Hearts Of Sapphire escrita por Emmy Alden


Capítulo 43
¨f o r t y - t w o¨




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A menina nunca pensou que estaria envolvida em algo daquele tipo.

Contudo, a cada pessoa que se juntava a causa, mais ela se sentia fazendo a coisa certa.

O suor escorria por sua testa e suas mãos suaves há um mês, agora tinham calos recentes, embora, a dor e o ardor não a impedissem de continuar empurrando a carriola com o brutamontes pesado e morto dentro dela.

Contava os passos como quem recitava uma oração. Olhava para trás ocasionalmente apesar de saber que ninguém além dela estava ali.

Os Procuradores — como foram apelidados — raramente agiam em grupo. E se estavam em conjunto, não passavam de três. Era difícil camuflar mais de dois deorum enormes nas Terras Humanas sem nenhum propósito.

Além disso, a frequência com que eles estavam aparecendo nos últimos dias era bem baixa comparada ao período após Callandrea matar o primeiro deles.

Agora entendia por que alguns achavam a caça uma arte. Callandrea, por sua vez, achava que o caçadores só não entendiam que era ainda mais prazeroso quando a caça resolvia se tornar o caçador.

Fazia aproximadamente um mês que Kallien e Corinna estavam fora e ninguém recebia nenhuma notícia deles.

A garota quase viu seu estômago sair pela boca quando os deorum chegaram com uma bandeira de luto, uma carta, um último pagamento e um caixão.

Rezou com tanto fervor para que não fosse seu irmão nem sua amiga, que só quando o primeiro pingo de sangue caíra em seu vestido, ela percebeu que mordia o lábio furiosamente.

Um soluço escapou de sua boca quando outra família foi chamada para receber as condolências.

Callandrea não sabia se Kallien e Corinna estavam bem, mas estavam vivos e era aquilo que a fazia continuar respirando.

Ao chegar no objetivo da contagem, a garota parou. Bateu o pé na terra fofa e então se ajoelhara, cavando com as próprias unhas.

Quando os dedos encontraram algo firme — madeira — ela se interrompeu e deu duas batidas fortes antes de pegar o puxador enlameado e enferrujado para puxar, revelando um buraco escuro.

Foi até a carriola novamente e a empurrou até parte dos pés do deorum ficarem suspensos sobre o buraco.

Com um solavanco, a menina o jogou para dentro da escuridão, as partes pesadas e sem controle do corpo morto  fazendo baques surdos ao bater nas paredes e então atingir o fundo.

Callandrea olhou em volta mais uma vez antes de fechar a vala e cobrir com uma boa quantidade de terra novamente.

Começou a contar os passos de volta e, na metade, escondeu a carriola entre arbustos densos.

Desviou do caminho apenas para ir ao rio, as águas geladas acariciando sua garganta seca e tirando os resquícios do Procurador do seu corpo. Tinha roupas secas armazenadas ali perto, só por precaução, caso tivesse mais trabalho com o abate do que o esperado.

Quando estava pronta para voltar ao caminho, soltou um assovio longo e sustentado, que ela sabia que soaria para quem interessava.

Tinha ouvido aquele som pelo vilarejo nos últimos anos, mas, como era o esperado, achava que pertencia a alguma espécie exótica escondida na floresta.

Bem, de certa forma, eram mesmo...

Os olhos de Kallien abriram com muito esforço.

Sentia seu corpo todo pesado.

Por fora.

Por dentro, era como se suas forças estivessem renovadas como nunca antes. Era como se seu espírito pudesse levantar e correr o mundo, mas sua carne fraquejava e erguer um braço era quase como carregar uma casa nas costas.

A primeira visão que teve foi o teto do dossel vermelho e então o rosto de Rexta apareceu.

Kallien fechou os olhos novamente e respirou fundo, tentando arquear o peito o quanto podia. O que acabou não sendo muito.

Aos poucos, lembrou do acordo com Rexta, do tônico, do desmaio, do confronto de Corinna e...

Corinna.

Kallien imaginou que tivesse falado em voz alta o nome da menina pois ouviu Rexta suspirar fundo um pouco impaciente.

O Escolhido voltou a enxergar novamente e repetiu:

— Corinna. Você...prometeu. — sua voz carregava uma rouquidão de algo que não era usado há dias.

Rexta estalou a língua e dois criados caminharam até a cama ajudando-o a sentar.

Ele tentou manter as costas firmes contra a cabeceira. Uma bandeja com frutas, pão, suco e o prato principal foi posta sobre suas pernas.

Kallien esforçou-se para levantar a cabeça da comida para encarar Rexta.

— Você...vai...me deixar vê-la?

Conseguiu fechar os punhos ao lado do corpo.

A Senhora Rubi rolou os olhos e disse numa voz suave:

— Quer tentar levantar agora, sem nada no estômago e rastejar até a sua amiga? — ela esperou um momento. — Acho que levaria anos considerando seu estado. Principalmente, que ela agora está na Ordem Esmeralda sob a proteção do seu Simpatizante.

Se o corpo de Kallien estivesse normal, ele teria arregalado os olhos enquanto assimilava a novidade.

— Há quanto... tempo estou aqui? — sua respiração saía com dificuldade então ele se forçou a mastigar um pedaço de laranja cortado.

Rexta inclinou a cabeça, como se fizesse as contas:

— Aproximadamente uns cinco dias.

Kallien quase engasgou.

— Então...quer dizer que..

— Sim, a primeira etapa já acabou. Sim, a Cerimônia já passou. — Rexta gesticulou para que o garoto continuasse comendo. — E devo dizer que sua amiga não pareceu sentir nem um pingo de falta sua.

O Escolhido de Fortuna tinha vontade de virar aquela bandeja bem ali, mas, além de que iria perder o recurso para se fortalecer, estava vulnerável demais para aquilo.

Kallien bebeu um gole do suco e então atacou o prato principal. Sua voz soava bem menos ameaçadora de boca cheia:

— O que você fez comigo?

A Senhora Rubi levantou-se e começou a caminhar em volta da cama.

— Nada. Você só cumpriu sua parte do acordo. Estou feliz que tenha aguentado bem.

Raiva num nível que Kallien nunca tinha esperado sentir antes subiu pelo seu peito e...

Seu peito.

Dentro dele, só então ele percebera, como as cadências eram fracas e as batidas demoravam a se conectar com as anteriores.

Sua mão instintivamente foi até o local.

— Não se preocupe. Você se acostumará logo. A parte mais difícil é sobreviver. — A Governante deu de ombros como se explicasse algo simples a uma criança.

Ela ainda andava de um lado para o outro, quando entre uma garfada e outra, o rapaz disse:

— Você queria me matar.

Rexta parou.

Olhou para o prato praticamente vazio de Kallien, para o objeto ao lado — um detalhe que nem o menino tinha percebido: uma rachadura no copo de vidro que segurara com força demais — e se aproximou, subindo na cama com uma agilidade desconcertante e segurando seu rosto com uma mão.

— Claro que não. Quero que vença o Sacrifício e então terá sempre um lugar aqui. Com prosperidade e longevidade. — A mulher passou um dedo pelos lábios do Escolhido. — Estou ansiosa para ver do que é capaz agora, Kallien. E prometo que você vai ver sua amiga, mas agora vou lhe fazer adormecer de novo por algumas horas e esperar que acorde menos questionador da próxima vez.

Antes que o menino pudesse questionar, a Senhora Rubi aproximou dois dedos de sua testa e Kallien novamente desabou no colchão.

Laeni estava certa em se sentir desconfortável com o patriarca Esmeralda.

Sentar na mesa de mogno repleta de comida no café da manhã sob os olhares nada discretos do homem era uma tarefa um tanto desconcertante.

Era quase como se ele tentasse decifrar um enigma apenas olhando para a Escolhida.

Corinna sabia que as dores de cabeça suaves não era pura coincidência.

No dia anterior, depois de Laeni ir embora e Athlin voltar de uma reunião com os Governantes, o deorum começara o tour pela mansão junto com Corinna.

O Senhor Esmeralda lhe mostrara o andar inferior — onde ela comia naquele momento, tentando não exagerar demais naquela readaptação alimentar— com um saguão de visitas, uma sala de estar, duas de jantar, a escadaria dupla que em sua base tinha uma porta que levava aos, que Athlin chamou de, labirintos do subsolo onde ficavam os depósitos, quartos para alguns criados, quartos reservas e muito mais.

Corinna não sentiu nenhuma pressa em conhecer ali; qualquer coisa que a lembrasse do seu período no Galpão não trazia nenhuma ansiedade para que ela quisesse ver. Apesar disso, Athlin explicou que o subsolo se estendia por quase o dobro da área da mansão.

O Governante era um guia exemplar e uma companhia agradável. Oferecia as informações importantes sem nunca exagerar demais.

Às vezes, nos momento em que Athlin a guiava, a mão dele ia até a base da coluna da garota e, mesmo com seu vestido novo de algodão resistente, ela conseguia sentir o contato como se não tivesse nenhuma barreira entre as peles.

Também o pegava observando-a enquanto ela absorvia a cenário em volta e, na mesma frequência, percebia-o meio que repreendendo a si mesmo pelo gesto.

Corinna também o admirava. Na maioria das vezes, quando ele explicava sobre seus cômodos favoritos. Ele acabava mordendo o lábio inferior quando se pegava sendo entusiasmado demais e a menina achava aquilo fofo.

Ter a oportunidade de vê-lo em seu ambiente, sem os trajes formais e a postura impecável trazia-o para mais perto da realidade.

No andar que estavam, bem ao fundo, o Senhor Esmeralda lhe apresentou a cozinha e o escritório do pai — ou melhor, a porta trancada do escritório.

Estavam prestes a ir para o andar de cima quando chamaram Athlin para um compromisso, então os dois ficaram de terminar — ou pelo menos, continuar — a apresentação do local naquele dia.

Aquele seria o penúltimo de folga, já que na manhã depois da seguinte o primeiro confronto da segunda etapa aconteceria.

Marjorie comentara que "visto que Athlin estava sendo um ótimo guia", ela passearia pela Ordem que ela aparentava tanto ser apegada.

Athlin não contestou.

Muito menos Corinna.

Sabia que a Examinadora também daria um jeito de conseguir o que Fearis precisasse para a gravidez, sem muito alarde.

Depois de mastigar sua última porção, lançar um último olhar para a Escolhida e bufar pela última vez à mesa, Auremio resolveu se levantar com um "Juízo" que fora lançado na direção de Athlin.

O Governante e a Escolhida suspiraram ao mesmo tempo enquanto o antigo Senhor Esmeralda sumia pelo corredor.

Os dois trocaram sorrisos cúmplices pois, com certeza, estavam prendendo grande parte da respiração até a figura imponente se retirar.

O primeiro andar era repleto de quartos e se dividia em duas alas. O quarto de Corinna ficava na ala Leste, enquanto o de Athlin ficava na Oeste assim como o de seu pai. 

O lado da menina não tinha muita coisa interessante, apenas vários dormitórios, uma sala de estudos e um depósito de roupas e ferramentas para atividades na floresta.

Na ala Oeste, os quartos eram ainda maiores apesar de serem poucos. Havia uma sala de música, uma sala de reuniões e uma enorme biblioteca.

Ou, ao menos, era o que Athlin descrevera no dia anterior. Corinna ainda exploraria o lado naquele dia.

— Pronta para continuarmos? — O Governante questionou sob o guardanapo de pano que utilizava. 

A Escolhida apenas assentiu com a cabeça e se preparou para levantar da cadeira.

Prontamente, lá estava Athlin lhe oferecendo o braço que ela aceitou antes de começarem a ir em direção à escada.

Apesar de não ter entrado em nenhum quarto, já era possível perceber a diferença dos outros aposentos pelas enormes portas duplas.

— Acho que o que meu pai mais ficou ressentido por eu ter assumido o comando da Ordem Esmeralda, — Athlin disse em um tom meio de confissão, meio de brincadeira. — é a perda do quarto.

Ambos riram enquanto o garoto batia os nós dos dedos na porta entalhada com vários animais semelhante à fachada da frente da Mansão.

Corinna imaginava a precisão e delicadeza que deveriam ter sido necessárias para a confecção da peça, mas o deorum pareceu entender errado:

— Assim que eu organizar a bagunça te deixo conhecer o interior. 

A caçadora quase engasgou com a própria saliva e sentiu suas bochechas esquentarem rápido demais.

— Não! Eu não... eu... — Athlin a observou com um sorriso de canto como quem se divertia com a situação. — Ora! Você está zombando de mim!

Ele se permitiu gargalhar um pouco antes de responder:

— Não foi minha primeira intenção, garanto. — O rapaz segurou mais firme a mão da garota que tentava escapar do seu toque. — Não tinha pensado nada demais até ver sua expressão. Agora que eu imagino o que você pensou que eu pensei, sou incapaz de não achar graça.

Corinna bufou.

— Muito engraçado. — ela murmurou, mas acabou deixando um riso escapar. — Para sua informação, eu estava observando os entalhes.

— Oh. — Athlin pareceu notá-los pela primeira vez. — Entendo. São impressionantemente realistas, não acha? Creio que possam ser tão antigos quanto essa casa. — disse pensativo, uma expressão que, Corinna confidenciava a si mesma, amadurecia suas feições e o deixava muito bonito. — Quando eu era criança costumava brincar de me transformar em cada um desses por alguns minutos.

A garota arregalou os olhos:

— Vocês podem mesmo se transformar? — Quando era mais nova, sempre ouvia histórias de homens que viravam animais e bestas, mas achou que não passavam de lendas e casos muito raros.

Athlin não percebia, mas tinha começado a fazer um carinho suave nas costas da mão que a Escolhida mantinha em seu braço. Como se para assegurá-la que ela não deveria ter medo dele ou do que ele era.

— Não todos nós deorum. A Ordem Esmeralda é a mais específica para metamorfose. Podemos virar um animal ligado a qualquer um dos elementos. — ele explicou. — Contudo, algumas outras Ordens conseguem realizar o mimetismo que seria se aproximar bem do que um animal ligado ao seu elemento poderia ser, mas sem chegar a ser exatamente igual a ele. Copiar peso, forma e tamanho exatos só nós, Esmeralda, conseguimos fazer.

Os olhos da Escolhida brilhavam com a curiosidade que apesar de não poder ter sido herdada geneticamente do pai Evian, fora herdada com a convivência.

O Senhor Esmeralda fez uma expressão de suplício:

— Por favor, não me peça para fazê-lo. — Corinna murchou e o menino acrescentou de pronto. — Pelo menos não agora, mas prometo que em breve.

A garota pareceu aceitar a condição embora soubesse que, com o Sacrifício em suas costas, "em breve" poderia ser tarde demais para ela.

Athlin contou que conseguia se transformar em todos dos mais de trinta animais entalhados na madeira e que dominara o último deles apenas com quinze anos

Apesar de ser uma dádiva de sua Ordem, não usava com frequência.

Ficar muito tempo na forma animal poderia ir drenando suas características humanas até o momento em que fosse difícil voltar para si mesmo, disse ele.

A Escolhida viu a sala de música, cheia de instrumentos novos e praticamente intocados. Viu uma espécie de sala de esgrima, cercada de espelhos. E, finalmente, a biblioteca imensa e intimidante onde parecia ser muito fácil para que a garota se perdesse caso desse dois passos para longe do Governante.

Não que ela pretendesse fazer aquilo no momento.

Gostava do modo como o rapaz parecia inconscientemente levado a acariciar a pele de sua mão de tempos em tempos.

Ou, pelo menos, Corinna achava que era inconsciente.

Não poderia ter certeza.

Ao passo que em alguns minutos, Athlin parecia não ter tido a experiência de ficar do lado de alguma garota por tanto tempo, em outros, aparecia aquele olhar sagaz, com tiradas bem-humoradas e inteligentes que ela tivera um vislumbre da primeira vez que se encontraram no corredor do Galpão.

O Senhor Esmeralda explicou onde ficava cada seção da biblioteca e, o melhor, como se mover pelo local sem se perder.

Por dentro, o interior de Corinna estava agradecido. Não queria ser levada a mal, mas ansiava por voltar até ali sozinha desbravar os livros de história e tentar entender quem era de fato. Entender por que o mundo era como era e até mesmo ter um vislumbre da tal Profecia tão misteriosa.

Os dois jovens conversaram sobre suas leituras favoritas — embora o histórico literário de Athlin fosse bem mais amplo — e outra variedade de coisas por tanto tempo que apenas se interromperam quando um empregado batera à porta anunciando o almoço.

Corinna conteve a decepção.

Estava contente de verdade por estar ali. As coisas estavam fluindo muito bem entre ela e o deorum que era quase como se estivesse de volta em casa — lógico que com boas vestes e fartura de alimentos — conversando com um amigo num mundo novo. Sem Sacrifícios e com liberdade. Um mundo justo.

A única coisa que apertava em seu coração era a incerteza de, se algum dia estivesse viva para um confronto em busca de um mundo melhor, qual seria o lado que Athlin penderia.

Um mundo de liberdade ou um de Sacrifícios?

Conall não viu Mattia nos três dias livres que deram aos Escolhidos.

Estava tão perturbado que importunara, Thalles, o irmão do meio, para que lhe passasse algum treinamento.

Porém, o próprio Thalles parecia estar em outro mundo.

Conseguira a sua atenção total — mesmo que de má vontade — até o começo da tarde do primeiro dia, então...

Thaddeus entrou pela porta da sala de treino com uma maçã na mão.

Conall viu Thalles estreitar os olhos para a casualidade com que o irmão mais novo passeava pelo local enquanto mantinha sua postura firme.

Quando Thad suspirou com um sorriso no rosto pela milésima vez Thalles bufou:

— O que você quer? Finalmente se cansou dos livros e resolveu treinar um pouco os músculos?

Thad estalou a língua antes de dar uma mordida na maçã e se deitar no assento acolchoado a poucos metros do ringue de pedra.

— Não. Na verdade, vim trazer uma notícia. Uma notícia grátis. — o menino dizia cada sílaba lentamente e Conall já era capaz de ver a impaciência subindo pelo peito de Thalles. — Porém, sei que essa notícia vai ser de muita estima por algumas pessoas, então resolvi vir fazer negócio.

Conall não estava por dentro do que aquilo queria dizer, principalmente quando Thad disse algumas pessoas olhando diretamente para o irmão mais velho. Contudo, Thalles arregalou os olhos.

— Sério? — os punhos que estavam seguidos caíram ao lado do corpo — Você... sério?

Thad revirou os olhos.

— Sou uma fonte totalmente segura, sabe disso.

— Onde ela vai estar?

O Escolhido observava tudo com o cenho franzido.

— 20 moedas de ouro. — Thaddeus abriu a mão vazia e apontou com a maçã para o centro dela.

— Isso é um absurdo! É o triplo do que cobrou da última vez. — Thalles ralhou.

— Você é rico. Pode me dar o que eu quero. Além disso, tem a questão da...como posso dizer...necessidade, desespero.

— Somos da mesma família, seu pequeno mercenário.

Thad riu.

— Minha herança ainda é menor do que a sua. E ande logo, minha oferta é por tempo limitado.

O mais velho respirou fundo, murmurando algumas ofensas, mas andou até onde suas coisas estavam caçando a quantia de Thaddeus.

— Olhe e aprenda. — o garoto disse para Conall.sem fazer som.

Thalles aproveitava para jogar com raiva, moeda por moeda na direção do caçula, que pegava todas elas com uma agilidade impressionante.

— Aqui tem 18, gênio. Você não espera que ela dê atenção a você, se nem ao menos sabe contar até vinte, não é? — Thad provocou.

Thalles caminhou na direção do irmão de um jeito que fazia a poeira levantar do chão.

— Só não faço você engolir essas moedas porque você tem que me falar onde ela está.

O caçula corajosamente deu dois tapinhas no rosto do irmão:

— Você também é meu irmão favorito.

— Thaddeus.

— Está bem. Está bem. Ela está no centro da Ordem, pegando algumas papeladas para nosso digníssimo irmão.

Thalles pareceu ganhar uma nova postura e motivação.

— Desculpe por te deixar na mão, Conall podemos terminar isso mais tarde e...

Antes que ele pudesse terminar de falar, Theodor entrou no ambiente abotoando as mangas da jaqueta:

— Não encontrei a mãe. Ela disse que precisava de ajuda para alguma coisa, mas tenho que ir para a reunião antes que eu me atrase. Ainda tenho que encontrar Laeni no centro antes de ir para Ordem Ouro.

Um silêncio recaiu no recinto.

Thalles olhava para Thad com fúria no olhar.

Perdera 20 moedas de ouro por menos de um minuto para quando poderia ter conseguido o que queria de graça.

O mais novo deu de ombros, enfiando as moedas rapidamente no bolso:

— Nem pense. Negócios são negócios.

— Eu ainda mato você. — foi o que Thalles respondeu antes de sair pisando duro, mas de uma maneira extremamente ágil, pela porta.

Thad assoviou:

— Monetize sentimentos, esse é o segredo. — murmurou.

Theo tinha uma expressão confusa quando encarou Conall.

— Eu não estou entendendo nem um terço disso.

O Escolhido deu de ombros:

— Você chegou agora. Eu estou aqui desde o começo e não estou entendendo absolutamente nada.

Sem o treino, Conall recorreu a Thad e suas histórias, embora não se concentrasse em coisa alguma.

Ainda podia sentir os lábios da aliada sobre os seus, os braços puxando-o mais para perto.

Quando o Escolhido dera aquele passo arriscado já tinha se preparado para mais que esperada rejeição.

Mas aquilo foi muito pior.

Aquilo o fizera passar a noite em claro, perguntando se ela também estaria naquele mesmo estado.

Estaria pensando nele com afeição ou xingando-o de todos os nomes possíveis?

Desde a primeira vez que vira as meninas, sentira um tipo de ligação com elas. Uma simpatia, um senso de proteção.

Porém, estava bem claro para ele a distinção entre a profundidade daquilo para com Mattia e para com Corinna.

Apesar da garota de Amara sempre tentar manter ao menos dois pés de distância emocional entre eles, era como se Conall fosse capaz de perceber o que acontecia com ela com mais facilidade. Como um elo invisível entre os dois. Algo que o movia para perto dela, ainda que soubesse que não estaria totalmente seguro.

Foi como quando sentiu a urgência de ir atrás dela naquelas cortinas, a necessidade de trazê-la para perto de si, o desejo de dizer que ficaria bem.

Naquele mesmo instante, Conall sentia que alguma coisa estava errada. Aquilo martelava em sua mente. Exigindo que ele fosse atrás, embora soubesse muito bem que não poderia fazer algo do tipo.

— Está bem. De quem eu tenho que conseguir informações? Um garoto? Uma garota? Humano? Deorum? — Thad fechou um enorme livro com um estampido. — Meu alcance não vai muito além do Setor Superior, mas posso dar um jeito.

Conall piscou antes de franzir a testa:

— O que você está falando?

— Eu já lancei umas cinco indiretas no meio do texto que estou lendo e você não respondeu nenhuma, o que é peculiar considerando as características do homem. — o garoto estalou os dedos. — Está com essa cara de levemente bobo, intensamente preocupado. Como se tivesse roubado o beijo de alguém, não deveria ter feito isso e agora está se perguntando se está tudo bem.

O Escolhido sentiu as bochechas esquentando. Às vezes, a percepção daquele garoto era assustadora.

Thaddeus o encarava com uma sobrancelha arqueada.

— Não tenho dinheiro para oferecer.

O deorum o dispensou com um gesto de mão displicente.

— Fica de cortesia. Uma amostra grátis.

Conall riu, mas suspirou. Thaddeus questionou:

— E então, qual o nome do meu alvo?

Corinna e Athlin tinham terminado de ver os cômodos da casa depois do almoço e foram se aventurar pelos jardins perfumados e pelas florestas nos arredores.

O vestido leve da Escolhida balançava ao vento junto com os cachos dourados de seu Simpatizante.

Suas mechas escuras estavam repletas das mais diversas flores que o deorum arrancava do caminho e prendia entre os fios, causando uma série de risadas nela.

Por um instante, a menina apenas parou no meio das árvores da floresta e se manteve de pé, sentindo o vento em seu rosto. O aroma do jardim ao longe chegava até ela. O cheiro da grama e das folhas geladas das árvores por causa do frio a lembrava de quando deixara sua casa, sua floresta e seu pai em Fortuna.

O Senhor Esmeralda lhe confidenciara que no dia seguinte todos os Escolhidos teriam a oportunidade de escrever para os familiares e amigos e, ainda que não tivesse chegado o momento, Corinna ainda divagava bastante sobre o que escreveria para o pai.

Talvez contasse como era a satisfação de estar de pé ali no meio dos arvoredos, sentindo a liberdade do ar batendo em seu rosto depois de tanto pensar se voltaria a superfície após o período passado naquela cela no Galpão.

Dali até conseguia sentir cheiro de águas em algum lugar próximo e quando voltara à caminhada com o Governante logo visualizara um enorme lago cristalino.

Era impossível não se recordar do seu próprio lugar especial em Fortuna. O pequeno lago onde cada vez que ela entrava em contato com a água, sentia que se conectava com o mundo, com uma parte sua há muito perdida.

Com sua mãe.

Quando percebeu um movimento com o canto do olho, virou chocada para o Senhor Esmeralda que se livrava de sua camiseta pronto para um mergulho.

— Você só pode estar louco. — ela disse com um pouco de hesitação enquanto observava pela primeira vez seu tronco nu.

Apesar de suas feições joviais, o corpo de Athlin não tinha nada de imaturo. Parecia ter sido esculpido em décadas de treinamento e, talvez, fosse de fato.

O rapaz se sentou tirando as botas, testando a temperatura da água com os dedos.

— Essa caminhada aqueceu nosso sangue, a água vai nos fazer bem.

Corinna engoliu em seco enquanto tirava os olhos dele. As últimas vezes que estivera assim tão perto de um garoto sem camisa, foi de Kallien e o resultado nunca era muito...inocente.

Ainda assim, ela conseguiu dizer de braços cruzados:

— Você quis dizer: ela vai nos congelar bem.

—Vamos lá. — incentivou Athlin entrando no lago, a água chegando a princípio na altura de sua cintura. — Você não tem medo de água tem?

Corinna negou com a cabeça mas ainda tinha os braços cruzados sobre o peito.

— Também ouvi dizer que é uma caçadora. — o Senhor Esmeralda levantou uma sobrancelha em desafio. — Isso indica que sabe nadar, não é? Sobrevivência e essas coisas mais...

A Escolhida deu um sorriso de canto.

— Óbvio.

— Então o que está esperando?

A garota segurou as saias do vestido e esticou para o lado:

— Não são os melhores trajes de banho.

— Você sempre vai ter mais vestidos no seu armário. — o menino retrucou com um sorriso travesso que não a ajudava muito a limpar sua mente.

— O que as pessoas vão pensar quando entrarmos na casa ensopados?

Athlin mergulhou e voltou à superfície um segundo depois, os cabelos puxados para trás, gotas de água em seus cílios longos, como pequenos diamantes adornando seus olhos.

— Vão pensar que andamos muito e paramos para nos refrescar? — ele inclinou a cabeça e jogou de repente um pouco de água nos pés da Escolhida, que o olhou ultrajada. — Se você me der um bom motivo sem ser o vestido, eu paro de insistir. Caso contrário, irei continuar jogando água em você e então ficará encharcada entrando aqui ou não.

Corinna realmente tentou pensar em um argumento sólido mas, cada vez que focava o olhar, via Athlin sorridente diante dela.

Então o único argumento que aparecia era que estava com medo de não conseguir manter suas mãos para si.

E isso ela jamais poderia revelar ao Simpatizante.

A menina resolveu respirar fundo e tirar os sapatos — encharcados por Athlin. Ele a esperava na beirada, analisando todos os seus movimentos.

Uma gota de suor desceu pela coluna dela e talvez precisasse mesmo daquele mergulho, então aceitou a mão do deorum e escorregou para dentro do lago.

Pela primeira vez desde que sugerira, Athlin analisava se aquela tinha sido uma boa ideia.

Tinha conseguido manter a postura durante todo o dia, mas quando a mão de Corinna apoiou-se na sua era como se ela pudesse muito bem ter ateado fogo em seus dedos.

O Governante imediatamente lhe dera espaço para que ela se acostumasse com a água enquanto mergulhava e nadava por alguns metros ao redor.

Pelo frenesi dentro de si, o mais sensato de se afastar um pouco antes que fizesse algo que a assustasse.

A proposta da amizade pendia por um fio tênue e parecia que ambos estavam cientes daquilo.

Alguns minutos se passaram enquanto a Escolhida se adaptava novamente a sensação da água envolvendo seu corpo e o deorum deixava o lago acalmar suas emoções, tentando esquecer do outro corpo no mesmo ambiente que o seu.

Corinna evitava olhar demais e Athlin de se aproximar demais.

O deorum esperava que aquilo ficasse mais fácil com os dias, mas quando a menina mergulhou para então emergir com os cabelos mais escuros grudando por seu pescoço, ombros e colo, os olhos profundamente azuis e as flores antes presas em sua cabeça boiando à sua volta com se a reverenciassem, Athlin pensou que talvez a Escolhida fosse a coisa mais bonita que ele já tinha visto.

Corinna tirava as pétalas presas em seu vestido quando seu olhar fora atraído para frente.

Athlin estava mais perto e era quase como se ela conseguisse sentir a energia que emanava dele. Os olhos de ambos estavam cativos uns nos outros. A Escolhida arriscou um sorriso hesitante ao qual o Simpatizante respondeu com um largo.

Nenhum dos dois sabia quem estava se movendo, mas o fato é que a cada segundo seus corpos estavam mais próximos. O estômago de Athlin revirava tanto com a enxurrada de sensações que estava começando a suar frio ao mesmo tempo que queimava por dentro.

É como uma doença, uma voz da memória ressoou em sua mente.

O olhar da menina caiu involuntariamente para os lábios começando a ficar num tom roxo suave. Sem perceber e sem se conter, seus dedos pairaram sobre parte inferior da boca do deorum.

Athlin não piscava enquanto sentia o contato suave.

— Você está perto de congelar. — a voz dela saiu como um sussurro. Uma canção para ele.

As mãos do Governante segurou o pulso estendido na direção dele e direcionou a mão de Corinna até seu pescoço.

A garota quase arregalou os olhos ao notar a temperatura elevada do local, bem distinta de onde seus dedos tinham acabado serem retirados.

Ela engoliu em seco, desviando o olhar de Athlin e quebrando o contato com ele.

O rapaz respirou fundo, afastando-se minimamente, apenas para apoiar as mãos na borda do lago.

Sua voz não era nem um pouco firme quando disse:

— Acho que é melhor voltarmos antes do pôr-do-sol.

Depois de tanto insistir para que a Escolhida entrasse, ele entenderia se estivesse achando-o um idiota pelo seu comportamento.

Mas, não poderia estragar tudo. Não poderia se precipitar.

Pelo canto do olho, viu Corinna concordar com a cabeça e se preparar para sair também.

O caminho de volta foi silencioso com apenas o gotejar das roupas pontuando o trajeto.

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Notas finais do capítulo

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