Contos de Aurora escrita por Wi Fi


Capítulo 3
Conto Três: A Ilha Tepes.


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Novamente, muito obrigada para quem está lendo! Eu quero muito saber o que vocês estão achando da história, dos personagens, do universo todo de Aurora, então adoro ler os comentários ♥
Eu percebi também que cometi um erro imperdoável... o título do primeiro capítulo foi "Conto Um: Hyiam-Golias", e o do segundo foi "Capítulo 2: O monstro", e agora que eu fui rever isso, meu perfeccionismo quase desmaiou. SHAME. SHAME. SHAME. Enfim, consertei isso, para o alívio de todos e felicidade geral da nação.
Sem mais delongas, boa leitura!



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Uma tempestade horrível atingiu o Bela Dona por três dias. Tudo era neblina e chuva. Nos raros momentos de paz, os tripulantes tentavam aproveitar o ar fresco, antes de serem bombardeados novamente e confinados aos claustrofóbicos cômodos inferiores do navio.

Finalmente, quando o mar se tornou menos revolto e o sol surgiu timidamente atrás das nuvens, um arquipélago de ilhas rochosas pôde ser visto se aproximando.

Alma, Nanna e Hugo estavam sentados no quarto das garotas. Os meninos podiam entrar lá durante o dia, e vice-versa, mas nunca durante a noite. Sébastien ainda dormia, mesmo que fosse plena tarde.

— Será que estamos perdidos? – perguntou Hugo – Essas ilhas me parecem bem estranhas.

— Tilda e Narciso nunca se perdem – Nanna respondeu, dando de ombros e tentando se manter na luz, para desenhar melhor – Eles conhecem o oceano como a palma da mão.

— Sei disso, mas não quer dizer que essa tempestade tenha sido fácil de enfrentar.

— Com certeza eles já viram piores – Alma disse, tranquilamente, ajeitando seus casacos – Brrr, está muito frio aqui embaixo.

— E muito molhado lá em cima, então decida qual dos males é o menor – Hugo resmungou – Achei que uma garota dos pântanos estaria acostumada com chuva.

— E eu estou, mas Auano é sempre quente. Honestamente, Hugo, nunca estudou geografia?

— Não mesmo. Eu matava a maioria das aulas, eram chatas. Ia caçar pássaros no mato, com meus outros amigos lobisomens.

— O que os pobres pássaros te fizeram? – perguntou Nanna, indignada – Como você é violento, Hugo.

— Ah, miudinha, eu só sou selvagem. Acredite, você nunca me viu violento. É muito pior.

O rosto do rapaz se tornou sombrio e ele começou a brincar com as próprias mãos, nervoso. Nanna parou de desenhar e se sentiu mal por ter tocado no assunto.

— Desculpe, não queria...

— Nah, tudo bem. E vocês não têm que se preocupar, eu sei me controlar hoje em dia – respondeu ele, mas sua voz estava mais baixa e sensível que anteriormente – Bastien me viu em meu pior estado e continuamos melhores amigos. Ele tem sorte, não precisa se alimentar com frequência. Mas nós lobisomens não conseguimos disfarçar nossa condição. Todo mês, lua cheia. Todo mês, monstros nojentos.

— Você não é nojento, muito menos um monstro – Alma interrompeu, olhando-o com seriedade – Sua condição não é culpa sua e ela não te consome. Você é mais do que um lobo.

— Está falando que nem o Sébastien. Vocês seriam um bom casal, sabia?

— Eca.

Subitamente, os olhos de Alma adquiriram um brilho branco fantasmagórico e sua expressão era de confusão. Ela ficou em silêncio enquanto os amigos a observavam – nem parecia se lembrar de onde estava. Isso durou alguns minutos, e quando acabou, seus braços tremiam. Alma se apoiou em Nanna e fechou os olhos e enfim pareceu voltar ao normal, corando um pouco.

— Desculpem por isso – ela murmurou – Foi só...só...

— Uma visão. Você é vidente, não é, Alma? – Hugo perguntou, curioso – Eu já tinha notado isso. Já tinha visto seus olhos mudarem antes, e as Terras Baixas são um lugar de gente mística.

— Tem razão, as Terras Baixas realmente são mais propícias à magia. Eu sou vidente, mas não uma muito boa, acredito. Não controlo o que vejo, pode ser o futuro, o passado, o presente, é muito confuso.

— O que você viu? – perguntou Nanna, deixando o lápis e o caderno de lado.

— Meu irmão – respondeu Alma – Isso acontece de vez em quando, meu irmão e minha irmã aparecem em minhas visões, mas é só uma forma de eu saber como eles estão.

— Você estava tremendo – Nanna observou – Está tudo bem com ele?

— Sim, sim, eu acho. Ele sabe se virar, de qualquer forma. E desculpa por me segurar em você.

— Não tem problema. Eu gosto de abraços – a garota reforçou sua frase abraçando a amiga novamente.

O tambor de Tilda Coração-Bom foi ouvido, vindo do convés. O trio subiu as escadas, junto de muitos outros jovens, e se reuniram em círculo em torno da capitã.

— Muito bem, marujos, devido à tempestade, vamos ter que fazer uma parada adicional, para garantir que está tudo certo com o navio, antes de continuarmos para as Ilhas Graal. Esse arquipélago é pouco povoado, há algumas reservas para pesquisas científicas de animais, mas será suficiente para nos abastecer por dois dias. Vocês poderão sair do barco, mas só acompanhados de membros de tripulação oficial. Compreendido?

— Sim, Capitã! – foi a resposta, em coro.

***

— Alma? Alma Cassandra?

Alma abriu os olhos. Estava de pé na proa do navio, com a roda do leme atrás de si. Capitão Narciso era quem a chamava, apoiado nele. O homem franzia a testa.

— É madrugada, o que está fazendo aqui? – perguntou ele, sério.

— Eu...

Ela olhou ao redor. Nenhuma estrela era visível no céu, a noite era um breu e a única fonte de luz era uma vela na mão do capitão. Outros tripulantes mais velhos estavam trabalhando no navio, fazendo vigia.

— Desculpe, eu fico sonâmbula às vezes – ela respondeu, se sentindo tonta – Não sei como vim parar aqui.

— Os marujos disseram que você estava parecendo um fantasma. Estava brilhando.

— Provavelmente estava tendo um sonho estranho – murmurou Alma, olhando ao redor novamente – Havia alguém na amurada do navio? Eu juro que vi um rapaz aqui.

— Não, ninguém estava aqui. Volte para o quarto, deve estar cansada.

— Sim, senhor.

Alma ainda se sentia estranha. Não lembrava de ter se levantado da rede e subido as escadas, mas agora que estava acordada, via seus pés sujos e molhados devido à caminhada. Andou devagar até a porta que levava aos andares inferiores e quando chegou ao quarto, algumas garotas estavam acordadas, curiosas com seu sumiço.

Nanna, sua vizinha de rede, estava sentada esperando ela. Alma só queria dormir de novo, mas a menina insistiu em conversar.

— Isso é por causa da sua vidência?

— Sim. As vezes tenho visões no meu sono.

— Você parecia um fantasma andando, foi um pouco assustador.

— Eu sei, eu sei. Não consigo controlar essas coisas, está bem?

Nanna se calou e deitou de novo. Alma virou de costas para ela e tentou pegar no sono, mas seu sonho estava voltando à sua mente aos poucos.

Um rapaz estava sentado na amurada da proa do navio, em frente ao leme. Ele agitava os braços e uma chuva pesada caia. Ela conhecia o rapaz.

— Ei, Alma – disse ele – Eu preciso de ajuda.

— Onde você está? – perguntou ela – Se me falasse ficaria mais fácil.

— Não posso. Você não vai querer vir me resgatar se eu te falar onde estou.

— E o que quer fazer então?

— Te trazer até aqui de qualquer jeito.

— Isso não faz o menor sentido – resmungou Alma – Por que quer que eu te encontre, se não for para te resgatar.

— Você vai entender, quando chegar aqui. Preciso que faça o que eu pedir, irmãzinha.

— Mas eu não posso sair do navio desacompanhada, são ordens do Capitão.

— Eu acho que é hora de um pouco de rebeldia, Alma – respondeu o rapaz, com um sorriso de canto de boca – Desculpe por estar sendo tão misterioso. Eu queria poder te contar mais, mas...

Ele pulou na água e desapareceu.

***

Quando ancoraram na maior ilha do arquipélago, chamada Tepes, chovia novamente. O dia estava frio, com um espesso nevoeiro cobrindo tudo, e os viajantes preferiram ficar no convés do Bela Dona, mas não descer do navio.

Nanna, porém, estava curiosa com o local e pediu para acompanhar o tio. Alma decidiu segui-la, mas parecia nervosa. Hugo e Sébastien não as deixariam sozinhas, e então, o quarteto desceu do navio e foram com Narciso para a cidade.

As ruas, pavimentadas com pedras escuras, estavam vazias. Todos os moradores haviam se recolhido para suas casas, e apenas sombras eram observáveis pelas janelas.

— Esse lugar é assustador – Hugo murmurou – Parece uma cidade fantasma.

— Acredite em mim, garoto, cidades fantasmas são piores do que isso – Narciso murmurou, repousando a mão no cabo da arma que estava protegida em seu cinto, como uma ameaça para o ambiente sinistro ao seu redor.

Nenhum outro navio estava ancorado ali. Seguiram até uma taverna cheia de pescadores, próxima ao porto. O lugar era escuro e quente, abarrotado de homens que gritavam e fediam a bebida. Sébastien torceu o nariz e fechou seu guarda-chuva.

— Ora, um chupa-sangue por aqui – disse um homem, quando eles entraram – Não gostamos do seu tipo, alteza. Se fosse você, tomaria cuidado.

— O que quer dizer com isso? – perguntou Sébastien – Eu não lhes fiz nada.

— Mas conhecemos bem sua gente. Bem demais. Vocês nojentos são megalomaníacos grotescos, roubam tudo das pessoas de bem. Mas o povo de Tepes pedirá vingança... – o homem começou a gargalhar, com os dentes podres à mostra, e o vampiro recuou, procurando por apoio.

— Com licença, mas o termo correto é vampiro— Nanna disse, segurando a mão de Sébastien e com uma expressão de desafio no rosto – E nós somos visitantes de sua cidade. Deveriam ser mais gentis.

— Não seremos gentis com escória! – gritou um outro homem.

Narciso estava falando com o dono da taverna, de braços cruzados e parecendo insatisfeito. Ele mantinha os olhos nos adolescentes, e quando notou confusão, fez um gesto para que eles se aproximassem dele, para ficarem mais seguros.

— O nevoeiro deve continuar por mais três dias – o dono da taverna disse – Não sairia navegando se fosse você. Essas águas são muito sombrias em tempo ruim.

— Obrigado pela informação – Narciso agradeceu e virou-se para os adolescentes – O navio está bem. Vamos checar as velas para ver se estão rasgadas, mas acredito que vamos zarpar depois do nevoeiro...seja lá quando isso for. Vou ver se consigo mais comida agora. Podem me esperar do lado de fora, não sei se vai ser um debate muito elegante.

— Vamos, pessoal – Hugo concordou – Não queremos nenhuma outra discussão como a do gentil senhor e Bastien.

— Eu não acho que é uma boa ideia – Alma murmurou – Ficar sozinhos, lá fora? E se alguma coisa acontecer?

— Bem, hoje é lua cheia... – o lobisomem disse, com um sorriso – Eu estou confiante para bater em qualquer um.

— Se acalme, Alma, o que é o pior que pode acontecer? Ficarmos resfriados? – Nanna disse, puxando a amiga pelo braço e acompanhando Hugo.

— Eu sei de respostas muito piores para sua pergunta – suspirou Sébastien, e junto com Alma, avançaram relutantemente pela taverna.

***

Sentados na calçada, o quarteto tentava se distrair. Hugo pegava pedrinhas do chão e fazia um castelinho com elas. Sébastien batucava no cabo de seu guarda-chuva, que agora servia seu propósito original e evitava que ele e as meninas se molhassem.

Subitamente, Alma sentou-se completamente rígida na calçada e olhou ao redor.

— Tudo bem com você? – perguntou Hugo, pegando sua última pedrinha no ar.

— Eu não me sinto muito bem. Acho que vou vomitar, eu... com licença.

Ela se levantou e saiu correndo rua acima, no meio da chuva e da névoa.

— Essa aí endoidou – Hugo disse. Nanna se levantou também – O que está fazendo?

— Vou atrás dela, é claro. Não podemos deixar a Alma sozinha. Viu os olhos dela? Estavam brilhando de novo. Ela pode se colocar em perigo quando isso acontece.

— Tem razão. Vou com você.

Hugo e Nanna deram as mãos e começaram a seguir a direção de Alma, quando Sébastien protestou:

— Vocês são loucos? Não conhecemos essa ilha, é cheia de gente louca! Vão se perder. E o Capitão Egeu?

— Não vamos deixar Alma sozinha! – Hugo gritou de volta.

— Vão me abandonar aqui?

— Fique à vontade para nos seguir, Bastien!

O vampiro resmungou e se ergueu, com o guarda-chuva em uma mão.

— Eu vou me arrepender tanto disso – resmungou.

Com a outra mão, pegou o castelo de pedrinhas de Hugo e as guardou no bolso. Jogou uma no chão e correu atrás dos amigos.

***

— Alma! Alma! Onde você está?

No meio da névoa, Hugo, Nanna e Sébastien mal conseguiam ver um ao outro. Andaram por alguns minutos, sem sinal de Alma. Sébastien deixava algumas pedras no chão, para marcarem seu caminho de volta. Podiam ouvir o som do mar à sua esquerda e alguém soluçava à frente deles.

Conforme avançavam, a névoa começou a diminuir, até que conseguiram distinguir uma figura parada alguns metros na frente deles. O terreno era íngreme, e ao olhar ao redor, Nanna percebeu que haviam alcançado o topo de uma colina.

— Alma! – chamou ela, quando estavam separadas pela distância de um apertar de mãos – Alma, é você?

— S-sim.

O céu havia escurecido ainda mais – não passava do meio-dia mas parecia madrugada – e ao redor deles, o terreno era ainda mais irregular. Paredões de rochas gastas pelo tempo se erguiam ao redor deles, cobertos por uma vegetação rala e escassa, pequenas manchas verdes na imensidão escura.

Alma tinha lágrimas correndo pelo rosto e abraçou Nanna assim que a viu.

— O que é? – perguntou a menina – O que aconteceu?

— Desculpem, eu arrastei vocês todos para cá. Não deviam ter me seguido.

— Alma, fala logo o que está acontecendo.

— Eu ando tendo visões estranhas, visões com o meu irmão. Acho que ele está preso, em algum lugar nessa ilha, talvez nas montanhas, eu não sei. Vocês não deviam ter me acompanhado, eu teria vindo sozinha...

— E se perder também? – Hugo completou – Não mesmo. O que suas visões dizem?

— Ele está próximo agora. Consigo sentir isso.

— Vamos explorar essa rua então.

O grupo virou à direita. A rua era mais vazia que as outras – apenas uma grande casa estava localizada no final dela, como um beco sem saída.

— Tem certeza que seu irmão está aqui? – perguntou Sébastien – Esse lugar não está me dando uma sensação boa.

— Não sei se ele está aqui – Alma murmurou, olhando ao redor – Mas onde mais meu irmão poderia estar? Na última visão foi no topo da colina, e desapareceu no meio da rua.

— Vamos perguntar se viram alguém parecido com ele nos últimos tempos – Nanna sugeriu.

— Talvez não seja uma boa ideia – Alma respondeu, parecendo estar desconfortável – A aparência do meu irmão... não costuma ser fácil de descrever.

Sébastien cuidadosamente colocou a última pedrinha no chão e tomou uma nota mental para pegar mais assim que pudesse.

A casa no final da rua era a construção mais bem cuidada que haviam visto até então. Era feita de pedras e tinha três andares. Através das janelas era possível ver algumas luzes dentro e fumaça saia de uma chaminé. Alguns vultos passavam de vez em quando. A chuva estava aumentando. Uma placa em frente à casa, antes do pequeno gramado que levava até a porta de entrada, dizia “Pousada Rouge Dents – Por favor, entre/ Entrez,s’il vous plaît! Sejam bem-vindos/ Bienvenues! Quartos disponíveis. Aceitamos todas os povos!”, com o desenho de um sol e uma lua abaixo das frases.

— Bem, isso é mais simpático que todo o resto da ilha – disse Nanna, apertando a mão de Alma em um gesto de otimismo – Vamos lá.

Atravessando uma pequena trilha de pedras que cruzava o gramado, os adolescentes chegaram até a entrada. Alma bateu na porta e poucos segundos depois, ela se abriu sozinha, fazendo um som agudo. O grupo trocou olhares confusos.

— Devemos entrar? – sussurrou Nanna.

— Esperem um pouco – Sébastien disse.

Ele deu alguns passos de volta ao jardim e se agachou. Pegou mais pedras e as guardou no bolso, deixando uma cair discretamente em frente à porta.

— Vamos entrar – ele afirmou, respirando fundo e fechando seu guarda-chuva.

Sempre próximos uns dos outros, eles se viram de frente para uma parede, em um corredor que se estendia para os dois lados. Uma luz trêmula vinha da direita, então foi para lá que seguiram, até encontrarem uma sala iluminada, com um balcão de madeira e uma mulher bonita atrás dele. A mulher parecia estar passando da meia-idade, com cabelos grisalhos presos em uma trança, e a pele possuía algumas rugas. Os olhos eram escuros e acolhedores. Ela usava roupas longas e antiquadas, todas pretas.

Salut, salut! – disse ela, com um sorriso materno no rosto e sotaque forte– O que estão fazendo nessa chuva?

— Estamos procurando um homem – Alma respondeu, tomando a frente do grupo e se apoiando no balcão – Ele é jovem, deve ter aparecido aqui por volta das últimas semanas.

— Oh, não recebemos muitos visitantes nessa parte de Tepes – a mulher disse – Eu me chamo Celeste Seraphine, sou a dona da pousada. Devem estar congelando de frio, pobrezinhos, venham comigo.

Celeste saiu de trás do balcão e puxou algumas poltronas que estavam espalhadas pela sala para perto de uma lareira que estava na parede. Nanna e Hugo rapidamente se sentaram, próximos ao fogo, aquecendo as mãos. Alma ficou de pé e seguiu Celeste, falando sem parar:

— O homem que estou procurando...hm, é difícil ter certeza da aparência dele, eu acho que ele se parece comigo. Cabelo preto ondulado, olhos verdes, alto. Pelo menos ele era assim da última vez que eu o vi.

— “Acha” que se parece com você? Você não sabe a aparência dele? – Sébastien perguntou.

Celeste voltou para trás do balcão e trouxe uma travessa com chá para quatro pessoas e entregou uma xícara para cada um dos recém-chegados.

— Ele tinha essa aparência na minha visão – Alma explicou – Mas ele pode ter mudado muito pessoalmente.

— Na verdade, acho que vi alguém parecido com ele aqui na pousada – Celeste respondeu, com as mãos na cintura – Mas me diga, o que os traz até esse fim de mundo?

— Meu tio é... – Nanna começou a dizer, mas Sébastien pisou no pé dela antes que continuasse, e ela se calou. Ele não confiava em Celeste.

— Somos estudantes do Refúgio de Yltaris – Bastien mentiu – E o tio de Nanna é um mercador que está doente, então nós viemos visita-lo para estudar a doença.

— Não são muito jovens para fazer esse tipo de estudo?

— Somos aprendizes. Nosso professor vai chegar amanhã – Alma apoiou a mentira – E esse rapaz veio antes que nós por conta própria, mas acho que acabou se perdendo.

— Do que é esse chá? – Hugo perguntou, fazendo careta.

— Está muito amargo, mon coeur? – Celeste segurou a mão dele com delicadeza – É de hibisco, uma flor linda... por isso a cor incomum.

Alma e Bastien se entreolharam. O chá era vermelho e estava um pouco morno demais para algo que acabara de ser feito. Nanna não parecia se importar -ela olhava para a lareira e sorria, bebendo tranquilamente.

— Acredito que seu irmão esteja em um dos nossos aposentos, chegou três semanas atrás e é possível que ele esteja doente também. Mal sai do quarto – Celeste disse, sem parar de sorrir, o que estava se tornando assustador – Eu posso levá-los para vê-lo, se quiserem. Mas antes, terminem o chá, s’il vous plaît.

— Como sabe que ele é meu irmão? – Alma questionou, com desconfiança, mas foi ignorada.

— Onde estão os outros inquilinos? – Nanna perguntou, entre um bocejo e outro – Aqui está tão quieto, e é hora do almoço.

— Ah, eles costumam almoçar na cidade, não aqui. Nossos pratos são muito...exóticos.

Hugo também começou a bocejar e colocou a xícara de lado, já sem nenhum chá nela. Nanna fez o mesmo e encostou-se na cadeira, com os olhos quase se fechando.

— Poderia nos levar para ver o rapaz agora? – Alma disse em voz alta, para acordar os amigos – Não queremos abusar da hospitalidade.

D’accord!— Celeste disse, pegando as xícaras de suas mãos e recolocando na travessa – Me acompanhem, s’il vous plaît.

***

Seguiram Celeste por uma escada, a mesma que haviam visto ao entrar, mas ao invés de subir para o segundo andar, eles desceram para o subsolo.

— Não sabia que tinham quartos aqui – Nanna disse – Que lugar estranho para se ter quartos.

— É para os nossos hóspedes mais reservados. O subsolo é muito mais privativo, e tem quartos maiores – Celeste respondeu. Um molho de chaves chacoalhava em seu cinto.

Depois de dois lances de escada, eles chegaram em outro andar, sem iluminação alguma.

— Não enxergo nada! – Hugo reclamou.

— Nem eu – Alma concordou.

— Pelos céus, o candelabro deve ter apagado! Vou arrumar isso em breve, não se preocupem. Venham comigo.

Celeste deu alguns passos à frente e abriu uma porta, que antes era impossível de ser vista. Uma luz vinha de dentro daquela nova sala. Ela entrou no local e acenou para o grupo.

— Venham!

Os quatro obedeceram, Nanna e Hugo parecendo hipnotizados. Alma entrou por último e começou a vasculhar o local. Uma figura amontoada em um canto lhe pareceu familiar.

— Ei – chamou ela – Ei, sou eu, Alma...

A figura se levantou. Era uma pessoa, com certeza, e um rapaz, exatamente como Alma havia descrito. Ele deu passos trêmulos até a luz e um som metálico foi ouvido. Uma corrente prendia seu pé.

— Alma, não! Não devia estar aqui, ainda não! – exclamou ele, tremendo – Fujam!

Nanna e Hugo não ouviam nada e sentaram-se no chão, pacíficos. Alma gritou e se virou para sair correndo, mas Celeste estava bloqueando a porta. Ela agarrou Sébastien pelo braço e o arrastou para fora, trancando Alma, Nanna e Hugo dentro.

— Bastien! – gritou Hugo, batendo na porta, desperto do transe – O que você vai fazer com ele, sua velha capenga? Nos deixe sair!

— É inútil – murmurou o homem no canto, se deixando cair no mesmo lugar que estava antes.

— E quem é você? – perguntou o lobisomem, irritado.

— Esse é meu irmão – Alma murmurou, sentando-se ao lado dele. O rapaz sorriu, na escuridão.

— Meu nome é Dot, muito prazer.


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Notas finais do capítulo

*Traduzindo algumas coisas:
"Bienvenues" = Bem vindos
"S'il vous plaît" = por favor
"D'accord" = sem problemas, tudo bem, de acordo.
(tudo isso é francês, porque meus vampiros são refinadérrimos)

CALMA, CALMA! O próximo capítulo vai continuar daí!
Eu disse nas últimas notas finais que meus capítulos costumam ficar gigantescos, e esse aqui eu já tinha separado quando eu escrevi originalmente, porque teria quase 10 000 palavras no total...achei melhor dividir em dois mesmo, para não ficar chato.
Mas e então, o que acharam? Dot é um dos personagens que eu mais gosto, espero que gostem dele também...vamos descobrir mais sobre ele no próximo capítulo.
Seus comentários alegram meu dia, então não tenham vergonha de aparecer nos comentários e falar qualquer coisa!
Até o próximo!



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