A luz não era amarela, nem vermelha, não era roxa e muito menos verde. Estava errada. O Doutor nunca tinha visto aquele tipo de sinal antes, nem mesmo quando tentaram categorizá-los para ele na Academia dos Senhores do Tempo. A cor era uma mescla de poeira britoxiana, triampóligo trivotrintano e azul piscina. Provavelmente preocupante. Nada que se parecesse minimamente com azul piscina seria um bom presságio.

A Tardis não estava muito convencida também. É de se esperar que uma máquina do tempo não se preocupasse com o futuro, mas a cada nova ordem que o Doutor inseria no painel de controle, ela hesitava.

—Você também está sentindo isso, é?

A máquina chacoalhou por alguns segundos e o Doutor viu uma alavanca distante descer com toda a força para baixo.

—Vou considerar isso como um “sim”.

O Senhor do Tempo encarou o monitor. Seus cabelos grisalhos ultrapassavam os limites da tela, mas ele quase que não se importava mais. O Doutor já viajava sozinho há muito tempo, não precisava mais se preocupar com estar minimamente apresentável. Ele empurrou o monitor para o lado e confirmou as coordenadas do sinal colorido.

O chão tremeu. O monitor ligou e tudo balançou. Uma numeração crescente surgiu na tela e quando o Doutor caiu, tudo girou. A Tardis percebeu para onde estava indo e faíscas pularam de todos os lugares. As paredes antes prateadas brilharam em cor dourada quandos as chamas chegaram aos livros dispostos no segundo andar do ambiente.

—Interface! -Gritou o Doutor, segurando-se em um dos bancos que cercavam o painel de controle. -Mostrar intensidade de vórtex! Agora!

O monitor implodia e o Doutor pôde ver os número assim que a interface surgiu. Ele estava indo ao futuro, um futuro onde quase nenhum Senhor do Tempo explorara antes.

—Ano dez bilhões? Dez trilhões?! Cinquenta trilhões?!! -O número parou. -Cem trilhões!

O Doutor correu para o painel assim que a Tardis parou de mantê-lo caído. Ele precisava sair dali. Sabia para onde estava indo e se arrependera em instantâneo de continuar a viagem. Antes mesmo dele encostar no painel, uma pequena explosão afastou-o novamente. A porta abriu e o terreno negro como carvão surgiu ao fundo. Ele estava preso.

As chamas desciam em direção à porta. O Doutor apalpou seu blazer, certificou de que sua chave de fenda ainda estava em seu bolso e encarou a máquina do tempo pela última vez antes de correr para a superfície do planeta.

—Eu espero que você tenha feito backup de todos esses livros!

Assim que o corpo do Doutor estava completamente para fora da Tardis, a porta fechou. O Senhor do Tempo imediatamente pensou em voltar para a máquina, mesmo com toda a destruição que se reparava lá dentro. Talvez morrer queimado não fosse tão ruim. Tudo era melhor do que continuar naquele lugar. Tudo era melhor do que continuar na superfície do planeta de Malcassairo.

Malcassairo era um dos últimos planetas sobreviventes no universo. Uma das últimas esperanças da raça humana para ir à tão esperada Utopia que os esperava para salvá-los daquele ambiente perigoso. Diversas raças habitaram Malcassairo, mas a maioria se extinguiram: Os Malmooth, os Novos Silurianos, os Asmodianos, todos foram sumindo, um por um, por diversos motivos. O planeta já não tinha mais Sol, suportava vida com uma precária concha atmosférica e estava fadado à morte.

O Doutor já estivera em Malcassairo uma vez, no dia em que descobriu que não estava sozinho. O dia que conheceu Professor Yana. Era o décimo de suas encarnações como Doutor e viajava com Martha Jones e o Capitão Jack Harkness. Da última vez, o fim do universo se tornou viável para a Tardis que tentava se livrar de Jack, que por sua vez estava viajando pelo vórtex de forma… clandestina. Ele morreu naquele dia, mas logo vivera novamente para morrer mais uma vez.

O Senhor do Tempo lambeu seu dedo indicador, levantou-o e sentiu a brisa. Ajoelhou-se e apalpou o chão, sendo iluminado unicamente pela Tardis que brilhava pelo fogo ainda se apagando lá dentro, e sentiu o solo. Não dava pra identificar se ele estava antes ou depois do dia que os refugiados humanos partiram para Utopia. Ele não sentia a presença de nenhum outro Senhor do Tempo, o que podia querer dizer que Professor Yana já saíra rumo à Terra do século XXI… ou que ainda não abrira o relógio que escondia sua verdadeira biologia.

O chão deu uma leve tremida quando os barulhos de passos começaram. Alguém corria. Corria desesperadamente. O Doutor levantou os olhos e viu que não era só uma pessoa, mas sim quatro. Uma corria à frente, fugindo das três que seguiam ferozes atrás. Ele não precisou pensar muito para saber de quem a pessoa à frente fugia.

O Doutor se colocou no caminho e sacou sua chave de fenda sônica.