A Dádiva do Tempo escrita por Lua Chan


Capítulo 7
O garoto de lugar nenhum




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Os corações do Doutor explodiam de ansiedade, ele tinha certeza que pôde ouvir a voz nada serena e embargada de Rose. Sua garota gritava com alguém cuja voz o Doutor não conseguiu identificar até chegar no carpete da casa dos Tyler.

— Sinto muito, mas não posso ir com você. Já disse!

— Podemos começar uma vida por lá, Rose. É Nova York.

O Doutor imediatamente reconheceu a segunda voz. Era Joshua e ele parecia impaciente, um pouco mais do que a própria Rose. Eleven teve medo de a discussão se tornar algo muito pior, mas também não quis interromper. Ele não tinha o direito de se intrometer na vida de Rose, agora que a garota era independente e tinha sua própria família. O Doutor, portanto, optou em fazer silêncio e ver até onde aquilo tudo iria.

— Não posso deixar a minha mãe aqui, Josh. Além do mais, eu... eu...

Rose silenciou, os corações do Doutor Maltrapilho já estavam a mil. Ele encostou o ouvido na porta, pensando na possibilidade de os dois estarem se comunicando através de sussurros, mas não era isso. Rose realmente havia empancado no meio da frase - Eleven jurou ter ouvido soluços, mas não quis se torturar ainda mais. A curiosidade e o desespero já estavam dilacerando seu peito. Era o suficiente.

— Você o quê, Rose?! Vamos, fale! - Josh atiçou, provando que ele não era totalmente confiável, como o Doutor imaginava - É aquele sem noção de novo, não é? Você ainda sente falta dele, admita!

Por breves segundos, o Doutor sentiu um dos corações parar de bater, mas foi somente o excesso de adrenalina em suas veias. Eleven teve uma sensação nostálgica, que não pertencia a este corpo. Pelo menos, eram lembranças que não faziam parte do seu 11° eu.

Ele lembrou da bravura de Rose Tyler, nas diversas vezes em que enfrentaram o perigo; da primeira vez que ela o beijara, quando ainda estava em sua nona aparência, pronta para encarar sua décima transformação. Lembrou do dia em que Cassandra O'Brien entrou no corpo de Rose e roubou um longo e intenso beijo seu (nunca ficou tão feliz por alguém ter possuído o corpo de Rose Tyler). Eram recordações amargas neste novo cérebro, mas o Doutor ainda sentia falta.

— Só existe um homem que foi capaz de me deixar perdida apenas com um sorriso. - disse Rose, com uma espantosa convicção - De me deixar desolada com sua falta e você sabe muito bem de quem estou falando. Mas, por tudo o que é sagrado, Josh, esse homem não é John Smith.

— Tem certeza? - Joshua voltou a provocar, assumindo um tom irônico estupidamente grosseiro. O Doutor não aguentava mais.

— Como ousa!

Eleven segurou a maçaneta da porta com uma força imensurável. Ele não apreciava tanto sentir as emoções humanas, mas a raiva era algo inerente a qualquer ser. O homem estava prestes a abrir a porta, quando uma sombra mediana exposta perto de um arbusto o assustou.

— Eu não faria isso se fosse você.

A figura alarmou, obrigando o Doutor a virar-se para ela. Se tratava de um adolescente de cabelos levemente longos e pele morena. Os olhos, dois botões negros, estranhamente refletiam o semblante de alguém mais jovem. O menino cruzava os braços, encarando o Doutor com um olhar de indiferença.

— Com licença? - o Doutor rebateu, desconfiado. O menino deu de ombros, mas continuou a falar.

— Eu disse que é melhor você não entrar aí. Joshua detesta interrupções.

— E quem seria você? - perguntou o Doutor com um sorriso sarcástico - O guarda costas dele?

— Sou apenas tão curioso quanto você, Doutor.

O sorriso desmanchou-se dos lábios frios do homem, que desistiu da discussão entre Josh e Rose para voltar-se ao menino. Ninguém mais - além de seus companions - sabia de sua identidade. Na Terra ele tornou-se apenas uma incógnita, um homem qualquer. Eleven. Não havia como outras pessoas saberem de seu segredo, não é?

Aparentemente, sim, havia.

— Quem é você?

O garoto sorriu pela primeira vez, o Doutor não soube identificar que emoções irradiavam daquele simples gesto, ele era ilegível. Um arrepio se prolongou pela espinha do Doutor.

— Sou alguém que te conhece, Doutor. Alguém que pode ajudar a completar sua missão.

O Doutor, imediatamente, olhou para todos os lados possíveis, preocupado de alguém estar vigiando os dois. Ele puxou o garoto para perto e escondeu-se no arbusto que o menino se encontrava. O homem maltrapilho apertou os ombros do menino com tanta força, que deve ter estalado algum osso.

— Alguém te enviou? - perguntou o Doutor, numa mistura perturbadora de raiva e desespero - Mestre? John Smith? Alguma entidade do mal?

— Oh, por favor, Doutor. Você é inteligente demais pra saber que eu não sujaria minhas mãos para trabalhar com o Mestre. Falo o mesmo por John Smith.

— Já esqueceu que eu não conheço você?

O garoto revirou os olhos.

— Tudo bem, você está certo. Mas não sou seu inimigo. Pode confiar em mim.

Aquilo parecia uma piada de mau gosto, mas o Doutor sabia que não tinha muitas opções. O garoto estava oferecendo ajuda e emitia uma estranha aura de conforto - muito semelhante a que ele mesmo emitia às pessoas que ajudava. Como os humanos diziam, era "pegar ou largar", e ele estava mais do que disposto a cumprir com sua missão na Terra. O Doutor apertou a mão do garoto, ainda hesitando.

— Bem, Garoto Misterioso, espero estar certo ao confiar em você. Qual é mesmo o seu nome?

— Jacobus Loch. Mas pode me chamar de Jake.

— Bem, Jake, eu sou o Doutor, mas acho que você já está ciente disso. - disse o homem maltrapilho, exibindo um sorriso mais amigável - Diga-me, caro Jake, você por acaso é humano?

Jake pensou por alguns instantes, antes de dar a resposta, deixando o Doutor mais ansioso do que nunca.

— Talvez sim, talvez não. - disse o menino, movendo a cabeça para os dois lados.

O Doutor estava prestes a argumentar, mas de longe ele ouviu o ranger da porta dos Tyler. Era Joshua, saindo a mais de mil. Eleven sabia que aquela era sua deixa pra conversar com Rose sobre o ocorrido, mas antes tinha que lidar com um certo garoto.

— Você quer mesmo falar com ela, não é? - diz Jake, recebendo um aceno de aprovação do Doutor - Tudo bem, só tome cuidado. E não estrague as coisas. Você tem a chave da TARDIS aí?

O Doutor engasgou no mesmo instante, ainda muito confuso. O garoto sabia mais do que deveria e aquilo estava corroendo o estômago dele. A mão de Jake estava estendida, pronta para tomar posse da preciosa chave de sua TARDIS. Ele teve medo de entragá-la para o estranho, mas o fez da mesma forma, sem argumentar. O Doutor sentia a aura de segurança de Jake aumentar, por algum estranho motivo, ele sentia que aquilo era certo, apesar de não ter nenhuma garantia - se Jake realmente não for humano, talvez essa seja sua habilidade - . Entregou, então, a chave e observou o garoto caminhar até o outro lado da rua, dando, por fim, um aceno para o Doutor.

Eleven balançou a cabeça, entorpecido pelo nervosismo e seguiu até a casa de Rose, saboreando o único pensamento que invadia sua mente:

Deveria mesmo confiar no garoto?


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Notas finais do capítulo

E aí? O Doutor deve confiar no Jake?



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