiando em seu cajado, cuja forma era como um braço que segurava uma enorme pepita de ouro na ponta. A mulher negra cultivava um enorme cabelo branco armado, amarrado por uma faixa dourada que cobria boa parte de sua testa enrugada. Os olhos, leitosos de cegueira e ao redor deles, pintas mais escuras que sua pele. Seu vestido continha uma gola elevada, com mangas longas até os pulsos. Havia também, uma capa sobre ela, de um tom branco perolizado com estampas de louros quase invisíveis. No pescoço, um enorme colar com quatro rubis robustos.

— Bem-vindos – a mulher pigarreou, ficando ereta, demonstrando sua força surpreendente. - Bem-vindos a Castelobruxo! - gritou, com mais força que antes, o que fez a turma vibrar com vontade.

A loura não saltitava e aplaudia como os outros. Estava mais a encarar a diretora, estudando suas feições e postura imponentes.

— É como se estivesse dianto de um astro… - balbuciou, com um sorriso impressionado.

— Vocês começarão suas vidas como bruxos hoje – prosseguiu, abrindo os braços. - É o primeiro passo para uma jornada fantástica – disse, saudosa, com um sorriso gigantesco. — Antes, é preciso… definir algumas coisas. Estes são os Pilares Primavos – apontou, para três estátuas atrás de si, que surpreendentemente Aurora não havia notado. — Como podem ver, temos três times aqui em Castelobruxo. Tais times têm os alunos designados desde o primeiro ano. Atrás de vocês, à esquerda, as corças escarlates — apontou ela, fazendo a fileira horizontal de calouros se virar para observar. — Ao meio, os gaviões cerúleos – disse. A cada uma, ela segurava a próxima frase, pois a respectiva casa berrava em empolgação. — E, por último, à direita, os guarás áureos. Cada uma delas, é representada pelas estátuas atrás da diretora que vos fala.

Aurora seguia as indicações. Cada uma das mesas carregava bandeiras respectivas, além de acessórios das cores dos times. As figuras nas estátuas eram de dois homens e uma mulher ao centro, de cerca de dois metros e meio de altura cada. Tinham a cor semelhante à parede ao fundo, porém Aurora duvidou se aquela era a razão de não tê-las visto antes.

— Anhangá – explicou, indicando à esquerda –, é sinônimo de determinação e segurança. Muitos líderes bruxos são descendentes diretos dele – finalizou, provavelmente pondo a si própria no exemplo.

Um indígena, cabelos longos e bagunçados, olhar perspicaz, pinturas sobre a bochecha e um cocar de penas grandes sobre a cabeça; peito nu ornado com um cordão de dente e segurava em mãos um cajado cujo núcleo era vermelho sangue. Aos seus pés, na base, uma corça despontava, esculpida com esmero. A pedra preciosa era o único detalhe que não comportava dos mesmos materiais da estátua. Brilhava como o colar de Dourado.

— Caso forem escolhidos pela casa, o Rubi-Citrino se acenderá, indicando que você deve curvar-se para a estátua – a mão enrugada percorreu para a segunda estátua. - Há também, Jaci – indicou a estátua do meio –, suprida de caridade e honradez.

A mulher seminua de cabelos longos, olhar suave e traços delicados, enfeitada com pinturas em formato de lua; amamentava uma criança segurando-a sobre o seio esquerdo. Na mão direita, um cajado com núcleo de joia azul, porém escura como a noite. Sobre um de seus ombros, um gavião de olhar severo.

— Se forem escolhidos por ela, a Turma-Ametista se acenderá, indicando que deve curvar-se a ela. Por último – mostrou à direita –, há Guaraci. A marca da sapiência e devoção.

Um índio de franja com cabelo curto, um cocar que imitava o sol sobre a cabeça e uma enorme placa no lábio inferior. Uma faixa de peles sobre o peito, marcas de traços limpos, pintadas sobre as bochechas e o queixo. Segurando com ambas as mãos, um cajado com núcleo de cor laranja amarelado. Entre as pernas, um lobo-guará, atento.

— Se forem escolhidos por ele, a Ouro-Âmbar acenderá, revelando que devem se curvar a ele. Bem, agora passadas as devidas instruções, vamos seguir com a seleção! À Castelobruxo!

Quando disse a frase, esperou um momento até que a turba de alunos a repetiu. Abriu um outro sorriso gigantesco em seus lábios. Parecia ter feito aquilo muitas vezes, adorando cada uma delas. A saudação foi uma dica para um brinde entre os veteranos, que obedeceram aos berros. O silêncio dificilmente era mantido ali, entretanto, nos momentos propícios, as vozes se calavam. O inspetor Javier tomou o controle da cerimônia enquanto Dourado sentou-se, com os professores em volta, posicionados em meia lua, para uma melhor observação dos rostos tímidos. A centena de veteranos vibrou outra vez, enquanto os rostos dos calouros fechavam-se em ansiedade.

— Muito bem – disse, trazendo consigo um pergaminho –, um passo à frente quando chamar seu nome.

— Acho que vou ser uma das primeiras… - comentou Aurora. Ela soprou as palavras, mordendo o lábio inferior para retardar o nervosismo, de modo típico da mesma.

— Amanda Fernandes – chamou o inspetor.

A menina se aproximou, trêmula, parando em frente aos Pilares, encarando-os com atenção. Pouco tempo depois, o núcleo do cajado de Jaci brilhou forte, fazendo a mesa do meio gritar loucamente. A pequena comemorou com um suspiro, ajoelhou-se e em seguida dirigiu-se até sua nova casa.

— Ana Abbade!

Tentava parecer confiante, rebolante até a base das três estátuas. A Sra. Dourado olhou atenta e aplaudiu quando Anhangá piscou seu cajado para a pequena.

— André Pessani.

O menino mal conseguia sair do lugar. Deu alguns passos à frente, mas a Guaraci irradiou sua luz, rápido. Os aplausos da mesa da direita cresceram rápido.

— Vamos logo, vamos logo, vamos logo… - reclamou a pequena bruxa, ainda com os dentes apertando seu lábio rosado.

Cerca de cinco nomes passaram, até que um nome masculino foi chamado:

— Antonino ‘Nino’ Stradivarius Victorius II!

O garoto de cabelos lisos dirigiu-se à frente, confiante. Próximo a sra. Dourado, uma mulher levantou-se para observar melhor, cruzando os dedos, apreensiva. A mulher trajava-se de preto e violeta, um vestido bufante, com ombreiras altas e grandes ornamentos no punho. A saia rodada continha diversas camadas. Essa deve ser a Morgana, deduziu Aurora, vendo a madame receber uma ave em seu ombro. As estátuas ainda não haviam se pronunciado, tamborilando ainda mais os dedos nervosos da mulher. De repente, uma luz vermelha invadiu a cerimônia, mostrando que Anhangá o escolhera. Todos aplaudiram, inclusive Morgana, que retornava ao assento, satisfeita. A postura da loura permanecia imutável, com inúmeras borboletas festejando em seu estômago.

— Aurora Magalhães! - gritou o inspetor.

A loira quase caiu no chão, perdendo o equilíbrio por um instante. O caminhar lento fazia a visão embaçar, focando apenas os olhos mortos das figuras que a observavam. Sentia-se julgada pelas estátuas indígenas depois da confusão da floresta e como se não fosse o bastante, lembrou-se das experiências passadas com artefatos mágicos, onde a escolha demorara horas. O medo a possuiu por completo, pois de forma alguma aquilo poderia se repetir, ainda mais na frente de toda a escola.

Não seja como os cajados… não seja como os cajados…

A garota pôs-se a observar as três estátuas. Seus rostos a olharam de volta, sem resposta. Pareciam ponderar a situação com cautela. Claro, eram só esculturas de grandes bruxos antigos. Ainda com a cabeça baixa, aguardava ansiosamente uma das luzes brilhar para ela. Seria Anhangá? Sua luz escarlate a cobriria dando-lhe a benção necessária para o time compostos pelos cervos, imaginava. Talvez, Jaci a escolhesse. Exibindo seu gavião de olhar austero a presentear com a ordem da noite escura como a Turma-Ametista. Ou até poderia ser escolhida por Guaraci. Que a iluminaria com a sua vontade solar, concedendo-lhe a passagem para tornar-se um guará, alerta como a sua própria escultura. Trinta segundos já passavam e tudo que Aurora queria era se curvar perante algum deles. Entretanto, isso não ocorreu. O que aconteceu foi que um dos Pilares Primavos, de cocar, Rubi-Citrino, rangeu a pedra que o constituía sua estrutura e curvou-se para a pequena bruxa. Os calouros saltaram para trás, sobressaltados, enquanto Aurora apenas arregalou os olhos para o que via. A estátua de Anhangá estava de joelhos ante Aurora.

— Mas o quê… - disse, impressionada.

Ela recuou dois passos ao ver algo que provavelmente não deveria. Seus olhos estavam vibrando de encontro com a estátua.

— Faz parte do processo? — perguntou, aflita. — Diga que sim – suplicou a loira, tentando Javier.

— Não… - respondeu, com os olhos sonolentos finalmente despertos.

Os cochichos estavam a todo vapor pelo aposento. Em segundos, evoluíram para conversas mais exaltadas e logo, para gritos de confusão. Os alunos das três casas conversavam, discutiam, teorizavam e protestavam contra o ocorrido. A equipe de Annhagá era a mais calada nesse sentido. Os calouros, ainda estupefatos, apenas olhavam Aurora como se a mesma fosse um espécime raríssimo.

— Silêncio — exclamou Dourado, levantando apenas o corpo e não a voz. Todos obedeceram. Mesmo no volume comum, a voz ecoou, lotada de poder. - Sem baderna, por favor – pediu, estendendo a palma para as mesas silenciosas.

O lábio nervoso de Aurora estava prestes a se romper. Se encolhera um bocado, cerrando os punhos para se acalmar diante toda a situação.

— É claramente uma manifestação natural da magia da estátua. Não resta dúvidas de que foi escolhida – exclamou uma mulher de pele de ébano e vestes de guerreira, na última cadeira à esquerda.

— Concordo plenamente com a professora Renée, Diretora Dourado – afirmou Morgana, pomposa.

— É algo a se observar – apontou um homem, à direita, pequeno e com um chapéu enorme e pontudo demais para ele, quase apagado na cobertura.

Alguns outros professores tentaram se pronunciar, mas Dourado estava preparada para sua fala, e novamente precisava de silêncio. Ele foi concedido, mesmo sem que pedisse.

— Muito bem – disse, ajustando o tom de voz num pigarro. - Creio que, apesar de incomum — ela frisou a palavra —, a escolha de Anhangá foi clara. Srta. Mulinari certamente será direcionada para as corças – disse, encerrando o caso.

Ainda havia uma espécie de discussão, porém os gritos de comemoração da parte direita do salão silenciaram os ruídos.

— Por favor, Aurora, sente-se à mesa. Continuaremos com a cerimônia de seleção – terminou Dourado, sentando no assento de diretora novamente.

Aurora engoliu em seco. Certamente, todo o mundo da magia era incomum para a pequena bruxa, porém estava claro que aquela manifestação era algo anormal, até para aqueles parâmetros. A menina se moveu até a mesa de sua casa, olhando a estátua com um misto de curiosidade e medo. Só queria que o próximo aluno subisse diante das estátuas.

— Caralho Aurora! - gritou um dos alunos das corças, que usava uma bandana vermelha na cabeça.

— Nunca tinha visto aquilo, Aurora! - disse outra garota, impressionada.

Todos tentavam puxar assunto com a bruxa, enquanto a cerimônia prosseguia. Ao fundo, Anhangá prosseguia ajoelhado. No meio de todos, chegando mais perto, empurrando e trocando de assento, Nino acomodou-se ao lado dela.

— Ei – disse, ainda perplexo. –, como você… caramba!

Ainda analisando os fatos anteriores, a presença de Nino lhe gerou certo conforto estranho.

— Não faço ideia… você não sabe? Isso acontece sempre?

— Não! Os nossos companheiros disseram que nunca aconteceu antes – exclamou ele, olhando à volta. O povo cochichava bastante.

— Espero que não… - disse, nervosa.

— Foi o que disseram – confirmou. - Tem algo em você, minha cara – disse, novamente tentando o timbre elegante.

— Que beleza – rebateu, cabisbaixa.

— Fica calma. Pelo jeito, você é única aqui. Isso que importa, querida – disse, tentando apaziguar a tristeza na expressão de Aurora.

Ela, por outro lado, ignorou o ânimo com segundas intenções de Nino e sobrepôs os cotovelos na mesa, criando uma ponte com as mãos, onde a mesma apoiou o queixo.

Primeiro o cajado, agora isso…

Javier chegara em um nome desconhecido, porém o rosto que tomou a frente era bastante familiar.

— Inara! - chamou, confuso pela falta de sobrenome.

A menina se aproximou das estátuas, respeitosa como nenhum outro calouro. Em pouquíssimos segundos, a estátua de Anhangá piscou sua luz rubra em direção a menina. As corças vibraram e um novo estudante foi chamado. Mais um rosto familiar em seu mesmo time, entretanto, Aurora estava mais ansiosa para ter Matheus no time. Mesmo sabendo que o garoto também era um completo desconhecido, de todos ali, Matheus era a pessoa com quem Aurora mais havia se sentido à vontade.
Inara caminhou no meio dos alunos celebrantes. Comemoravam a nova integrante, porém ela mantinha seu olhar fixo na pequena bruxa, loura e magricela. Uma feição quase assassina. Uma cadeira ao lado direito da menina estava ocupada, então, a mesma apenas empurrou o garoto que ali estava sentado. O baque do assento sendo derrubado foi abafado pelas palmas dos estudantes, porém a índia agiu rápido, tomando assento do lado direito de Aurora.

— O que tem contigo? - perguntou, tão baixo quanto um sussurro.– Primeiro, os fantasmas da minha comunidade, depois Anhangá, se prostrando para uma garota branca. O que você tem de mais?

O olhar envergonhado da menina não deixou a mesa. Estava nervosa devido ao ocorrido e desejava não sentir-se ainda pior.

— Não faço ideia… - respondeu, evasiva.

Antonino apoiou as mãos sobre a superfície de madeira, com um impulso para encarar Inara, sacudindo os talheres apoiados sobre a mesa. Em seu rosto, construiu uma expressão de herói, apesar de estar vermelho como um camarão.

— Como se atreve a se dirigir a ela dessa maneira? - disse, empostando a voz para soar mais grave.

— Cale-se! Não se meta! - retrucou, ignorando a face de Nino.

A loira levou uma de suas mãos até o cenho, apertando-o com delicadeza, dissipando um pouco de seu estado nervoso.

— Vão mesmo começar a discutir? - perguntou, de forma ríspida.

— Mas… estava apenas lhe protegendo, Au – justificou ele, a chamando de um apelido que criara.

Ninguém reparava na pequena guerra em baixo tom que surgira na mesa das corças. Ao fundo, a bruxa escutou:

— Matheus Barbosa!

Aurora ergueu a cabeça na direção do ponto, onde seu amigo se encontrava.

Por favor, venha para as corças. Por favor!
 
A súplica se perdeu em solidão quando a pedra de Jaci brilhou para o menino. Ele abriu um sorriso morto que se esvaiu até sua caminhada para a mesa onde saltavam e festejam pela chegada dele. Sentado em sua cadeira, pôde acenar para Aurora, cabisbaixo. Ela sentiu-se como se tivesse perdido uma corrida. Voltou a sua posição inicial após corresponder o aceno de Matheus.

— Vou ficar por perto até descobrir – disse Inara, em sua língua.

— Quê? É certo que Aurora não vai permitir isso! - rebateu Nino, entendendo a linguagem.

— Você me entend… e quem é você para decidir por ela? Homens brancos tomam à frente em decisões de mulheres brancas? É assim que funciona? - retrucou, torcendo os lábios em fúria.

— Parem, por favor! Até minha Emília encheria o saco com essa faladeira! E olha que a boneca adora falar – argumentou.

— Mas Aurora… - começou Nino, balbuciando algo.

— Só parem de discutir! - descarregou, respirando fundo.

O clima na mesa manteve-se bastante silencioso até o final da cerimônia, que foi terminada sem mais nenhum imprevisto ou surrealidade. A estátua que representava Anhangá prosseguia abaixada, contemplando o chão por ainda estar prostrada ali. A Sra. Dourado levantou outra vez, abrindo o peito e comunicando a todos:

— Depois da escolha das casas... ao banquete! - gritou, e assim todos os pratos brancos se encheram de material.

Havia comida de todo o tipo: Carnes, legumes cozidos e crus, verduras, leguminosas, carboidratos, oleaginosas e tudo mais. Aurora nunca havia visto tanta comida, e por um momento, nunca sentiu tanta fome.

— Meu Deus – disse um menino.

Um outro garoto, mais rechonchudo, carregava uma cadeira e um prato vazio na boca, sentando-se à frente de Aurora, empurrando a fileira inteira para o lado.

— Oi, Aurora! - disse Matheus, depositando o prato à mesa, se enchendo sozinho.

A presença do menino iluminou a sensação ruim que a garota tinha no início de sua garganta. Sorriu para ele. O prato da loira estava recheado com um de seus pratos favoritos: Lasanha à bolonhesa. Fora a salsa de batatas e o arroz com brócolis do qual sua avó uma vez fizera.

— Ei! - cumprimentou, alegre. - Que saco você não estar nas corças…

— É… mas segundo a galera dos gaviões, sou perfeito para a casa. Mas acho que falam isso para todo mundo! - afirmou, começando a dar garfadas rápidas no alimento.

Antonino resmungou algumas coisas sobre a velocidade que ele comida, mas a menina nem prestou atenção. Apenas balançou a cabeça em negativo, com um riso de canto de boca.

— Ei, eles estavam te adorando! Você fez a estátua ajoelhar - gritou ele, segurando uma coxa de frango em mãos.

— É…

— E pensa bem, depois da sua vez, todas as pessoas que vierem depois de você, terão que ver Anhangá prostrado para elas – disse, caçoando a situação.

— Isso é meio rude, não acha? - perguntou em tom de culpa ao comer um pedaço da lasanha.

— Não! Não é. Pensa só: ninguém tinha esse privilégio. E agora, todos vão ter — argumentou, sorrindo enquanto limpava a boca com um guardanapo.

— Eles podem consertar, gênio – disse Nino, vendo o prato vazio de Matheus limpar-se sozinho. Inara prosseguia encarando os três, principalmente Aurora, que a garota olhava intrigada.

— Mas as outras estátuas não abaixaram, as outras casas devem ter uma certa raiva de mim.

— Ou estão com medo da Liga das Casas esse ano! - comentou um garoto ao lado de Matheus.

— É, ou isso… - apontou Matheus, virando um gole de uma taça à direita do prato vazio. A bebida tinha cor de cobre e parecia muito boa, pois o gorducho engolia o mais rápido que podia.

— Liga das Casas? É tipo uma competição?- perguntou.

— É. Todo o ano, os times competem em diversos esportes da escola. Aí recolhem pontos por partidas vencidas. E no final, a casa que tiver mais pontos, vence — disse ele, logo baixou a cabeça, tristonho — A gente perdeu por quatro anos seguidos.

— Caramba, por quê? - perguntou Matheus, terminando seu drink.

— Luka Braz. Artilheiro de Quadribol e Atacante de Queimadobruxo – respondeu ele, ajeitando os óculos redondos.

— Ah sim… o garoto que é bonito mas babaca!- disse Aurora ao final de sua refeição. — Como funcionam esses dois jogos?

— É, são várias regras… muitas mesmo — respondeu, ajeitando os óculos.

A dupla de amigos se inclinou para ouvir. Quadribol, era complicado; três artilheiros, dois batedores, um apanhador e um goleiro. Além disso, três tipos de bolas diferentes e vassouras voando, se atracando, causando uma turbulência no campo, ou era assim que Aurora imaginava. Já Queimadobruxo parecia mais interessante, apesar de não ser menos complicado. Oito bolas de diferentes tamanhos e nomes, onde cada time tinha como objetivo acertar os outros jogadores para avançar em território. Matheus pareceu mais confuso que Aurora durante toda a explicação, porém não interrompeu. No final, os dois se entreolharam como se pedissem informação entre si.

— Entenderam? - perguntou o garoto, ajeitando novamente os óculos.

— Ah — começou Matheus, com a boca tremendo—, claro, é muito óbvio— bufou ele, com falsa confiança.

A tarde surgiu muito rápido após o almoço farto. Todas as mesas estavam envoltas em conversação, que foi interrompida por um gesto de mão da diretora, para um pronunciamento. Todos a respeitavam o bastante para parar qualquer baderna que surgisse.

— Pois bem, após esse maravilhoso banquete, cada Casa terá que se dirigir aos dormitórios, com o acompanhamento de seus monitores. Por favor, monitores — ordenou ela, fazendo alguns veteranos se levantarem das cadeiras.

Para a surpresa de Aurora, entre os castiçais, ergueu-se o garoto que lhe explicara sobre os esportes bruxos. Os três ficaram em postura, à frente de Dourado.

— Estes são Kevin, Letícia e Ivo — apresentou, na ordem de organização das mesas. - São responsáveis pelos alunos mais novos. Então, sigam o que eles dizem. Não quero expulsar ninguém este ano – alertou, virando o olhar para o fundo da mesa de Anhangá, a mesa mais inquieta do aposento. — Agora, estão dispensados.

A mulher virou-se para conversar com os professores, apontando a estátua como assunto. A figura prostrada para o nada estava incomodando Aurora, pois a cada vez que um estudante olhasse a mesma daquela forma, lembraria da balbúrdia da bruxa loirinha. Não estava de acordo com a visão ovacionada dos estudantes, e nem merecia nada daquilo.
Seguiu os monitores, mas antes de sair do salão, entre a fresta das portas duplas, encarou Anhangá mais uma vez. Ele estava parado, sobre um joelho, com a cabeça baixa, em reverência.

Aurora podia jurar que viu o cajado piscar a luz vermelha.


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