Dois dias. Faziam apenas dois míseros dias, e Adam Clarke não desconfiou em nada. Séculos de existência me resultaram na liderança em várias áreas, e uma delas era a mentira. A grande e magnífica arte da enganação. Adam não poderia saber minha verdadeira identidade, assim como o resto do mundo. Não escolhi ser quem eu era, não escolhi fazer o que eu faço. Estava preso, preso a uma vida sem escolhas, uma vida sem nem ao mesmo saber quem você era. Nunca soube como nasci, lembro-me apenas de estar ali, desde sempre, desde quando as pessoas começaram a assinar a linha pontilhadas de seus contratos.

        A oficina de Adam eram simples, típica da década de noventa. Paredes de madeira eram escondidas por prateleiras de ferramentas, com exceção a uma, com   duas grandes janelas protegidas por grades. Estava parado ao lado de um Cadillac, que acabava de puli-lo. Sua lataria brilhava, resultado de um trabalho bem feito. O ambiente inundava-se com o som de Houng Dog de Elvis Presley, o qual havia descoberto ser um dos artistas favoritos de Adam Clarke. 

— Garoto? — A voz do homem chamou minha atenção. — Você acha que já não terminou isso ai? Pare de exagerar Coínin.— Deixei um sorriso escapar, por seu pequeno sermão. — Estou indo para casa, pensou sobre minha proposta, garoto?

— Sim, senhor Clarke. Eu vou, se não for incômodo.

— Pare com essa formalidade, Deus me livre, parece que você veio do século passado. Vou arrumar tudo por aqui, e você vai se limpar, você está em uma situação ruim pra cacete.

       Novamente não conti uma risada irônica, por conta da maneira que o homem me tratava. Decidi apenas acatar suas ordens, e ir para meu quarto, nos fundos da oficina. Adam havia oferecido o lugar, e sem pestanejar, aceitei. Precisava fazer meu trabalho em silêncio, sem chamar atenção. Sentia falta da época onde precisávamos ser apenas bestas, e fazer nosso trabalho, sem temer esses malditos caçadores. Homens em sua maioria grandes idiotas, que no menor rastro de um cão do inferno, seguiam-no sem descanso, até nos matar. Sai de meus devaneios, e tratei de logo ir tomar um banho, no banheiro pequeno que havia ali. Optei por usar apenas uma calça e camiseta escura, um par de tênis surrados e um casaco. Adam já gritava comigo lá fora, anunciando que estava com pressa. 

            Segui o homem até seu Buick Riviera, que começou a dirigir para sua casa. Adam morava em uma parte um tanto afastada do centro da cidade, mas gabava-se sempre de seu bairro, onde todos se conheciam, típico de cidades pequenas. Cidades pequenas sempre eram mais complicadas, pois era mais difícil fazer seu trabalho, e também porque você apegava-se a ela, a aquela áurea simples do lugar.

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       A casa de Adam, com sua aparência rústica, remetia-me a inúmeras lembranças, de lugares como aquele, por onde passei. Adam nao era a primeira pessoa de bem a cruzar meu caminho, era mais comum do que podia imaginar, pessoas que você não desconfiava que poderia ter feito contato com o diabo.  Por dentro, sua decoração era tipicamente americana, com um pequeno toque italiano. Móveis escuros de madeira decoravam a sala principalmente, que curiosamente não tinha televisão. Olhava atento a devoração, até que sua voz em gritos me assustou, principalmente pelas palavras pronunciadas. 

— Amélia, temos visita! Venha! — Animado, o homem a chamava, e virou para mim.— Quero te apresentar ela, é uma garota adorável!

     Amélia? Em momento algum ouvi seu nome antes. Droga! Seria sua mulher? Em todas as hipóteses sua presença botava meus planos por água abaixo essa noite. Não disse nada, pois antes de ter a chance, uma garota saia da porta da cozinha. Amélia, deveria ser sua filha. A garota olhava para mim com um semblante assustado. Medo? Sua vulnerabilidade era visível, mais do que qualquer outra coisa. Amélia com certeza não queria que eu estivesse ali, as coisas começariam a ficar interessantes.