O Incidente do Pote de Biscoitos escrita por OITO


Capítulo 1
Oorona E Poliosso Encontram O Pote DE Biscoitos


Notas iniciais do capítulo

Este é o primeiro capítulo da primeira história sobre os itens assombrados da Loja de Curiosidades. Estava pensando numa história mais leve quando escrevi e, bem espero que goste! :)



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Foi o pote. Ninguém sabia de onde ele veio ou exatamente o que ele era.

Sabiam apenas os poucos envolvidos com o caso assombroso que aquela era uma mera situação miraculosa e que decerto não havia nenhum motivo para insistir em momentos anteriores, visto que o importante naquele caso inacreditável era apenas a situação em si, o evento fantástico decorrente do milagre; não havia um começo, apenas o existia o momento da explosão e o inquestionável fato de que aquele era mesmo um fato singular. Quem imaginaria que as coisas, os objetos inanimados, poderiam guardar em si pequenos milagres como aquele e, o mais importante, quem imaginaria que esses pequenos milagres poderiam assumir diferentes significados na vida dos indivíduos, o que não queria dizer que eram esses os mesmos os milagres no sentido literal da palavra como a usamos.

Mas os sorteados com tal desvio milagroso da ordem das coisas – como as conhecemos, é claro, na vida diária e sem grandes atrativos – moravam numa casa simples, bastante modesta, e que tinha o conforto e a sensação de aconchego cálido como características principais; alguns até poderiam atestar que propriedades soníferas estavam presentes nas paredes sólidas, atacando fortemente qualquer ser, humano ou animal – até mesmo as eventuais figuras fantasmagóricas, mas estas não se arrastavam até essa casa em particular –, suscetível às influências do aconchego perigoso. Ora essa, mas quem poderia imaginar um absurdo como esse? Quem poderia estar inventando histórias tão desagradáveis sobre o bom lar?, alguém talvez pergunte, após bocejar por duas ou três vezes lá dentro e sem perceber. Não eu, é claro. Era exatamente este o caso; a casa era uma beleza.

Mas devemos fazer as coisas da maneira correta; como seres humanos civilizados – e isso tenho certeza de que todos somos – devemos nos aproximar devagar e entrar como visitas, pois mesmo os espectadores precisam demonstrar o mínimo de educação. Você sabe disso.

Antes, é evidente, preciso apresentar os moradores da pequena casa, ou poderíamos cometer um crime terrível de falta de cortesia. Talvez você conheça alguém com conduta semelhante: pessoas que convidam os outros para casa de amigos ou conhecidos, sem apresentá-los formalmente e impondo uma situação um tanto desconfortável e terrivelmente desagradável; antes de tudo, o convite de alguém que não faz parte do ciclo de conhecidos – ou mesmo convidados – do anfitrião é uma descortesia das mais reprimíveis, é perceptível ao lembrar qualquer uma das consequências desse ato descortês.

Amigos queridos, não sejam esse tipo de pessoa.

Alguns desses atos reprováveis nem sempre são perdoados.

Mas, vamos, posso fazer isto rapidamente e, logo depois, entramos na casa, como deve ser feito.

Lá vivem duas crianças, uma mãe e um porquinho. Três desses membros, pessoas civilizadas e de boa índole, são muito agradáveis e têm o mais adequado porte; o quarto integrante, no entanto, é muito pouco agradável, consideravelmente mal-humorado e, o pior de tudo, suas tendências ranzinzas podem fazer dessa pessoa alguém um tanto difícil de lidar. Mas vamos aos poucos.

Uma menina, chamada Oörona Prenel, uma criança alegre e vivaz de quase treze anos, costuma se entreter com cálculos matemáticos; é muito inteligente e consegue solucioná-los com rapidez inacreditável, enquanto todos ainda estão com os dedos estendidos, tentando encontrar a solução para os problemas aritiméticos mais simples. Além disso, sua sagacidade faz do convívio com Oörona Prenel muito curioso: a menina, de maria-chiquinhas e sempre vestindo azul, tem súbitos espasmos de ideias fabulosas, coisas quase incompreensíveis, mas aparentemente divertidas, pois ela as mantém em si durante tanto tempo que parece impossível todo aquele amor por uma simples ideia que ninguém mais entende. As risadas são a prova de quão infalível é o entretenimento dessas ideias.

O menino, chamado Poliosso Prenel, está chegando ao seu décimo aniversário e já descobriu as maravilhas das múltiplas possibilidades gastronômicas; as tentativas constantes de Poliosso de encontrar os melhores sabores são quase sempre tentativas certeiras. Ah, mas que maravilhas ele cozinha! Poliosso Prenel conseguiu descobrir como acrescentar a quantidade correta de jiló e aspargos para fazer o mais inacreditável doce de jiló e aspargos; descobriu ainda a melhor maneira de cozinhar peixe e de assar frangos. De certa feita, uma de suas tias mais distantes decidiu visitar a casinha e foi decidido que ele seria o responsável por preencher a mesa. Todos os pratos, cozidos e assados, temperados ou não, doces e salgados, foram um sucesso, fazendo com que todos percebessem – se não fosse possível que algo como os dons de Poliosso Prenel não fossem percebidos antes – como o menino não precisava de muito para transformar comida em expressões de complexidades artísticas, às quais nem mesmo ele compreendia: a comida era apenas comida e a harmonia ali era algo intuitivo.

Pois a mãe, finalmente, chamava-se Fenilloria Prenel. Fenilloria era, estranhamente, apenas um vento muito ágil; devo explicar essa situação em especial do modo mais claro possível, pois a existência de Fenilloria é muito complexa em si mesma, seja qual o for o motivo dessa existência e, antes de tudo, os casos que estão relacionados diretamente com essa tal condição em particular. Sim, sim, é evidente que o caso de Fenilloria Prenel é mesmo uma condição. O que mais poderia ser, ora essa? Mas vamos às explicações. Certa vez, quando Oörona e Poliosso estavam sentados à mesa da sala, a mãe aproximou-se rapidamente e, após deixar algumas instruções bem claras – principalmente as instruções de como cuidar da casa, não abrir a porta para absolutamente ninguém e, não se preocupem, eu tenho a chave e não deixei ninguém além de mim entrar e alimentem o porco –, surpreendendo às crianças, transformou-se numa ventania intensa e desapareceu. Sua existência, desse dia em diante, tornou-se algo muito furtivo, estranhamente furtivo, inacreditavelmente furtivo. Era mesmo uma questão mágica – a mãe, estavam decididos, estava aprendendo técnicas de bruxaria. Em um momento, estava lá, em outro, sortilégio surpreendente, não estava. À noite, escutavam a porta da frente abrir e ela aparecia novamente, irrompendo na sala num furacão, rodopiando, rodopiando, rodopiando, até voltar à forma humana, colocar a bolsa num lugar, as chaves do carro em outro, abrir o tailleur e jogar-se sobre o sofá da sala. Era mesmo uma coisa fantástica – mas não seria fantástica como o pote de biscoitos, disso tenha certeza.

Então, havia o porco. O porco se chamava Godofredo Prenel e ele era, literalmente, um porco. Não estou fazendo uma piada desagradável ou um tipo de brincadeira de péssimo gosto – nem mesmo acredito que Oörona e Poliosso compactuariam com uma “brincadeira” tão desagradável. As crianças tinham um lindo porco, gordo e forte, muito esperto, como bicho de estimação. O problema é que essa pessoa – pois sua inteligência poderia ser apenas algo derivado de uma mente muito humana – era mau humorado como um belo dia cinzento de tempestade e grunhia mais que os trovões brilhantes, que cortavam os céus, deixando para trás os estranhos encantos mitológicos dos espetáculos pirotécnicos. Oörona tinha certeza de que o mau humor era decorrência de suas propriedades suínas; Poliosso defendia que o mau humor era, na verdade, uma questão de não comer o suficiente; a mãe, no entanto, era de opinião que as taxas de juros naquele período estavam abusivas, que o preço do combustível estava surreal e que eles deveriam, sim, passar o domingo assistindo televisão e dormindo, então estava deci-vuuush

Feitas, então, as devidas apresentações, acredito ser o momento mais adequado para subirmos a rua e visitarmos a casinha onde habitam a poderosa feiticeira, as crianças e o porco.

Pois saibam que as crianças estão, neste momento, conforme nos aproximamos subindo a rua, olhando para fora sem grandes interesses e sem pensar muito a respeito de grandes questões do filosófico mundo adulto – pois é algo sabido que as crianças dificilmente se interessam por questões que vão além da compreensão de sua psique pouco desenvolvida e de seu senso crítico pouco afeito à complexa e intrincada relação da vida adulta, a criança não sabe muita coisa e, principalmente, a criança não se importa com as coisas, tendo gestos justificados pela idade –, e eles ali, da janela, questionam-se a respeito do tempo e da complexidade de compreensão, principalmente, de alguns pequenos gestos adultos, os quais não fazem o mínimo sentido – e não fazem mesmo, mas não falaremos deles; qualquer um pode questionar em seus íntimos sobre o amplo espectro de possibilidades decorrentes, em casos como esse, do pouquíssimo tato adulto para solução de alguns problemas simples. Mas devemos subir a rua.

Passamos agora por uma casa, aqui ao lado, onde os cães latem a noite inteira e, em resposta, os outros cães da vizinhança fazem o mesmo; uma ária noturna fenomenal. Mais acima temos uma segunda casa, onde uma mulher, conhecida por todos como Senhorita Bilda e com seus sessenta anos, e sua vizinha, conhecida como Willomerina, uma viúva às vésperas de alcançar a sétima década, disputam há vários anos qual das duas tem o jeito mais criativo de importunar a outra, utilizando-se de técnicas avançadas de espionagem e a evolução da espécie para descobrir o que acontece nas vidas secretas do outro lado da cerca. Logo à frente, temos a supracitada vizinha, com técnicas igualmente avançadas.

Mais acima, aqui, bem ao lado, pode ver bem? Espero que sim, temos uma casa muito bonita, mas que precisa de uma reforma urgente. Mas vamos seguir em frente, aqui temos uma, duas, três, quatro e, finalmente, não olhem agora, eles podem te ver! Isso mesmo! Por cima da cerca; com cuidado; Poliosso está olhando para cá! Aqui em cima temos a casa de nossos heróis, enquanto eles olham para fora e o mocinho, ignorando um belíssimo jardim construído pela mãe feiticeira – acredito que ela precisava de boas ervas para conseguir fazer o feitiço de desaparecimento funcionar –, mas nunca cuidado por ela, com belas flores e uma hortinha de ervas, além de um belo caminho de pedra cortada.

Ninguém esperava que, naquele dia, algo curioso acontecesse. E começou como todos os casos como este acontecem: uma gesto simples, como uma breve faísca, o lampejo único e quase imperceptível, o mágico momento de transformação completa daquilo que conhecemos como vida: a campainha tocou.

Nenhum dos dois percebeu alguém se aproximar da casa, mas escutaram a campainha tocar, uma melodia adocicada que se prolongou por alguns segundos.

Poliosso voltou-se para a porta e, logo em seguida, voltou-se para a irmã.

Oörona voltou-se para a porta e, logo em seguida, voltou-se para o irmão.

Desceram juntos do pequeno banco em frente a janela com um só pulo e, seguindo em passos gêmeos até a porta – mesmo que não fossem de fato gêmeos, o que poderia ser um pouco perturbador para quem os visse caminhando pela rua ou interagindo como crianças que dividiram o ventre materno ao mesmo tempo –, seguindo até a porta, concordaram que aquele era mesmo um caso estranhosíssimo. Poliosso inspecionou pelo olho mágico, mas, lá fora, não havia ninguém, não havia sequer uma alma viva que pudesse ter tocado a campainha.

“Não tem ninguém,” disse ele para Oörona.

“Que estranho,” sussurrou ela, “muito, muito estranho.”

Quando se está em frente a uma porta a qual alguém tocou a campainha e não há ninguém esperando uma recepção, algumas situações podem ser compreendidas a partir desse caso.

Poderia ter sido uma confusão, é possível fazer confusão com os números das casas e, logo em seguida, perceber o erro cometido e, com um terrível sentimento de culpa por tomar parte do precioso tempo de alguém, o culpado por esse pequeno crime desaparece sem querer encontrar-se com o proprietário da casa – que, provavelmente, caminhou em direção à porta resmungando e questionando-se quem poderia ser o importunante batendo à sua porta quando não esperava nenhuma visita naquele dia, foi essa a sugestão de Oörona Prenel. A pessoa confusa, temerosa da reprimenda, ao perceber o erro, desaparece como fumaça em céu aberto. Essa não é a melhor das hipóteses, no entanto, pois dificilmente alguém percebe o erro antes de se abrir a porta – ou atendermos o telefone, é uma situação idêntica – e perceber que não era aquela pessoa quem se esperava; então, entre pedidos de desculpa e falsos sorrisos de “não há problema, não há problema”, pouco depois dos resmungos do proprietário e da porta aberta, a porta se fecha e o criminoso sai caminhando com a alma suspensa em paz – e um pouco de vergonha – enquanto o proprietário volta a resmungar às portas fechadas.

Uma outra situação, no entanto, e essa foi sugestão de Poliosso Prenel, pode ser o espírito brincalhão de crianças que tocam a campainha e saem correndo. Costumam ser irmãos das crianças que espicham o pescoço para olhar dentro da janela do vizinho – de vez em quando a mando dos pais –, ou crianças que tacam frutas e verduras estragadas, assim como ovos podres, nas janelas ou portas de vizinhos pouco quistos. Crianças como estas costumam ser problemas, mas apenas para seus alvos. Os irmãos não-gêmeos, mas muito parecidos, no entanto, não conseguiam se lembrar de nenhuma criança que lhes queria mal, de modo que esse também não era uma possibilidade plausível.

O terceiro, o mais terrível de todos, é a possibilidade de ser aquele um perigo medonho e assustador de assombração irritada em casas velhas – irritadas, constantemente, com os moradores que, observem bem, invadem seus domicílios sem ser convidados –, que uivam durante a noite, onde correntes se arrastam e onde gargalhadas espectrais ecoam pelos corredores como árias em noite festiva de apresentação cultural refinada; ah, não, não, que horror!, exclamou, então, Oörona, pois ainda estavam olhando para a porta fechada, em tentativa de decidir se aquela porta deveria ser aberta ou não. Temiam principalmente o tipo de fantasma que poderia estar atrás daquela porta e conhecendo bem como conheciam os filmes mais assustadores, as entidades fantasmagóricas poderiam ser de diversos tipos, com ataques sombrios à integridade humana e, sendo eles crianças, não saberiam lidar muito bem com os desenvolvimentos daquele ataque. As entidades fantasmagóricas são sempre muito astutas.

Decidindo ignorar as possibilidades de fantasmagorias, Oörona empurrou o irmão para o lado e escancarou a porta; qual não foi a surpresa quando percebeu não haver ali absolutamente ninguém! Ela voltou-se para um lado, onde viu as casas que seguiam à direita de sua bela casa; olhou para o outro, no qual pôde ver as outras casas, no outro lado, e teve a impressão de ver o relance da cabeça grisalha de sua vizinha, Bilda, correndo para a casa em frente a sua, pronta para importunar a rival; uma prática diária, um exercício necessário com o qual não saberia viver sem.

“Parece-me que Bilda está indo para a casa de Willomerina novamente,” disse Oörona, estendendo os pezinhos para ver melhor o que estava acontecendo.

“Então foi ela quem chamou à porta?” questionou Poliosso, enfiando a própria cabeça para fora.

“Não acredito que tenha sido ela. Ela se diverte apenas com Willomerina e não conosco.”

“Oörona,” foi quando Poliosso sussurrou, “o que é isso aí embaixo?”

Ora, ora! Mas o que poderia ser aquilo? Ela baixou e inspecionou da melhor maneira que pôde o objeto no chão, estendendo o dedinho e passando sobre a superfície de vidro. Era a coisinha mais graciosa que já vira e, pensando bem, ela nunca vira uma peça como aquela ou não se lembrava ter visto qualquer coisa como aquilo em seu passado – mas a pouquíssima idade não possibilitava um leque muito amplo de opções, principalmente pensando todo o tempo dos anos de bebê dos quais não se lembrava de maneira alguma, não importava quanto tentasse. A peça assemelhava-se a um pequeno bule de vidro, mas sem o bico. Estava amais para um pequeno caldeirão de vidro: sua base era arredondada e formava uma volumosa concentração, a qual subia afunilando, exatamente como um pequeno bule de café; tinha um leve tom azul e, quando olhava diretamente para dentro, era possível ver as casas no outro lado da rua, atrás do jardim verdejante da casa onde viviam, muito bonito e bem cuidado por, ela supunha, pois não havia outra explicação para aquela beleza, duendes de jardim. O bule, ou melhor, o caldeirão, ou melhor, o pote, tinha pezinhos de metal que o elevavam do chão, presos à base arredondada e formando ao redor dela uma série de desenhos de vinhas, muito fina e delicada. Como aquilo poderia ter sido feito por mãos humanas, ela não sabia. Sobre o topo, um pequeno chapéu – uma tampa – coberta com pequenos biscoitinhos de cerâmica decoravam o pote, deixando evidente para que ele servia.

“Querida, minha querida, o que é isso?” perguntou Poliosso, franzindo o cenho e, com um movimento quase assustado, tocou a tampinha e levantou-a, abrindo o pequeno e delicado pote. “Que coisa bonita! Já viu um pote de biscoitos tão bonito?”

“Não, nunca!” respondeu, mas, na verdade, ela não se lembrava de ter visto antes um pote de biscoitos antes. “E é uma gracinha! Quem será que o colocou aqui?”

“Não faço ideia, mas foi um belo presente.”

“Quanto a isso eu concordo,” ela respondeu, então, perguntando-se se aquilo poderia mesmo ser um presente. Se sim, quem o deixara ali? Era um questionamento tão importante quando o questionamento sobre quem estava batendo à porta. “Devemos levá-lo para dentro?”

“Acredito que sim, creio que devemos,” ele se abaixou, tomou o pote e entrou em casa. A irmã bateu a porta e passou a chave.

Era um pote curiosamente leve e muito fácil de manusear, apesar de ser um objeto de vidro, muito bonito e bem-feito. Seria o tipo de objeto que, ao observarmos rapidamente, fazendo todos os cálculos mentais necessários para compreender a estrutura do objeto em si, chegaríamos a conclusão de ser algo consideravelmente pesado. As próprias crianças cogitaram a possibilidade no momento em que Poliosso baixou para pegá-lo; o menino pensou logo que seria necessário um cuidado redobrado com aquele belo item, evidentemente caro, que estava levando para dentro de casa e, sem sombra de dúvidas, era pesado como uma pequena televisão; a menina, ao vê-lo baixar e estender as mãos para o pequeno pote, observou atentamente, esperando o esforço do irmão para levantá-lo e já estava pronta para mandá-lo tomar cuidado com o objeto, já tinha todas as palavras na ponta da língua, quando ele se levantou facilmente, exatamente como se estivesse carregando nas mãos um filhote de gatinho: era algo leve, mas que não deveria segurar de qualquer maneira.

Levaram então o pote para o ambiente onde, imagino, pensaram que um pote se sentiria mais à vontade, não apenas devido a sua natureza de utensílio doméstico de reserva alimentar, mas devido às ligações mentais simples que fazem com que as pessoas ajam sempre de maneira comum. Uma pessoa pode, de uma hora para a outra, decidir que o lugar de um tigre é no meio de um bando de cordeirinhos desmamados – perdoem-me pela terrível imagem, mas é a mais pura verdade. E, então, quem diria que o lugar da vovó é eternamente sentada na cadeira de balanço? Ou mesmo, digam-me vocês, já pensaram alguma vez que devemos colocar obras de arte dentro do chuveiro, para serem apreciadas em momentos de contemplação tediosa? Portanto, é claro, as crianças logo pensaram que o melhor lugar para fazer o pote se sentir a vontade seria a cozinha. Ao menos é essa uma possibilidade, quem saberia a verdade quanto ao pote de biscoitos?

Mas o colocaram sobre a mesa e olharam bem para dentro, além do vidro, para o outro lado da cozinha. Quando a mãe chegasse, mostrariam a ela que havia um novo caldeirão na casa. Naquela manhã, como em muitas outras, os feitiços de desaparecimento de Fenilloria Prenel ocorreram surpreendentemente. As crianças, por muito pouco, não acreditaram em que seus olhos estavam vendo e, mais tarde, quando o telefone tocou e mamãe falou do outro lado, comentaram a respeito do espetáculo e a cumprimentaram pelo treinamento, pois estava dando certo.

“Mágica? Que mágica,” perguntou a feiticeira, muito modesta.

“A do desaparecimento, é claro!” disse Oörona, “você não nos engana. Percebemos no exato momento em que a porta se escancarou com força e a ventania entrou na casa. Foi quando você fez o truque! Sempre percebemos, você nem imagina o quanto!”

“Não digam bobagens, sim?” disse ela, do outro lado da linha, “mas, me digam, o que pretendem fazer hoje para o almoço? O jantar é por minha conta; pretendo levá-los para algum lugar, mas acredito que a geladeira tenha alguma coisa interessante. Deem uma olhada, por mim, sim?”

“Tudo bem, mamãe! Obrigado,” disse Poliosso.

Ninguém considerava o gesto estranho; qualquer um que conhecesse as crianças aceitaria de bom grado que a maturidade para ficarem sozinhas estava estampada nos gestos de cada uma delas e nada de infantil, diziam as pessoas, rindo para si mesmos, poderia ser esperado de Oörona Prenel e Poliosso Prenel. Eram dois pequenos adultos, muito adultos e muito responsáveis, vejam só! Vejam só!, riam as titias e as crianças se entreolhavam e davam os ombros.

Poliosso e Oörona, de vez em quando, questionavam-se quanto à sanidade dos adultos em alguns momentos, pois se havia algo completamente insensato era a mente adulta; enquanto o porte assumido pela maioria dos adultos que conheciam era uma mistura de fazer-se sério e respeitável e as incoerências constantes em tudo o que diziam – exceto pela mãe, que era uma feiticeira sábia e capaz. Era inacreditável pensar em como – COMO?! – aquelas pessoas insistiam em algumas inverdades claras e, logo após, faziam-se incrédulas ao menor sinal de retorno da história mentirosíssima. Oörona gostava principalmente do coelho da páscoa e dos ovos coloridos pela casa; como poderia então ir para a casa da tia, num dia, pintar uma série de ovos cozidos e, no dia seguinte, ser colocada para procurá-los com os primos e terem coragem de dizer: ora, mas foi mesmo ele quem os trouxe. O coelhinho da páscoa, é claro.

O dinheiro que os tios lhe davam pagava o esforço teatral de entrar no jogo.

Eles entraram na cozinha e colocaram o pequeno pote sobre a mesa. Ele agora precisava de biscoitos para preenchê-lo; o que mais faria sentido naquele momento seria, então, encher o pote de biscoitos. As crianças discutiram durante alguns segundos sobre qual seria o melhor tipo para colocar ali dentro, então, chegaram à conclusão que algum que agradasse à mãe seria… muito melhor. Mais agradável, disse uma das crianças, mas ninguém sabia exatamente se o menino ou a menina. Subiram, então, num banquinho e pegaram o saco de farinha; pegaram ovos e manteiga, e assaram duas grandes fornadas de biscoitinhos de São Bento.

Usaram formas de animais marinhos: estrelas do mar, pequenos cavalos-marinhos, peixinhos – que poderiam ser multicoloridos se bem decorados, mas não estavam dispostos a fazer isso – e ouriços do mar. Encheram o pote com as duas fornadas e, olhando pelo vidro, mais uma vez – gostavam muito de fazer isso, mas saberia lá Deus o porquê –, perceberam como os animais lá dentro pareciam cada vez mais bonitos. Era o fundo do mar; pela primeira vez, parecia mesmo o fundo do mar. Tiraram, então, a tampa e cada um deles pegou um dos biscoitos.

Eles eram farelentos. Se desfaziam nas mãos.

A mãe chegou à noite e, encontrando o pote sobre a mesa da cozinha, chamou as crianças e questionou;

“O que é isso? Onde apareceu esse biscoito?”

“Nós fizemos, é claro,” Oörona Prenel se aproximou, tirou a tampa e começou a comer. Sua voz dizendo, ‘quem mais poderia ter feito? Não seja boba’. Esse, no entanto, não é o tipo de resposta aconselhável a dar para mães, então a expressão em seu rosto falou por ela; quando as palavras não saem, aparentemente, a ofensa perde a força. O feitiço funciona apenas quando pronunciado. “Nós fizemos. Veja, aqui.”

“E o pote?” questionou a mãe. Pela primeira vez, pareceu notar o pote; antes disso, talvez a fome tivesse colocado uma sombra sobre seus olhos, portanto, viu apenas o biscoito, que conversava diretamente com o estômago. “Isso não é nosso.”

“Sim, não é mesmo? Nós o encontramos hoje! Colocamos em cima da mesa, mas ele estava pedindo os biscoitos. Parecia que estava pedindo biscoitos. Muitos biscoitos. Fizemos o que você mais gosta,” disse Poliosso.

“Vocês falam coisas engraçadas de vez em quando,” disse a mãe. “Pedindo biscoitos... onde vocês já escutaram isso?”

“Não sei,” disse Oörona. “Mas parece certo. Entendeu? Não sei… mas parece fazer sentido. Fizemos uma fornada tão grande. Estou surpresa por caber tudo aí dentro. Quero dizer, foram duas fornadas, mas coube tudo aí.”

“Como assim duas fornadas?”

“Duas fornadas. Aí dentro tem duas fornadas,” disse Oörona.

Para as crianças, que viram aquilo acontecer – sabe-se lá como acreditavam com aquilo era possível –, que viram o pote encher com muito mais do que seria possível, bem, eles apenas seguiram colocando e colocando, enchendo o potinho de biscoitos com o quanto foi possível e, veja só, querido irmão, coube tudo! Exatamente, estou tão surpreso com isso quanto você e, bem, quem imaginaria que esse potinho seria tão grande? A mãe não acreditou na história das crianças; era uma brincadeira, apenas uma brincadeira. As crianças aprendem a contar histórias de todos os tipos e, com o passar do tempo, isso, com certeza, passa. Talvez seja a pior parte de ver os próprios filhos crescerem. É ver aquelas histórias diluindo com o tempo e transformando-se num vazio de encantamentos.

“É claro que coube,” disse ela, sentando-se à mesa e comendo por algum tempo, vendo a quantidade de biscoitos descer aos poucos e, que surpresa, de fato, logo, logo estaria vazio. Colocou a tampa no pote – era mesmo muito bonito, pensou ela – e deixou lá.

Os dias passaram aos poucos e, ao contrário do que se imaginava, o conteúdo do pote não diminuiu. As crianças enfiavam a mão lá dentro todos os dias, tiravam alguns, comiam, repetindo o gesto em diversos momentos do dia, mas o conteúdo parecia não ter fim! Comiam uma vez, duas, três, comiam com geleia e com manteiga, com leite e com chocolate. A mãe, quando chegava todas as noites, pensava que uma nova fornada fora assada, pois “o pote estava pedindo,” como disseram. Já as crianças, no entanto, não suspeitavam de nada. E o motivo? Ora, o motivo quem saberia? Quero dizer, foram duas fornadas tão grandes, certamente está tudo em seu lugar e logo, logo, o pote ficará vazio. Era um pensamento justo, até certo ponto.

Quem saberia explicar bem o motivo dessa vida insuspeita?

Oörona seguiu comendo os biscoitos e fazendo cálculos matemáticos.

Poliosso seguiu experimentando combinações gastronômicas, enquanto comia os biscoitos, no intuito de tirar o gosto ruim da boca.

Ah, e o que terá acontecido, então com, o tal Godofredo Prenel? Bem, ele estava lá no dia quando as coisas saíram do controle e, de certa forma, tudo foi culpa dele. Na verdade, não exatamente, mas, de certa forma, sua parcela de culpa não intencional foi mesmo um dos principais causadores do início da devastação. Como já dito antes, Godofredo era um pouco temperamental. Você deve conhecer algum bicho de estimação como ele; o caso aqui é que as causas do temperamento do porco estavam sempre relacionados a problemas com os outros, ao contrário do que pensavam Oörona e Poliosso. Ele não era simplesmente temperamental, com humor flutuante – na verdade, era um pouco sim, mas vamos ajudar um pouco o pobre porquinho.

A agressão sofrida por ele naquele dia fora a gota d’água! Estava aflito! Uma afronta! Saía pela casa batendo-se nas peças e bufando, guinchando em fúria desenfreada e deixando bem claro que eles, a família, eram mesmo um bando de criaturas terríveis, como sempre fazia quando esse caso em particular ocorria. Godofredo sempre demonstrou uma aversão muito grande a uma expressão em particular, que era proibida na casa – ao menos para ele – e sempre se enfurecia quando um dos seus familiares deixava escapar que, naquele dia, seria servido costeleta de porco. Assadas, cozidas, fritas, fosse como fosse, as costeletas de porco eram sempre um grande problema. Naquela manhã, antes de se desfazer no ar e desaparecer da sala aberta, Fenilloria deixara escapar que, naquela noite, poderiam jantar n’O Suíno. Poliosso, sem perceber o que estava fazendo, bateu palmas e exclamou, ah!, sim, sim!, teremos costelinhas! As orelhinhas de Godofredo se balançaram em fúria, o rosto suíno avermelhou-se e, furioso, começou a guinchar em protesto. Como ousavam?!

Percebendo que as tendências evidentemente canibais da família desagradavam aquele membro importante, Poliosso fechou as mãos sobre a boca, Oörona bateu a mão na testa. O desrespeito é um tipo particular de crueldade, disse o porquinho, mas não disse de verdade, para que todos pudessem entender, portanto ninguém o escutou.

“Como você pode ser tão estúpido?” perguntou ela, correndo atrás do porco que correra para a cozinha e estava agora lá dentro, deixando bem claro que todas as intenções criminosas da família eram percebidas por ele. Não tolerarei!

Ele voltou, então, rapidamente, irrompeu na sala e guinchou tão alto que os restos da fúria ecoaram nas orelhas dos familiares. Ora essa! Mas que porco desagradável, não fizeram nada de mal, estavam apenas conversando sobre coisas comuns à vida humana. Os sentimentos dos porcos nem sempre estão em primeiro lugar; mas Godofredo guinchou mais uma vez, deixando muito claro que ele, de fato, não toleraria aquela conduta desagradável de maneira alguma. Nunca!

Irromperam na cozinha, um pequeno caos instalado. O porco sentou-se num canto, largado sobre si mesmo. Restava apenas um último biscoito no pequeno pote – enfim! - e todos perceberam quando Oörona enfiou a mão ali dentro, agarrou-o e entregou ao porco com um sincero pedido de desculpas, afirmando terminantemente que naquele dia ninguém comeria um porco. A princípio, Godofredo pareceu muito pouco afeito a essa tentativa de reconciliação, mas a insistência da menina e o perfume adocicado do biscoito fizeram-no mudar de ideia imediatamente; guinchou mais uma ou duas vezes, enquanto mastigava, para deixar bem claro que não esqueceria daquilo tão cedo e, sim, sim, seria melhor que não comessem mesmo porco nenhum. Estaria de olho pelos próximos meses; nada de porco. Godofredo mastigou e mastigou e mastigou e engoliu.

O pote estava finalmente vazio, todos podiam ver. Mamãe se desfez no ar mais uma vez e todos voltaram a seus afazeres do dia. Godofredo estava mais calmo. Resmungava vez ou outra, mas estava mesmo mais calmo.

Foi apenas no meio da manhã, quando estavam mais uma vez em frente a janela, olhando para o lado de fora e perguntando-se se valeria a pena sair para brincar no jardim, mesmo com o porco mal-humorado naquela manhã, quando as crianças escutaram, quase baixinho, o barulho de vidro se chocando contra vidro. Eles se entreolharam e voltaram-se em direção ao som; vinha da cozinha. Era a cozinha, não era mesmo? Sim, sim, Poliosso, é na cozinha. Mas não havia ninguém na cozinha.

“Eu acho que não devemos olhar,” sussurrou Poliosso, a voz tremulava.

“Bobagens!” disse ela, pulou do pequeno sofá e caminhou para a cozinha.

Ele desceu devagar do banco e a seguiu, encontrando-a de pé, em frente à mesa. Oörona voltou-se para trás e coçou o nariz.

“Que estranho,” murmurou ela.

“O que?”

Ela saiu da frente do pequeno pote e ele pôde ver como ali dentro, bem ali dentro, havia um biscoito, um único biscoito. Redondo, de chocolate, elegantemente decorado com glacê azul e desenhado. Que coisa mais estranha!

“Você está vendo isso, não está?”

“É claro que estou,” disse ele.

“Eu não coloquei isso aí,” disse ela, “caso você esteja pensando nisso. Você viu como eu dei o último biscoito para Godofredo esta manhã?”

Ele balançou a cabeça afirmativamente, devagar.

Bem, isso era mesmo uma situação atípica. Por mais fácil que fosse para aquelas crianças aceitar os biscoitos que não acabavam com o passar dos dias, o surgimento inato não era algo que se podia aceitar tão facilmente. Eles poderiam pensar – ao menos eu creio que é essa uma hipótese plausível –, fizemos tantos biscoitos!, é esse mesmo o caso aqui, então. Está claro, não há com que se preocupar. Fosse para o menino ou para a menina, gastronomia e matemática tinham a prova do possível quando verificado no universo, acontecendo como algo completamente plausível, desde que não seja visível a transformação. Ou não, talvez não fosse isso e eu estou apenas pensando demais; o que importa neste momento é que o menino tirou a tampa do pote, enquanto a menina confabulava consigo mesma a respeito dos desvios universais das possibilidades metafísicas – ela não tinha um nome melhor para dar à “mágica”, então chamou assim –, e já era muito tarde quando ela estendeu a própria mão para dar-lhe um tapa que o faria largar o biscoito. Ele já estava mastigando.

E deglutiu.

Subitamente, seu rosto empalideceu. Poliosso pareceu ficar tonto e, se estivéssemos lá para ler sua expressão, estou certo de que pensaríamos que ele estava a ponto de desmaiar, pois foi exatamente isso o que passou pela mente de Oörona, enquanto ele tremia e começava a ficar cinza… cinza… cinza… e brilhante. Espere um pouco, pensou ela. A cor retornava aos poucos, retornava e, agora, ele estava cada vez mais resplandescente, ele havia encontrado, pela primeira vez em toda a vida – não que já tivesse vivido muito –, algo que trouxera significado à sua simples existência gastronomicamente pueril. Suas maçãs do rosto estavam rubras, o pescoço acalorado e os olhos, lentamente, piscavam em surpresa, a expressão mais encantada que se podia conceber. É claro, não podemos imaginar o efeito do biscoito sobre o pequeno Poliosso, mas a única expressão possível seria o que Oörona contaria depois:

“Ele tinha uma expressão… era como… meu Deus, como se tivesse saído do corpo por um momento, encontrado o paraíso, e retornado para si, trazendo ainda a sensação dessa fuga,” e foi mesmo isso; poderíamos dizer que Poliosso morreu um pouquinho, tamanha foi a surpresa ao experimentar do biscoito, “imagino que seria algo como… a minha expressão ao descobrir uma fórmula matemática jamais descoberta e que pertença apenas a mim. Ele experimentou o biscoito mais saboroso do mundo; depois eu constatei com meu próprio paladar.”

Mas agora ela não disse nada, apenas entrou em desespero.

Poliosso Prenel estava iluminado. Ela voltou-se para o pote e enfiou a mão lá dentro de novo, balançou-a de um lado para o outro e retirou-a, olhando para a palma, desolado.

“De onde veio esse biscoito?” questionou ele, a voz vacilante. A garganta ainda guardava o efeito da magia escorrendo até o estômago.

“O que? Poliosso, o que aconteceu?”

“Esse foi o melhor biscoito… não, essa foi a melhor coisa que já comi.”

“Isso não pode ser verdade.”

“Eu diria veja por você mesma, mas se tivesse outro ali eu provavelmente o comeria também.”

“Não deveria haver nada ali.”

“É, eu sei. E agora tenho certeza de que você não o colocou. Não estava suspeitando é claro,” ele deu os ombros, “mas, sabe?”

“Não, na verdade, eu não sei.”

“Nem eu. Na verdade, eu não sei o que aconteceu. Nem saberia explicar,” ele não tirava os olhos do pote; a cada segundo, parecia mais e mais desesperançoso.

“O pote estava vazio!” exclamou Oörona.

“Eu sei,” disse Poliosso.

“E você comeu! Por que você comeu? Isso… não sabemos de onde veio!”

“Não sei por que comi,” Poliosso disse, sim, não sabia mesmo. Na verdade, o gesto talvez tivesse sido um mero impulso, mas de onde viera o impulso? De onde viera a vontade. “Eu tive que pegar, então peguei e comi.”

“Mas isso não faz o menor sentido!”

“Minha irmã, minha mais querida irmã, você sabe, bem me conhece e eu te conheço muito bem. Nós dois vimos um biscoito aparecer dentro desse pote,” e ele apontou para o pote, uma leve indignação aportando em sua voz, “dentro disso aqui, que colocamos dentro de casa, sem saber de onde veio; onde colocamos biscoitos, por que Sim!, duas fornadas! Duas fornadas grandes!” ele parou. Em algum momento, começara a guinchar como o próprio Godofredo, mas não sabia exatamente quando. Respirou fundo, “você está mesmo querendo falar de sentido?”

Oörona permaneceu voltada para ele durante alguns segundos e, logo depois, voltou-se lentamente para o pote. Sua respiração era pesada, inspirava e expirava profundamente.

“Vamos jogar essa porcaria fora,” disse ela. “Eu não acho muito seguro manter uma coisa assim dentro de casa. Imagine o que pode acontecer!”

“Espere, espere,” apressou-se Poliosso, segurando os braços de Oörona que se estenderam em direção ao pote. “Como assim jogar fora? Não vamos jogar o pote fora!”

“É claro que vamos, eu não quero isso aqui! Você está certo, não há sentido; não havendo sentido, eu não quero isso dentro da minha casa. Vai para o lixo.”

“Não, é claro que não. Vamos deixar ele aí, bem aí. Vamos ver o que acontece.”

“Poliosso, você está se escutando?!” guinchou ela, “não podemos deixar isso aqui.”

“É claro que podemos. E vamos.”

A discussão não durou muito tempo e Poliosso saiu como o grande vencedor; seus argumentos faziam algum sentido – talvez não tanto quanto os argumentos de Oörona, mas a sensatez nem sempre está presente em todas as pessoas e nem sempre o mais sensato vence todas as disputas de argumentação. Você deve bem conhecer algo similar, um evento muito próximo a você que, saberiam os Céus como, terminou acontecendo, mesmo o mais prudente sendo fazer exatamente o contrário daquilo. Em uma coisa, no entanto, Poliosso tivera uma boa ideia: seria, se possível, interessante observar o pote por alguns dias. Algo bom poderia sair dali. Além disso, não era má ideia que ele, de vez em quando, desse algum biscoito, se realmente o fizesse; na verdade, se realmente tivesse feito uma primeira vez – o ceticismo sempre retorna com o passar do tempo e é apenas provado quando o evento estranho se repete de modo inegável. Se algo de ruim tivesse de acontecer, provavelmente já teria acontecido e, na melhor das hipóteses, as crianças poderiam jogar o pote fora. Era uma mágica inofensiva. Vamos manter o pote!

Oörona concordou. Ele só queria experimentar o biscoito novamente, ela sabia disso. O que não sabia é que ela mesma, a própria Oörona, queria sentir o sabor do tal biscoito, se ele voltasse a aparecer. E pode ter sido uma brincadeira da mãe, ela disse para si mesma – mas era impossível, como vocês podem perceber e a própria Oörona também sabia disso. Exatamente como quando sabemos que fomos muito mal em uma prova, mas insistimos na possibilidade de, não, não, foi apenas impressão. Uma sensação boba. O convencimento do ser humano é uma arte; ninguém consegue enganar tão bem quanto nós fazemos com nós mesmos.

Com o passar dos dias, nada estranho voltou a acontecer.

Por enquanto.


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Notas finais do capítulo

Ei, espero que tenha gostado! Se gostou, deixa um comentário pra mim e divulga com os amigos, ok?!

Muito obrigado e te espero no capítulo dois - e final!



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