Entrelace de opostos escrita por Nemui


Capítulo 6
Capítulo 6




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Quando Sísifo despertou, deparou-se com os olhinhos grandes e brilhantes de Aureus, fitando-o de perto. O filhote afastou-se e deu saltos alegres.

"Ele acordou! Ele acordou, mãe!"

"Sim, mas ele ainda está bem machucado, então se comporte."

"Sim!"

Ainda estava no local da batalha, mas fora deslocado para debaixo de uma árvore. El Cid estava sentado sobre uma pedra, com a armadura dentro da urna, aguardando pacientemente. A raposa mãe lambia a cabeça de Aureus carinhosamente, não mais na sua forma com várias caudas. Parecia-se com uma raposa qualquer.

Sísifo forçou o corpo para sentar-se e quase não sentiu dor, mas com certeza estava fraco demais para viajar. Apoiando-se na árvore, conseguiu ver melhor a situação. Sua armadura não estava mais no corpo, mas montada na forma de um centauro, apontando na direção do Santuário. Metade de sua camisa fora despida no lado do ferimento, com enormes rasgos nos locais dos cortes e pequenos na ponta da manga, provavelmente resultado de a raposa ter mordido ali para arrancá-la. Foi ela quem se dirigiu a ele em seguida:

"Eu pedi para que sua armadura esperasse separada de seu corpo, senão eu não poderia tratar direito desses ferimentos. Sei que não está sentindo muita dor, mas tente não se mexer."

Ela voltou a lamber os machucados, aumentando a sensação de dormência. Aureus saltou para o seu colo, com alguma dificuldade por causa da pata dianteira machucada, abanando o rabo.

"Você me salvou, Sísifo! Obrigado!"

"Desculpe… Não pude ajudar o Basilio…"

"Tudo bem… Minha mãe disse que ele foi para o outro mundo. Na próxima vida, talvez ele volte a ser aquele humano bonzinho."

"E sua pata…"

"Ela sara rápido! Ah, você tem um machucado na cara!"

Aureus, usando as garrinhas, escalou até seu ombro e lambeu uma queimadura resultante da batalha. Neste momento, contudo, desequilibrou-se e caiu. Sísifo conseguiu pegá-lo na queda. Seria por causa da pata machucada?

"Ei, você está bem? Aureus?"

A raposinha ergueu a cabeça com uma expressão de medo:

"Sísifo, o seu futuro!"

A mãe parou de lamber os machucados por um momento:

"Querido, lembra-se do que conversamos sobre isso?"

"Mas mãe… O Sísifo tem uma sombra no futuro dele!"

El Cid voltou-se para eles, surpreso pela fala do filhote:

"O que quer dizer com isso?"

"O futuro dele… Eu não posso falar… mas o futuro dele…"

Sísifo sabia do que o filhote falava. Para não deixá-lo com a consciência pesada, revelou, enquanto o afagava.

"Está tudo bem, Aureus, eu sei. Tive a leitura do meu futuro no oráculo de Delfos, e sei sobre a sombra no meu futuro como cavaleiro… Não se sinta obrigado a me contar, quando não pode falar dele."

"Você não sabe! Você… Não sabe dos detalhes."

"Você tem mesmo poderes muito especiais, não é…? Se consegue ver mesmo os detalhes... Mas saiba, Aureus, que eu estou preparado para enfrentar o meu destino. Ao lado dos meus amigos, ao lado de Athena. Eu vou lutar contra essa sombra até o fim."

"Mas… Não é justo! Não é justo! Eu não quero esse futuro pra você! Você é meu amigo!"

A raposinha cobriu focinho com as patas e encolheu-se, ganindo sem parar. Sísifo não sabia o que dizer para consolá-la, e apenas continuou afagando as costas do filhote. A raposa mãe lambeu as lágrimas que escorriam dele, carinhosa.

"Aureus, querido… Eu sei que é difícil. Mas precisamos deixar esses humanos passarem por nós, com seus futuros terríveis… por mais difíceis que sejam."

"Eu não aceito!", replicou o filhote. "Ele é meu amigo, eu não quero isso! Ele não merece morrer assim, mãe! Ele não é como o Basilio! Ele não é como ele… Não pode ser…"

Aparentemente, Aureus tivera a visão de sua morte. Sísifo não sabia como morreria, mas sabia sobre a possibilidade de ele atacar a própria deusa no futuro. Caso isso viesse acontecer, decidiria se matar como punição e para não causar mais problemas à deusa.

"É possível que todos os cavaleiros morram na Guerra Santa, que acontecerá daqui a alguns anos", disse El Cid, com o semblante frio. "É o nosso destino, e você não tem que ficar sofrendo por antecipação, raposa. Provavelmente é a última vez que nos verá, e, com certeza, nem sentirá quando morrermos. É inútil sofrer por isso."

"Não… Eu não aceito isso", resmungou Aureus, "eu não aceito isso!"

E, com nova determinação, saltou do colo de Sísifo, escalou a árvore, e pulou direto para o ombro de El Cid, que se incomodou com sua presença.

"Ei! O que está fazendo?!"

Aureus lambeu o rosto de El Cid e saltou de volta para o chão antes de ser expulso. Em seguida, fechou os olhos por alguns segundos e reabriu-os, determinado.

"É isso! Sísifo! Cumprimente o El Cid!"

"Hein?"

"Por favor, faça isso! Por mim! Por favor! É muito importante isso!"

Sísifo olhou para a raposa mãe, que nada fazia para impedir o filhote. Supôs que ela não se importasse de deixar Aureus conduzir seu plano, qualquer que fosse, e sorriu ao filhote.

"Bem, se isso fizer com que você não fique mais triste… El Cid."

Estendeu a mão, e El Cid, com os braços cruzados, não tinha a menor vontade de colaborar.

"Isso é besteira, Sísifo."

"Ah, não seja chato assim… É verdade que estas raposas têm poderes que estão além da nossa imaginação. Além disso, se dependesse de você, Aureus teria morrido. Você não acha que deve pelo menos isso a ele?"

Irritado, El Cid relutou, mas acabou acatando o pedido e dando a mão para Sísifo, com cara de poucos amigos. Aureus escalou o corpo de Sísifo e correu ao longo de seu braço.

"Isso! Agora fiquem desse jeito!"

Quando alcançou as duas mãos, Aureus queimou seu próprio cosmos, não tão forte quanto um cavaleiro, mas certamente diferente. Por algum tempo, esticou e mexeu o pescoço várias vezes, rosnando um pouco, como se estivesse lutando contra um inimigo invisível. Por fim, satisfeito com o que quer que tivesse feito, correu de volta ao ombro de Sísifo, contente. Lambeu-lhe o rosto e voltou para seu colo.

"Pronto! Terminei! Agora tudo vai ficar bem!"

"O que você fez?", perguntou El Cid, desconfiado.

"Foi um presente! Para dar boa sorte para vocês dois!"

"Bem, não sei o que é", disse Sísifo, "mas eu sei que é bom, vindo de você. Obrigado, Aureus."

"De nada… Na verdade, é a primeira vez que faço isso. Fiz certinho, mãe?"

"Sim, querido", disse a mãe, gentil. "O que você fez foi muito bonito também."

"Obrigado! Vou ficar aqui mais um pouco! Quero passar mais tempo com o Sísifo!"

"Está bem, mas precisa deixar que ele descanse."

"Tá!"

Ele de fato parecia uma criança como qualquer outra. Sísifo continuou encostado à árvore, permitindo que a raposa o curasse, sem saber bem que tipo de poder era aquele. Sabia, no entanto, que nada de mal poderia vir de criaturas tão puras. Passou o resto da noite brincando com Aureus, até que este bocejasse e se aninhasse em seu colo para dormir. El Cid olhou para os ferimentos mais uma vez e concluiu:

"Podemos voltar agora, não?"

"Ainda não está totalmente curado", respondeu a raposa mãe, "mas ele não corre mais perigo. As presas foram fundo, perfuraram partes importantes do corpo dele. Mas agora vai ficar bem."

"Ele aguenta a viagem?"

"Espere mais algumas horas. Então ele estará bem até para lutar."

"Como conseguiu curá-lo tão rápido? Por acaso você é a raposa da lenda que ouvi?"

"Já ouvi que os humanos falam de mim como algo que não existe, e prefiro que seja assim. Sou uma espécie diferente de raposa, mas sou só isso: uma raposa. Nossa espécie tem uma conexão especial com a terra, por isso temos habilidades diferentes dos outros animais. Tenho duzentos anos de idade, e meus filhotes viverão ainda por muito tempo…"

"Duzentos anos?", repetiu Sísifo. "Isso é bastante tempo."

"Para os humanos, sim. Minha mãe sabia de muitas histórias sobre os cavaleiros de Athena, pois já havia visto três guerras especiais deles contra o deus da morte eterna… Ela me ensinou a ficar distante de humanos como vocês… Mas acho que não aprendi bem a lição, e nem o Aureus… Para nós não faz bem… ver o futuro de humanos como vocês…"

"Eu sinto por isso… e sinto pelo Aureus… Ele ainda é muito jovem para ver essas coisas."

"Não se preocupe… É bom que ele aprenda cedo. Ele gostou muito de você… espero que não fique doente de saudades…"

"Ele é um bom garoto."

Ao fim da tarde do dia seguinte, os ferimentos haviam se transformado em cicatrizes permanentes. Sísifo voltou a vestir a camisa e o casaco, ainda com Aureus dormindo em seu colo. Foi a mãe raposa que o acordou, com carinhosas lambidas.

"Aureus, querido? Está na hora da despedida."

"Des… Ah! Sísifo!"

A raposinha fincou as garras em sua roupa, pendurando-se. Aparentemente, a pata dianteira estava completamente curada. Sísifo acariciou o pelo macio do filhote pela última vez.

"Preciso voltar ao Santuário agora. Obrigado por tudo e fique bem, Aureus."

"Queria que ficasse mais tempo, Sísifo…"

"Desculpe. Não posso…"

"Ah…"

A raposa mãe pegou o filhote pela nuca e colocou-o no chão com cuidado.

"Ele vai ficar bem. Tem todos os irmãos e irmãs para consolá-lo… e amigos humanos. Até breve, cavaleiros."

"Até breve. Aureus, peça desculpas para Carla e à mãe dela por termos ido embora. Agora você pode bancar o pai o quanto quiser e sem preocupação."

"Não! Eu vou voltar pra elas como raposa! Ser raposa combina mais comigo, e você gosta de mexer no meu pelo!"

"Entendi… Cuide-se."

Aureus conteve um ganido com a dor de ver seu novo amigo indo embora. Recebeu umas lambidas carinhosas da mãe como consolo:

"Você mudou o futuro daqueles dois, atando um nó entre os fios dos destinos deles. Não é algo que raposas deveriam fazer, querido..."

"Desculpe, mãe… Mas agora aquele humano chamado El Cid vai fazer de tudo para salvar o Sísifo. Vai abrir caminho para a moça que o Sísifo vai amar… A mão direita do Sísifo e a mão daquele El Cid vão se salvar por causa do nó que fiz… Eu sei que só mudei a hora em que o Sísifo vai morrer… Mas… Eu não queria que ele virasse o Basilio!"

"Eu entendo, meu bem… Venha, vamos voltar para os seus irmãos…"

Aureus teve os ganidos abafados pela pelugem da mãe, que o conduziu gentilmente de volta para a toca.

Desde a missão, Sísifo sentia algo estranho na mão direita. Não sabia o que Aureus fizera com ela, mas agora a sensação de formigamento nela começava a diminuir. Que técnica teria sido aquela? Depois de entregar o relatório da missão, contendo todas as suas desavenças com El Cid, o Grande Mestre comentou que eles tinham tido um começo bem difícil. Rugonis disse-lhe que as coisas poderiam se ajeitar entre eles em outras missões. Haveria outras missões?

Seria possível um dia ele ser parceiro de El Cid em outro trabalho? Achava extremamente improvável, já que o colega era frio demais. Seria melhor se Aspros lidasse com ele, pois ambos possuíam visões semelhantes. Diria isso na próxima vez que se encontrassem…

"Ei, Sísifo?"

E El Cid apareceu subitamente do seu lado, em frente à casa de Sagitário.

"El Cid?"

"Me dê a mão."

"Hein?"

"Cale a boca, e me dê logo a mão. Quero entender o que aquela raposa desgraçada fez com a gente."

"Ah."

Assim que apertou a mão de El Cid, Sísifo sentiu o formigamento em seu braço diminuir consideravelmente. El Cid soltou-o em seguida.

"Tsc. Droga."

"O que foi?"

"Esse maldito formigamento que estou sentindo no braço. Por causa dele, não consigo treinar direito. Ontem você passou por mim quando desceu do salão do Grande Mestre. Naquela hora, o formigamento desapareceu."

"Ah, é verdade! Eu também achei estranho."

"Isso significa que eu terei que te arrastar para o meu treinamento."

"Como é?"

"Você precisa assumir as consequências do que fez comigo. Até que esse negócio sare, vai ter que vir treinar comigo, ou não poderei me tornar a Excalibur. Você também não tem treinado com o arco, não é?"

"Bem… É temporário."

"De jeito algum! A única solução é treinarmos juntos. Eu admito, não gosto da ideia. Hoje a noite, vamos para o campo de treino."

"Ah… está bem…"

Como poderia dizer para ele que era melhor não trabalharem juntos agora? Sísifo acabou não dizendo nada e ficou guardando a casa com El Cid do lado... até que decidiu perguntar:

"Você não gosta de mim, então por que está aqui?"

"Se um inimigo aparecer agora, vou precisar estar perto de você para lutar. É um aborrecimento, mas vou vigiar a casa com você por enquanto."

"Certo…"

"Mas eu não tenho nada contra você, Sísifo."

"Hum?"

"Um bom cavaleiro é aquele que consegue minimizar os estragos em cada missão que realiza. Eu pensei que era impossível proteger as vilas sem matar aquela raposa… mas estava errado. Havia uma forma de salvá-la, e você foi capaz de ver essa maneira. Não só isso, conseguiu realizar a manobra com o arco, mesmo com ferimentos tão graves… Ficou mais do que provado para mim: você é um cavaleiro muito melhor do que eu."

"Hein? Eu não acho isso… Talvez eu tenha um pouco mais de experiência que você, mas…"

"A forma como conduziu a investigação e como deduziu que o espírito de Basilio estava alojado na raposa… eu não teria conseguido chegar à verdade da maneira como conseguiu. De fato, anotar os dados da investigação tem me ajudado nas missões que recebi depois. Seu método de trabalho é muito eficiente, preciso admitir."

"Bem… Obrigado, El Cid."

"Ainda acho que tem o coração mole demais. Mas acho que tenho muito a aprender de você… Acho que você pode me ajudar a me tornar um guerreiro mais completo. Portanto… Eu gostaria de voltar a trabalhar com você no futuro, mesmo que possamos ter desavenças… Afinal, meu mestre sempre disse para procurar os bons exemplos e segui-los."

Sísifo notou que El Cid estava um pouco corado por admitir que queria aprender com seu exemplo. Não sabia se poderia ser muito útil àquele companheiro, mas seu papel, como o mais velho, era de ajudar os mais novos a serem melhores. Sorriu:

"Vai ser ótimo trabalhar de novo com você. Prometo que vou te convidar na minha próxima missão!"

"Obrigado. Agora, quanto ao treino de amanhã, passarei às quatro horas aqui para irmos ao campo de treino."

"Quatro horas… da tarde?"

"Muito engraçado, mas o senso de humor não combina quando estamos falando de coisas sérias."

"Ahn… não foi uma piada."

"Quatro horas da manhã aqui, todos os dias. E treino à noite. Podemos combinar assim?"

"El Cid, não acha que vai acabar se desgastando assim…?"

"Desenvolver estamina é fundamental para um guerreiro. Vai ser bom para você."

Sísifo com certeza precisava encontrar uma forma de flexibilizar os horários rigorosos de treino de El Cid. Mas teria tempo para convencê-lo aos poucos. Treinar com ele não parecia ser tão má ideia, considerando que tivera poucos parceiros de treino até então. Por causa da inveja dos outros candidatos, apenas Hasgard e Aspros aceitavam duelar com ele.

"Entendi. Você está empolgado com seu progresso e está louco pra mostrar pra mim porque gostou de ser elogiado por um veterano."

"Não é isso! Eu preciso treinar com você para o meu braço parar de formigar!"

"Ah, não precisa ficar encabulado! Todo mundo precisa de um irmão mais velho pra pedir atenção!"

"Eu já disse que não é nada disso! Droga, eu não teria vindo se não fosse este braço…"

"Eu estou brincando, El Cid!", riu Sísifo. "Mas eu estou contente por estar com o braço assim. Logo a sensação de formigamento vai passar… mas eu adoraria se pudéssemos continuar trabalhando juntos… como amigos."

"...Acho que não tenho escapatória… Somos vizinhos, acabaremos nos vendo com frequência."

"Quer dizer que posso ir te visitar em Capricórnio quando quiser? Ótimo!"

Sísifo achava que El Cid proibiria sua aparição na casa de Capricórnio em seguida, mas o colega calou-se e soltou um suspiro de conformação. Talvez não fosse impossível torná-lo um bom amigo. Quem sabe? Afinal, Aureus com certeza havia deixado seu futuro um pouco menos triste.

FIM


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Notas finais do capítulo

E a fic chegou ao fim! Muito obrigada a todos que acompanharam! Eu adoraria ler comentários sobre o que acharam da história! Beijos!



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