Família De Marttino. Recomeço(degustação) escrita por moni


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo. Estou ansiosa. Conto muito com vocês para continuarem acompanhando a saga da Família De Martino.
Obrigada!!!!!!!!



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   Pov – Kevin 

    Assim que desço no aeroporto internacional de São Francisco meu corpo todo está dolorido, não importa o tamanho do avião, os acentos nunca são confortáveis o bastante para alguém como eu. Um metro e noventa e três de altura significam pernas encolhidas por horas sem fim.

   Prendo os cabelos num coque e caminho com a mochila nas costas, nunca fui de andar por aí cheio de malas, uma mochila basta para carregar tudo que preciso.

   Não vou ficar tempo o bastante, nada mais que uns dias. São Francisco já foi meu lar, mas isso foi há muito tempo. Agora é na Itália que me sinto em casa. No vinhedo De Martino, como enólogo ou na minha casa sobre a mecânica. Meu velho galpão é hoje uma casa muito confortável. Quando aluguei não passava de um espaço vazio e abandonado, consertei, reformei, mobilhei e hoje é do jeito que preciso.

   A moto que aluguei me espera no estacionamento, um rapaz com camisa de logotipo da empresa e um sorriso fraco me entrega a chave e uns minutos depois estou deixando o aeroporto.

   Não está em meus planos me hospedar na casa dela, tem muitos anos que não me considero para da nova família da minha mãe. Tem muitos anos que não me considero parte de qualquer família.

   Sigo para a Haight Street, deve ser mais a minha cara encontrar um quarto simples para passar umas noites. Berço dos Hippies dos anos sessenta e setenta ainda é berço dos não-conformistas. Ao menos era quando deixei esse lugar há oito anos.

   Corri o mundo até um tempo depois achar meu lugar na Toscana. O dia está bonito, as ruas movimentadas. Haight street não é a mesma, muitos mendigos.

   Mesmo assim é o mais perto que me lembro de me sentir em casa. Eu encontro um pequeno hotel para mochileiros. Não sou mais o cara que saiu daqui, revoltado e encrenqueiro, cheio de magoas. Um arruaceiro babaca que descontava sua raiva da infância difícil em tudo e todos.

   Me registro, posso pagar um bom quarto em qualquer quarto cinco estrelas da cidade, mas é na simplicidade que me sinto em casa. Raízes do passado pobre.

   Atiro a mochila sobre a cama e abro a janela antiga. Ela range, mas a vista é perfeita. Que se dane se a janela é velha, não diminui a beleza da visão que proporciona.

   Depois de um banho penso em sair e rever a cidade. Digirir pela ponte Golden Gate, atravessa-la até Napa Valley e ver os vinhedos, provar alguns vinhos californianos, aspirar o cheiro de uvas.

   Tem menos de vinte e quatro horas que deixei os vinhedos e já sinto falta do cheiro de uvas.

   Pego o celular, encaro o número dela, minha mãe, devia falar logo com ela, pegar minha mochila e voltar para casa. Não temos nada em comum. Não combinamos, não nos entendemos, a vida dela é insuportável para mim, assim como a minha é para ela sinônimo de vergonha.

   Deixo minha mãe para amanhã ou depois, mesmo sendo ela a razão de estar aqui. A única razão. Não fosse seu chamado e sua insistência em me ver eu não teria mais pisado em São Francisco, era esse meu plano quando entrei naquele avião rumo a Paris e depois Londres e finalmente Itália.

   Quando piloto a moto pelas ladeiras de São Francisco me lembro da infância, dias difíceis. O fato de termos pouco dinheiro não era realmente um problema, não para mim.

   Eu me contentava com as ruas e a bicicleta velha, o problema, a coisa que acabava comigo eram as brigas. Meu pai e minha mãe não tinham limites quando começavam uma briga. Coisas voavam pela casa, gritos, até tapas e socos.

   Então era a policia chegando, meus pais sendo levados até o distrito policial e eu, sozinho, no meio daqueles dois acabava sempre em algum abrigo. Uma noite, duas, uma semana. Nunca entendi por que diabos eles iam me buscar.

   Eleonor e Walter sempre chegavam de mãos dadas, sorriso no rosto e uma promessa de nunca mais brigarem. E lá ia eu de volta com eles para casa até uma nova briga. Uma nova guerra entre os Sayer, e de novo eu estava sozinho no meio de crianças perdidas, de novo eu tinha que lutar por uma cama, um prato se sopa, uma coberta nas noites frias e eles nunca, nem nos melhores dias me perguntaram o que acontecia quando eu era atirado nesses abrigos.

   A moto ganha velocidade enquanto sigo em direção ao píer 39 adorava comer siri com meu pai, caminhar até o píer 43 e ver de longe os leões marinhos tomando sol próximos ao aquário.

   A última vez que estivemos juntos no píer foi uma semana antes dele morrer. Walter Sayer teve uma parada cardíaca aos cinquenta anos no escritório e morreu antes mesmo de chegar ao hospital.

   Nunca mais estive em um abrigo para menores depois disso, mas minha vida não ficou muito melhor. Teve a dança dos namorados da mamãe, meia dúzia deles. Dick Graham o politico que na época aspirava ser senador e era ainda um deputado republicano de família importante.

   Divorciado e com dois filhos do primeiro casamento, fui para faculdade e a cada vez que voltava minha mãe estava mais distante, primeiro foram pequenas mudanças no corte de cabelo, as roupas, depois os chás beneficentes, o casamento elegante e então não era mais ela.

   Eu não era muito bem-vindo entre eles. Cabelos longos, tatuagem, Dick queria ser senador e definitivamente eu manchava a foto de família típica que eles queriam parecer.

   Dick não deve nem sonhar em como minha mãe é boa em gritar e atirar coisas enquanto diz todo tipo de palavrões num ataque de fúria.

   Não sinto fome quando chego ao píer, vejo os turistas tirando fotos e olhando Alcatraz de longe. Eu era bem encantado pela imagem de Alcatraz, pensava que o próprio Al Capone tinha estado preso naquele lugar e pensava em como devia ser doloroso estar preso.

   No fundo me sentia um pouco como os antigos prisioneiros de alcatraz. Preso a uma vida que não me pertencia. Carrie era o que me mantinha ainda firme.

   Namoramos por cinco anos. Ela era linda, inteligente e sonhadora, tínhamos planos, quando me formasse em engenharia eu trabalharia um tempo em Napa Valley, até juntar dinheiro para comprar um pedaço de terra e então teríamos nosso próprio vinhedo e nos casaríamos entre as uvas. Numa cerimônia romântica e viveríamos felizes para sempre.

   Eu devia ter notado alguma diferença. Devia ter percebido alguma mudança. Me sento no píer, o vento empurra meus cabelos para o rosto e volto a prende-los.

   Encaro o horizonte enquanto assisto as pequenas embarcações cruzando a baía levando turistas.

   Carrie ficou tão amiga da minha mãe depois que ela se casou com Dick. Eu vinha nos feridos, nas férias e ela estava sempre contando sobre um jantar que foi com o casal, um comício e como a política era instigante.

   Então meus cabelos eram um problema, e as tatuagens, então eu deixei de ser um sonhador e passei a ser um conformista que não queria ir muito longe e ela queria mais.

   ―Idiota. – Digo em voz alta. Quando me lembro do anel que comprei, de nós dois nas escadarias da estufa do conservatório de flores. Sinto tanta raiva, ela disse sim, aceitou ser minha noiva.

   Não podia dizer não, não podia se afastar da minha mãe, não até fisgar o Graham solteiro e passar a ser nora dela, mas não minha esposa. Quando me devolveu o anel já tinha um diamante no dedo, já estava com o casamento marcado com o filho mais velho de Dick Graham, hoje deputado. Dick é senador, o filho deputado e minha mãe e minha ex-noiva são agora esposas respeitáveis de políticos importantes.

   O que mais eu podia fazer? Não tinha mais nada para mim aqui se não lembranças macabras e fiz minha mochila. Não tenho família, não quero ter. Não vou cair de novo nos braços de uma nova Carrie.

   Nunca mais uma garota vai ouvir de mim um eu te amo, case comigo. Nunca mais entro numa joalheira para comprar um anel e sonhar com uma família.

   Pode funcionar para alguns, não para mim. Gosto da vida que construí, gosto de ter mulheres sem compromisso, da conquista, da provocação, não do romance, isso eu não vou viver nunca mais.

   Quando piloto de volta para o quarto no pequeno hotel me dou conta que mesmo todos esses anos fora não foram o bastante para apagar o passado e não consigo mais viver aqui.

   Acordo por volta das onze, antes mesmo de deixar a cama pego o telefone e ligo para minha mãe.

   ―Queria me ver? Estou em São Francisco.

   ―Kevin?

   ―Não. O papa.

   ―Que bom, chegou quando?

   ―Ontem, mas não posso ficar muito tempo, podemos nos ver hoje?

   ―Eu preciso... espere, tenho um compromisso para o almoço, assim em cima da hora não consigo cancelar. Quem sabe um chá, se quiser pode vir jantar aqui e...

   ―Não, na sua casa não, outro lugar, qualquer outro lugar.

   ―Está certo, vou mandar o endereço de um restaurante discreto. Nos vemos. As oito?

   ―Estarei lá. – Desligo. Fico na cama passando os canais de teve e pensando sobre o que pode ser esse encontro. Nos falamos pela última vez há seis meses, ela me ligou numa crise de consciência e depois de uns calmantes. Levou dois minutos e depois disso acabou, agora insiste num encontro.

   Quando chego ao restaurante eu a encontro a minha espera. Está bonita, cabelos curtos, vestido clássico, ela fica de pé quando me aproximo e não sei bem como cumprimenta-la.

   Ela estica a mão resolvendo meu dilema. Apertamos e me sento.

   ―Continua o mesmo. Tinha esperanças que tivesse cortado os cabelos. Sabe que hoje em dia se pode apagar essas tatuagens?

   ―Gosto delas.

   ―Vamos pedir? Não se preocupe com a conta, é meu convidado. – Sorrio. Ela é mesmo uma aristocrata superficial. Uma atriz a bem da verdade, por que essa vida que ela tem e finge ser sua natureza foi forjada nos mínimos detalhes.

   ―Tem ideia de quanto ganha um enólogo como eu que trabalha no maior vinhedo da Itália e talvez um dos maiores do mundo? Sabe quantos prêmios eu já ganhei?

   ―Não quis ofende-lo. – Ela diz fazendo sinal para o garçom, pede uma comida requintada e adoraria pedir tacos e me lambuzar todo para irrita-la, mas não tem tacos num lugar como esse, nem um reconfortante bolo de carne, também seria bom, peço um filé e então estamos sozinhos de novo. – Nunca fui capaz de entender por que decidiu trabalhar com vinho, não combina com você.

   ―Não sabe o que combina comigo e estamos a uns quilômetros de Napa Valley, fui lá muitas vezes, é o berço do vinho no país. Faz sentido eu ter... quem se importa não é mesmo? O que era tão importante?

   ―Você está bem? – Ela olha minha mão. – Solteiro ainda?

   ―Sempre. Onde está seu marido senador?

   ―Em casa, vamos começar a campanha em um mês.

   ―Ah! Claro, reeleição.

   ―James quer se candidatar a presidente, em oito anos, isso... você sabe, a Carrie e ele.... o sonho deles é esse. Do Dick também.

   ―De todos os Graham. Não quero falar dela. Nem da vida de vocês, não me importo.

   A comida chega, não pedi vinho, amo demais meu trabalho e meu prazer para marcar um bom vinho com essa lembrança. Ela toma um gole de água.

   ―Tantos músculos, você acha que precisa passar tanto tempo na academia?

   ―Não passo mais tanto tempo na academia, mas era um bom lugar para estar e não pensar na droga da vida que eu tive.

   ―Seu pai era um homem difícil, sinto que tenha crescido em meio a tantas brigas.

   ―Sente mesmo? – Mastigo um pedaço do filé sem a menor cerimônia, provoco Eleonor como se tivesse de novo quinze anos e quisesse me vingar de um fim de semana no abrigo.

   ―Kevin, por favor. – Ela olha em torno. – Estamos em público.

   ―Não muito mamãe, você escolheu bem, não é mesmo? Um lugar bem escondido onde ninguém pode descobrir que jantou com um ogro.

   ―Como disse, James sonha com a presidência, o partido acha que o nome dele é forte, Dick é um nome forte no partido, nossas vidas, nos próximos anos, serão muito comentadas, investigadas, qualquer sujeira do passado pode destruir o sonho de toda uma família, de muitas famílias.

   ―Vai ser um escândalo quando descobrirem que seu filho que ninguém sabe que existe viva sendo atirado num abrigo por que os pais se divertiam atirando objetos pesados e pontiagudos um no outro.

   Rio quando vejo seu rosto perder a cor e me recosto na cadeira olhando para ela. Minha mãe fica muda um longo momento. Toma um gole da água ganhando tempo.

   ―Kevin...

   ―Já entendi. – Digo a ela. – Sou parte de um passado que quer apagar. Não tenho intensão alguma de ficar entre vocês, não vou surgir pedindo dinheiro ou reconhecimento, nunca quis isso, nunca precisei de vocês.

   ―Sinto muito por nosso passado, quando casei com o Dick tentei fazer você se adaptar, mas você não fez qualquer esforço. Nunca quis se encaixar.

   ―Mudar. Não me encaixar. Não era o que queria, queria que eu fosse outra pessoa. Me chamou aqui para pedir que fique longe? Por que eu estava bem longe, não me lembro de ter ligado, aparecido, não me fez atravessar o oceano para me pedir que não atravesse de novo o oceano. Diga que não é isso.

   ―Dick acha que vão acabar revirando meu passado também, e o de Carrie, foram noivos, você é meu filho. Se acontecer, se por acaso forem atrás de você...

  ―Prometo dizer que nunca os vi. Me envergonha muito mais fazer parte dessa família do que envergonha vocês. Acredite.

   ―O modo como seu noivado acabou...

   ―Com Carrie me traindo com seu enteado por meses. – Eu digo com todas as letras. – Sabia? Nunca tive coragem de perguntar antes, mas agora que não dói mais eu queria saber. Você, minha mãe, sabia que ela estava me traindo?

   Seu silencio responde minha pergunta, dói, não a traição, essa eu quero acreditar que superei, mas minha mãe.

   ―Não queremos que minta, basta que omita os problemas. Pode fazer isso?

   ―Já ouviu falar em E-mail? Podia ter me enviado um. Explicando isso e tudo bem. Mãe, não quero contar sobre nosso passado, precisa saber que em minha nova vida o nome de vocês jamais foi citado. Se descobrirem sobre mim não será motivo de vergonha. Tenho um ótimo emprego, uma boa conta bancária e muitos prêmios. Nada que vá envergonhar vocês.

   ―Desculpe meu filho. Por não ter sido boa mãe, por não ter insistido mais em encaixar você na nova família.

   ―Estou bem, você está e o passado não pode ser mudado. Então vamos seguir em frente. Não vou ser uma pedra no caminho de vocês.

   ―Carrie e James tem medo que queira vingança.

   ―Isso é coisa de romance mamãe, quero só viver minha vida. Diga ao casal que pode continuar sonhando com a Casa Branca. Honestamente eu acho que será sempre um sonho. James era fraco, é fraco e sempre será fraco, nunca vai deixar de ser um deputado.

   ―Está muito tempo fora. As coisas mudaram. Mesmo assim só quero que por favor, nos dê uma chance.

   ―Boa sorte mamãe. ― Afasto a cadeira. – Tenho que ir, fico mais dois dias aqui. Quero viajar de moto um pouco e depois volto para casa e não esqueça e-mail. É o bastante.

   Fico de pé, coloco de volta a jaqueta de couro, balanço os cabelos para provoca-la. Estendo a mão que ela aperta um tanto confusa.

   ―Kevin.

   ―Do seu jeito você tentou, do meu jeito eu recusei. É isso, sem magoas ou culpas. Tudo bem, nem sempre dá certo.

   ―Boa sorte. – Ela me diz sem mais o que dizer.

   ―Obrigado. – Tento me afastar, ela segura minha mão.

   ―Tem uma última coisa. Carrie está grávida. – É um certo baque, é a vida que talvez nós tivéssemos, suspiro. Encaro minha mãe.

   ―Desejo um bebê resplandecente para o casal. – deixo o restaurante pensando na pequena Bella De Martino. A garotinha filha do meu chefe e amigo Vittorio De Martino que de vez em quando acaba sob meus cuidados e é uma pequena ardilosa e divertida. Isso é o mais perto que quero chegar de uma criança.

   Subo na moto e ganho as ruas com velocidade. Os dois dias seguintes eu passo na estrada, revendo velhos lugares e me despedindo definitivamente do passado. No que depender de mim é a última vez que venho a essa cidade. Quando entro no avião e ele levanta voo assisto São Francisco desaparecer ficando cada vez menor. Até não ser nada e só existir nuvens sob o avião. De algum jeito é o desfecho final no passado e hora de um recomeço.


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Notas finais do capítulo

Amanhã continua com pov da Valentina!!!!!!
Beijosssss