Memória escrita por Lyare


Capítulo 1
Capítulo Único




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— Você devia ser mais cuidadosa – a voz de Madara surgiu atrás de si. Ignorou e começou a limpar a ferida da mão – e se você encontrar um youkai mais forte que você, garota?

— Eu o ganho na inteligência, Madara. Não é como se isso já não tivesse acontecido antes. – Respondeu tentando não mostrar que sentia dor ou ele provavelmente faria um discurso maior ainda sobre ela ser "só uma garota humana".

— Você não tem jeito. – A grande raposa virou o rosto em desaprovação, mas pouco tempo depois estava deitada próxima à garota de cabelos laranjados.

Tinha tido sorte de ter conseguido pegar o remédio que precisava sem ser vista pelos tios, tudo porque um ayakashi a tinha empurrado morro à baixo em uma travessura. A raposa encarava Reiko cuidar do ferimento como se não fosse nada, mas já estavam juntos tempo o suficiente para Madara saber que ela sentia dor. Por dentro, queria matar a criatura que tivera a audácia de machucá-la.

— Por qual razão continua perto de mim? – A jovem indagou enquanto enfaixava a mão.

— Eu já disse, garota. Quando você morrer eu tomarei o livro de você. – Respondeu como se não fosse nada. – E pelo visto não vai demorar muito se você continuar a se meter nessa floresta.

— Senti uma preocupação, "Madara-sama"? – Ela o encarou o desafiando. Ele estreitou os olhos. Garota atrevida aquela humana.

— Benio sabe que me deve respeito, ao contrário de você. – Começou a levantar da grama e a esticar-se. Reiko parecia bem. – Suba, tenho um lugar para mostrar.

A menina abriu um sorriso, pois adorava os passeios com Madara. Não que ele fizesse muito isso, eram raras as ocasiões em que ele dava-lhe o privilégio de voar. Sem questionar montou no youkai e deixou que ele a levasse pelos céus.

A viagem foi silenciosa, uma vez que Reiko tentava a todo custo memorizar cada pedacinho da paisagem que via dali de cima. Era incrível como a cidade e a floresta pareciam tão pequenas dali de cima, era como se um mundo diferente se mostrasse para a jovem.

O youkai tinha um quase sorriso enquanto voava. A verdade era que gostava de passar tempo com a humana peculiar que encontrara. Às vezes, os incontáveis anos de existência o entediavam. Mas bem sabia que não deveria se apegar tanto... Humanos morrem fácil, desfazem-se como um dente de leão atingido por um vento forte.

— Oe, Madara. O que você quer me mostrar? – Reiko o tirou de seus pensamentos. Impaciente como sempre, essa garota.

— Um segredo, garota. Um segredo. – Ele murmurou e logo começou a diminuir a altitude. Ela não entendeu, mas deixou estar.

Estavam num lugar da floresta que ela nunca tinha visto ou explorado. Chutou ser um lugar encantado igual da vez que encontrou a velha youkai que procurava um espelho. Silencioso, o youkai pousou em uma clareira e deitou no chão para que ela descesse. Começaram a andar e Reiko teve certeza de que não estavam mais no mundo humano, a atmosfera era totalmente indescritível. Seguiram um caminho de pedras que eram tão polidas que jurava serem feitas de vidro e tinha até receio de pisar, ao contrário do youkai que estava familiarizado com o lugar.

— Não é possível encontrar este lugar do jeito tradicional. – Madara começou a falar. – Só quem tem este sinal consegue quebrar a barreira.

A jovem sorriu quando o viu apontar para a própria testa com a pata e continuar a andar.

— É minha casa, Reiko. – Ele finalizou quando o caminho de pedras chegou ao fim.

A boca se abriu em espanto. Era incrível. Havia uma clareira grande à margem de um lago cristalino. As altas paredes rochosas eram base de uma cachoeira que espalhava o som de água pelo lugar e a grama aos seus pés era mais verde do que qualquer outra que algum dia havia visto. Próximo à água havia uma espécie de caverna com palha forrando o chão, provavelmente o lugar em que Madara dormia.

Porém, o que mais chamou atenção de Reiko – e não tinha como ser ignorada – foi uma enorme árvore que cobria quase toda a extensão da clareira. A menina olhou maravilhada os raios de sol que passavam por entre as folhagens e faziam desenhos engraçados no chão.

— Por quê? – Indagou ao youkai. Madara só deu de ombros. Por que será? Talvez não soubesse ele mesmo explicar por que razão se importava com aquela filha dos homens.

— Você me disse outro dia que queria que alguém lembrasse de você. – Madara foi andando na direção da árvore sendo seguido de perto pela menina. – E eu já vi alguns humanos fazerem isso nas árvores da floresta.

Reiko abriu um sorriso enorme quando entendeu o que ele queria dizer. Imediatamente foi ao pé da árvore e pegou uma pedrinha. Hesitou antes de escrever. Madara a encarava sentado, esperando que ela deixasse sua marca.

— Isso não é uma árvore enfeitiçada igual ao meu caderno não, né? – Perguntou desconfiada. A raposa fez uma careta e murmurou um "me recuso a responder essa ofensa". Reiko sorriu.

— Escreve seu nome também, Madara. – Ele suspirou e se aproximou levantando uma de suas garras afiadas. Só que quando começou a escrever, percebeu que não daria certo. Prontamente foi zoado pela garota: – Que garrancho!

Preparou-se para xingá-la, mas só a olhou feio. E num instante, uma transformação ocorreu. Uma fumaça branca espalhou-se e a jovem ficou alguns segundos sem conseguir ver. Talvez Madara tivesse se transformado numa raposa menor, ou então...

Viu o kimono branco tocando a grama e foi subindo o olhar. Madara teria...? O kimono era preso por um cinto verde escuro e havia um manto laranja com estampa de folhas contrastando com o puro branco. A roupa estava levemente folgada na altura do peito e os longos cabelos brancos espalhavam-se pelos ombros. O rosto fino, mas ainda sim delicado, tinha uma expressão indecifrável. Reiko reparou como o desenho vermelho na testa do Youkai parecia ainda mais bonito.

— Você... – Os olhos de raposa a encararam curiosos – tem orelhas!

O homem não acreditou que Reiko apontava para a própria cabeça e desatava a rir. Tinha dado trabalho voltar para essa forma e aquela menina....

— Eu sou uma raposa, garota. Esperava o quê? – Resmungou tocando nas orelhas de animal no topo da cabeça. Sabia que ela só o queria irritar. – Anda, antes que eu mude de ideia e te enxote daqui.

A jovem limpava as lágrimas de tanto rir enquanto começava a escrever seu nome no tronco gasto. Madara usou a unha e um pouquinho de seu poder mágico para marcar a árvore. Obviamente, a caligrafia dele tinha ficado melhor.

— Oe... Você trapaceou. Mas bem que você poderia escrever com essa letra no meu caderno. – Ela falou travessa. Ele revirou os olhos e passou os longos dedos pelos kanjis que ela fizera. Uma fraca luz azul acompanhou o desenho.

— Meu nome nunca vai estar naquele caderno, Reiko. – Ele sorriu de lado e ela lhe deu língua. – Você nunca pediu, de qualquer modo.

Ele sentou no chão e moveu a mão na direção da caverna e puxou como se trouxesse algo. Vieram flutuando uma garrafa de sakê e dois pequenos copos.

O vento bateu forte enquanto ele bebia e Reiko encarava a copa da árvore deitada no chão. Pôde ver algumas folhas dançarem pelo ar e caírem em cima dos dois.

— Você vai se lembrar de mim mesmo? – Ela indagou enquanto estendia a mão para cima tentando pegar uma folha antes que caísse no chão.

Ele a olhava disfarçadamente desde que deitara. Ainda se perguntava se o que tinha feito era realmente certo. Sabia que ela não era imortal, que em mais quarenta anos ela provavelmente estaria morta e debaixo da terra. Em algumas centenas de anos, que lhe pareceria uma semana, poderia esquecer da garota encrenqueira que encontrara por acaso na floresta. Mas queria correr o risco. Ficaria ao lado dela até o momento em que ela não o quisesse mais.

— Eu não quebro promessas, Reiko. – Ela deitou de lado o encarando. Ali, Natsume Reiko sorriu como poucas vezes Madara vira até então.

Cansada, a menina que via youkais deixou-se cair no sono ao lado do espírito de raposa. Madara apoiou as costas na árvore e também deixou o corpo relaxar na companhia da humana peculiar. O silêncio, por sua vez, foi a única testemunha daquela memória.


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