A Nossa Secessão escrita por Bela Escritora


Capítulo 11
Annabeth Chase: Percy faz jus ao seu nome


Notas iniciais do capítulo

HEY-YO!

E eu estou de volta!
Finalmente, não?

Sinto muito pela demora. Eu acabei me distraindo com outros projetos, festas de fim de ano, encontro com colegas e - como não podia faltar - um divertidíssimo bloqueio criativo.

Mas enfim eu escapei dele! Escapei de suas garras afiadíssimas e de sua prisão fedorenta e aqui estou eu, trazendo para vocês mais um capítulo!

Antes de lerem, porém, um aviso: devido a um erro cronológico na história, eu tive que editar o capítulo anterior e adicionar algumas coisas no final. Se você ainda não viu essas modificações (feitas no dia 21/12/2017, então se você leu o capítulo depois disso não precisa se preocupar em voltar para ler), dê uma olhada, ou algumas coisas escritas aqui parecerão meio sem pé nem cabeça, ok?

Sem mais delongas, Boa Leitura a todos!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/739115/chapter/11

6 de Julho de 1863:

— Feche os olhos! — ordenei com urgência.

Não fiquei esperando para ver se ele tinha obedecido. Segui meu próprio conselho e fiquei em silêncio, ouvindo os estalidos de passos e o sibilar de cobras ao redor da nossa fogueira.

— Oras, não há necessidade para isso. — A voz tinha um tom divertido. — Eu estou vendada!

— Eu vou confiar no julgamento da minha amiga, muito obrigado — Percy respondeu e eu fiquei satisfeita por ele ter bom senso.

— Hum... Um filho de Poseidon — tornou a falar a voz com um tom de satisfação. — Eu me lembro do seu pai, garoto. Galante... Nunca aceitava um não como resposta.

— Hey! Tira as mãos de mim! — Ouvi Percy ralhar, mas sua voz logo adquiriu um tom mais amedrontado — Isso... Isso são cobras na sua cabeça?

A voz riu, um som que misturava amargor e divertimento em algo que parecia um chiado de cobra e eu, por um momento eu temi que ele tivesse aberto os olhos.

— Gostou? — a voz perguntou, se afastando, e ouvi Percy suspirar aliviado. — Foi um presentinho de uma certa deusa invejosa. Eu me considero sortuda se comparada com o destino de... outras inimigas dela.

Senti os olhos dela cravados em mim. Uma coceira se espalhou pela minha pele, dando a sensação de que milhares de criaturas minúsculas rastejavam pelo meu corpo e eu tive que conter o impulso de gritar e sair correndo. Não havia aranhas ali. Aquilo era apenas o efeito do olhar petrificante da Medusa. Contanto que eu contivesse a minha curiosidade e mantivesse meus olhos bem fechados, eu ia ficar bem. Ou assim eu esperava.

— Sabe... O loiro me deu ordens específicas sobre o que fazer com o Filho de Poseidon, mas não disse nada sobre uma filha de Atena — continuou ela. — Acho que finalmente vou ter a minha vingança contra a sua mãe, Annabeth Chase.

Loiro? Havia muitos loiros nos ranques romanos, mas eu só consegui pensar em um que fosse capaz de se rebaixar o bastante para se aliar a monstros.

— Octavian te enviou?! — cuspi, sentindo meus punhos se cerrarem involuntariamente com a raiva. — Aquele agoure idiota! Que merda ele estava pensando?!

— No bem das tropas dele — rebateu Medusa. — Algo que você, aparentemente, não está fazendo.

Foi como levar um tiro na cara. Fiquei completamente sem reação enquanto sentia o sangue subir pelo meu rosto. Torci para que a luz bruxuleante do fogo disfarçasse a minha vergonha.

— E o que você ganha participando nos planos loucos dos romanos? — rebati, mudando de assunto completamente.

Quase pude vê-la dando de ombros.

— Uma revanche contra os deuses gregos. — Sua voz continha um sorriso venenoso. — Afinal de contas, foi por causa deles que eu me tornei esse monstro.

— Matando um ou outro semideus romano no meio do caminho — alfinetei.

— Bom... Ninguém é de ferro, não é mesmo, querida?

Sua voz estava muito próxima e eu, instintivamente, ergui a faca.

— Fica longe de mim, vadia.

Medusa riu.

— E como exatamente você pretende lutar contra mim, filha de Atena? — sua voz estava carregada com um tom de diversão maldosa.

Abri a boca para responder, mas não foi necessário. Ouvi o ruído de uma pancada e o chiado de fogo entrando em contado com a pele, um som que eu desejava profundamente não conhecer, mas que estava sempre presente nos campos de batalha. Medusa gritou e suas cobras-cabelo a acompanharam, sibilando em agonia. Alguém agarrou meu braço e me puxou para que ficasse de pé.

— Vamos! – incentivou Percy, sequer me dando tempo de pegar as coisas enquanto disparava para o meio da floresta.

— MALDITO! — ela berrou.

Resisti ao impulso de olhar para trás, mesmo quando ouvi ela se levantando e começando a nos perseguir.

— O que fazemos?! — perguntou o filho de Poseidon correndo do meu lado o mais rápido que o seu corpo já desgastado pela caminhada do dia permitia. Percebi que ele fazia uma careta de dor a cada passo que dava. Eu também não me sentia muito melhor, mas estava mais acostumada às marchas militares e corridas desesperadas do que ele.

— Estou pensando!

— Pois pense rápido! Não acho que tenhamos muito...

Som de passos a nossa esquerda. Percy foi mais rápido em dar o comando.

— Feche os olhos!

Obedeci, já que não tinha o menor interesse em virar uma estátua. Percy me puxou para o lado e para baixo e eu senti o toque áspero de um tronco de árvore contra as minhas costas. Tentei controlar a minha respiração, mas não acho que isso teria sido muito efetivo. Meu coração batia tão rápido que não me surpreenderia se Medusa conseguisse ouvi-lo.

— Vocês não podem se esconder de mim, semideuses! — rosnou Medusa, sua voz bem a nossa frente — O cheiro de vocês não permite!

Trinquei os dentes e torci para que o fogo tivesse afetado seu olfato, ou não duraríamos muito tempo ali.

— Você é muito ousado, Perseu Jackson — prosseguiu ela. — Eu estava pensando em transformar você em uma linda estátua para a minha coleção. Uma lembrancinha do seu pai... Mas me jogar no fogo? Acho que você vai ter que ser destruído.

— Tem algum rio aqui perto?!

O sussurro urgente de Percy ao pé do meu ouvido quase me fez gritar de susto. Lancei-lhe um olhar irritado enquanto tentava me lembrar do mapa da região. Virgínia era o meu estado natal, mas eu o deixara para trás quando tinha sete anos. Minhas únicas lembranças da região eram de Richmond e alguns mapas tácticos que eu tivera acesso no Acampamento Meio-Sangue, mas mesmo eles estavam apagados.

— Eu não sei — sibilei de volta, atenta aos passos de Medusa. — Você não consegue sentir isso?

Percy fez uma careta e fechou os olhos para se concentrar. Ele estava perto de mais de mim e eu podia sentir um curioso cheiro de mar que emanava de sua pele. Quando saíssemos daquela situação, teríamos uma conversa séria sobre espaço pessoal.

— Tem um rio, acho. Uma corrente forte cem metros para norte. — Ele continuava sussurrando ao pé do meu ouvido e eu já estava ficando com muita vontade de o empurrar para longe. — Eu poderia tentar guiar nós dois até lá, mas tem uma mulher com peruca de cobras vivas na nossa frente.

Resignação invadiu o meu corpo. Não tínhamos escolha. Nossa única chance era se Percy conseguisse chegar ao rio. Se ao menos tivéssemos pego um escudo espelhado no esconderijo, tudo seria mais fácil. Xinguei o meu despreparo e ergui os olhos para o céu.

“Uma ajuda cairia bem agora, mãe...” pensei, mas como eu esperava, nada aconteceu. Minha mãe estava ocupada de mais lidando com sua dupla personalidade para salvar sua filha do monstro que ela mesma criara.

Erre es korakas — sibilei entredentes e joguei meu chapéu para Percy. — Coloque isso. Eu vou distraí-la.

— Não. Você ouviu o que ela disse. Ela quer te fazer em pedacinhos!

— Percy, não temos opção! A sua espada é a melhor arma para matá-la! Você precisa chegar ao rio. É lá onde você tem mais força!

— Então vamos juntos. — Ele segurou meu pulso e fixou aqueles olhos verdes nos meus. — Estou cansado de deixar pessoas para trás. Além do mais, se você morrer, eu não vou saber chegar no seu acampamento.

Contive um palavrão. Ele estava certo. Agarrei um pedaço de madeira do tamanho do meu braço e o olhei com determinação.

— Guie o caminho.

Disparamos pela floresta. Percy ia a frente com a espada em riste, iluminando com uma luz bronze o chão irregular e as árvores que surgiam do meio da escuridão. Atrás de nós, o guincho de Medusa indicou que ela finalmente tinha nos encontrado e agora nos perseguia com entusiasmo. Resisti ao impulso de olhar por sobre o ombro quando ela começou a chamar o meu nome. Foquei no som crescente da correnteza conforme nos aproximávamos do rio Roanoke. Estávamos quase lá. Estávamos salvos.

E então é óbvio que tudo deu errado.

Sem conseguir enxergar o chão, eu já estava a um tempo tropicando em tudo que aparecia na minha frente. Dessa vez, meu pé enganchou em uma raiz e eu perdi o equilíbrio. Alguém agarrou o meu braço por trás e me puxou para cima. Senti as frias garras de bronze se enterrando na minha pele muito antes de registrar a textura escamosa da mão que me segurava. Deixei escapar um nada adequado gritinho de susto quando as serpentes da cabeça de Medusa começaram a sibilar na minha orelha.

Percy ouviu e de repente o tempo pareceu ficar em câmera lenta. Vi o filho de Poseidon começar a virar a cabeça para trás, completamente desavisado do que lhe aguardava. Meu cérebro, então, projetou os acontecimentos seguintes. Percy virando uma estátua, lançando todo o trabalho que os gregos tiveram por água abaixo e uma Medusa satisfeita cortando a minha garganta com aquelas enormes unhas de bronze.

Não tive tempo de gritar “Percy, não olhe! É uma armadilha!”. Reagi por instinto. Ergui o bastão no meu braço livre e acertei o garoto na cabeça com toda a força que eu tinha, fazendo com que a madeira voasse da minha mão. Percy caiu para o lado, aparentemente inconsciente, uma faixa de sangue escorrendo do seu couro cabeludo pela lateral do rosto, e eu rezei aos deuses para que não o tivesse matado.

Medusa ronronou no meu ouvido, o que foi um som estranho, considerando que ela era muito mais parecida com um réptil do que com um gato.

— Ah, que coisa mais fofa! — Ela se inclinou para me olhar e eu cerrei os olhos com força. — Você prefere matá-lo a deixar que ele se transforme em uma estátua na minha coleção! Como são dignos esses gregos...

Uma das cobras dela me mordeu no rosto. As outras se enfiavam no meu cabelo e se enrolavam em meu pescoço, me fazendo seriamente reconsiderar o meu medo por aranhas.

— Vamos lá, querida... — prosseguiu Medusa enquanto eu me retorcia, tentando me libertar. — Abra os olhos. Prometo que vai ser menos dolorido se você estiver na forma de estátua quando eu te fizer em pedaços. — Suas unhas se enterraram ainda mais profundamente na minha pele e eu senti um filete de sangue começar a escorrer pelo meu braço. — A não ser, é claro, que você prefira a... outra opção.

Eu podia ouvir o sorriso em sua voz. Ela tinha certeza que ia me matar ali mesmo e estava se deliciando com a perspectiva de dar o troco na minha mãe. Quis gritar e falar que aquilo não era justo, que eu não tinha nada a ver com aquela história toda, mas me controlei. Aquela não era a hora de bancar a donzela indefesa. Eu precisava escapar daquela situação. Precisava levar Percy em segurança para o acampamento, onde eu poderia surtar à vontade quando chegasse. Agora eu tinha que pensar, mas o cheiro rançoso de réptil que emanava da pele dela era tão eficiente em nublar os meus pensamentos quanto o charme de uma filha de Afrodite.

Infelizmente, Medusa conhecia a minha mãe, o que significava que ela não ia se deixar enganar se eu começasse uma conversa furada apenas para distraí-la. Só me restava uma opção. Força bruta.

O mais rápido que eu pude, agarrei o cabo da minha faca e enterrei-a em sua barriga. Ela soltou um guincho agudo de dor que me deixou com um zumbido irritante no ouvido e me soltou. Puxei a lâmina enquanto cambaleava para frente. Movimento errado, porém necessário. O sangue de górgona do lado esquerdo, além de venenoso, era ácido. Ele respingou nas minhas costas e mão e eu senti quando começou a corroer a minha pele, escavando seu caminho para as minhas veias. A dor encheu meus olhos de lágrimas e me fez gritar. Tentei alcançar Percy, mas Medusa foi mais rápida. Ela se jogou nas minhas costas, nos lançando dois metros à frente. Eu caí de bruços, batendo o queixo no chão e expelindo todo o ar dos pulmões. Fui virada para cima com violência e por pouco não me transformei em estátua assustada. Percy grunhiu alguma coisa sobre torta de blueberry, mas a mulher montada na minha cintura não pareceu prestar atenção. Tentei enterrar a faca onde julgava ser seu coração, mas ela agarrou a minha mão a tempo e quebrou meu pulso com um estalo úmido horrível, me fazendo soltar a arma. Gritei de dor, mas fui sufocada quando seus dedos apertaram o meu pescoço, as garras arranhando minha pele. Não conseguia acreditar que ia morrer ali e a última coisa que eu veria era o interior das minhas pálpebras.

— Menina tola — rosnou Medusa. Como pude sentir seu hálito, julguei que nossos rostos estavam próximos. Talvez eu tentasse uma cabeçada se suas mãos não estivessem apertando meu pescoço com tanta eficiência. — Achou mesmo que poderia me matar com uma facada no estômago? — Ela riu, amarga, e o som fez descer calafrios pela minha espinha. — Agora eu vou garantir que a sua morte seja tão dolorosa quanto foi a minha transformação.

Senti suas mãos aumentarem a pressão ao redor da minha taqueia. Tentei gritar para acordar Percy, mas o único som que escapou da minha garganta foi um gemido abafado. Comecei a ouvir meus batimentos cardíacos reverberando nos ouvidos. Eu não conseguia mais respirar. Com a mão boa, agarrei um dos pulsos reptilianos de Medusa e tentei inutilmente afastá-lo de mim. Comecei a perder os sentidos. Lutei para me manter consciente, mas a falta de oxigênio me arrastava para um sono sem volta. Acho que comecei a ver a minha vida passando diante dos meus olhos. Minhas melhores memórias apareciam e afundavam na escuridão confusa da minha mente. Podia ouvir a música que os sátiros costumavam tocar para os pés de morango no acampamento. Quase conseguia sentir o perfume dos frutos maduros e o sol quente de verão esquentando a minha pele. E a música continuava, cada vez mais alta. Se isso fosse o Elísio, acho que eu não me importava.

— Argh! Mas o que é isso?!

Medusa me soltou tão rápido que eu demorei um tempo para perceber que conseguia respirar de novo. Foi meu instinto de sobrevivência que me fez puxar para dentro dos pulmões uma golfada de ar. Não ousei abrir os olhos. Medusa ainda estava sentada nas minhas pernas e podia muito bem estar olhando para mim. Apenas continuei deitada, tossindo e arfando enquanto tentava recuperar o fôlego.

— De onde vieram essas plantas?!

Eu não sabia do que ela estava falando, mas podia distinguir por sobre a ainda persistente música de flauta dos sátiros o ruído farfalhante de folhas, como se uma brisa soprasse através da floresta. O ar, porém, estava estático e o meu cérebro, mesmo confundido pela recente falta de ar, começou a criar uma imagem do que estava acontecendo.

— Malditos espíritos da natureza! — rugiu Medusa. — Se algum dia eu colocar as minhas garras em quem foi o responsável por invocar essas vinhas, juro pelas profundezas do Tártaro que vou fazer você se arrepen...

Sua voz foi cortada por um som de sucção seguido do característico chiado de monstros se desintegrando. Algo grande, úmido e redondo caiu sobre a minha barriga e quicou para o chão. Cobras sibilaram em protesto. Eu contive um grito de nojo.

— Já... já pode abrir os olhos, General — balbuciou Percy e, com certa relutância, eu obedeci.

O garoto estava parado atrás de uma pilha de heras que lentamente se arrastavam pelo solo, procurando o tronco mais próximo para se enrolarem. Ele olhava para a própria espada com uma expressão perplexa no rosto, como se não conseguisse acreditar que realmente tinha matado a Medusa. Empurrando alguns caules para longe das minhas pernas, me pus de pé, trêmula e com o pulso latejando.

— Obrigada — consegui murmurar, minha voz saindo rouca devido a eu quase ter sido sufocada instantes antes.

Percy deu de ombros.

— Eu só cortei a cabeça dela. As heras fizeram todo o trabalho.

— Heras...

— Aaaaaanabeeeeeeeeth! — baliu uma voz muito familiar.

Logo eu tinha sido atropelada por um garoto com um sério problema de acne e cavanhaque que parecia ter a minha idade usando apenas a parte superior do uniforme de soldado da infantaria da União. Onde deveriam estar suas pernas, porém, havia um par de pernas de bode e o chapéu acomodado em seus cabelos castanhos cacheados serviam apenas para ocultar o par de chifres que cresciam por entre os fios.

— Grover! — Retribui o abraço que ele me dava, tomando cuidado para não mexer o meu pulso quebrado. Curiosamente, eu mal sentia dor. — Obrigada, obrigada, obrigada! Nunca estive tão feliz em te ver em toda a minha vida!

O sátiro pareceu encabulado. Ele se afastou com um sorriso tímido nos lábios, coçando a nuca de forma nervosa e distraidamente mordiscando a manga de seu uniforme.

— Graças a Pã eu cheguei a tempo! Se eu tivesse demorado um pouco mais, ela teria arrancado a sua cabeça fora!

— Nem me lembre — consegui resmungar. Ainda podia sentir a textura escamosa das mãos de Medusa e suas garras gélidas e longas apertando o meu pescoço.

— Você precisa comer um pouco de ambrosia — ele comentou ao reparar em meu pulso inchado. — Devíamos voltar para o acampamento temporário de vocês. — Ele franziu o nariz em uma clara expressão de nojo. — E talvez seja interessante levar a cabeça com vocês. Podem usar minha jaqueta se quiserem. Nem um gosto bom ela tem...

— Talvez seja melhor você pegar — respondi, tentando disfarçar no meu pedido a minha vontade nula de voltar a me aproximar de qualquer coisa relacionada a Medusa. — Fica mais fácil para você encontrar no escuro sem ter que olhar devido ao seu olfato.

Grover fez um muxoxo, mas obedeceu. Ele se afastou, olhando diretamente para a frente enquanto tirava a jaqueta e mastigava uma das mangas. Eu então me virei para Percy para explicar quem era o recém-chegado e me deparei com uma expressão de surpresa e espanto em seu rosto que me pegou desprevenida.

— Esse é...

— Grover? — chamou Percy.

O sátiro se ergueu de súbito, largando para trás a jaqueta com a cabeça da Medusa e se virou para encarar o filho de Poseidon.

— Percy? — ele perguntou incrédulo e, quando o garoto assentiu, disparou em sua direção com um enorme sorriso em seu rosto. — Peeeeercy! — baliu envolvendo o garoto em um abraço.

— Você... você tem... traseiro de burro... — O semideus parecia em choque, mal e mal retribuindo o abraço.

Bééééééé! Bode! Eu sou um sátiro!

Percy então se virou para mim em busca de explicação, mas era eu quem estava precisando de respostas.

­— Vocês... se conhecem?

Novamente, Grover se afastou encabulado e dessa vez tirou o chapéu para poder mastigar uma de suas abas. O fato de ele ter chifres não pareceu ajudar muito Percy a se recuperar do choque.

— Quíron me colocou para ser o guardião dele na Carolina do Norte alguns anos atrás — explicou. — Devido a guerra, eu tive que voltar ao acampamento, não sem antes criar um elo empático.

— Um o quê?

— Grover, isso é perigoso — repreendi.

— Eu precisava saber se ele estava bem. Ele ainda é o meu protegido! — Ele abaixou os olhos, envergonhado. — Quando eu senti que ele estava em perigo, vim o mais rápido que pude. Como foi que você acha que encontrei vocês dois?

Suspirei, contrariada.

— Você salvou nossas vidas, Grover. Te devemos essa.

Timidamente, ele sorriu e voltou para pegar o embrulho de cabeça de Medusa.

— Vamos voltar para o acampamento de vocês. Você precisa urgentemente tratar o seu pulso e não faria mal algum dar uma olhada nessa sua cabeça, Percy.

— É. Tenho certeza que ela parou de funcionar em algum lugar entre o meu chefe se transformar em um morcego gigante e eu matar um homem com cabeça de touro.

— Pera. Quê?

Grover parecia visivelmente abalado pela afirmação, mas, antes que o filho de Poseidon conseguisse explicar, eu me manifestei.

— Acho melhor deixarmos para conversar quando estivermos no nosso acampamento. Temos muitos assuntos para colocar em dia.

O sátiro me lançou um olhar preocupado.

— Você nem imagina.

 

Grover não falou muito enquanto retornávamos para a nossa área de acampamento. O tempo todo ficava olhando para os lados e por sobre o ombro, mordendo os lábios de forma nervosa enquanto abraçava a cabeça da Medusa. Seu comportamento não pareceu deixar Percy muito confortável. Ele apertava os dedos ao redor da espada, os olhos pulando de sombra em sombra. Eu o teria confortado, mas estava me sentindo tão tensa quanto ele. Ainda podia sentir os dedos escamosos em volta do meu pescoço.

Foi só quando estávamos devidamente acomodados ao redor da fogueira, quando Grover começou a tratar dos meus ferimentos, que retomamos a nossa conversa. Como eu ainda estava rouca por causa do enforcamento e tinha que me ocupar em mastigar e engolir a ambrosia e Percy parecia tão disposto a falar quanto uma rocha, foi o sátiro quem começou a conversa.

— Eu estava acompanhando o comboio de suprimentos indo para Nova York — ele contou. — Travis e Connor deveriam ter nos encontrado em Roanoke, mas nunca apareceram. Estava seguindo o rastro deles antes de vir socorrer vocês. Parece que foram capturados por romanos.

— Onde? — consegui perguntar depois de tomar um gole de água para tentar aliviar a garganta.

— Um pouco para o sul. — Grover deu de ombros. — Parecem estar seguindo para a Carolina do Sul.

— Eles vão se reagrupar em Lexington — ouvi Percy resmungar.

Nós dois nos viramos para observá-lo. O garoto estava sentado com as pernas junto ao corpo e o queixo apoiado nos joelhos. Seus olhos verdes observavam o fogo com um brilho distante. O sangue seco em seu rosto lhe dando um ar sombrio.

—Como... como você sabe? — balbuciou Grover, surpreso.

— Percy conseguiu se infiltrar em uma das reuniões dos generais romanos em um sonho — respondi por ele, observando-o de forma preocupada — Foi enxotado pelos cães da Reyna, mas conseguiu algumas informações interessantes.

— Isso... Isso é bom! — o sátiro se animou — Precisamos resgatá-los!

Percy relanceou um olhar para mim e eu suspirei, nervosa. Sabia que ele estava contando com isso. Se fossemos atrás de Travis e Connor, ele poderia tentar resgatar a própria mãe. Mas essa — infelizmente — não era a minha prioridade.

— Grover, eu tenho que levar Percy para o Acampamento. Não podemos nos arriscar.

— Annabeth, a mensagem deles...!

— Eu sei — respondi com calma. — Eu sei o conteúdo da carta. E os romanos também. Eles já sabem do ataque ao Forte Wagner. — Grover me encarou em choque, os olhos castanhos arregalados no tamanho de duas nozes. Engoli em seco e umedeci os lábios com a língua. — Temos... Temos um traidor em nossos ranques.

Grover piscou forte, confuso. Ou talvez estivesse tentando afastar as lágrimas. Eu pelo menos sentia vontade de chorar toda vez que pensava nesse assunto.

— Mas... Quem...

— Não sabemos. — A voz de Percy estava grave e séria. Ele voltara a encarar o fogo e as sombras oscilantes em seu semblante acentuavam a raiva em sua expressão — Ele atende pelo nome de Cronos.

Grover tremeu visivelmente diante do nome do rei dos Titãs, se encolhendo um pouco dentro do seu uniforme, como se procurasse abrigo entre as dobras do tecido. Seus olhos circundaram a clareira, apreensivos.

— Isso é mal... — ele resmungou para si mesmo. — Isso é muito mal... Annabeth, precisamos fazer alguma coisa! Todas as nossas tropas concentradas no Acampamento... Se eles não receberem a mensagem dentro de uma semana, vão por em ação o plano B! Eu definitivamente não gosto do plano B!

Bufei irritada. E quem gostava? O plano B consistia em enviar uma nova versão do cavalo de Tróia para os romanos. Mas, para que os legionários realmente acreditassem que aquilo não era uma mentira, teríamos que enviar vários dos nossos emissários junto com a “balsa da paz” recheada de bombas de fogo grego que incendiariam Nova Roma e o acampamento, junto com, provavelmente, toda baía de Charleston. Os semideuses gregos que fossem junto com a balsa não retornariam. Era uma missão suicida que seria liderada pelos filhos de Ares (obviamente), mais precisamente por Clarisse, mas eu não tinha a menor ideia se ela sobrevivera ao ataque ao Monte Mitchell.

Eu também odiava o plano B — ou Operação Leônidas, como os filhos de Ares insistiam em chamar —, e exatamente por envolver a morte de trinta semideuses gregos que eu e Quíron a considerávamos a nossa última opção. A mais desesperada. Infelizmente, estávamos cada vez mais próximos de sermos forçados a usá-la.

— E é por isso que precisamos chegar ao acampamento o mais rápido possível, Grover — falei por fim. — Agiríamos como os mensageiros. Se formos atrás de Travis e Connor, podemos não chegar a tempo de impedir o plano B de ser colocado em prática.

Grover mastigava a manga de sua camisa com claro nervosismo. Eu coloquei minha mão boa em seu ombro e o olhei nos olhos, deixando transparecer todo o meu pesar por toda aquela situação.

— Sinto muito, Grover. Mas vamos ter que deixar eles para trás por enquanto.

Eu me odiei por dizer aquelas palavras, especialmente porque Grover concordou comigo por um instante.

— Para onde eles estão sendo levados? — ele perguntou após alguns instantes de silêncio, mas a pergunta não foi dirigida a mim. Ele virou o rosto levemente para encarar o filho de Poseidon. — Percy?

O garoto suspirou, mas não desviou os olhos do fogo.

— Forte Sumter.

Internamente amaldiçoei o desconhecimento de Percy. Grover soltou um misto de grunhido e balido desesperado e me olhou com olhos aterrorizados.

— Annabeth, por favor! Não podemos deixar eles chegarem ao Forte! — ele implorou. — Aquele lugar é o playground do Octavian!

Isso pareceu chamar a atenção do filho de Poseidon. Ele se virou para nós com uma expressão confusa que ficou quase completamente oculta pelas sombras tremulantes do fogo.

— Octavian? O cara que enviou a Medusa atrás de nós? — Não respondi. Um gosto amargo invadiu a minha boca conforme meu cérebro adiantava os acontecimentos que estavam prestes a se desenrolar. — Você espera que eu siga com você até esse maldito acampamento quando a minha mãe vai cair nas mãos desse lunático?!

Eu achava que Grover não podia ficar mais aterrorizado. Estava enganada. Sua cabeça girou com tanta força na direção de Percy que tive certeza que ele tinha quebrado o pescoço.

— Sua mãe? Sally foi capturada pelos romanos?!

Bufei resignada e apoiei o rosto nas mãos enquanto Percy contava em balbucios confusos tudo o que tinha se desenrolado com ele, desde o momento que fora atacado por uma Fúria até estarmos sentados ali. Quando ele terminou, um silêncio denso se apossou da clareira em que estávamos. Eu agora observava o fogo, sabendo que a minha opinião de seguir em frente seria a mais impopular naquele trio.

— Annabeth, por favor — murmurou Grover em um tom de cortar o coração que eu só ouvira uma vez e preferia nunca mais ouvir. — Não podemos deixá-los nas mãos de Octavian. Travis e Connor talvez conseguissem se virar, mas a mãe de Percy... Ela é apenas uma mortal.

— Minha mãe não é nenhuma donzela indefesa, Grover — resmungou Percy, irritado.

— Você não conhece Octavian, Percy — respondeu o sátiro com pesar — Ele faz o seu padrasto parecer um santo.

Pode ter sido minha impressão, mas o rosto do semideus pareceu ficar mais pálido. Ele me lançou um olhar esperançoso que eu sustentei pelo máximo de tempo que pude antes de soltar um suspiro profundo de rendição. Arrumei o cabelo o melhor que pude em um rabo de cavalo com o meu pulso quebrado ainda não totalmente cicatrizado, olhando de um para o outro com a expressão mais séria que consegui arrancar do âmago da minha alma.

— Tudo bem. Nós vamos resgatá-los — disse, dura. — Mas se por algum motivo o plano B for colocado em prática antes de chegarmos ao acampamento, os romanos vão ser o menor dos seus problemas, Cabeça de Algas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Por hoje é só pessoal!

Deixem suas avaliações nos comentários aí embaixo! Encontrou algum erro de português? Deixa aí também! Tem alguma sugestão? Coloca no comentário também! Estou aberta as suas ideias!

Não sei quando o próximo capítulo sai. Eu sequer comecei a escrever ele. Mas quem sabe ele venha pular carnaval por aqui, não é mesmo?

Até lá!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Nossa Secessão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.