Os Três Mares: Águas da Aliança escrita por CaleidoscópioGold


Capítulo 4
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é um pouco maior, mas é o começo da trama que torna essa fic tão "especial", já que não toma o rumo que o começo da história parece mostrar :3

Aproveitem!



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Capítulo III - Rum, piratas e um plano

 Tortuga era uma colônia francesa temida por todos no mundo, pois era conhecida como “Paraíso dos piratas”. Lá os mais temíveis e repugnantes piratas podiam ser encontrados, vendendo mercadorias roubadas, pilhando, aproveitando suas noites em tavernas e bordéis ou simplesmente tentando matar uns aos outros em brigas sem sentido. Atravessar o oceano até lá não havia sido uma experiência agradável para Tessa, que, apesar de não se assustar facilmente, havia ficado horrorizada com os seus arredores no momento em que saiu do navio. Ela não acreditava que havia pago um preço tão absurdo para ir a um lugar tão hediondo.

— Aqui tem cheiro de rum, carne podre e fezes — Tessa fez uma careta, desviando o olhar de um homem bêbado caído no meio do porto.

— Mal entramos na cidade, Tess — Scar estava otimista, como sempre, e não parecia se importar com aquela mistura desgostosa de cheiros, ou com o fato de estarem prestes a entrarem em um ninho de piratas.

— Ainda podemos voltar se mudou de ideia — as duas seguiram pelo cais até se aproximarem mais de uma pequena rua que levava até as casas da cidade.

— Não, estou mais determinada ainda agora que estamos aqui!

Elas sabiam que vestidos longos não seriam bem vistos naquele lugar, mulheres que aparentavam serem ricas chamariam muita atenção, então optaram por sentirem-se mais confortáveis e se misturarem mais facilmente com roupas típicas de piratas. Tessa usava uma blusa de mangas longas azul escura que deixava grande parte de seu peitoral exposto, um espartilho preto com prendedores de ouro, uma calça preta com cinto de couro e fivela de bronze e botas também de couro com salto. Scarlett trajava uma blusa sem alças preta com um espartilho pequeno da cor vermelha sobre ela, sua calça era vinho e suas botas marrons e um chapéu negro cobria sua cabeça.

Conseguiram se misturar na multidão, seguindo por várias ruelas que davam em tavernas ou becos onde vários homens jaziam caídos de bêbados ou simplesmente mortos. Já era noite, então as únicas luzes que iluminavam as ruas vinham de casas ou de fogueiras feitas sobre barris de rum.

Tessa achou graça quando viu vários piratas tentando desesperadamente acabar com o fogo em um desses barris ao perceberem o que havia dentro, porém tentou não esboçar qualquer reação naquele lugar. Todos pareciam estupradores, criminosos e bucaneiros, e a maioria realmente era, a última coisa que ela queria era demonstrar fraqueza na frente deles.

— Sabe aonde estamos indo? — ela olhou para a loira, que andava um pouco mais a frente, confiante de que sabia o caminho por aquela cidade que nunca havia visitado antes.

— Precisamos encontrar alguém que possa nos vender um navio, depois vamos procurar uma tripulação — Scarlett avistou uma senhora jogando o lixo de sua casa na calçada e achou uma boa ideia pedir informação à ela. Aproximou-se, não parecendo perceber a leve irritação nos olhos da estranha. — Com licença, poderia nos informar o local onde podemos comprar um navio?

A senhora as analisou por alguns instantes e deu uma risada escandalosa, precisando segurar-se em sua porta para não cair no chão.

— Saiam daqui antes que se metam em encrenca, garotas, esse lugar não é para engomadinhas limpas como vocês — com isso, ela entrou novamente, ainda rindo.

— Não sei qual foi a piada — Scar virou-se para a irmã, que estava ainda mais irritada com a reação daquela mulher.

— Nós somos a piada, Scar! Somos garotas burguesas que acham que podem se tornar piratas, nunca seremos como esse tipo de gente.

— Ninguém precisa saber que somos burguesas. Vamos agir como piratas — Scar ajeitou o chapéu em sua cabeça. — Agora, vamos encontrar um navio.

Tessa massageou as têmporas, sentindo que havia sido um erro concordar com aquela ideia. Seguiu a irmã pelas ruas imundas até chegarem à um segundo porto onde outros vários navios estavam ancorados, a maioria não tendo nenhum marinheiro dentro.

Scarlett sabia que todos aqueles navios tinham dono e não pôde deixar de ficar admirada enquanto passava pelas grandes embarcações a procura de alguém que quisesse vendê-la uma. Ela avistou ao longe um enorme navio com seis mastros e cinco canhões de cada lado, suas velas eram brancas e pareciam nunca terem sentido um vendo que as fizessem carregar aquela paquete pelos mares. Ele era lindo, perfeito para ser mais exata, ela pensou.

— Quero aquele — Scar apontou para o Clipper ancorado na parte mais isolada do porto e Tessa arqueou uma sobrancelha questionadora.

— Como sabe que ele está a venda?

— Tudo aqui está a venda pelo preço certo. Piratas não recusam dinheiro.

— Ele é grande demais para você comandar. Não é como se já tivesse sido capitã de algum navio antes, não exagere.

— Não estou exagerando. Só quero um navio veloz o suficiente para me igualar aos piratas mais experientes, e com aquele número de velas seremos as mais velozes piratas dos mares — Scarlett sorriu para a irmã e correu até a embarcação, Tessa indo logo atrás para garantir que a mais nova não fizesse alguma bobagem.

Ao chegarem perto do navio, as duas viram um grupo de quatro homens sentados em barris, conversando e bebendo enquanto uma fraca luz de uma casa ao lado iluminava parcialmente seus rostos.

— Prostitutas não são autorizadas nesta parte do porto! — um deles gritou e os outros riram.

Tessa cerrou os punhos e quis acertar cada um deles após o comentário grosseiro. Compará-las à meretrizes era realmente o fundo do poço, ela queria voltar para casa, mas não antes de dar uma boa lição naqueles nojentos.

— Queremos comprar esse navio. Digam seu preço, cavalheiros — Scar apontou para o Clipper, parecendo ignorar o comentário do homem.

— Você sabe para o que está apontando, mulher? O que duas prostitutas vão querer fazer com um navio desses? — então olhou para o homem à sua direita que tomava um gole de seu rum — Aliás, nem com o pagamento de mil noites teriam ouro para comprá-lo! — bradou em alto tom de deboche, rindo como um porco.

Scarlet já estava perdendo o pouco de paciência que tinha, cada segundo que perdia com aqueles homens a separava de encontrar Philip e isso era inaceitável. Sua vontade era pular no pescoço do sujeito e furar-lhe os olhos com as unhas, tamanho era o atrevimento demonstrado, porém permaneceu com os pés firmes no chão e a cabeça erguida, pensando em uma forma de convencê-los a venderem o navio à elas.

Tessa também parecia demonstrar uma grande irritação com o ar de superioridade do marinheiro. Pensou por um instante e decidiu acabar com aquilo da forma mais civilizada possível, deixando seu lado de negociadora assumir o controle. Aprendera a lidar com esses tipos ao longo de sua temporada à frente dos patrimônios de seu pai, homens tão inseguros e obsoletos que a única estratégia era demonstrar uma falsa superioridade. Sua postura mudou para uma firme e altiva, seus olhos adquiriram uma frieza calculável enquanto sua voz tornou-se mais autoritária. Faria aquele idiota dobrar-se a sua vontade como um servo.

— O navio será nosso para fazermos o que bem entender. A única parte que lhe diz respeito é o ouro que nós iremos pagar por ele — então puxou o grande saco com as peças de ouro e balançou na frente de um dos homens, com um meio sorriso. — Pagamento a vista. Qualquer grande vendedor veria que minha oferta é irrecusável. O senhor é um grande vendedor, correto? Ou deixaria seu medo de negociar com uma mulher falar mais alto que sua cobiça por ouro?

Assim que terminou de falar, encarou cada homem que estava ao redor da mesa, vendo a perplexidade estampada em seus olhares. Ela sabia que o tinha encurralado, pois se não vendesse o navio, se passaria por um idiota e covarde na frente de todos, não jogaria seu orgulho no lixo nem que ela lhe pagasse para fazê-lo. O negócio já era dela.

Scar apenas fitava sua irmã com admiração e um sorriso de orelha a orelha nos lábios. Não sabia o quão profundas foram as mudanças provocadas em Tessa pelas responsabilidades e não imaginava que isso exigiria tal autocontrole. Desejava ser daquele jeito quando ficasse mais velha, madura, feroz e paciente.

— Eu jamais teria medo de mulheres! Sei reconhecer quando posso ganhar ouro facilmente, mesmo que venha de vocês. E eu pensava que mulheres eram todas iguais, que só eram boas quando de quatro na cama — olhou com malícia para Tessa, passando de seus seios até sua virilha. — Mas você tem um pouco mais do que sexo para me oferecer. Essa sua língua afiada chega a ser excitante, quase tanto quanto esse saco de moedas. Negócio fechado.

— Então leve-nos ao nosso navio, ou perderei a paciência que já não tenho e você não verá nem a cor deste dinheiro — encarando o homem à sua frente, Tessa pegou a garrafa que estava apoiada na mesa, dando um grande gole de rum sem desviar o olhar. Sua garganta queimava por dentro mas esse era um aviso de que não caíra na provocação de homem. Ia até o fim, sem intimidar-se. Conhecia a fraqueza dos que viviam para os negócios, e agora estava segura de que sua quantia de ouro poderia seduzir mais do que apenas a mais bela prostituta daquele inferno.

O homem apontou na direção do Clipper, como se dissesse para elas irem na frente, e as duas caminharam até o navio com ele não muito longe atrás.

— Vou admitir que ninguém aqui consegue pagar por este navio, só não velejamos com ele porque não podemos contratar uma tripulação decente — o homem disse, e Tessa era a única ouvindo, já que Scarlett olhava admirada para as enormes velas brancas nos mastros. — É preciso de pelo menos vinte homens para cuidarem de tudo, fora isso o maior dos problemas é a inveja que vão causar em outros piratas.

— Podemos lidar com isso — Tessa entregou a bolsa de moedas para o homem. — Já pode nos entregar o comprovante de que o navio é nosso.

O homem deu uma gargalhada repugnante, chamando a atenção de Scar, que voltou-se para a irmã.

— Até parece que eles tem isso aqui — a loira deu dois tapinhas no bordo do navio. — O que prova que ele é nosso é o fato de estarmos dentro dele. E, claro, uma tripulação comandada por nós.

O homem só riu mais alto ao ouvi-la mencionar uma tripulação e Tessa franziu o cenho. Já estava cansada daquela falta de respeito absurda e resolveu que não toleraria mais aquilo. Em um movimento rápido, ela segurou o braço do homem e o torceu para trás de suas cotas, fazendo-o cair no chão com uma rasteira e mantendo-o com o rosto pressionado contra o convés.

— Acha que minha irmã e eu não podemos ter uma tripulação? — ela vociferou, a risada do homem parando imediatamente e sendo substituída por um grunhido de dor.

— Não, não, milady! — agora sim, ela pensou. — É só que… Não existem capitãs piratas aqui… E nenhum homem aceitará fazer parte de uma tripulação comandada por uma.

— Veremos — Scar pôs a mão no ombro da irmã, como se dissesse para ela deixar o homem ir.

A morena o soltou e ele correu para fora do barco levando sua bolsa contendo as moedas de ouro.

— Agora temos um navio — Scar não poderia estar mais feliz. Ela não perdeu tempo e correu até o leme, que era grande e grosso, aquele navio certamente precisava ser guiado por alguém forte.

— E ele nos custou mais do que pensávamos. Não vamos conseguir contratar vinte homens para cuidarem de tantas velas, muito menos mais deles para cuidarem de outras tarefas no navio — Tessa subiu até onde o leme ficava e parou ao lado da irmã.

— Não precisamos contratar vinte homens, nem mais do que isso. O que precisamos é dos bucaneiros certos — Scar puxou o braço da irmã e a levou novamente para o convés, até a borda direita do navio. — Temos a noite toda para encontrar estas pessoas e a boa notícia é que existem milhares delas só naquela taverna.

A loira apontou na direção de uma casa de dois andares não muito longe de onde estavam. Havia música alta vindo do local e vários homens entravam e saiam de lá, uma vez ou outra com prostitutas, ou eram apenas jogados pela janela.

— Me lembre de novo por que estamos fazendo isso… — Tessa murmurou, entredentes, já pensando o quão estressante seria entrar naquele pedaço de esterco.

— Aventura! — Scar piscou para a mais velha e pulou para fora do navio, caindo de pé e totalmente equilibrada nas tábuas de madeira do porto.

Tessa foi pela rampa e se apressou para acompanhar a irmã, porém não antes de ordenar que o homem que lhe vendera o navio tomasse conta do mesmo até que elas voltassem, do contrário iria se arrepender amargamente.

Scarlett não esperou pela outra, olhando ao seu redor para o novo mundo em que estava entrando. Ela fazia aquilo por ele, nada mais a faria cruzar o oceano para se enfurnar naquele inferno grotesco. Conforme caminhava, se assustou ao ver dois homens quase caírem em cima de si e recuou para trás sem olhar por onde estava indo, consequentemente esbarrando em alguém.

— Perdão… — virou-se para ver em quem havia batido e deu de cara com um peitoral musculoso. Subiu os olhos e viu o homem à sua frente olhando-a como se ela fosse um filhote perdido em uma floresta.

Ele era alto e absurdamente forte, sua pele alva estava um pouco pouco suja. Sua cabeça era raspada e seus músculos definidos estavam totalmente a amostra, já que ele estava sem camisa. Sem demora, o homem misterioso sacou uma faca e a colocou perto do rosto de Scarlett, fazendo-a prender a respiração imediatamente.

— Olhe por onde anda, rameira — ele disse, sua voz perigosamente baixa.

Ela estava mesmo tão parecida com uma prostituta? Por que todos a confundiam com uma?! Quis retrucar, dizer que rameira era a bruxa que o trouxera ao mundo, estava tão enfurecida que nem considerou o fato de ele poder matá-la com um movimento de sua mão.

— Já chega, Kyle — uma voz surgiu atrás dela e a loira foi puxada para longe do homem que a ameaçava. — Não é desse jeito que falamos com uma dama.

A voz vinha de um homem quase da altura dela, o que era considerado baixo para homens, e tinha cabelos curtos negros, quase acinzentados. Suas roupas não eram novas e nem imundas como as que ela havia visto desde que chegara ali, ele parecia apenas um camponês normal. Não tinha mais do que quarenta e cinco anos a julgar por algumas rugas nas laterais de seus olhos.

— Mantenha suas putas longe de mim, Marco, não estou com humor para lidar com elas — Kyle lançou um olhar de irritação para Scar e andou para longe, deixando-a sozinha com o estranho.

— Peço perdão pelo meu colega, ele acabou de descobrir que a mulher o estava traindo — Marco explicou e a loira estranhou o leve sorriso no rosto dele.

— Nem imagino o que ele fez com o amante.

— Não precisa imaginar, é só olhar para cima — Marco apontou para o alto de uma casa e Scar sentiu vontade de vomitar.

Havia um homem preso no telhado por vários punhais pequenos e seu corpo estava encharcado de sangue.

— Scarlett! — ela se virou para a irmã, vendo Tessa correr em sua direção. — Não se afaste de mim assim novamente, entendeu?

— Desculpe, acho que me distraí.

— Quem é ele? — a mais velha indagou, segurando o braço da irmã e a puxando para que não ficasse tão perto do homem.

— Sou Marco Potter, milady. Ex-capitão da marinha da Inglaterra e atual pirata — ele fez uma leve reverência.

— Também somos da Inglaterra — Scar deu um sorriso simpático para o moreno, porém Tessa ainda não parecia confiar nele e interrompeu a irmã antes que ela pudesse dizer mais.

— Por que um oficial da marinha da Inglaterra se tornaria um pirata?

— Talvez pela mesma razão que fez duas nobres inglesas optarem por se unir ao mundo da pirataria — ele alternou olhares entre as duas. — Sua família é muito conhecida pela marinha, senhorita Talbot, infelizmente por muitos piratas também.

Tessa não escondeu a surpresa em seu rosto ao perceber que ele a havia reconhecido mesmo sem nunca tê-la realmente conhecido.

— Para dizer a verdade, deixei a marinha quando uma doença tirou a minha filha de mim. Não tive mais motivos para permanecer na Inglaterra e acabei me tornando um pirata — Marco saiu do caminho quando dois bêbados passaram brigando por eles, como se fosse a coisa mais normal do mundo. — No final das contas, acabei gostando dessa vida. Só não sei se vocês compartilharão da minha opinião.

— Já estamos nos acostumando — Scar deu uma risada nervosa, tentando convencer a si mesma daquilo.

— Fale por si mesma, mal posso esperar para conseguirmos uma tripulação para podermos sair desse ninho de abominações — Tessa bufou.

— Querem uma tripulação? — Marco pareceu surpreso quando Scar assentiu com a cabeça.

— Sabe onde podemos encontrar homens aptos para velejar um Clipper?

Marco levou uma das mãos até o queixo e pensou por um momento, franziu levemente o cenho e então sua expressão voltou a ser uma mais relaxada.

— Acho que tenho o que vocês precisam. Conheço um homem que sabe se guiar pelos mares sem nenhum mapa, apenas pelas estrelas, outro tão forte que já o vi partir um tronco grosso ao meio sem o menor esforço, um que é mestre em pilhagens…

— Seriam perfeitos! Pode nos levar até eles? — Scar perguntou, animada com a forma como ele mencionava os piratas.

— Poderia, mas não vou — ele deu uma risada e a loira ficou atônita. — Nenhum deles aceitaria entrar em uma tripulação comandada por uma mulher, a mente deles ainda é muito primitiva para aceitar o fato de que uma de vocês poderia ser uma boa capitã.

— Existiram piratas mulheres antes! — Scarlett exclamou, indignada. Quanto machismo existia naquela ilha afinal?

— Nenhuma delas foi capitã — Tessa falou antes que Marco pudesse responder. — Nosso plano já começou a dar errado no início.

— Não! — os dois se espantaram quando Scar gritou, seu semblante agora era sério. — Eu não vou desistir agora, não depois de todo o trabalho que tive para chegar até aqui! Estamos tão perto de realizarmos nossos sonhos, Tess, quer mesmo parar agora?

— Scarlett, não tem mais jeito — a morena segurou os ombros da irmã. — Ninguém vai aceitar trabalhar para nós, nem que paguemos todo o ouro do mundo!

— Na verdade tem um jeito — Marco interrompeu a discussão e deu um leve sorriso ao ver a esperança reacender-se nos olhos verdes de Scar. — Nunca vi alguém fazer algo do tipo, mas acho que pode dar certo.

Tessa parecia não querer confiar naquele homem, demonstrava isso no olhar suspeito que dava a ele sempre que abria a boca.

— O que tem em mente? — Scar afastou-se da irmã.

— Venham comigo.

***

— Não acredito que concordou com este absurdo!

— Pode parar de repetir isso? Já é a quarta vez desde que aceitei a proposta do senhor Potter — Scar removeu seu espartilho e sua blusa, ficando completamente nua, já que havia retirado suas calças antes.

Ela pegou as roupas que ele havia lhe dado, uma calça masculina mais larga com um cinto de fivela dourada, uma camisa que um dia fora branca e agora parecia mais escura e um casaco longo da cor vinho, que possuía botões dourados. Logo começou a vesti-las, percebendo que ficariam um pouco largas demais em seu corpo esbelto.

— Onde conseguiu essas roupas? — Tessa gritou para a porta, que separava o quarto da casa de Marco da sala.

— São de um homem que morreu na semana passada, não se joga esse tipo de coisa fora — o pirata conteve uma risada do outro lado e a morena fez uma careta de desgosto.

— Vamos lavá-las imediatamente — ela se virou para a loira para pegar as roupas e jogá-las dentro do mar se fosse possível, porém sua irmã já havia vestido quase todas as peças.

— Não temos tempo para isso, e piratas não se importam com roupas sujas — Scar sorriu, triunfante após colocar as botas masculinas que a deixavam um pouco mais alta.

— Nem lavam roupas — a voz de Marco foi ouvida e Tessa deu um soco na porta, ouvindo-o dar um leve gemido de dor por estar com a cabeça encostada na madeira.

— Se pensam que vou passar meses no mar sem lavar minhas roupas, estão muito enganados — ela percebeu que sua irmã estava tendo dificuldade para enrolar um pedaço longo de pano ao redor de seus seios e foi ajudá-la. — Eles não são tão grandes, mas não vai conseguir escondê-los se tocarem em você.

— Ninguém além do Philip vai tocar em mim — Scar ergueu os braços e deixou sua irmã enrolar seu torso.

— E já sabe como vai contar para ele que não é um homem.

— Primeiro vou ganhar a confiança e o respeito dele, depois vou contar que só fiz tudo aquilo para ficar ao lado do homem que amo. Até lá garanto que ele também ficará apaixonado por mim.

— Ele vai pensar que você é um homem, Scar, não pode achar que vai ser aceita só por se tornar uma amiga confiável desse pirata — Tessa terminou e se afastou para ver o resultado.

Os seios de sua irmã estavam mais pressionados contra seu corpo, dando a impressão de que seu peito era liso de longe. Se a tocassem, no entanto, saberiam que havia uma pequena elevação naquela área.

— Essa camisa é muito aberta, vai precisar ficar com o casaco fechado o tempo todo — a mais velha entregou a peça cor de vinho depois que a irmã colocou a camisa de mangas.

— Já terminaram? — Marco perguntou.

— Aye, marujo! — Scar respondeu e a porta se abriu. — Pareço um homem?

— Estas roupas certamente a fazem cheirar como um — Tess cruzou os braços, encarando-a de longe.

— Você está quase igual a um homem, senhorita Talbot. O único problema é o seu rosto — ele se aproximou da mais jovem e analisou o rosto delicado e feminino.

— Isso não posso mudar… — ela sussurrou, selando os lábios com força. Se soubessem que ela era uma mulher, nunca conseguiriam uma tripulação e seu sonho de velejar com Philip estaria arruinado.

— Deixe-me ver… Prenda seu cabelo e o segure firme — ela não entendeu como aquilo ajudaria, mas fez o que ele pediu, juntando suas mechas loiras e longas de seu cabelo liso e os prendendo atrás de sua cabeça.

Marco deu a volta e parou atrás dela, sacando uma faca de seu cinto e cortando o ponto abaixo de onde ela estava segurando em um movimento rápido. Scar prendeu a respiração ao sentir a lâmina passar de raspão por sua mão e quando soltou seu cabelo, o sentiu cair sobre seus ombros e não mais sobre suas costas. Tessa havia pensado em avançar naquele homem por ter aproximado uma arma de sua irmã, se conteve apenas ao ver o que ele havia feito.

— Podemos usar isto para fazer uma barba falsa, assim esconderemos seus traços femininos — Marco ergueu uma grande quantidade de fios loiros e os colocou sobre a mesa ao lado da janela. — Só precisamos de cola e uma tesoura.

— Por que está fazendo isso? — Tessa questionou enquanto Scarlett alisava seu novo corte em choque. — Por que está nos ajudando a enganar seus companheiros?

— Porque vocês tem cara de quem vão arrumar problemas, e eu estou entediado nessa ilha há quase um ano, preciso de uma aventura antes que resolva me matar ou matar alguém — Marco abriu algumas gavetas a procura de uma tesoura. — Esperava que ajudando vocês fosse garantir um lugar na tripulação desse Clipper.

Tessa olhou para Scar, que apenas deu de ombros e assentiu em seguida.

— Tudo bem, você vai estar na nossa tripulação. E se contar a alguém o segredo da minha irmã, farei questão de que essa seja a última coisa que você faça — a morena se colocou ao lado dele para ajudá-lo.

Depois de cortarem fios bem pequenos, eles o colocaram em um papel transparente juntamente com cola e conseguiram montar um bigode e uma barba perfeitos o suficiente para parecer que ela era um homem jovem, que ainda não tinha muitos pelos faciais. Tessa usou mais da cola para prendê-los no rosto de sua irmã e Scarlett teve certeza de que aquilo doeria muito para sair, provavelmente levaria sua pele junto, já que o grude era eficiente o bastante para colar

— E agora? — a loira colocou seu chapéu negro de capitã na cabeça e Tessa precisou admitir que ela estava quase irreconhecível.

— Se eu não a conhecesse desde que nasceu, Scar, diria que é um homem.

— Um homem um pouco delicado, mas um homem — Marco apontou para as mãos dela. — Vai precisar cortar essas unhas ou sujá-las um pouco mais.

— Cortar. Quanto mais sujeira eu puder evitar, melhor — a loira levou a mão à boca e começou a roer suas unhas. — Acham que vou conseguir uma tripulação?

— Vou convencer os rapazes de que você é um bom capitão e que pagará bem. Depois disso, é você quem vai precisar criar sua reputação — Marco andou até a janela e apontou para uma taverna não muito longe dali. — Me encontrem na Presa de Javali, vou precisar de um tempo para reunir todos os candidatos à tripulantes do seu navio.

— Estávamos indo para lá antes de encontrarmos o senhor — Scarlett sorriu e colocou sua espada nova, que Marco havia lhe dado, em seu cinto.

— Sem formalidades, por favor — o moreno pegou dois punhais e os entregou para Tessa. — Talvez precise disto.

Ela aceitou as armas e as colocou presas em cada lado de sua cintura. Era muito habilidosa com espadas e facas, essa era a parte de ser uma pirata que não a preocupava nem um pouco, já que sabia que seus anos de treinamento a tornavam uma profissional. Estava ansiosa para entrar em seu primeiro duelo de espadas contra algum maldito que ousasse desafiá-la.

— Vamos colocar sua ideia à prova, Marco, nos deseje sorte — Scar deixou o quarto antes que o homem pudesse realmente desejar-lhes boa sorte.

As duas andaram de volta à praça onde a taverna se encontrava, e parecia que as brigas do lado de dentro só pioraram. Cadeiras voavam pelas janelas, risadas e gritos escandalosos eram ouvidas, homens caíam pela janela do segundo andar, porém logo recobravam a consciência e voltavam para o lado de dentro. Aquilo era um caos completo.

— Damas primeiro — Scarlett brincou com a voz alterada para que ficasse mais grave.

— Não comece a fazer gracinhas — Tessa deu um leve sorriso e se preparou para entrar, quando um homem foi jogado com força em sua direção. Por sorte Scar conseguiu puxá-la a tempo e ele caiu de costas no chão, batendo a cabeça na madeira de forma brusca.

No mesmo instante em que olhou para o rosto do tal homem, a loira congelou. Era Philip, e ele continuava lindo como ela se lembrava, apesar de estar claramente alterado e rindo de algo que ela não entendeu bem o que era. Bater a cabeça com aquela força certamente havia tirado algo do lugar.

— Capitão! — as duas se voltaram para a porta, outro homem alto e pardo apareceu. Ele era forte, tinha ombros largos e seu rosto tinha traços marcantes, assim como algumas cicatrizes. Seu cabelo era castanho claro e seus olhos eram cor de mel, algo que se destacava em sua pele morena. — Tudo bem aí?

— Não se preocupa, Bard, estou ótimo! — Philip tentou se levantar e caiu novamente, desta vez com o traseiro no chão.

Tessa viu que um brutamontes vinha por trás de Bard, pronto para acertar-lhe uma cadeirada nas costas e sentiu um certo desespero pelo estranho.

— Se abaixe! — Bard demorou alguns segundos para entender, mas conseguiu se esquivar na hora certa e ainda desferiu um chute no queixo do seu atacante, fazendo-o cambalear para trás e cair sobre uma mesa.

— Obrigado, beleza — ele sorriu para a morena e piscou para ela, andando até Philip e o puxando para que ficasse de pé. — Vamos lá, o Hannibal tá precisando da gente.

— Por qual motivo ainda sou amigo dele mesmo? Aquele desgraçado só serve para me meter em brigas! — Philip murmurou conforme entrava na taverna.

— Ele não me reconheceu — Scarlett suspirou, aliviada.

— Naquele estado eu duvido que ele reconhecesse a própria mãe — Tessa ainda estava espantada com o chute que Bard havia dado no seu oponente, lá dentro deveria mesmo ser uma selva. — Fique por perto e não arrume confusão.

— Digo o mesmo a você, milady — Scar sorriu antes de entrar no local, esquivando-se para o lado quando uma garrafa passou de raspão por sua cabeça e acertou a parede.

Assim que olharam em volta, as duas pensaram em saírem imediatamente. A ilha podre e fedida não era nada comparada àquele lugar. Não havia um espaço em que não houvessem pessoas tentando matar umas as outras, bebendo até desmaiarem e até fazendo sexo com alguma prostituta em lugares aleatórios. Aquilo era o cúmulo da asquerosidade, não era normal que algum ser humano gostasse de estar ali.

— Bem-vinda ao seu novo mundo, irmã — Tessa deu dois tapinhas nas costas da mais nova e empurrou um bêbado, que tentou se aproximar por trás, para o lado.

Scarlett mordeu o lábio inferior e deu alguns passos para trás, afastando-se da multidão, de repente insegura se deveria mesmo estar ali. Assim que suas costas tocaram a parede, ela viu alguém ser empurrado violentamente em sua direção e o segurou antes que ele a esmagasse. Quando o pirata olhou para ela, seus olhos azuis encontraram os verdes e, mais uma vez, a loira ficou estática em seu lugar.

Era Hannibal, o mesmo pirata que havia saqueado o navio do ex-noivo de sua irmã com Philip. Ele estava bêbado, mal conseguia ficar de pé, porém parecia tentar ao máximo enquanto se apoiava nela com uma das mãos e na parede com a outra.

— Você está bem? — ela se ouviu perguntando, quase que automaticamente. Apesar de não gostar dele e achar que merecia a surra que provavelmente estava levando, não conseguiu evitar uma pitada de preocupação.

Ele se esforçou para estreitar sua coluna e olhou para baixo, ficando cara a cara com ela. Depois de alguns segundo encarando o rosto da jovem mulher, disfarçada de homem, Hannibal franziu o cenho e deu um passo para trás, em seguida arregalando os olhos.

Scarlett engoliu seco.

— Mas que merda você tá fazendo aqui? — ele disse com a voz meio arrastada. Aquelas sete palavras foram o suficiente para o coração dela parar de bater por um instante.

Antes que ela pudesse responder, no entanto, ele foi jogado no chão e começou a trocar socos com um sujeito gordo e mais velho. O desespero dela mal havia passado quando eles começaram a se afastar e ela sentiu sua respiração voltar ao normal.

Tessa puxou o braço da irmã quando viu a cena e Scarlett lhe lançou um olhar aflito.

— O que aconteceu?

A mais nova chegou a formular uma resposta em sua mente, mas estava sem fala.

Hannibal a havia reconhecido. Ele sabia.


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Notas finais do capítulo

Yep, Scar vai fingir ser um homem, estilo Mulan (minha princesa da Disney favorita da vida *-*).

Obrigada por ler, até o próximo capítulo!