"AS TORTINHAS"

Uma superfície fria chocou-se contra meu corpo, enquanto eu rolava até bater na parede do quarto de Ginny. Mesmo estando no andar de baixo d'A Toca o grito da Sra. Weasley soou poderoso, e eu nunca fui uma pessoa que reage bem a sustos.

— Mione? Está tudo bem? - Era a pequena ruiva, chacoalhando de leve meus ombros.

Meus olhos estavam fechados com o susto da queda, e eu não havia aberto eles ainda. Quando o fiz, vi Ginny com alguns fios ruivos caindo pelo rosto, os olhos meio cerrados pela claridade do Sol, e uma feição preocupada. A parte "preocupada" quebrou-se totalmente para mim assim que reparei que a mesma ainda trajava o pijama azul de patinhos.

Direcionei meus olhos até lá, e comecei a rir histericamente. Ginny sem entender nada, seguiu a direção que eu mirava e revirou os olhos, dando um sorriso.

— Há-há. Muito engraçado. - Murmurou já se levantando do chão.

— Desculpe-me, mas eu não resisti. Eu estou bem, aliás. Obrigada pela preocupação. - Eu disse respirando fundo assim que a crise de risos acabou, levantando também e indo rumo as escadas, com a ruiva em meu encalço.

— Você é ridícula Hermione! Nunca difamei você por causa daquele macacão de pijama vergonhoso que tu usou até o quarto ano, e só porque gosto de patinhos eu tenho de aguentar você rindo da minha cara! - A falsa irritação em sua voz era notável, e ela sorria enquanto falava.

Rimos mais ainda e descemos as escadas rapidamente, a fim de descobrir o que aconteceu com as tortinhas de Molly Weasley. Comida é um negócio sério para Molly. Prefiro enfrentar um trasgo montanhês sem minha varinha á sequer atrever mexer nos preparos da ceia de Natal da família.

No fim da escada, encontrei Harry e Ron, "pseudo-acordados", e sorri bom dia para ambos. Harry sorriu ao olhar para Ginny, enquanto ela dava uma corridinha para seu lado, segurando em seu braço e recebendo um beijo na bochecha.

— ...E que isso não se repita! Vocês não tem noção de quanto trabalho dá para fazer a receita dessa massa! - Virei-me para a cozinha, e vi Molly, que massageava as têmporas e apontava o indicador para as faces aterrorizadas dos gêmeos. - DA PRÓXIMA VEZ MANDO OS DOIS DORMIREM COM OS GNOMOS!

— Mas mãe... - George tentou.

— MAS MÃE NADA, FREDRICH! É A QUINTA FORMA DE TORTINHAS DE ABÓBORA QUE QUEIMAM!

Enquanto Sra. Weasley continuava o monólogo, começando a andar de um lado para o outro, os ruivos chamaram nossa atenção.

— E ela ainda diz que é nossa mãe! Até na hora da bronca ela não acerta, mesmo eu sendo inconfundivelmente mais bonito...E eu perdi uma orelha, por Merlim! - George sussurrava.

— Unbelievable.- Ele disse, dando aquela risada maravilhosa

Os olhos de Fred estavam particularmente bonitos naquela manhã. O verde faiscava, e contrastava muito bem com as sardas de suas bochechas e o Sol que batia em seu rosto, consequente das janelas abertas. Ele era lindo. Completamente estonteante. Desde quando eu tinha essa "queda" por ele mesmo?

"Eu não diria queda, querida. É um terrível de um capote. Álias, isso vem vindo desde o quarto ano. Até a maldita batalha de Hogwarts já passou e você não deu nem um sinalzinho de que está apaixonada."

Creio que vocês não conheçam essa "figuraça". Chamo ela de Garibalda, ela é minha consciência. Aparece sempre que inconveniente. Sinalzinho é o escambau, Gari. A batalha acabou não faz nem um bendito mês!

"Não me interessa quando acabou. Quarto ano Granger!

Garibalda...pfff. Eu merecia um nome mais bonito, não acha?"

Não. Combina perfeitamente com você.

Assim que meu gêmeo me viu, abriu um belo sorriso de caninos pontudos, simulando um "Oi Mione" com os lábios. Eu me derreti inteira por dentro, mas manti a pose controlada e simulei um "Bom dia" de resposta.

Merlim me livre, ninguém poderia saber da minha paixonite pelo ruivo. Principalmente Ronald. Já não foi fácil que ele aceitasse o relacionamento de Gina e Harry, não queria criar mais alvoroço. Ele surtaria se descobrisse que meu primeiro beijo não foi com Krum, e sim Fred...

"E QUE ELE NÃO DESCUBRA SENHORITA! Não sei como Fred manteve segredo todos esses anos, foi um beijão e tanto..."

VÁ EMBORA DE UMA VEZ!

"Aí, nossa. Machucou."

Bufei comigo mesma, me reconhecendo oficialmente como louca. Quem discute com sua própria consciência? E ainda apelida ela de Garibalda??

— Ah, estou cansada. Só espero que isso não volte a acontecer... - Molly tirou-me de meus devaneios, pressionando o meio das sobrancelhas. - Olá crianças! Bom dia! - Mudou o tom de voz, beijando as testas de todos nós. - Fred, George, vão tomar café da manhã, sim? Vocês também meninos, vão, vão! Já está tudo na mesa.

Depois de sermos despachados da cozinha pela Sra. Weasley, sentamos todos na mesa, onde Sr. Weasley nos acompanhou, pegando uma xícara fumegante de café e o Profeta Diário.

Eu estava totalmente alheia ás conversas e palhaçadas da família, vagando na minha própria mente. Eu sempre fui o tipo observadora, achava fascinante tudo ao meu redor. Era raro eu achar alguém que apreciasse as mesmas coisas que eu, como o simples farfalhar das folhas pelo vento, ou a água corrente do rio. Nos tempos da guerra eu não tinha esses privilégios, sabe? De simplesmente sentar e apreciar os sons e sensações que me são proporcionados.

Era tanta coisa, os estudos, Harry e minha constante preocupação para com ele, treinar feitiços de ataque e defesa na Armada, e o medo de eu acordar um dia, ou apenae piscar e puff: Alguém que eu amava estaria morto(a).

Mas agora estava tudo tão calmo. Eu estava tão acostumada a estar sempre de cabeça cheia, ocupada. Agora eu tenho tempo para ler todos os livros que queria ter lido antes, escutar todos os álbuns trouxas que prometi escutar, aproveitar meu tempo com a família e amigos, e quando Hogwarts estiver reconstruída, poderei finalmente terminar meus estudos e me formar!

Só não gosto tanto o fato de que eu fiquei meio avoada de uns tempos pra cá. Não que seja ao todo ruim...mas eu me desligo totalmente. Como eu acabei de fazer.

— Hermione? - Harry chamou, soltando um risinho.

Provavelmente eu estava encarando o nada, com uma bela cara de zumbi.

— Hãn?...Ah! Diga. - Murmurei dando um pequeno sorriso.

— Ela desligou de novo. - Disse Fred, sorrindo também. Se não o conhecesse, julgaria que ele parece admirado.

— Estávamos falando sobre cultura trouxa, e eu tive a ilustríssima ideia de fazer uma sessão cinema n'A Toca. - Disse George, orgulhoso. - Sabe como é, para comemorar.

— E como nós sabemos que você e o Harry conhecem mais dessas 'coisas', perguntamos se vocês não poderiam nos ajudar a escolher algumas fitas na Londres trouxa. - Ron agora falou, servindo-se de mais panquecas.

— Ah, os filmes trouxas! São tão lindos... - Ginny juntou as duas mãos, olhando o 'nada', admirada.

Lembro-me bem de quando trouxe meus romances preferidos nas férias do quarto ano para que Gina chorasse comigo. Foi uma bela madrugada de baldes de lágrimas e lencinhos amassados pelo quarto todo. Os meninos assistiam de vez em quando conosco, mas ficavam atrapalhando o filme e fazendo comentários ridículos como: "Porque ele não usou magia nisso? Que bobo!", "Ouch! Ele mereceu esse fora.", e " Mas Mione, ambos Jack e Rose cabiam naquela tábua, Por Merlim!"

— E aí Hermione? Ajuda a gente? - Fred pronunciou-se mais uma vez, chamando minha atenção.

Dei-lhe meu mais belo sorriso

— Quando podemos ir?