Café Amanhecido escrita por Shianny


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Eu fiz essa coisinha aqui nas pressas, no meio da madrugada, entre surtar com um trabalho e ficar desesperada por causa de uma música.
Se alguém pagar o esforço de ler isso aqui, já agradeço imensamente.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/737034/chapter/1

Seu cheiro me lembrava o de café amanhecido.

E entre minhas tantas incertezas e libertinagens, esse foi um dos únicos fatos que se agarrou no meu pescoço tal como corda de forca, sem me dar tempo de respirar ou entender ao certo o que estava acontecendo, num estalo tão rápido quanto um alçapão que desaparece bem embaixo dos pés e força seu destino num final de ínfimas possibilidades – isso, claro, se tiver alguma sorte.

O conheci assim, de repente. Numa noite qualquer de balada, numa troca de sorrisos casual. Para simplificar as coisas, nós trocamos algumas ideias, ele me pagou umas bebidas, começamos a nos beijar e, antes que eu pudesse me dar conta, nós transamos. No carro, devo pontuar. Tão selvagens quanto dois corpos em combustão podem ser, tão sedentos quanto o desejo implorava, tão apressados quanto a situação obrigava. Nós não passamos a noite juntos, mas eu o dei meu número. Afinal, não é todo dia que se dá pra encontrar alguém com mãos tão hábeis num espaço tão pequeno, certo?

Poderia ter um ponto final aqui, por mil motivos. Meu celular tinha uma porcentagem de chances muito alta de nunca vibrar com alguma mensagem aleatória dele apenas pra chamar atenção, de jamais tocar anunciando uma ligação de um desconhecido. Por que não? Muitas noitadas acabam dessa exata maneira.

Só que, bem, para meu infortúnio, e por algum motivo que até hoje não tenho certeza, o indivíduo em questão não quis “deixar pra lá”. Talvez tenha se apaixonado pelos meus quadris, quem sabe? Haha.

É óbvio que, quando aconteceu, eu não pensei nisso como algum tipo de empecilho. Era bastante atraente a possibilidade de ter um contato para dar uns pegas quando desse vontade, jogar conversa fora em momentos de tédio ou, sei lá, qualquer outra ideia maluca que viesse dar o ar da graça. Até por motivos de: ele era engraçado e imprevisível. Não é todo mundo que tira uns minutos da sua vida, começa uma conversa e faz isso puxando um assunto sobre pepinos em conserva (sério, ele fez isso. Era algo a respeito de pepinos serem normais ou não depois de tirados da conserva pra comer, sei lá, foi bem aleatório.).

Nós conversamos. Marcamos de sair. Saímos de verdade. Estar com o infeliz era um combo de coisas que dificilmente aconteciam na minha vida, isso se aconteciam.

Vamos falar sério: eu o adorava.

Mesmo sem admitir, tinha alguma coisa naquele sorriso sacana que sacudia meu interior e fazia meu, ahm, apêndice, parar de funcionar (não pergunte o motivo, simplesmente aceite essa afirmação. Não tem jeito melhor de explicar.). Eu nunca fui muito de sair à toa, também; quando o fazia, tinha normalmente claras motivações: Comer e/ou foder. A partir do momento em que esse ciclo se quebrava para passeios aleatórios com pessoas que nunca vi na vida só para poder ter sua companhia, sei, devia ter percebido que algo estava fora do lugar.

Talvez eu tenha reparado. A emoção é burra o suficiente para se deixar levar quando acontece alguma coisa que a desperta, mas creio que qualquer um já tenha tido suas experiências e comprovações a respeito disso. Se não teve, pode ter certeza que terá. Anote isso.

Não que vá fazer alguma diferença. Sei como podem ser as pessoas quando enfiam na cabeça que “ah, esse tipo de coisa nunca vai rolar comigo, pfft”. Mas relaxa, todo mundo tem sua hora. Os céticos não tem nenhuma proteção especial contra isso.

O meu “alguma coisa”, na verdade, foram coisas pequenas. Uma guerra de água na praia, um sorvete dividido, um roçar acidental dos dedos, uma missão especial de resgate para devolver um passarinho ao ninho, um passo não ensaiado de dança no meio da praça ou mesmo uma aula sobre como fazer uma pedra quicar no lago. Ríamos, dançávamos, dormíamos juntos, transávamos. Pense nisso tudo considerando que o plano inicial era somente ter um contato de celular para se divertir ocasionalmente e não é difícil ver como as coisas saíram de controle. No jogo que eu mesmo tentei planejar, perdi as rédeas e tive que me agarrar no pescoço do cavalo e torcer para não perder o equilíbrio.

Acho que esse foi o problema, inclusive. Tentei selar um cavalo de espírito livre e, ainda que tenha conseguido cavalgar por um tempo (e muito bem, por sinal), um iniciante alguma hora vai se estabacar no chão se não souber exatamente o que, como e quando fazer.

Até aqui, o óbvio já deve estar explícito o suficiente: Eu caí.

Foi de um jeito patético, na verdade. Dá até desgosto de lembrar. O que rolou foi que um dia nós saímos e, entre uma e outra palhaçada, apareceu aquela linda provocação que todo mundo já deve ter ouvido pelo menos algo de mesmo sentido: “Ah, eu tô ligado que você me ama!”. E aí, eu confirmei. Assim, impulsivo, acidental. Maaaas isso não tem problema nenhum, também, né? Tem gente que também responde pra zoar e tudo o mais, certo? Não rolou nada demais daí.

Errado. Sabe por quê? Simples e somente porque o meu cérebro é idiota e, quando eu digo alguma coisa sem querer, costumo impor seriedade o suficiente para convencer até mesmo um presidente de que começar uma guerra mundial é uma ótima ideia que vai resolver todos os problemas do universo inteirinho. Sim, isso mesmo, até dos alienígenas que possam existir por aí, escondidos nos planetinhas frios e afastados da Terra.

Ok, exagero meu. De qualquer jeito, deu pra sacar a essência do negócio. E foi assim que foi.

A parte mais legal foi quando ele riu. Primeiro aqueles sorrisos de zombaria, como se realmente tudo fosse uma brincadeira. Depois de alguns segundos, acho que deu pra reparar que talvez não fosse só uma resposta e o indivíduo, que muito desejei esganar na hora, gargalhou da minha cara como se eu estivesse contando a piada mais genial desde o surgimento dos seres humanos. E só depois de todo esse processo e mais alguns minutos que o retardado se ligou com a minha quietude maior que o normal e, naquela fase em que a alegria vai desaparecendo num constrangimento confuso, perguntou entre uns risos quase mortos se “pera, tu tá falando sério?”.

Naquela hora, o silêncio respondeu por mim. E foi nele que nós dois de repente ficamos, um olhando pro outro, como se tentando decifrar a mente alheia com uma simples visualização facial. O jeito como não precisei dizer mais nada depois disso chegou a ser engraçado porque, depois de um tempo, ele só encolheu os ombros, desviou o olhar e bateu minha sentença.

“Ah, tu tá... É que, eu... Olha, tu sabe, é só amizade e tal...”

Nós não discutimos sobre. Eu não discuti sobre. Na hora, o atordoamento por conta da situação foi tão potente que a única coisa que conseguia pensar era por que diabos eu tinha dito algo do tipo e se a gente ainda ia se falar, se a relação que estávamos construindo ia continuar do mesmo jeito, se ainda íamos sair juntos ou qualquer coisa do tipo. O fato é que fiquei tão inerte em meus próprios pensamentos que, não sei se por motivos de ter destroçado com o clima por conta disso ou porque ele simplesmente achou que seria mais apropriado por ter “acabado comigo”, se despediu de qualquer jeito sem jeito e foi embora. Assim, sem mais nem menos.

E assim como aconteceu nesse dia, a morte do assunto e do contato foi se dando em loopings infinitos a cada vez que alguma conversa ameaçava surgir nas redes sociais. Por alguma razão, ele começou a fugir de mim desde então – e, particularmente, prefiro acreditar que tenha sido por julgar que dessa maneira seria melhor e mais fácil para mim. Querendo ou não, não faço questão alguma de quebrar toda a imagem que tinha - tenho - daquele cara.

É aquele papo, eu acho. Que seja bom enquanto dure. E foi ótimo. Pode não ter sido pra sempre por algum motivo de força maior, ou sei lá, mas sei que aqueles dias foram alguns dos melhores e mais divertidos que eu já tive em muitos anos. Descartar cada lembrança boa por conta do fim seria completa infantilidade minha, e mentira, pois não é o que meu coração quer afirmar.

...

Há muito tempo, uma vez, eu já ouvi que só acaba de verdade quando realmente tem um ponto final definitivo por pelo menos uma das partes. Ouvi isso ainda da minha avó, quando era criança. Foi um ensinamento disfarçado de comentário que guardo desde que me entendo por gente e pretendo fazê-lo para o resto da vida.

Sabe, eu odeio café.

Por ironia do destino, porém, o ritual diário que aprendi sobre prepará-lo à noite para tomar de manhã agora se repete numa descontrolada rotina automática.

E mesmo que tenha que aturar o gosto amargo descendo pela garganta, só para não rasgar dinheiro e energia comprando e preparando essa porcaria, excepcionalmente dessa vez eu fiz sorrindo.

Talvez vovó estivesse certa.

Afinal, hoje eu acordei com uma mensagem sobre pepinos no celular.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Café Amanhecido" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.