Hearts Of Sapphire escrita por Emmy Alden


Capítulo 41
¨f o r t y¨


Notas iniciais do capítulo

oiiii, eu realmente gostaria de saber se tem alguém aí. Se tiver pelo menos uma pessoinha lendo deixe só um "olá". Se não tiver ngm, vou dar um tempo nas postagens aqui a partir da próxima semana. Os capítulos continuarão sendo postados no wattpad ♥



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Encontrar Rexta no meio do saguão na Mansão Granada, dois dias atrás, tinha sido uma surpresa. 

 

Os olhos da mulher se iluminaram quando viram a Escolhida sendo guiada até ali.

 

— Trevan está no centro resolvendo uns assuntos, — Raeanna sussurrou para que somente a menina pudesse ouvir quando estavam nos últimos degraus da escada. — Segundo Rexta, tinha assuntos a tratar com ele, mas ficará feliz em esperar na sua companhia.

 

Mattia se esforçou para não franzir a testa — visto que a Senhora Rubi certamente conseguia enxergar todas as suas expressões com clareza naquele momento —, o que seria possível para a Governante querer sua "companhia".

 

Sendo bem sincera, não imaginava porque a mulher teria interesse nela.

 

A menos que fosse sobre o que a garota poderia esperar de pior. Seu segredo.

 

Rexta levantou-se do lugar e recebeu a Escolhida apoiando as mãos frias em seus ombros e dando um beijo na bochecha em cumprimento.

 

A garota ainda estava meio paralisada com o contato.

 

Raeanna pediu licença e Mattia sentiu como se tivesse sido jogada aos lobos, ou melhor, a um dragão faminto.

 

Contudo, deveria saber que toda a sua vida tinha sido um aviso de um fato: que nada poderia ser mais perigoso do que sua própria história. Seu próprio passado.

 

E foi aquilo que a menina descobriu.

 

Sua própria história.

 

Ou pelo menos parte dela.

 

Em um primeiro instante, tudo aquilo não passava de uma interação desconfortável. 

 

Mattia não tinha o que dizer para a mulher que a avaliava à sua frente e estava muito mais preocupada com o confronto que aconteceria em poucas horas.

 

Num determinado momento, Rexta se posicionou como se estivesse se preparando para se pronunciar.

 

E ela logo o fez, com um sorriso gentil:

 

— Eu não sei por onde começar. Precisei de um tempo para criar coragem.

 

A Escolhida de Amara forçou um sorriso aos lábios para evitar a careta de confusão.Esperava que parecesse sincero, embora não fosse muito ágil em esconder suas reais emoções.

 

Rezava para que estivesse conseguindo oculta o fato que rezava internamente para o Senhor Granada romper pelas portas.

 

Rexta respirou fundo como se tentasse empurrar para baixo um nó em sua garganta.

 

— Sei sobre você. Se o que é. Quem é.

 

Mattia poderia jurar que seu coração parara no peito.

 

O que deveria fazer? Sair correndo? Fugir da provável represália que viria?

 

Contudo, por que a Governante tinha uma expressão tão calma depois de afirmar que sabia do seu... segredo?

 

Será que estaria tão contente em matá-la que aquilo lhe dava calma?

 

A jovem franziu a testa, fingindo ingenuidade.

 

— Eu não compreendo.

 

Rexta apenas sorriu, os olhos um pouco marejados.

 

Não, definitivamente, ela não parecia uma mulher contente em matá-la.

 

Inclinou-se para frente e reivindicou as mãos de Mattia para si.

 

Segurou-as com força, como se estivesse reassegurando que a menina era real.

 

— Você é uma de nós.

 

O assunto não se desenvolveu por muito tempo e Rexta lhe informara apenas o básico, já que Trevan não se demorou em chegar e resolver o que quer que fosse com a Senhora Rubi.

 

Mattia caminhou atrás da Governante ainda digerindo as notícias que ela tinha lhe dado há dois dias. Sabia que tinha muito mais enterrado, muito mais coisas para ser reveladas, mas também sabia que não tinha ainda a coragem necessário para ir, por conta própria, mais a fundo.

 

A mulher lhe contara sobre como há muito tempo, aproximadamente a mesma época que a humana nascera, uma criança fora tirada às pressas do Setor Superior sob ordens do próprio pai do bebê.

 

Ela havia sido levada para as Terras Humanas para ficar segura. 

 

Mattia diria que fora mais para ser escondida.

 

O pai da criança tivera uma relação fora da sua união oficial, e acabara resultando na criança. Ele não queria nem arriscaria que a sua companheira descobrisse sobre o ocorrido, então pediu para que a mãe a levasse para longe e assim ela o fez.

 

Com o coração partido, mas ainda assim, o fez.

 

Sabia que se ignorasse a ordem do senhor, o deorum mais poderoso da época, coisas piores poderiam acontecer com a bastarda.

 

E a mãe não poderia deixar aquilo acontecer.

 

Não quando um dos Oráculos de Excelsior lhe dissera que a menina colocaria o mundo nos eixos novamente.

 

Devia protegê-la a todo custo.

 

Quando atingisse a maturidade, os poderes começariam a se manifestar e a menina voltaria ao seu lugar de origem e direito. Provaria o seu valor.

 

Mattia ouvia tudo, mas não precisava de mais uma história de rejeição. 

 

Ainda que fosse de seu pai desconhecido. Ainda que ele estivesse ali, naquele mesmo salão, vagueando alheio à sua presença. À sua existência.

 

Como um ímã, seu olhar fora atraído para o homem imponente em uma das extremidade do Salão. Ele conversava com a Senhora Jade e uma mulher com as roupas da Ordem Bronze, quem a Escolhida ainda não tinha visto. 

 

Tentava encontrar nele alguma semelhança consigo, mas seus pensamentos estavam anuviados demais. Embaralhados demais.

 

— Querida, — a voz melodiosa de Rexta lhe chamou atenção quando ambas se aproximaram de uma das varandas. — Como está?

 

— Bem. — limitou-se a responder tirando os olhos das vestes elegantes em azul-safira do Governante.

 

— Foi muito bem no seu confronto.

 

— Obrigada.

 

— Sei que é difícil acreditar, mas ele sente muitas saudades suas. Nós, deorum, temos muitas teias traçadas entre nós. Ele não te mandou embora porque não te queria, mas sabia que naquela época, era o mais seguro para você. Sabia que os senhores de intrigas te devorariam assim que fosse apresentada como herdeira de seu legado. Assim como sua mãe sabia.

 

Mattia queria rir, — ou melhor, gargalhar — com escárnio, mas se conteve.

 

O que o faria melhor do que todos os outros que a rejeitaram e a decepcionaram ao longo da vida? O que o faria digno de perdão?

 

Como se lesse seus pensamentos, a Governante disse:

 

— Você é parte de algo maior, Mattia. Ele não pode e não vai ignorar isso. Você é parte de uma Profecia e terá que se esforçar para cumpri-la. — Rexta colocou uma mão sobre a bochecha da Escolhida. Um puxão atiçou seu interior. — Eu a ajudarei. Porém, a partir do momento em que reconhece seu papel na Profecias, terá de tomar cuidado. Há mais dois com poderes parecidos com você e esse é o perigo. Eles são a parte obscura da Profecia. Eles tentarão te tirar do caminho. Eles também foram mandados para longe e não sabemos se tivemos o azar deles sobreviverem.

 

Os pensamentos da menina voaram para Conall e Corinna.

 

Não podiam ser eles, certo?

 

Mas, tinham de ser. Fazia...sentido. 

 

Suspirou mentalmente.

 

Fazia tanto sentido quanto toda aquela porcaria que a Senhora Rubi despejava em sua mente.

 

Era tudo muito provável, Mattia sempre teve a sorte de invejar muitos símbolos de azar. E encontrar amigos apenas para perdê-los, era bem a cara dela.

 

Embora, os dois sempre tentaram mais ajudá-la do que tudo.

 

Estava prestes a abrir a boca para insinuar algo. Quando a frieza da mão da deorum acompanhada com suas palavras e o puxão dentro de si, a trouxeram um questionamento mais urgente.

 

Aquela mulher desvelara seu passado diante dos seus olhos, anunciara seu futuro, presenciara sua demonstração amadora de poder, vira o fogo que consumia suas veias...

 

— Você sabe quem eu sou. Sabe como sou. Sabe minha história. Sabem sobre meu pai e minha mãe. Revelou quem ele é, onde ele está. — Rexta acenava a cabeça enquanto ouvia a garota, mas parecia já saber onde ela chegaria. — Quem me gerou?

 

Os olhos da Senhora Rubi brilhavam como uma fogueira e sua outra mão também foi para o rosto da menina, envolvendo-o com carinho e cuidado.

 

O puxão de intensificou. Sua magia praticamente gritando nas veias.

 

Não precisava de uma resposta em voz alta.

 

Rexta acabara de lhe dar uma.

 

E não parecia estar mentindo.

 

A Escolhida só não conseguia acreditar.

 

 

Sage, a Governante da Ordem Bronze, subiu no tablado com seu olhar que beirava o desinteresse e insolência.

 

Diferente da primeira celebração, ela fora a única a se pronunciar aos Escolhidos.

 

Parabenizou cada um deles. Elogiou sua força e coragem. Aconselhou que se mantivessem firmes para a chegada da próxima etapa e afirmou que não importasse o resultado do Sacrifício, todos eles já eram um orgulho para seus vilarejos e para toda a Excelsior.

 

Corinna não sabia se tinha realmente alguém — mesmo a Governante — que comprava aquelas palavras frívolas, mas preferia acreditar que não.

 

Logo depois de acabar seu pequeno discurso, Sage anunciou que o pacto de Simpatizante e Escolhida entre Athlin e Corinna seria então selado naquele momento.

 

Dizer que muitas pessoas a avaliavam, era um eufemismo. Todos faziam aquilo.

 

Sentia as energias vibrando em sua volta.

 

A garota estúpida que finalmente percebeu que não poderia prosseguir sozinha no Sacrifício se quisesse sobreviver.

 

No seu âmago, ela sabia que não era verdade.

 

Estava definhando naquele Galpão, mas não tanto quanto os deorum gostariam.

 

A verdade era que aceitar a oferta de Athlin além de ser vantajoso para ela, também ajudariam as poucas pessoas a quem conseguiu se afeiçoar por ali.

 

Marjorie estava ansiosa por voltar para casa e abandonar o cinza insípido do uniforme de Examinadora.

 

Laeni, ao que parecia, tinha um cargo e uma posição importante na Ordem Ônix e por muitas vezes se encontrava ociosa naquele confinamento.

 

E, além de tudo, tinha Fearis. Que era uma companhia constante para ela e que sempre fazia o possível para melhorar a maneira da Escolhida de Fortuna sobreviver ali embaixo.

 

Tinha se comprometido a dar proteção como pudesse para a jovem e o bebê que carregava no ventre. E, mesmo com os disfarces das roupas, sabia que a menina já estava perto de um estágio avançado e precisaria ir para um lugar mais viável.

 

Como Laeni não pretendia acompanhá-la na estadia na Ordem Esmeralda junto com Marjorie, Corinna pedira a Athlin que deixasse a empregada ficar em seu lugar.

 

O Governante não protestou.

 

Ele estendeu o braço para que a menina entrelaçasse com o seu e os dois caminharam até o lugar determinado no centro do salão.

 

Sage continuou em seu lugar, mas agora tinha um pedaço afiado de cristal na mão.

 

Athlin se posicionou de um lado da Governante e Corinna, do outro.

 

— Segure-se para não desmaiar, Senhor Esmeralda. — a voz de Sage escondia um riso maldoso, mas ele apenas a ignorou.

 

A jovem pegou a mão de Athlin agilmente e abriu um corte. No mesmo instante, se virou para Escolhida, que já estava com a mão estendida, e repetiu o gesto.

 

Corinna sentiu o líquido viçoso e quente cobrir sua palma e sua mão logo encontrou a do Senhor Esmeralda.

 

Lembrava de quando assistira o mesmo ritual com os outros competidores do Sacrifício e como fora tudo tão rápido e aparentemente doloroso.

 

Contudo, no momento, em que seu sangue se misturou com o de Athlin o tempo pareceu parar. Ou, ao menos, diminuir a velocidade.

 

O cheiro forte de magia era ainda mais intenso do que da última vez. Viu o círculo de magia circundar os dois, mas não sentiu nenhuma dor.

 

Em vez disso, sentiu a magia do seu Simpatizante. Era verde e alegre, jovem e maleável.

 

Espero sentir ou até mesmo ver a sua, mas ainda era a mesma luz branca e indefinida de antes, ainda assim, a de Athlin pareceu reconhecer a sua... e se encolheu. Como se sentisse medo.

 

A magia do Governante se agarrou à garota, mas não interagiu com o poder dela. Na verdade, parecia evitá-lo.

 

Corinna esperava que isso significasse que Athlin não tivesse percebido que aquele poder vinha dela. Embora a magia dele ainda fraquejasse um pouco como se temerosa.

 

A Escolhida abriu os olhos, mas não os focou em ninguém. Sage falou alguma coisa para os espectadores, mas Corinna não ouviu. Não demorou muito para que o Senhor Esmeralda a ajudasse descer do pequeno elevado e a convidasse para uma dança.

 

Como da primeira vez, os dois não tiveram dificuldades de acompanhar o ritmo um do outro.

 

Porém, sob os olhares alheios, Corinna estava receosa em olhar no rosto de Athlin. Com medo que ele estivesse desconfiado de algo no Juramento. Mas, quando criou coragem, ergueu o olhar apenas para encontrar o deorum sorrindo gentilmente para ela. Então, se permitiu suspirar aliviada.

 

Athlin inclinou-se para que sua voz soasse próxima ao ouvido da menina.

 

— Estou feliz que tenha aceitado. De verdade. — A sensação de suas palavras sendo sopradas perto de sua pele era indescritível e a garota só conseguiu retribuir com um:

 

— Eu também estou.

 

— Só me prometa uma coisa. — o Governante disse se afastando para olhar nos olhos de Corinna. Ela conseguia ver cada marca, cada ponto de suas íris verdes como grama saudável. Como jóias de valores inestimáveis. Não temeu qual seriam as próximas palavras dele, e não deveria mesmo: — Não fuja que nem da outra vez.

 

Corinna assimilou as palavras e deixou sua cabeça pender um pouco para trás em uma gargalhada.

 

Os cantos dos olhos de Athlin se repuxaram.

 

Gostava de ver que ele parecia genuinamente contente em vê-la sorrir.

 

Pela primeira vez, não tinha tantas dúvidas de que tinha feito a escolha certa.

 

E de qualquer forma...

 

Estava feito.

 

 

Mattia tentou, mas, eventualmente, Conall acabou encontrando-a.

 

Rexta tinha deixado seu lado com lágrimas nos olhos e com a promessa de voltar assim que pudesse.

 

A menina não sabia se queria que sua... mãe — a palavra ainda soava com um amargor de mágoa antes mesmo de ser pronunciada — voltasse tão cedo.

 

Foi até uma das varandas e permitiu que as lágrimas caíssem por seu rosto. Não sabia muito bem porque estava chorando, mas o soluço intenso que escapou de sua boca dava entender que não era um choro de momento.

 

Eram lágrimas presas dentro de si por uma vida inteira.

 

Lágrimas que ela evitou derramar quando adquiriu consciência o suficiente para entender o que era uma abrigo de crianças. Quando foi rejeitada pela primeira de muitas vezes por uma família. Quando viu seus amigos irem embora para uma vida ligeiramente melhor, para os braços de pessoas que estava dispostas a amar, a cuidar.

 

Quando, em certa feita, era a única criança no abrigo, e a senhora que cuidava dela não tinha uma migalha sequer de alimento para oferecer.

 

Um lado egoísta seu sempre desejou que seus pais estivessem mortos ou simplesmente numa situação precária pior que a sua.

 

Aquilo, ao menos justificaria, por que abriram mão dela. Por que nunca voltaram para buscá-la. Por que nunca se importaram.

 

Porém, durante toda sua vida, eles a mantiveram longe para sua suposta segurança. Deixaram que ela definhasse para sua suposta segurança. Passasse fome...

 

Não se sentia mais com um lugar no mundo do que quando não sabia de suas origens.

 

A Escolhida não estava muito certa de que, se não estivesse naquele Sacrifício, eles desceriam de sua grandeza e riqueza para ir atrás dela. Para procurá-la.

 

Entretanto, não entendia nada daquela Profecia.

 

Não deveria ser ela a ser responsável por o destino de um povo.

 

Corinna. 

 

Corinna tinha esses desejos estúpidos e perigosos.

 

Deveria ser ela e...

 

Talvez fosse. Talvez tudo fosse apenas uma confusão.

 

Rexta dissera que os outros dois tinham poderes parecidos com ela, mas que não eram o mesmo tipo.

 

Como não podiam ser?

 

Naquele momento, todas as vezes que reparara que a proximidade entre Corinna e Conall pareceu mais forte do que com ela surgiram em sua mente. Será que seus aliados tramavam por suas costas?

 

— Tia? — A voz de Conall era suave com uma pontada de surpresa.

 

Uma dor estranha cortou seu peito com a possibilidade que acabara de passar por sua cabeça.

 

Não havia jeito de fugir. Então apenas passou as costas das mãos nos olhos, enxugando as lágrimas para melhorar minimamente seu estado.

 

Rezava para que a escuridão da noite desse cobertura ao seu rosto choroso.

 

— Olá. — disse sem se virar, mas o Escolhido de Nix logo deu os passos restantes para chegar ao seu lado.

 

Ombro a ombro, ambos respiraram o ar fresco. Conall parecia animado por finalmente encontrá-la, mas quando virou o rosto para encará-la, Mattia pôde sentir uma aura de preocupação envolvê-lo e o rapaz indagou:

 

— Mattia, você está bem?

 

Como dizer que estava bem depois de descobrir que todo o seu passado era algo que ela nunca teria imaginado nem nos seus sonhos mais estranhos?

 

Como explicar que dois dos deorum mais influentes de Excelsior eram seus pais e que a deixaram, sem nenhum suporte ou apoio, nas Terras Humanas, para ver se sobreviveria ou não? Como num teste de resistência.

 

Como dizer que era muito provável que as raízes dos seus aliados não deveriam ser muito diferente da sua, embora pudessem ser antagonistas?

 

Indesejados, mandados embora para sobreviver à própria sorte.

 

A resposta mais convenientes para aquelas questões era simples.

 

Abster-se.

 

Não cabia a ela revelar quem Corinna ou Conall eram de verdade.

 

Pelos Céus, Mattia nem mesmo tinha conseguido aceitar quem era. Não seria de grande ajuda se o rapaz e a outra Escolhida tivessem um aviso oficial de que tinham de ser inimigos dela.

 

— Estou bem. — Nem aos seus próprios ouvidos ela soara convincente, mas incrivelmente Conall não pressionou. A menina deu a falsa informação por si só. — Saudades de casa só isso.

 

Sabia que Conall estava ciente de que não tinha ninguém por ela em Amara, mas não fez nenhuma remarcação daquilo.

 

— Entendo. — foi o que disse.

 

Mattia presumiu que ainda fosse o efeito do choque de sua luta preso na garganta de seu aliado.

 

O que a fez lembrar por que, em primeiro lugar, ela não queria ter de encará-lo.

 

Os dois ficaram em silêncio, olhando para a campina verde que se estendia ao horizonte, banhada pela lua.

 

Depois de alguns minutos, Conall virou o corpo completamente para a Escolhida. Ele observou o seu perfil por alguns segundos.

 

Sua mão se estendeu no ar e o coração de Mattia acelerou.

 

O falatório ainda continuava abafado do lado de dentro do salão, mas, de alguma forma, a melodia da música que tocava naquele momento conseguia passar pelas grossas cortinas e chegar até eles.

 

A pele da garota formigou antes mesmo dos nós dos dedos do rapaz encontrarem sua bochecha. 

 

Algo foi liberado minimamente dentro de Mattia e ela fechou os olhos aproveitando a sensação do carinho deslizando em seu rosto.

 

Uma lágrima solitária escorreu e a menina prometeu a si mesma que seria a última.

 

Os dedos de Conall estão desceram por seu queixo, pescoço até seu ombro, quando delicadamente a virou para encará-lo.

 

A Escolhida de Amara sabia que deveria afastá-lo, deveria se afastar, mas apenas abriu os olhos.

 

Conall não a encarava com pena, horror nem decepção. O rapaz apenas... encarava. Com seus escuros e intensos. Como se a visse de verdade. Por trás das barreiras e obstáculos que a jovem levara tanto tempo para erguer.

 

— Você está incrível. — Conall sussurrou como a tivesse medo que, dependendo do modo como falasse, Mattia se afastaria. — Sabe que pode contar comigo sempre, não é?

A menina engoliu em seco, mas assentira com a cabeça.

 

Nunca tivera alguém com quem contar.

 

Nunca tivera alguém que a dissesse que estava incrível.

 

Ou melhor, que a olhasse como se ela realmente estivesse.

 

Não teve muito no que pensar antes que sentisse os braços do garoto em volta do seu corpo. Nem quando seus próprios membros o envolveram.

 

Podia sentir o coração de Conall batendo forte entre as camadas de roupa. Podia sentir o dela mesma golpeando o peito.

 

Ainda assim, se sentia calma. Segura. Como se tudo fosse ficar bem. Ainda que aquilo fosse uma mentira.

 

Conall a puxou mais para si, massificando seu receio de que ela fosse fugir a qualquer momento, mas Mattia apenas apoiou o rosto no colarinho dele, respirando fundo.

 

Alguns passos soaram próximos demais da cortina.

 

— Não posso ficar aqui por muito tempo.— Conall disse enquanto acariciava as costas da Escolhida com uma mão e a mantinha firme contra seu corpo com a outra. O corpo de ambos querendo seguir o caminho inverso das palavras dele. — Não é seguro para nós.

 

Mattia sabia que tinha razão, mas se demorou um pouco mais para afrouxar seus braços. Conall também não a apressou.

 

— Não deixe que isso te mude. Não deixe que eles te mudem.

 

Por um momento, a garota prendeu a respiração. Conall não tinha como saber de sua nova descoberta, mas inconscientemente lhe dera justo as palavras que ela precisava ouvir.

 

Seus corpos começaram a se separar de má vontade. O aliado acariciou mais uma vez o rosto de Mattia dando um passo para trás.

 

A garota estava certa de que ele quebraria de vez o contato e iria embora, deixando suas mãos penderem no ar sozinhas, assim como suas emoções, quando, de súbito, sentiu seus lábios sendo reivindicados pelos dele.

 

Seus olhos se arregalaram, mas logo um suspiro saiu da sua boca e ela os fechou.

 

A mão de Conall que acariciava seu rosto agora se apoiava em sua nuca quase hesitante.

 

Mattia não sabia o que fazer então apenas seguiu seus passos como pôde.

 

Todo seu ser pulsava e esquentava a ponto de achar que queimaria a si própria viva.

 

Os lábios do jovem eram cheios e macios, mas com certa atitude. Ela passou os braços ao redor do seu pescoço, puxando-o impossivelmente para mais perto.

 

O ritmo diminuiu à medida que a necessidade deles por ar aumentou.

 

Quando as bocas se afastaram, Conall a olhava com a promessa de que não importava o que fosse acontecer, ele estaria ali para ela.

 

E era tudo o que Mattia precisava no momento.

 

 

Corinna ajeitava suas vestes depois da dança com Athlin.

 

Não sabia porque, mas sentia como se estivesse mais leve. Como se, caso o pai do Governante não tivesse o chamado, ela pudesse ficar ali dançando a noite inteira. Em seus braços. Para sempre.

 

Ao mesmo tempo que o pensamento a assustava, acendia algo novo e reconfortante dentro dela.

 

Uma coisa que talvez quisera sentir por muito tempo, no entanto, nunca conseguira.

 

Antes de se imergir em pensamentos, a Escolhida encarava a tapeçaria de uma parede no outro lado do salão, mas naquele momento, uma pessoa ocupara aquele ponto e só então ela percebeu.

 

Quando a pessoa levantara a taça em cumprimento.

 

No início da noite, tinha convicção de que precisava encontrá-lo para agradecer-lhe pelo que deixara no Galpão, mas naquele instante, enquanto Theo atravessava calmamente o lugar, andando em sua direção, Corinna não tinha tanta certeza.

 

Seus cabelos pretos estavam bem alinhados para trás e ele vestia um gibão preto, com uma capa larga presa em seus ombros. Pequenos pontos dourados serviam de realce e faziam quase uma representação de seus olhos.

 

— Boa noite, senhorita. — O Governante Ônix disse passando por sua frente e se acomodando numa barra ao seu lado, não dando tempo nem de ela fazer alguma reverência.

 

O jeito com que ele falava "senhorita" fazia a palavra soar como um insulto ou deboche.

E ela se limitou a dizer:

 

— Excelência.

 

Theodor soltou o riso pelo nariz.

 

— Está vendo algo engraçado? 

 

O Senhor Ônix riu mais um pouco:

 

— Estou, e é exatamente essa sua tentativa de soar ter algum respeito por mim. No entanto, agradeço o esforço.

 

Corinna fez uma careta que foi sumindo aos poucos quando enxergou a situação.

 

Não queria admitir, mas uma parte sua ficara procurando encontrar Theodor no meio da multidão, mesmo que fosse apenas para agradecer.

 

E agora ele estava ali. Bem, ao seu lado.

 

Antes que a menina pudesse criar coragem, o Governante se pronunciou:

 

— Finalmente escolheu um lar. — indicou com a taça as costas de Athlin bem ao fundo do salão.

 

— Você deveria parecer um pouco mais decepcionado. — provocou a menina. — E aqui nunca será o meu lar. Em nenhuma Ordem de vocês.

 

Theo deu sorriso de canto, como se soubesse de um segredo que a Escolhida não sabia:

— Claro, eu não poderia supor o contrário. — No meio do salão costumava uma nova sessão de danças. Corinna ainda sentia o corte cicatrizando em sua mão sob o tecido que Athlin colocara para estancar. — E sobre não parecer decepcionado, apenas já sabia qual seria o resultado disso desde o momento em que vi os dois juntos. Athlin é um pouco previsível.

 

Corinna franziu a testa olhando do tecido na mão para o rosto de Theodor. Diferente do que imaginava, ele não encarava um ponto fixo no salão, e sim a encarava. A jovem deixou o braço cair novamente ao lado do corpo.

 

— Se já sabia o que eu escolheria, por que se dar o trabalho de continuar oferecendo?

 

Num gesto informal demais até para o deorum, ele apenas deu de ombros:

 

— Mesmo tendo uma decisão formada, ainda assim não é bom saber que tem uma escolha?

 

Corinna estreitou os olhos:

 

— Sim, tem razão, a questão real é por que você faria isso por mim.

 

Theodor bebericou o líquido em sua taça olhando a garota por cima do vidro. Ele engoliu sem pressa.

 

— Existem muitas ocasiões que eu não sei a resposta para uma pergunta como essa. Então não espere por isso. 

 

A Escolhida respirou fundo e disse:

 

— Obrigada.

 

Sentiu-se agradecer pela cesta que deixara sob sua cama. Pelo refrescar do Galpão. Por ter lhe dado privacidade enquanto ela chorava. Pela sensação de escolha...

 

Era desconcertante notar que a lista de agradecimentos para ele era maior do que um item.

 

O Senhor Ônix arqueou uma sobrancelha e por um momento Corinna achou que ele a forçaria a dizer com todas as palavras sobre o que ela estava se referindo, mas ele apenas declarou.

 

— Disponha. — Theo ajeitou a postura, pronto para partir. De fato, deu um passo para longe da menina, contudo se conteve no lugar e se virou dizendo: — Com o risco de soar repetitivo, sem dúvidas você já deve ter ouvido isso milhões de vezes só essa noite... você está radiante.

 

Corinna sentiu seu rosto esquentar pois o tom de Theodor não tinha um pingo de sarcasmo, na verdade, era até sério demais.

 

Mas então, é óbvio, ele abriu a boca novamente com um sorrisinho:

 

— O verde da Ordem Esmeralda cai muito bem em você.

 

 

Deveria ter se passado pelo menos duas horas desde que sentira os lábios de Conall sobre os seus.

 

Duas horas desde que seu coração acelerara e parecia que nunca mais voltaria ao ritmo normal.

 

Não estava esperando aquilo, mas aceitou de bom grado.

 

Aquilo fora uma experiência nova e...excepcional.

 

Prometeu a si mesma que não pensaria — ainda não — que estava possivelmente beijando um futuro inimigo.

 

Seus pés doíam ao subir as escadas da Mansão Granada e continuavam doendo mesmo depois de passar meia hora deitada na cama só olhando para o teto.

 

Algo embrulhava seu estômago e ela não tinha a quem recorrer já que Trevan dispensara os criados naquela noite devido à celebração.

 

Colocando um calçado fofo e confortável nos pés e ainda no vestido que ainda usava, Mattia escolheu se aventurar pelos corredores da Mansão Granada, a fim de chegar pelo menos a um copo de água.

 

Talvez esbarrasse com Mehlich. O homem parecia nunca descansar mesmo.

 

Estava no meio do caminho quando num recanto recluso de uma das janelas avistou uma das jarras de prata onde costumavam colocar água.

 

Mal acreditando em sua sorte, a menina foi até ali e encheu um grande copo para si. Sua garganta seca agradecera um pouco mas seu estômago ainda parecia reclamar, embora não fosse fome.

 

Prestes a se virar para voltar ao quarto, avistou uma figura recostada no pequeno divã acolchoado que havia ali. A Escolhida conteve um grito. Os olhos de Trevan reluziam na escuridão.

 

— Desculpe, Excelência. Eu não o vi. 

 

O Senhor Granada levantou dando a Mattia apenas um aceno de cabeça.

 

— Não tem problema. — sua voz soava como se estivesse no fundo de sua cabeça.

 

Enquanto caminhava em sua direção, a garota notou que a jaqueta que ele usava já não estava em nenhum lugar para ser vista. Os cabelos estavam desalinhados, mas o rapaz ainda mantinha com fervor a sua beleza perturbadora. A blusa branca de mangas longas estava desabotoada até o meio do seu tórax e a luz do luar que entrava pela janela realçava bem a pele por baixo.

 

Trevan continuou caminhando até estar centímetros de Mattia. 

 

Seu corpo esquentava a uma medida impressionante. Quando a menina conseguiu sentir sua respiração bater no peito do Senhor Granada, ele apenas se inclinou quase encostando na lateral do seu corpo a fim de pegar um copo de água e bebê-lo.

 

Mattia se sentiu idiota por apenas um instante, pois ao voltar a sua postura normal, Trevan deixou que seu nariz roçasse suavemente o ombro da garota, que ela levantou a cabeça para encará-lo.

 

Naquele momento, o embrulho se tornou um furacão no seu interior e, por mais que ela quisesse tirar os olhos do deorum, não conseguia. Eles apenas desceram para os lábios do Governante, os mesmos que admirara aproximadamente três dias atrás.

 

Não sabia se o beijo de Conall tinha despertado aquilo e achava um absurdo que pudesse pensar que o beijo de um rapaz lhe deixasse tão vulnerável com outro.

 

Contudo, não era capaz de pensar em outra explicação para a urgência de ser tocada. Beijada de novo.

 

Sua cabeça involuntariamente se ergueu, seus olhos voltando a se prender nos dele. Sua íris estavam completamente tomada pelo vermelho intenso e Mattia achou que nunca mais poderia tirar a visão dali.

 

Os dedos dela, sem seu comando, subiram até a abertura da camiseta do deorum. 

Trevan fechou os olhos e respirou fundo.

 

Mattia conseguia apenas observar, como se fosse uma espectadora do próprio corpo.

 

Sempre ouvira como os deorum eram propensos a alguns de seus instintos naturais e agora que sabia que era uma deles — ou pelo menos tinha grande desconfiança — será que seria daquele jeito?

 

Uma mão de Trevan rodeou sua cintura. Firme. Exigente.

 

Nada como a segura e reconfortante de Conall.

 

A de Trevan fazia como se ela estivesse prestes a derreter em chamas bem ali.

 

E quando o deorum tomou seus lábios foi como se tudo entrasse em combustão, Mattia não sabia se sobreviveria aquilo, apesar de o instinto dentro dela — o mesmo que correspondia o beijo com ferocidade — ter certeza que sim.

 

Sobreviveria muito para se arrepender daquilo.

 

Enquanto isso, uma pequena parte de sua mente ecoava as rimas de uma cantiga sobre os deorum, mas a menina não conseguia assimilar.

 

Se o poder de Trevan era a lava, apenas com os lábios ele derreteu toda a lembranças dos lábios anteriores que beijaram a menina.

 

E assustadoramente, começava a derreter todo o resto de sua consciência.

❖❖❖

 

F I M P A R T E T R Ê S

 


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