Rotina escrita por Zusaky


Capítulo 1
Capítulo único




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Hinata passou a língua sobre os lábios, limpando a mancha do chocolate que outrora havia estado ali. Apesar de já trabalhar naquele lugar há alguns meses, ainda não havia conseguido enjoar da bebida típica do local. O Sainte Chapelle, um Café que homenageava a capela gótica de mesmo nome, possuía uma decoração mais rústica e sombria, mas o ambiente era tranquilo. Hinata gostava de trabalhar ali – era o que pagava suas contas, afinal.

Ela ouviu o sino da porta do balançar, anunciando um novo cliente, mas permaneceu quieta. Logo alguma outra garçonete iria atendê-lo. Segundos depois, burburinhos encheram a pequena sala destinada às funcionárias do lugar.  

Ao ver Tenten  se aproximando, Hinata colocou a xícara sobre o balcão. Os murmúrios sumiram. Ela já tinha um bom palpite do motivo que havia causado tudo aquilo, mas preferiu esperar pela palavra da outra.

— Hinata, sei que ainda está no seu intervalo, mas... — começou a dizer, irrequieta. — Será que você pode atender ao cliente que chegou?

Hinata soltou um sorriso, confirmando sua teoria. No último mês, aquele tipo de pedido havia se tornado frequente. E ela sabia de qual cliente se tratava. Sasuke Uchiha, o seu mais novo vizinho e, agora, frequentador assíduo do Sainte Chapelle. As outras meninas logo mostraram um interesse explícito por ele – interesse esse que foi rudemente rejeitado por ele. A Hyuuga não se importava com isso. Eles nunca haviam trocado uma palavra sequer, mas Hinata várias vezes se flagrou observando-o na academia do prédio e na hora de pegarem suas respectivas correspondências.

Em todo esse tempo, ele nunca havia cumprimentado-a. Nem um simples bom dia. Hinata, porém, continuava a cumprimentá-lo, mas não mais esperava por uma resposta. Um breve olhar era tudo o que ele dedicava a ela.

— Não tem problema — Hinata respondeu, sendo abraçada por Tenten logo em seguida.

A Hyuuga suspirou, criando coragem. Já havia percebido que seu nervosismo aflorava ainda mais quando estava perto daquele homem, mas isso, por si só, não justificaria que gaguejasse ou corasse na frente de um cliente. Tsunade, a gerente do local, costumava ser rígida e não era do tipo que permitia falhas de suas funcionárias.

— Boa noite — Hinata cumprimentou, sorrindo de maneira sutil para o rapaz. — Gostaria de fazer um pedido?

Observadora como era, ela já conhecia os gostos de boa parte dos frequentadores dali. Alguns preferiam um café amargo; outros, iam apenas pelas tortas doces; alguns sempre escolhiam algo salgado. Mas não Sasuke. A cada dia, era um pedido diferente, sem seguir um padrão exato, como todos os outros. Sasuke Uchiha não possuía uma rotina.

— Um café amaretto.

 Hinata anotou e saiu, dizendo que logo mais voltaria com o pedido. Não imaginou, num primeiro momento, que aquele seria o pedido, mas voltando a pensar um pouco no assunto, Sasuke era exatamente como aquele tipo de bebida – era forte e marcante, assim como ele próprio.

A Hyuuga não demorou a levar o pedido de volta. Aproveitou e serviu mais três outros clientes dali. Cerca de quarenta minutos depois, ela notou Sasuke levantar-se e caminhar até à saída, após deixar o dinheiro sobre a mesa em que estivera. Porém, assim que o viu, através dos vidros da janela, virar a esquina, notou que ele havia deixado a carteira cair.

Preciso devolver, pensou, afoita. No caminho para a saída, Hinata pensou em mil maneiras de abordá-lo. Iria chamá-lo de senhor? Muito formal. Gritar seu nome na rua e atrair toda a atenção para si? Fora de cogitação.

Meu Deus, é só uma carteira. Você consegue!

Mas tudo o que ela viu, já na calçada, foi a multidão que provavelmente havia acabado de sair de seus trabalhos. Hinata engoliu em seco, ainda com a carteira em mãos.  

. . .

Quando chegou em casa, já em um horário em que tudo estava mais quieto e silencioso, Hinata ainda possuía a imagem de Sasuke e de sua carteira na cabeça. Era difícil de acreditar que havia ficado com aquele pertence por causa da timidez excessiva – e por pensar demais antes de fazer qualquer coisa, ela lembrou-se.

Não sabia em qual dos apartamentos Sasuke morava, mas mesmo que soubesse, não teria coragem de importuná-lo naquele horário. Ela suspirou, jogando-se em sua cama, cansada daquilo. Estava dando uma atenção a mais àquele assunto.

Devolveria a carteira na noite seguinte.

. . .

 Durante as aulas na faculdade, Hinata continuava lutando para manter Sasuke afastado de seus pensamentos. Mal conseguiu notar quando, enfim, havia chegado o horário de ir para o Sainte Chapelle.

Agradeceu mentalmente pelo fato de estar mais vazio que o normal. Já era sexta-feira, e tudo o que ela mais precisava era de um longo descanso no final de semana, para que pudesse estudar para as provas finais.

Sempre que o tilintar do sino ressoava, Hinata sentia o coração palpitar mais forte ainda. Quando ele ressoou novamente, quase em seu horário de saída, ela olhou novamente e seus olhos perolados encontraram-se com os profundamente negros de Sasuke. Gélidos e impassíveis, eles sempre tinham o poder de deixá-la sem palavras, como se pudessem ver através de si. Como se ela fosse transparente.

Hinata tocou o bolso da calça, sentindo o objetivo que havia sido o início de sua tormenta desde o dia anterior. Ela já ia se dirigir à mesa do rapaz quando notou, com certa surpresa, um sorriso mínimo nos lábios bem desenhados dele. Não era um sorriso de felicidade, disso ela teve certeza.

Ele sabe.  

Ela desviou o olhar, não conseguindo sustentar aquele contato por muito mais tempo. Reunindo todas as forças que tinha, seguiu até ele. E a rotina seguiu como sempre. Sasuke fez o pedido, Hinata anotou, mas não conseguiu fazer mais do que isso. Preferia entregar a carteira junto ao pedido, para que não precisasse mais olhá-lo, por mais que apreciasse fazer aquilo. Mas não naquele dia.

— Hinata, já pode levar o pedido — disse uma das outras funcionárias, e assim a Hyuuga o fez.

No caminho, ela permanecia fitando o líquido fumegante e a fumaça que saía dele. A cada passo, ondas circulares iam se formando no café. Hinata esforçou-se para sorrir, mas não pôde esconder o rubor nas bochechas ao colocar o pedido sobre a mesa.

 Sasuke balançou a cabeça, no seu típico agradecimento mudo.

 — Com licença... — Hinata pediu, com a voz doce e fina. Os olhos perolados estavam fixos no chão. — Eu acho que você deixou sua carteira sair ontem, Sasuke-kun. Eu guardei para te entregar, mas não... olhei nada dentro dela.  

  Hinata achou que o silêncio que se seguiu ia matando-a mais e mais a cada segundo. Era bem verdade que em seu íntimo já havia imaginado diversos tipos de cenários em que conseguia conversar com Sasuke. Não sabia o porquê daquele desejo, mas também não tentava controlar. Ainda assim, em toda as falsas conversas que criava, nenhuma era parecida com aquela.

 — Obrigado — ele soltou após um tempo, levando o café à boca. Somente após bebericar um pouco que ele continuou, voltando com o mesmo sorriso nos lábios. — Se não olhou dentro, como sabe meu nome?  

 Hinata sentiu todo o corpo esquentar. Um detalhe. Um único detalhe havia colocado tudo a perder. Como ela iria explicar que havia visto, mesmo que de esguelha, aquele nome tão peculiar nas correspondências que ele pegava?

 — Nós m-moramos no mesmo prédio. — Aquilo não era desculpa, e ela sabia disso. Mas era tudo que tinha surgido no início. — Eu acho...

 — Você acha? — Ele divertiu-se, embora não tivesse, exatamente, um semblante alegre em seu rosto. Hinata amaldiçoou-se por dentro, imaginando o quão terrível era toda aquela situação. — Que horas termina seu turno aqui?

A Hyuuga surpreendeu-se com a pergunta, voltando a fitar os olhos escuros dele.

— Hã... Acho q-que já estou no meu horário de sair.

— Vou te esperar lá fora.

Aquilo não era um pedido, estava mais para um aviso. Hinata notou que ela não era a única com dificuldades no quesito social. Imaginou que talvez ele quisesse agradecer novamente pela carteira, ou apenas não queria atrasá-la a sair. De qualquer forma, ela se retirou da recepção e foi para o camarim recolher seus pertences e trocar suas vestes.

Quando saiu, notou que Sasuke realmente a esperava, recostado no vidro e com as mãos aquecidas pelo sobretudo escuro. Foi apenas naquele instante que ela notou que realmente fazia frio e não havia levado uma blusa de frio sequer. Sentiu os pelinhos do braço ficarem eriçados, fato que Sasuke também notou.

— Tome — ele disse, oferecendo o próprio casaco. Ao ver a inquisição dos olhos perolados, ele completou. — Vista isso se não quiser morrer de frio.

E assim Hinata o fez, surpresa com a atitude dele. O cheiro que vinha era uma mistura do perfume de Sasuke com o cheiro de cafeína. Não pôde deixar de sorrir ao descobrir mais coisas sobre ele.

— Obrigada, Sasuke-kun.

— Você parece gostar do meu nome.

— N-não é isso!

Como não houve uma resposta da parte dele, Hinata emudeceu também, passando a acompanhá-lo na caminhada.

— Por que resolveu m-me acompanhar? — perguntou, com a curiosidade atiçada.

Sasuke demorou um pouco mais para responder.

— Quem sabe...

A resposta vagueou pelo ar, e Hinata soube que ele não era do tipo que se justificava aos outros. Ela sentia o mistério que rondava Sasuke, mas isso só a fazia se sentir mais tentada a saber mais sobre ele.

Durante o percurso, ela não teve coragem de fazer outras perguntas. O rosto ainda estava corado, e ela sabia que iria gaguejar se começasse a puxar conversa com o rapaz. Ele, por outro lado, parecia apreciar o silêncio estabelecido entre eles.

Eles não se demoraram, ainda mais porque o frio parecia só querer aumentar ainda mais. Alguns minutos de caminhada, a entrada no prédio e a espera por um elevador que não demorou a chegar.  

Hinata nunca antes tivera problemas com o elevador do prédio. Entretanto, naquele momento, ela odiou aquele silêncio, aquela demora. Jurava que podia escutar as batidas do próprio coração. Agradeceu mentalmente quando chegaram ao sexto andar. Sasuke continuou a acompanhando, até que chegaram em frente ao apartamento de Hinata. Ele permaneceu um tempo olhando para os números gravados na porta. 604.

— Obrigada por me acompanhar, Sasuke-kun.       

— Irá trabalhar na segunda? — indagou ele logo que ela terminou de falar, ao que Hinata apenas maneou a cabeça numa afirmativa. — Vou te esperar no mesmo horário.

— Me esperar? — Hinata franziu as sobrancelhas e piscou os olhos repetidas vezes, crente de que havia escutado errado.       

Tudo o que ela teve como resposta foi o mesmo sorriso de outrora, e mais uma vez Hinata se sentiu transparente perante aquele olhar ferino de Sasuke, como se ele estivesse se divertindo ao ver as reações que causava nela. Antes de se virar para ir embora, ele soltou:

— Boa noite, Hyuuga Hinata.

Tudo o que ela fez foi permanecer imóvel, vendo o rapaz se distanciar a passos lentos. Sabia que não havia dito seu nome a ele em momento algum. Da mesma maneira, ele também nunca havia se apresentado a ela.  

 Somente após ouvir o barulho do elevador se fechando que Hinata percebeu que, possuía um outro pertence de Sasuke – o casaco.  Ela sorriu, vendo que a situação, novamente, iria se repetir, talvez por até mais do que um dia.

 Aquela era uma rotina da qual Hinata ficaria mais do que feliz por seguir.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da história tanto como gostei de escrevê-la.
Se encontrarem algum errinho, não se sintam acanhados em me avisar. :3

Até!



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