As 7 Notas da Vida escrita por Mandy


Capítulo 6
Capítulo 6




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Os últimos meses de Ana no instituto estavam chegando ao fim, mais um mês e enfim ela partiria de volta à Londres. Tudo o que ela precisava fazer para concluir o ano era preparar uma apresentação em seu piano aos professores, diretores, alunos e quem quisesse aparecer e assistir. E lá estava ela na sala com um enorme piano de calda tocando sem parar. Bia desta vez não estava a fazendo companhia, todos os alunos daquele instituto estavam tensos preparando alguma performance para apresentar, em todo lugar havia alguém ensaiando. Ana nunca viu algo parecido, tantas músicas sendo tocadas ao mesmo tempo e todos aqueles 10% que Ana classificara como "os sem interesse", também estavam focados em preparar uma boa apresentação no fim do ano.

Danny, ao prever que Ana estaria na sala de sempre, abriu a porta com cautela sem que a garota percebesse. Ele ajeitou a guitarra em seu ombro e caminhou até o canto da sala, onde Bia sempre ficava enquanto a amiga estava ao piano, e ficou parado de pé observando os movimentos da pianista. Ana tocava Clair de Lune do compositor francês Claude Debussy ao piano e seu corpo dançava conforme a cada nota pressionada. Era uma música calma, mas uma música que atingia a garota de forma que a fizesse sentir o peso das teclas em si mesma como se ao mesmo tempo em que sentia-se relaxada, também tivesse que passar pela dor seja ela qual for. O guitarrista cruzou os braços e recostou sobre um pilar que havia na sala, ele sorria achando graça das expressões que Ana fazia. Seus olhos estavam fechados e toda a vez que tocava as notas mais agudas, ela franzia o cenho e deixava seu corpo ir para frente como se precisasse sentir mais e mais as teclas tocadas por ela. 

Desde a noite em que os dois passaram juntos durante o festival de fogos, as coisas mudaram entre eles. Ana não considerava que seriam amigos, mas vez e outra gostava de conversar ou discutir sobre música com o garoto quando ele ouvia os clássicos dela e ela ouvia os rock's dele. Ana, porém, recusava-se a admitir que algumas músicas que ela ouvira teria mudado o conceito sobre "apenas ser barulho". Houve letras que e a tocou profundamente, algumas ela podia jurar que descrevia sua vida ou os problemas a que havia enfrentado.

Quando Ana termina de tocar, antes de abrir os olhos, sorri brevemente dando toda a atenção à última nota longa e grave soando pela sala. Num suspiro fraco, abre os olhos lentamente e pousa suas mãos em seu colo sentindo-as tremerem sem força alguma. A quanto tempo estive praticando?, ela questiona a si mesma antes de seus pensamentos serem interrompidos ao ouvir, do fundo da sala, palmas se aproximarem. A pianista olha por cima do ombro a tempo de ver Danny caminhar em sua direção com a guitarra em suas costas, ela revira os olhos e sorri.

— Uma bela música. – Ele replica ao pegar as partituras em cima do piano – Triste, na minha opinião.

— Não é triste... eu considero como algo inspirador.

Danny, com um olhar sugestivo, esperou com que Ana explicasse a ele mais uma de suas histórias sobre algum compositor ou música clássica. Desde o trato feito por eles de um ouvir a música do outro, para que Danny compreendesse o sentido da música clássica, Ana o explicava a história de cada uma que ele ouvia sobre como a composição surgiu ou o por quê dela existir. O guitarrista gostava de ouvi-la relatar sobre cada música, toda vez que ela começava a falar, era nítida a excitação que ela tinha em compartilhar com alguém algo de que gostava, mesmo que fosse para explicar a razão de ela ser fascinada por música clássica.

— Claude Debussy é um dos meus compositores favoritos. – Ela menciona – Quando ele começou a tocar piano, não viam nenhum potencial nele, tanto que o rejeitaram ao querer entrar em um conservatório em Paris. 

Danny, ouvindo-a atentamente, sentou-se ao lado da garota. No mesmo banco a que ela estava e, enquanto ela continuava a narrar sobre Claude Debussy, Danny passava seus dedos pelas teclas brancas e pretas do piano.

— Na época em que esta música, Clair de Lune, foi apresentada, Debussy teve câncer e soube que sua vida estava prestes a ter um fim. – Ana continuava a contar, ignorando o fato de estar lado a lado com o guitarrista. – Ele ainda viveu mais alguns anos, mas não muito. Acreditam que sua inspiração para compor essa música veio de um momento de solidão, até que ele olha para o céu – Ana olha para cima como se fosse o próprio Debussy; Danny ao ver, sorri segurando-se para não rir – e percebe a enorme Lua que iluminava Paris, não apenas a capital... mas também seu momento solitário. 

— E então surgiu o nome "Clair de Lune", certo? – Danny inferiu.

Ana o olha com melancolia da recente história e afirma em aceno à dedução do guitarrista. Já perdera a conta de quantas vezes nesses últimos cinco meses passara partes do seu tempo contando a Danny sobre o que sabia em relação à música clássica e como ela devia ser mais valorizada. Assim como Danny gostava, ou pelo menos não via problema algum em dar ouvidos à garota, Ana também gostava de contar a ele sobre esses relatos... era como contar história a uma criança para que ela conseguisse dormir. 

Danny pressiona a última nota do piano:

— É o que vai tocar na sua apresentação?

— Sim. Estou a dias praticando. – Ana responde pousando sua mão esquerda nas teclas, mas sem pressioná-las. – E você?

Danny dá de ombros e toca alguma melodia que Ana não conhecia sob o instrumento, ela o acompanha com os olhos.

— Vou tocar e cantar uma música minha. Acredite, tive uma grande inspiração, acho que vai gostar, apesar de não pertencer aos seus estilos. – Danny diz com um sorriso suspeito no rosto.

• • •

Na tarde seguinte, Ana e Bia andavam pelos corredores do instituto com livros e pastas com partituras nas mãos. Faltava apenas uma semana para o grande dia esperado por todos naquele lugar: o dia das apresentações. Ana tinha que admitir, estava nervosa e seu coração acelerava só de imaginar o número de pessoas estariam assistindo sua perfomance ao piano, Bia sentia o mesmo pavor, mas estava confiante. A ruiva iria tocar ao violino uma das músicas favoritas de Ana, Song From A Secret Garden, uma música de arrepiar o corpo inteiro de quem a ouvisse; vez e outra Ana a ajudava a praticar num dueto quando a parceira de Bia não podia, ela precisava de um pianista como acompanhamento.

Quando as duas estavam chegando ao hall do instituto que dava vista para o enorme pátio, viram Danny, Ben e outros alunos ao redor dos garotos assistirem a mais um dos showzinhos que o guitarrista dava. Ele tocava em seu violão e cantava animado à pequena platéia a sua frente, Ana ao reparar na forma que Danny agia em frente a um público, sentiu inveja por ele demonstrar tanta calma enquanto ela sentia seu corpo todo tremer só de pensar numa multidão dando ouvidos a ela. Bia, que contava alguma história sobre como a pianista dela sempre a deixava na mão nos ensaios, percebeu que falava sozinha ao virar o rosto para a amiga ao seu lado; seguiu o olhar fixo dela e fez um sinal de negação em seguida de um suspiro pesado.

— Eu não entendo. – Bia reclama e fica de frente para Ana, impedindo sua passagem.

— O que não entende?

— Até um tempo atrás você não suportava ouvir o nome "Danny Jones" e agora, de repente, tornam-se amigos? – Bia cruza os braços demonstrando irritação. 

— Não somos amigos! – Ana enfatiza – Nós só conversamos de vez em quando sobre música, nada de mais. 

— Conversam sobre música? – Bia ri irônica – Não caia nas tentações dele, Ana! 

Quando Ana ouviu o que não esperava da amiga, não soube decifrar o que sentiu, algo como indignação numa mistura de raiva e vergonha.

— Bia, quem você pensa que eu sou? – Ana aponta para si mesma chateada – Tudo bem que a minha relação com o Matt não está sendo uma das melhores, mas...

— Ana, não quis dizer isso.

— Não quer dizer que no exato momento em que eu discutir com ele, de novo, eu vou correr para os braços de outro! 

Bia ficou em silêncio sem saber o que dizer ou o que fazer. Ana apertou os livros sobre o corpo e deu meia-volta para voltar aos corredores do instituto, a amiga sabia para onde ela iria, mas antes que pudesse decidir se a seguiria ou não, seus pensamentos são interrompidos e ela fecha os olhos, contando até dez para acalmar-se.

— Vejo que a conversa foi boa – Ben falou, irônico – Intensa.

Bia vira-se para o garoto que sorria feito um maroto. Danny ainda estava no meio da aglomeração, tocando e cantando a todo som como se nada pudesse derrubá-lo. 

— Dia ruim? – O garoto pergunta ao ver o olhar fulminante da ruiva a sua frente.

— Ruim vai ficar para o seu amigo!

Ben sem entender nada, apenas segue a garota que caminha em passos fortes em direção ao guitarrista. Bia, ignorando os xingamentos e reclamações ao esbarrar-se com o pequeno público ao redor de Danny, para em frente ao garoto com os braços cruzados, este mira a garota dos pés à cabeça e para de tocar ao violão esperando qualquer reação de Bia. Ele sabia que era odiado por ela, a garota fazia questão de esclarecer sua repulsa por ele.

— Seja lá o que você quer com a Ana, deixe-a! – Bia intimou.

Danny colocou seu violão no case e cruzou os braços:

— Não sabia que era babá dela. – Ele diz sem importar-se com as pessoas em volta – O que acha que quero dela? 

— Não seja idiota! Não deixarei que faça com ela a mesma coisa que vocês – Ela aponta para Ben – tentaram fazer comigo. Aliás, não só comigo, mas com várias outras garotas do instituto.

No momento em que Bia termina de falar, todas as meninas que estavam ao redor assistindo à discussão, agora mostram-se indignadas e nervosas aos dois amigos que sentiram o perigo subir à espinha deles. Danny num movimento rápido, coloca o violão em suas costas e puxa Bia pelo braço até um lugar mais reservado. 

Ben engole a seco quando é deixado sozinho com todos os olhares letais em cima dele.

— Olha aqui – Danny sussurrou impaciente – Eu não planejo fazer nada a ela. Não mais.

— "Não mais"? O que quer dizer com isso?

— Eu tinha sim desafiado com Ben que teria alguma chance com ela, mas nesse tempo todo em que a gente têm conversado... não quero simplesmente cumprir um desafio.

Bia o olha desconfiada. – Ela namora. Você sabe disso.

— E eu ligo para isso? O tal Matthew é um babaca! – Ele replica e faz uma pausa – Não precisa protege-la ou seja lá o que está fazendo, o ano está acabando não é? Daqui a uma semana todos voltam de onde vieram e fim, cada um segue o seu rumo e sabe-se lá quando vamos nos encontrar novamente. 

Agora os dois estavam em silêncio. Bia não havia pensado neste ponto ainda, esteve tão ocupada com ensaios que nem se quer percebera que a pouco tempo teria que separar-se da amiga. Ela ainda continuaria um tempo em Cleveland, mas a amiga iria voltar para Londres, não sabia se iria suportar a distância. Bia havia acostumado-se a todos os dias conversar e a conviver com Ana, mesmo sendo uma amizade de pouco tempo.

— Agora, se não se importa, tenho uma música para ensaiar. – Danny anunciou de repente. Ele não queria demonstrar, mas estava visivelmente abalado com o fato de que tudo iria mudar em pouco tempo. Aquele conservatório faria falta a ele. 

    • • •

Ana estava sentada sob o banco do piano apenas olhando, pensativa, o enorme instrumento a sua frente. Suas mãos apenas encostadas sobre as pesadas teclas sem fazer som algum, um silêncio confortante recaia sobre a sala de prática. Ana suspirou ao lembrar-se mais uma vez das palavras de Bia, por mais que ela soubesse que a garota não tinha dito nada de tão grave... o que havia afetado a pianista fora a insinuação ou a ideia de que ela iria "cair nas tentações" de Danny, de acordo com as palavras de Bia. Matthew Stanford era um idiota e ela sabia muito bem disso. Ana já passou noites chorando de frustração por causa de Matt e seu fraco temperamento, mas não era motivo para que ela fosse buscar consolo em outro... ela não faria isso.

Ana pressiona uma tecla grave:

— Como se eu fosse fazer algo com Danny! – disse num sussurro.

A pianista olhou para seu celular dentro de sua bolsa aberta, respirou fundo e o pegou. Fazia tempo que não conversavam, mais um pouco e esqueceria de como era sua voz. Após quatro demoradas chamadas, ela o ouve:

— Ana? 

— Matt... quanto tempo, não é? – ela fecha os olhos, sentindo-se nervosa como se fosse a primeira vez a interagir com o jogador.

Enquanto isso em Londres. Matthew, com o celular em seu ouvido, olha em direção ao banheiro. Ele está em seu quarto usando apenas uma calça moletom que costuma a usar em suas corridas matinais, seu peito está ofegante e seu coração fora de ritmo. Matt passa a língua entre os lábios e fala num tom baixo, como se estivesse sussurrando:

— Pensei que tivesse esquecido de mim – ele coça sua nuca e olha novamente para a porta fechada do banheiro – Está tudo bem?

— Na medida do possível. Semana que vem tenho uma apresentação e tenho que admitir, estou nervosa. – ela comenta tentando parecer empolgada.

— Sabe que é a melhor! Não fique nervosa, acabe com esses americanos! 

Matthew sorri do outro lado ao ouvir a risada da namorada. Ele sente seu peito apertar-se ao mesmo tempo em que sente-se feliz por ouví-la.

— ...Matt? – Ana faz uma pausa; e após ouvir um murmuro, ela torna a falar. – Sabe que gosto de você, não é? 

Matthew olha para seus pés descalços e fecha os olhos – Eu também gosto de você, Ana. Volte logo, por favor... – Ele diz tão baixo que sua voz é quase inaudível. 

Ana sorri abertamente sentindo-se relaxada. A garota quando abre a boca para falar mais alguma coisa, a mão que está sobre as teclas do piano as pressiona quando ouve alguém abrir a porta da sala. O alto som do instrumento não só assustou quem estava entrando, como também assustou a Matthew que precisou afastar o celular do seu ouvido.

— O que foi isso? – Ele pergunta. 

— Desculpe, eu... sem querer esbarrei no piano. – Ana diz vendo o guitarrista aproximar-se. – Matt, preciso desligar, minha aula vai começar. 

Danny a olha sorrindo sorrateiro quando ela desliga o celular e o coloca sobre o colo.

 

Matthew olha fixamente para a tela de início do celular, uma foto de Ana ao piano que ele tirara enquanto ela tocava. Sua atenção é desviada para a porta do banheiro abrindo-se, seu coração batendo tão rápido quanto das vezes em que ele saia para correr.


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