Hearts Of Sapphire escrita por Emmy Alden


Capítulo 38
¨t h i r t y - s e v e n¨


Notas iniciais do capítulo

capítulo quentinho! nao se esqueçam de comentar e mostrar q tem alguém ai kkkkk é mto importante para mim



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Mais uma morte.

Poderia ter sido a dela.

Todo mundo que assistia ao confronto arquejou quando a espada trespassou o estômago da menina.

A outra protegida de Trevan teve um bom punhado de feitiços falados à sua disposição no confronto, mas a sua oponente era mais hábil com uma espada.

Enquanto Idah se esforçava para manter o pulso firme ao segurar a arma, a outra atacava com precisão. Além disso, Idah estava aparentemente debilitada.

Mattia não entendia o porquê. Os cuidados e nutrição providos pela Ordem Granada eram fundamentalmente os mesmos para ambas.

Entretanto, à medida que a Escolhida de Amara sentia cada vez mais forte e resiliente, a Escolhida de Oniro definhava dia após dia.

Apesar de ser improvável, devido à série de exames que os humanos eram submetidos na Audição, antes de serem convocados para o Sacrifício, Idah devia ter ido ao Setor Superior com alguma enfermidade.

Entretanto, aquilo não se encaixava direito.

Ela era a favorita de Trevan, deveria estar igual — ou até mesmo melhor que— a Mattia.
A Escolhida de Amara, contudo, não sabia porque sua mente divagava para aqueles campos justo naquele momento. Pelo barulho da lâmina perfurando pele, músculo e osso, pelo baque surdo que seguiu quando o corpo de Idah desabou no chão e então pela poça de sangue que aos poucos tomava todo o centro da Arena, era óbvio que não teria salvação para a menina.

Morta. Estava morta.

Trevan estava paralisado na extremidade do espaço do confronto. Mesmo de onde estava, Mattia via os braços derrotados pendendo ao lado do corpo, sua boca formando um pequeno "o" de incredulidade, seus olhos opacos quase como se fosse ele a perder sua vida.

Sua visão sobre o Senhor Granada tinha mudado suavemente nos últimos dias. No que ela achava que ele era seco e inexpressivo, o rapaz se mostrara simplesmente retraído. Trevan lhe apresentara a estufa, dando-lhe um propósito ali além de comer e lutar para sobreviver, e aquilo mostrava que o homem prestava atenção nela e em suas necessidades. Assim como com Idah.

E, além disso, Mattia não era idiota. Sabia que a relação de Trevan com a menina era bastante íntima.

Raleigh apareceu no campo de visão de Mattia segurando os ombros do Senhor Granada e sussurrando algo em seu ouvido.

A oponente da garota foi anunciada vencedora e todos na Arena começaram a se movimentar. Ainda era cedo, haveria um intervalo e depois outro confronto.

O de Corinna.

Mattia ainda não tinha se especializado em energias externas, mas sentia que aquela seria a luta mais aguardada do dia.

 

Por um instante, Mattia pensou que o trio de aliados se tornaria uma dupla.

A outra Escolhida de Amara, Nyota, pareceu chegar bem próximo da vitória, mas ainda assim — ainda assim — Corinna conseguiu uma vantagem.

Estava farta de sentir seu coração quase sair pela boca a cada confronto de seus aliados. Porém,mano conseguia evitar. Era uma ligação mais forte do que ela poderia controlar.

Uma tão intensa que Mattia sentiu a descarga de poder liberada, apesar de não saber como aquilo era possível.

Olhou para Conall sentado um pouco mais afastado, na tentativa de saber se ele também tinha percebido algo diferente, mas o Escolhido de Nix parecia inabalado, além de preocupado com a situação que se desenrolava.

Ela passou os olhos por todos os Governantes para ver se algum deles tinha reagido diferente, mas não conseguiu colher nada.

Não demorou muito para Corinna garantir a vitória. Mattia tinha de admitir para si mesma que estava surpresa pela menina de Fortuna ir até o fim.

Duas mortes, duas vitórias. Em menos de um dia.

Lestat parecia estar prestes a desabar no meio da Arena ao ser anunciada vencedora às custas da morte de Nyota, mas por mais que se solidarizasse com ela, sabia que não adiantava ser hipócrita.

Todos os vinte e um humanos que foram escolhidos juntos com ela sabiam que no Sacrifício, quisessem eles ou não, era matar ou ser morto.

Sentir muito não mudaria aquilo.

Sentir muito não te levaria de volta para casa.

Mattia recebeu o convite na estufa.

Ela passava cada vez mais tempo ali. Gostava de cuidar das flores e das plantas. Aprendia a cada dia mais. Contudo, gostava mesmo era da sensação de estar perto daquelas montanhas adormecidas.

Apesar dos olhares atravessados de alguns criados que a ajudavam, a garota continuava a ficar descalça ali, sentindo o calor que parecia vir das profundezas da terra aquecendo seus pés.

O criado — o mesmo que lhe indicara o caminho da biblioteca — deslizou o papel pela bancada próximo ao vaso de que a menina cuidava. Ele sempre parecia estar por perto.

— Obrigada. — agradeceu limpando as mãos sujas no avental surrado. Ela suava um pouco, as gotas se agarravam aos poucos fios de cabelo castanho-avermelhado que teimavam em cair sobre a testa.

O criado continuava ali. Observando-a. Mehlich era sempre uma ótima companhia, ele era o que mais ensinava, mas também às vezes conseguia deixá-la, de fato, desconfortável.

Não foram poucas as vezes que ela o pegara fitando-a. O homem já tinha aparência para ser seu avô, se fosse humano. Sendo deorum ele poderia muito bem ser um ancestral distante. Um ancião. Entre os humanos, corria as histórias que ele eram poucos ou até mesmo não existentes. Apesar disso, ela não se sentia ameaçada, um pouco desconfortável, mas não ameaçada. O senhor nunca tentara nada impróprio.

O recado veio em uma folha creme macia com apenas duas linhas escritas com uma caligrafia elegante, mas precisa.

Gostaria que me acompanhasse no jantar de hoje à noite.
—Trevan

Uma mensagem curta, mas já era alguma coisa depois do silêncio total da parte do Senhor Granada após a morte impiedosa da outra Escolhida sob os seus cuidados.

Mattia tinha segurado corpos mortos o suficiente para saber como era presenciar uma vida escorrer pelos seus dedos e não poder fazer nada.

Não cultivava a ilusão de que os deorum se sentiriam tocados com a morte, contudo, com tanto poder que eles detinham, era natural pensar em como a sensação de impotência deveria ser mais avassaladora.

Trevan poderia não parecer uma das pessoas mais afetivas, mas de algum jeito ele tinha uma ligação com Idah.

Olhando sob os cílios, Mattia pode perceber que Mehlich a observava com sobrancelhas questionadoras.

Mas a Escolhida apenas deu de ombros, dobrando o papel e enfiando-o no avental.

— O Senhor Granada apenas quer que eu me junte a ele no jantar. — ela disse voltando a afofar a terra de um dos vasos à sua frente.

Percebeu que o homem ainda a encarou por um tempo antes de pegar um dos recipientes e se dispor a ajudá-la silenciosamente.

A menina sabia que não devia explicação alguma a ele, mas mesmo assim se pôs a falar:
— Provavelmente, ele quer discutir alguma estratégia para o próximo confronto. — deu de ombros. — De certa forma, sou tudo o que ele tem no momento.

— Tome cuidado, menina.

Mattia não acreditava que Mehlich se preocupava de verdade com ela ou com qualquer outro humano, porém era interessante fingir que alguém se importava com ela ao menos uma vez na vida. Que alguém temia por sua vida.

— Tomarei.

 

Não era a primeira vez que aquilo acontecia. Na verdade, da última vez, a menina teve alguma dificuldade para esconder o vestido e sua saia com um rombo enorme.

Quando passava muito tempo sem estudar a magia ou exercitá-la, ela começava a escorrer por seus dedos.

Literalmente.

Bastava um levantar desajeitado de braços para uma luz cortar o quarto, ricochetear, atingir algum ponto frágil suficiente e trespassá-lo, como se procurasse mesmo uma saída.

Mattia precisaria voltar à biblioteca em breve. Procurar mais volumes ou até outros títulos sobre magia e como manuseá-la.

Ninguém ainda tinha presenciado aquela "liberação de energia", contudo não era bom contar com a sorte. O aviso prévio não era tão prévio assim.

Tinha aproximadamente cinco segundos desde o momento em que seus dedos começavam a formigar, esquentar e então...

Mattia apontou as duas mãos sem ânimo para a banheira cheia de água e, como uma flecha, a magia saiu de seus dedos e foi retardada pela água causando um estampido abafado.

Quando chegou no quarto depois da sessão de jardinagem, um vestido já a esperava sobre a cama, como se para lembrá-la daquela reunião necessária no jantar.

O vestido era azul. Era tão raro ver uma cor que não fosse o vermelho profundo da Ordem Granada que Mattia o encarou como se para ajustar a visão.

A peça era linda e singela. Não era toda armada e bufante como os vestidos que costumava usar para sair dali para a Arena, mas também não era tão informal quanto uma roupa de combate. Era mais como algo que ela usaria se tivesse um nível de liberdade e recursos que só os deorum pareciam possuir.

Gostou do modo como ele se alojou em seu corpo e como ficou bonito em seu tom de pele alvo.

A Escolhida de Amara nunca foi muito de vaidade ou aparências, mas era bom olhar para o espelho ainda que uma vez e gostar do que via.

Quase — quase — não notara que outra pessoa também admirava a visão de onde estava na porta.

A menina se virou num pulo.

— Senhor...— disse inclinando-se desajeitadamente numa reverência.

— Trevan. — corrigiu o rapaz, que, apesar da insinuação de humor na sua voz, tinha o rosto mais abatido do que Mattia jamais vira. Ele analisou Mattia de cima a baixo bem rápido e então perguntou: — Já está pronta?

— Falta apenas prender o cabelo. — ela disse segurando a ponta dos fios já majoritariamente castanhos-avermelhados e que passavam do ombro.

Sua presença no Setor Superior deveria estar bem próxima de completar um mês. Ou talvez, já tivesse completado. Ela não vinha contando os dias há um tempo. Deveria fazê-lo, em breve, no entanto. Com uma alimentação agora regularizada, com seu corpo preenchendo as curvas há algum tempo esquecidas, suas regras deveriam voltar logo.

Para sua infelicidade.

— Deixe-o assim. — Trevan aconselhou sobre o cabelo. — Realça seus olhos.

Mattia sentiu seu rosto esquentar. Também não era acostumada a receber elogios. Ao levantar o olhar, percebeu que o Senhor Granada apenas a encarava do mesmo jeito quando lhe apresentara a estufa. Não soube decifrar antes, nem naquele instante, porém, tentou não pensar naquilo e logo entrelaçou o seu braço com o que o deorum estendia para ela.

Sentiu algo como uma ligação, seguida de uma descarga em suas veias ao fazer o gesto e também percebera que Trevan havia ficado um pouco tenso, mas ignorou aquilo no mesmo segundo ao ver o sorriso genuíno e aberto que ele dera a ela antes que começassem a andar em direção ao jantar.

— Semelhante atrai semelhante? — Conall repetiu as palavras escritas em um livro tão velho quanto o tempo.

Thaddeus, o irmão mais novo da Ordem Ônix, ajeitou o corpo na cadeira e apoiou os pés na mesa, cruzando-os.

— Pelo menos, na magia, sim. Como as leis de atração do mundo físico, a magia também tem toda uma atração particular. Ela é normalmente invisível e, até que seja liberada, é mantida no interior. Porém, é como se ela criasse um campo "magnético" em volta de cada um é assim ela é capaz de se relacionar com outras no mesmo ambiente.

O Escolhido de Nix se levantou e passou a andar entre as estantes de livros ao redor. Thad não estranhou, já sabia que o rapaz era mais propício a prestar atenção em suas palavras quando estava em movimento do que quando ficava sentado praticamente babando de sono em cima dos livros.

— Quer dizer que outros deorum conseguem sentir a magia do outro?

— Teoricamente. — Thad juntou as mãos gesticulando ainda que Conall não fosse capaz de vê-lo. —Perceba, são muitas pessoas no Setor Superior e a maioria delas são deorum, cada uma delas com o seu próprio campo de magia, que dependendo da magnitude de seu poder pode ser mais forte ou mais fraco. A maior parte de nós não consegue identificar claramente a magia que vem de um indivíduo específico, afinal, da maneira mais literal possível, a magia está no ar.

Conall soltou o ar aliviado. Se os deorum fossem capaz de captar a magia de cada um, era questão de tempo virem atrás dele, Corinna e Mattia.

Thaddeus continuou:

— Mas, alguns de nós conseguem fazer isso. Eu, por exemplo. — Conall parou no meio de um passo e olhou na direção do menino. — Não consigo dizer qual é a fonte da sua magia, mas sei que tem algo aí.

Silêncio.

O Escolhido de Nix já havia contado para Theodor sobre seus poderes, mas se Thad sabia daquilo desde o primeiro momento em que se viram, por que não havia o delatado de cara?

— Você parecia legal. — o menino deu de ombros respondendo à pergunta que Conall fizera apenas mentalmente. — Pare de mostrar tudo em seu rosto, eu nem preciso vasculhar sua mente para saber o que está pensando. Além disso, era um segredo seu, eu não tinha o direito de contá-lo.

— Obrigado. — Conall ainda estava abismado com a capacidade do garoto. Não só com os poderes, mas também com todo o conhecimento. Ele era tão jovem...

— Mas, prosseguindo, tem vários fatores que auxiliam a identificação ou não de magia: quanto maior seu poder, mais notável, se você não souber camuflá-lo. Se a Ordem de um for a mesma ou ligada à do outro e principalmente em caso de parentesco. — Thaddeus materializou um papel e um lápis, tirou os pés da mesa e o cabelo da testa. Começou a rabiscar uma espécie de linha de raciocínio nele. — Por exemplo, é simples para mim identificar a magia de qualquer um nessa casa e nos arredores próximos, inclusive os empregados. Contudo, é ainda mais fácil identificar qualquer um da minha família: Thalles acabou de subir as escadas da frente. Mamãe está nos jardins. Papai está na cozinha. Além disso, é extremamente fácil identificar Theo dormindo nos andares inferiores, já que além de estar descansando de uma maneira ridiculamente vulnerável, ele é o deorum mais poderoso nos dias atuais.

O Escolhido de Nix voltou os passos para a mesa, tornando a se sentar. Desta vez, mais desperto do que quando levantara.

— Você consegue sentir a natureza do meu poder?

Thad franziu o cenho em concentração e estreitou os olhos.

— Me dê sua mão. — o humano obedeceu, mas Thaddeus logo balançou a cabeça depois de fazerem o contato. — Sua magia ainda é muito...crua. Não como num bebê, mas como numa criança em desenvolvimento. Um desenvolvimento bem rápido, devo dizer. Reconheço o potencial, mas não consigo identificar de maneira precisa a origem.
Conall soltou a respiração com melancolia ao mesmo tempo que o menino deu tapinhas nas costas de sua mão antes de soltá-la.

Não sabia o porquê, mas uma vontade crescente de saber mais sobre aquele poder dentro de si havia aparecido como quem não quer nada e, nos últimos dias, estava cada vez mais constante.

— Quantos mais existem como você? Com essa habilidade?

— Não muitos. Creio que se houvesse mais três como eu seria uma raridade. É muito incomum nos dias de hoje um deorum que tenha alguma conexão com a magia, com exceção dos seus próprios poderes. Isso se deve ao fato de uma escolha que a nossa espécie fez há muito tempo atrás e...

Thad parou no meio da frase e bateu o dedo indicador nos lábios como se ponderasse sobre algo.

— O que foi? — Conall indagou.

— Somos amigos, não somos? — o menino perguntou num raro momento de vulnerabilidade e ingenuidade infantil.

Era tão diferente e tão mais maduro do que as crianças e adolescentes das Terras Humanas que Conall imaginava que aquele deveria um dos preços a se pagar para portar aqueles poderes.

— Só se você quiser. — o Escolhido respondeu com um sorriso cúmplice. Era como um alívio conversar com alguém sem toda aquelas questões e tensões sobre o ombro.

Com as aliadas tinha toda aquela aura de lutar para sobreviver aos horrores do Sacrifício.

Com Theo, apesar da naturalidade que o deorum tentava inserir no relacionamento dos dois, Conall estava bem ciente da relação de dependência e responsabilidade. O humano depositara sua vida nas mãos do Senhor Ônix e este tinha a responsabilidade de ajudá-lo a sobreviver.

Mas com Thad poderia revisitar uma antiga parte do seu ser. Uma que acreditava que o mundo ainda poderia ser melhor.

— Ótimo. — Thaddeus se inclinou sobre a mesa e sussurrou. — Vou te mostrar algo que talvez te ajude a entender um pouco mais o nosso mundo, mas tem que ser segredo até com meus irmãos.

Conall confirmou com a cabeça.

— Me siga e faça pouco barulho.

Mattia segurava firmemente o talher tentando não parecer tola estremecendo sob o olhar do Senhor Granada.

Pensou que dividiria a mesa com Trevan, Raleigh e Raeanna como era de costume quando ela era requisitada em alguma refeição. Entretanto, para a sua surpresa os dois últimos não estavam presente.

Trevan informara rapidamente que os primos tinham marcado um compromisso em outro local naquela noite.

Cortou um pedaço de carne com precisão antes levá-lo até a boca. O Senhor Granada voltara a focar em sua própria refeição e agora era a Escolhida que o observava.

Sua túnica era composta com padrões em tons de vermelho, laranja e vinho. Exatamente como o magma sendo liberado. Lava.

Fios de ouro e prata se entrelaçavam sobre as costuras tornando as vestes vivas e exóticas. Ressaltando ainda mais a combinação incomum que ocorria em seus olhos: o aro rubro em volta do azul.

Os cabelos levemente claros se rebelavam sobre sua testa a cada vez que se inclinava para direcionar a comida aos lábios.

Lábios médios e naturalmente avermelhados, de aparência suave e macia. Convidativos.
A Escolhida de Amara suspirou numa ação involuntária e quando Trevan se pôs a olhá-la, ela desviou a atenção para o prato sentindo suas bochechas esquentarem.

Para um humano, ele estaria no começo dos vinte anos, mas ouvira conversas de Raleigh com sua irmã que revelavam que os três tinham mais idade do que aparentavam, assim como grande parte dos deorum.

Trevan sutilmente limpou os cantos da boca com o guardanapo, oficializando o fim de sua refeição e se recostou na cadeira.

Não demorou muito para que a Escolhida também terminasse seu jantar. E então o deorum sugeriu que terminassem suas bebidas na varanda e eles fizeram a curta caminhada lado a lado e em silêncio até saírem para a noite estrelada.

— Seu confronto é amanhã. — sua voz ecoou suavemente na noite. — Escolhi um confronto misto. Mental e físico. Não quero brechas para um terceiro confronto, quero que saia definitivamente vitoriosa amanhã. Sente-se preparada?

As palavras do deorum foram diretas e golpearam Mattia de certa forma. Já sabia que seu confronto seria no outro dia e não era o que mais a preocupava no momento. Ela era a última esperança de ele continuar na competição.

Ainda assim, a menina assentiu com a cabeça.

— Soube que Raleigh e Raeanna estão cuidando do seu preparo. Está em boas mãos.

Mattia balançou a cabeça novamente pois não sabia o que dizer ao certo. Tomou um longo gole do vinho tinto. Aquela já era sua segunda taça e esperava que o Senhor Granada não tivesse reparado. Bebidas subiam rápido para sua cabeça e, talvez, se ela apenas tomasse o suficiente poderia ter uma noite de sono sem sonhos e preocupações assim que deitasse na cama e não ficaria ansiosa para o dia seguinte.

— Sinto muito por não ter sido mais presente na sua preparação. — Trevan estava apoiado na grade da varanda. O vento perturbando seus fios de cabelo. A Escolhida de Amara, apesar de apenas encarar sua taça e a barra do próprio vestido, estava ciente que o rapaz tinha os olhos grudados nela.

— Sinto muito por Idah.

Trevan somente balançou a cabeça mordendo o lábio e respirando fundo.

— Era uma boa garota. — foi a única coisa que rapaz disse depois de alguns segundos. Virou sua taça de uma só vez e a apoiou vazia na sacada. — Estou fartos de perdas. Estou farto de não poder fazer nada sobre elas.

Mattia pensou em rebater com uma resposta ácida, mas segurou a língua, já pesada em sua boca.

O deorum parecia mesmo estar num estado emocional deplorável e não sabia o porquê, mas queria poder consolá-lo e não chutá-lo ainda mais.

Talvez, ele fosse sincero. Talvez se importasse com a vida de Idah e com a sua. Talvez não fosse apenas um jogo sádico para ele.

Ele tinha apostado nela por alguma razão. Tinha visto algo nela quando ela mesma achou que seu destino seria ficar mofando naquele Galpão — uma coisa que ela não entendia por que Corinna fazia por escolha própria.

Trevan tinha se preocupado quando ela achou que ficaria isolada num quarto da mansão.

Queria mostrar o seu valor.

Quando finalizou o conteúdo da sua taça, tinha coragem o suficiente para encarar o deorum.

Um pequeno sorriso gentil se formou nos lábios dela e ela tentou retribuir da melhor forma que poderia.

— Deixe-me acompanhá-la até seus aposentos.

A garota não recusou a oferta. Sabia que se sobrevivesse não teria para quem voltar em Amara, mas poderia conquistar um lugar ali.

Era ínfima a quantidade de humanos no Setor Superior, mas eles existiam e — apesar de parecerem invisíveis — tinham empregos, um propósito. Num lugar melhor, num lugar onde, mesmo que não reconhecessem sua existência, ela não passaria fome nem frio.

Talvez se cativasse um lugar ali, se sobrevivesse, poderia pedir para continuar cuidando da estufa. Ganhando seu próprio sustento até o dia que a terra a reclamaria de volta.

Mattia sorriu para si mesma enquanto caminhava.

Pela primeira vez, tinha esperança genuína em seu coração.

Conall levantou a cabeça para olhar o teto alto e imponente da sala secreta aonde o irmão mais novo da Ordem Ônix o levara.

O Escolhido de Nix seguiu o garoto entre as estantes abarrotadas de livros e estava prestes a questionar se Thaddeus o estava fazendo caminhar em círculos quando o menino segurou a lombada de um livro comum vermelho com firmeza e um poder negro tingiu a capa e as extremidades do objeto, logo tomando os dedos e por fim toda a mão de Thad.

Um estalo soou, o deorum afastou a mão, que voltava a coloração normal assim como o livro, e a estante deslizou para o lado revelando um caminho escuro.

O humano esperava encontrar teias de aranha e cheiro de mofo, mas só era uma passagem escura, mas nem um pouco esquecida.

— Ouça os barulhos dos meus pés e fique próximo a mim, se não quiser se perder. — Thad instruiu e Conall o seguiu de perto, a falta de luz os engolindo mais ainda quando a estante atrás deles voltou a se encaixar na parede.

Conall queria perguntar por que não acender alguma iluminação, mas se manteve calado, pois, após poucos passos e uma só curva, Thaddeus empurrou uma outra porta revelando a sala com o teto que naquele momento ele admirava.

Aliás, não era só o teto que era algo de se admirar.

O grande cômodo era todo em preto, mas longas e espessas pinceladas de cobre e ouro formavam arabescos nas paredes. Algumas tinham frases cuidadosamente dispostas, outras desenhos que contavam uma história e outras eram apenas espirais decorativos que pareciam se mover a cada olhadela.

Ainda nas paredes, havia muitos mapas. De todos os tamanhos, cores e divisões. Excelsior do começo até aquele momento.

Havia uma longa mesa que aparentava ter sido usada para reuniões. Armamentos de todos os tamanhos e estilos se acomodavam num canto distante. Prêmios de guerras que Conall nunca nem sonhara em saber sobre. Era uma mistura de sala de reuniões, arsenal, galeria de coleção e biblioteca. E, pelos Céus, aquela sala tinha realmente o potencial de ser tudo aquilo.

O Escolhido de Ônix só faltava girar em seus pés para tentar absorver a sala de uma só vez. Thaddeus sábia e pacientemente esperou o rapaz se acomodar enquanto andava até uma extremidade do cômodo a fim de pegar um outro livro antigo e pesado e trazê-lo até a mesa.

— Uau. — Conall disse por falta de palavra melhor para expressar seu encantamento.
O jovem deorum apenas assentiu com a cabeça, sentando-se.

— Sei como se sente. Fiquei da mesma forma quando meu pai me trouxe aqui pela primeira vez quando atingi a idade necessária.

Conall caminhou até a mesa, suas botas novas e polidas ecoando contra o chão lustroso. Com os olhos bem abertos, se acomodou em frente a Thad.

Assim que seus braços tocaram a superfície da mesa, sua pele se arrepiou quase causando um pequeno choque.

— É só o livro. — Thaddeus explicou segurando um risinho. O tomo estava já aberto e apoiado no móvel. — Tem uma proteção mágica no exterior e vários encantamentos na parte de dentro.

O garoto puxou a manga de sua casaca, mostrando a pele também arrepiada. O Escolhido relaxou mais na cadeira.

— E então?

— Você quer a versão longa ou a resumida? — o deorum questionou com uma sobrancelha arqueada.

Foi a vez de Conall apoiar o pé na mesa e se esparramar de vez na cadeira.

— Longa. Eu adoro uma boa história.

Thad levantou os olhos das páginas amareladas, e eles estavam meio assombrados.

— De fato, é uma boa história, mas sinto que não seja exatamente uma história boa.

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Notas finais do capítulo

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