Aconteceu escrita por Alanna Drumond


Capítulo 2
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/737700/chapter/2

 

 


— Como ela tá? Onde ela tá? Tá muito machucada? O que aconteceu?
— Calma – ela disse sem dizer uma palavra e eu entendi por leitura labial – Certo. Sei onde fica. Obrigada moça. Thaís. Isso, obrigada Thaís. – ela finalmente olhou pra mim e vi que as noticias não eram boas, reconheceria aquele olhar em qualquer situação. A vantagem de sermos tão próximas era essa. Com um único olhar eu decifrava tudo.
— Ela não tá bem né?
— Levaram ela pro hospital e estão fazendo uns exames, por enquanto é cedo pra dizer qualquer coisa, mas vamos confiar, vai dar tudo certo. Vamos ter fé – ela tentou me tranquilizar, mas pelo seu tom de voz eu sabia que nem ela estava certa disso – Vamos pro hospital.
— Mas você tem que trabalhar...
— Nada disso, que se dane o trabalho. Vou ficar com você, relaxa.

            Ela ficou. O tempo inteiro Alice não saiu do meu lado, e ela estava do meu lado quando o pior aconteceu. Depois de duas terríveis horas de agonia na sala de espera o médico veio com a velha frase feita: “Nós fizemos de tudo, mas infelizmente ela não resistiu”. E foi ali que tudo mudou. Toda a minha vida desandou. Perder minha mãe foi como se tirassem o meu chão, o meu norte, minha fortaleza, meu tudo. Não restou nada. Ela foi embora, e eu nem pude me despedir. Ela se fora e levou consigo meu coração.

            Alice me ajudou a suportar todo aquele momento de luto. O velório, o enterro, as pessoas dizendo que sentem muito mesmo não sentindo. Mas aquele não foi o pior momento. O pior momento foi quando se passou uma semana, quinze dias e, por mais que Alice estivesse cem por cento do tempo comigo, eu me senti sozinha. Desamparada, órfã, completamente solitária e perdida.

            Eu consegui me reerguer aos poucos e a pequenos passos, consegui caminhar novamente. Infelizmente nem todo mundo tinha compaixão e a vida de tudo mundo seguia normal, enquanto a minha não. Eu tive que me reencontrar, e nesse meio tempo eu perdi meu emprego. E sem emprego eu não tinha como me manter na faculdade. Abandonei meu curso quando faltava menos de sete meses para a formatura. Eu morava com a Alice, mas não conseguia arcar com minhas despesas, mas ela era compreensiva e não exigiu nada de mim.

            Procurei um emprego, mas eu não dava certo em lugar nenhum. Não ficava mais de dois meses em lugar. Tentei de tudo. De vendedora à garçonete não conseguia encontrar um emprego em que eu conseguisse respirar. Sempre acontecia alguma coisa. Geralmente era minha falta de sorte como aconteceu hoje. O cliente havia pedido para que buscasse o sal na cozinha e eu acabei entregando açúcar. Caio não pensou nem duas vezes antes de me demitir. Eu devia saber que ele não ia perdoar o que aconteceu afinal aquele não havia sido o único incidente no restaurante. Na segunda-feira passada – outra vez na segunda-feira - acabei derramando suco de acerola em uma madame que usava um longo vestido branco que deveria custar o mês inteiro do meu salário.

            Fui para casa a pé. Era longe do restaurante até o apartamento, mas eu tinha que economizar agora e durante a caminhada, eu me preparava pra conversar com Alice. Já estava ficando chata essa situação toda, eu sempre ficando desempregada e ela bancando praticamente tudo. Eu queria ajudar mais, ela merecia, por tudo que fez e faz por mim. Mas definitivamente eu não tinha sorte. Perdi minha mãe, perdi as contas de quantas vezes fiquei desempregada no ultimo ano, e não sabia o que fazer com tantas contas pra pagar.

            Quando cheguei fui logo me jogando no sofá. Teria que dar um jeito de consertar minha vida. Não dava para continuar mais assim. Precisava de um emprego fixo e de estabilidade na minha vida. Mas eu precisava de estabilidade emocional também. Minha vida amorosa agora era inexistente, depois que eu abandonei a faculdade praticamente todas as minhas amigas – menos Alice, essa não - sumiram, e sem contar que depois da morte de mamãe até a minha família se afastou de mim. Eu tinha tanta coisa pra consertar que eu nem sabia por onde começar.

            Fiquei ali jogada no sofá por quanto tempo eu não sei. Minha cabeça estava a mil. Eu ensaiava mentalmente um jeito de contar a Alice que mais uma vez fui demitida quando ela chegou super cansada e se jogou no sofá ao meu lado.


— E ai perua? Como estão as coisas?
— Fui demitida. De novo.
— Jogou suco em mais alguma grã-fina?
—Não. Eu confundi sal e açúcar. – Ela não respondeu, mas pela cara dela nem precisava. Ela devia estar pensando Ninguém é burro o suficiente para confundir sal e açúcar. Mas como a boa amiga que ela era, ela não disse nada.
— Não aguento mais essa má sorte com emprego.
— Má sorte com tudo né. Mas relaxa, é só uma fase. Vai passar e daqui a pouco você vai estar linda, rica e cheia de boys do seu lado. – Alice era a melhor pessoa do mundo. Sempre otimista. Mas eu não tinha muita certeza de que as coisas aconteceriam assim. – Falando em boys, sabe quem eu vi hoje perto do escritório? – neguei com a cabeça – O Gustavo.
— Ah não. Não me conta. Tudo que eu não preciso agora é pensar naquele cretino – como se isso adiantasse. Era só falar o nome do pacato cidadão e um filme passava na minha cabeça.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Aconteceu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.