Aconteceu escrita por Alanna Drumond


Capítulo 1
Capítulo 1 - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Parte I é narrada por Ana Siqueira



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Eu, definitivamente, era a garota menos sortuda do mundo. Na verdade, sorte e eu nunca fomos amigas, mas agora ela se superou. Como se não bastasse tudo o que vinha acontecendo comigo no ultimo ano, agora eu estava desempregada. Sim, desempregada. Acho que o Caio foi muito rigoroso comigo, poxa eu só confundi o sal com o açúcar, isso acontece o tempo todo né?! Mas acho que ele só se aproveitou do meu equívoco – que deveria ser super compreensível - para me colocar no olho da rua. Maldito careca bigodudo.

Como eu ia pagar o aluguel? Como eu ia pagar meu carro? Se eu tinha esperanças de um dia voltar a frequentar a faculdade, ela agora desapareceu. Eu estou com muita raiva, e o pior é que por mais que eu tentasse culpar o Caio por ser um insensível hiper-rigoroso, eu não podia. A culpa de tudo isso era minha.

Eu tinha que conversar com Alice. Ela era minha melhor amiga desde sempre. Nossos pais eram amigos e fomos praticamente criadas juntas. Quando entramos na faculdade, ela em Direito e eu em Arquitetura, resolvemos dividir um apartamento no centro. Foi ótimo. Hoje ela era o mais próximo de uma família que eu tinha. Ela esteve comigo nos melhores e nos piores momentos da minha vida. Devo muito a ela.

Tudo começou a desandar no início do ano passado. Logo ano passado! O ano que era pra ser o melhor da minha vida acabou se tornando o pior. Eu estava no ultimo ano da faculdade, animada e ansiosa pra formar logo. Era uma segunda-feira, – mais um motivo para eu odiar as segundas-feiras— eu estava indo almoçar com Alice no campus antes de ir pro estágio quando me ligaram.

— Alô?
— Por favor, eu gostaria de falar com a filha de Andresa Lima. – o que será que minha mãe aprontou dessa vez?
— É ela, o que houve?
— Encontramos seu número no celular de sua mãe. Ela está sendo levada para o Hospital Central, sofreu um grave acidente na rodovia 040 e a...

            Eu não consegui ouvir mais nada. O telefone caiu da mão e eu só não caí junto com ele, pois Alice logo me pegou. Eu estava em choque. Minha mãe. Não podia ser.

— Ana? O que foi? – eu não consegui responder, na verdade eu não conseguia falar nada. Minha cabeça foi a mil por hora. Eu só conseguia pensar nos nossos momentos juntas.

            Depois que papai nos abandonou, e eu tinha 13 anos, as coisas ficaram muito difíceis. Nosso curto orçamento mal dava para pagar as contas, mas ainda assim mamãe sempre dava um jeito de me fazer um agrado. Podia ser um livro novo, ou um CD de uma banda que eu curtia, ou, se ela desse uma apertadinha no salário, saia até um sapato novo – mas é claro que esse, dificilmente acontecia.

            Eu me lembrei do dia que eu consegui ver o resultado do vestibular, já aos 17. E quando meu nome apontou lá na lista dos aprovados, nós choramos tanto, mas tanto, mas tanto que por pouco não ficamos desidratadas. Foi um dos dias mais felizes da nossa vida.

— Eu sabia, meu amor, eu sabia que ia conseguir. – ela dizia.
— Ah mamãe! – eu só conseguia chorar nos braços dela.

            Lembro quando Stella, mãe de Alice, tentava convencer mamãe a me deixar dividir o apartamento com Alice. Mamãe estava irredutível e não queria voltar atrás. Disse que éramos jovens e não iriamos sobreviver fora de casa – sim, mamãe era a rainha do drama – mas Stella, com seu jeitinho encantador que foi herdado por Alice, tinha excelentes argumentos.

— Você precisa encarar o fato de que nossas meninas estão crescidas. Olha só pra elas, conseguiram entrar na melhor faculdade, no curso que escolheram, nunca deram trabalho com namorado – olhei pra Alice que escondeu o riso – e sem contar que são ótimas meninas.
— Eu sei de tudo isso, Stella. Mas não. Ana é muito jovem, não posso permitir que ela saía de casa agora para se aventurar por ai. Esse mundo anda muito perigoso.
— Eu sei minha amiga. Mas olha pra ela. Veja a menina que criou, confie. Ela vai se sair bem. E no mais, ela não estará sozinha. Alice vai estar lá para ajuda-la. Permita que ela saia do casulo, Andresa. Uma borboleta linda como ela precisa descobrir o próprio caminho e encantar o mundo com suas belas asas, não concorda?

            Eu odiei ser comparada a uma borboleta, por que eu não gostava mais delas, mas foi eficaz, pois mamãe concordou. Papai me chamava de borboleta, mas mesmo se eu fosse uma, jamais abandonaria minha família como ele fez, eu não voaria para longe. Mamãe deixou que eu fosse morar com Alice, mas nos visitava a cada dois dias e ligava umas seis ou sete vezes por dia.

— Mãe, eu sou mais um bebê. Não acha que tá neurótica demais?

— Você vai entender quando tiver um filho. Meu coração fica aqui com você, não tenho sossego um minuto sequer quando tá longe. Só fico tranquila quando está nos meus braços. E você sempre vai ser minha bebezinha, não importa se tem um, dezessete ou cinquenta e dois anos. E eu não sou neurótica, abusada.

            Há dois anos, graças ao meu primeiro salário no estágio, eu comprei uma TV tela plana novinha pra ela. Enorme. Ela amou, e as coisas estavam bem, a trancos e barrancos a vida melhorou e conseguimos recomeçar depois de papai ter nos deixado. Até aquela maldita segunda-feira. A pior segunda-feira. Quando finalmente me libertei de minhas lembranças, vi onde estávamos, o que estava acontecendo e a cara de assustada da Alice enquanto falava com sei lá quem no meu telefone eu fiquei completamente apavorada.


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