Wherever I go escrita por Luna Lovegood


Capítulo 2
Capítulo 2 - É só ilusão


Notas iniciais do capítulo

Hey!
Obrigada pelos lindos comentários e pelos favoritos também! Como eu disse essa fic é curtinha com quatro capítulos, e inspirada na música aonde quer que eu vá do Paralamas, para quem quiser ouvir: https://youtu.be/oC7KYC-OaIA

Eu espero que curtam esse capítulo. Beijos!



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Não sei bem certo

Se é só ilusão

Se é você já perto

Se é intuição

E aonde quer que eu vá

Levo você no olhar

Aonde quer que eu vá  

Aonde quer que eu vá

 

Felicity Smoak

É estranho o quanto um único momento pode mudar toda uma vida, ou nesse caso várias delas. Você se atrasa um minuto a mais porque estava abraçando alguém mais apertado, e perde um ônibus ou um voo importante e todo o seu caminho precisa ser refeito. Ou quando você vira ao acaso na rua errada e de repente esbarra, mesmo sem saber, naquele que será o amor da sua vida, bem na próxima esquina. Quando se esquece do guarda chuva em casa e cai uma tempestade, e aquele vizinho com a cara fechada com quem você nunca trocou mais do que um cordial bom dia te oferece uma carona debaixo do guarda-chuva dele, e você acaba descobrindo que ele é alguém doce. Ou ainda quando você deixa o portão da casa aberto e seu cachorro foge para nunca mais voltar.

Você poderia conhecer alguém novo hoje, ou poderia perder alguém que ama amanhã. Com uma simples decisão, aqueles dois minutos que você perde porque voltou para verificar se a porta estava mesmo trancada, o eu te amo que você deixou de dizer para aquela pessoa especial só porque na hora estava com muita raiva. Cada momento tem importância, uma palavra não dita, um sentimento sufocado, um caminho não tomado e de repente nada mais é o mesmo. São pequenos desvios que podem causar grandes mudanças em todo o trajeto de uma vida.

Ou de várias.

Como, por exemplo, um sinal de trânsito parar de funcionar por cinco segundos, e por causa desses cinco segundos um carro atravessa a avenida chocando-se com um ônibus que vinha na outra direção. Nesse carro há um homem que jamais chegará a igreja para o seu casamento, não verá sua filha nascer dali sete meses ou ainda acompanhará o crescimento dela e perderá momentos precisos que jamais poderão ser recuperados.

Esse mesmo homem passará cinco longos anos em uma cama de hospital, sem abrir seus olhos, sem saber o quanto perdeu da vida enquanto eles estavam fechados.

Esse homem é meu noivo. Mas poderia ser o noivo de outra pessoa, um marido, um filho, o irmão ou um pai. Poderia ser alguém importante para um outro alguém, e de repente por causa de cinco segundos, a vida de todas essas pessoas seria virada de cabeça para baixo, assim como a minha foi. Nada mais será como costumava ser, e tudo o que podemos fazer é abraçar a nova realidade.

Tudo mudou por causa de cinco segundos.

Antes eu era apenas uma noiva em seu vestido branco rendado, ansiosa para entrar na igreja e encontrar aquele cujo olhar fazia meu coração bater mais rápido dentro do peito. Eu estava pronta para me jogar naquele amor e vivê-lo como merecia ser vivido. Nós dois estávamos prontos para começar aquele futuro que parecia tão belo. Éramos jovens, apaixonados e ansiosos por viver e sentir. Tínhamos mais do que simples planos, nós tínhamos sonhos e esses sonhos alimentavam nossos sorrisos e aquecia o nosso coração. Mas de repente, em cinco segundos tudo se desvaneceu, nossos sonhos se foram como se fossem tão frágeis quanto uma folha de papel que é jogada na água e aos poucos se desfaz, nossos sonhos eram feitos de uma ilusão cuja realidade já não nos permitia mais sustentar.

— Você se lembra da última coisa que disse a mim? - Eu perguntei a Oliver num sussurro, mesmo sabendo que ele não iria me responder. - Eu me lembro, eu me lembro das suas últimas palavras com perfeição, eu me lembro dos meus últimos momentos com você, como se fossem tão recentes e ao mesmo tempo tão irreais quanto um sonho. - fechei meus olhos e deixei que as lembranças felizes colocassem um sorriso triste em meus lábios, dedilhei meus dedos por sobre o local onde estava seu coração me concentrando no fato de que ele ainda batia, era uma batida mecânica, fraca, apenas o eco do que um dia foi, mas era tudo o que eu tinha. - Eu me lembro de tudo naquele dia...

“Eu alisava a saia do vestido de noiva sentindo prazer ao deslizar os dedos pela renda suave e preenchida por pequenas contas enquanto encarava maravilhada a minha visão em frente ao espelho de corpo inteiro. Eu não conseguia parar de sorrir para o meu reflexo, e não era porque eu era uma dessas pessoas vaidosas que simplesmente amavam a visão de si mesmas.

Era porque eu estava imensamente feliz.

Desci as mãos as pousando sobre a barriga, eu estava com apenas sete semanas e não havia protuberância ali, eu não mostrava nenhum sinal de que estava grávida. Mas eu sabia que havia um pedacinho de mim e de Oliver crescendo, uma pequena vida que amaríamos com tudo de nós e isso era o suficiente para me deixar com o maior sorriso do mundo.

— Eu acho que estamos prontos. - falei olhando para baixo e apertando os dedos sobre a barriga, sentindo um frio de excitação para o próximo passo que daríamos.

— Na verdade ainda temos alguns minutos. - Segui a voz encarando um Oliver com um sorriso de adoração no rosto enquanto parecia displicente encostado ao batente da porta.

— Oh, merda! Feche seus olhos agora, Oliver Queen! Sabe que dá azar ver a noiva antes da cerimônia. - ele apenas riu de um jeito charmoso, enquanto eu corria e me escondia atrás da cortina usando o tecido para cobrir o que dava do vestido - Como conseguiu passar pela minha mãe e a sua? E o que faz aqui? - Perguntei alarmada, um pensamento ruim passando pela minha mente - Por que está aqui, Oliver? Está repensando o casamento...

— Nunca. - Oliver parou de rir e interrompeu meu pequeno momento de insegurança com uma certeza tão grande que teve o pode de me acalmar imediatamente. - Eu só queria te ver. -  disse simplório - Ok, me desculpe por não conseguir tirar meus olhos de você tão linda em seu vestido de noiva, não pude evitar, você puxa meus olhos à você, é mais forte do que eu. - eu sorri deixando me levar por suas palavras doces, só então me lembrando de que não deveria ser condescendente.

— Você deveria ter batido à porta.

— Eu diria que faria isso da próxima vez, mas essa é a única vez que pretendo me casar então... - Oh, por que ele tinha que ser tão charmoso?

— Tudo bem, você não viu muito, viu? - mordi o lábio inferior, nervosa.

— Foi bem rápido e eu me concentrei no sorriso estonteante que minha noiva tinha nos lábios, eu tenho certeza que não vai contar como azar... - falou mais brando dando passos e chegando um pouco mais perto, ele me conhecia tão bem, sabia que eu não estava mais chateada com ele por quebrar uma tradição. - Eu só queria te entregar seu presente de casamento antes da cerimônia. - suspirei com toda a doçura dele, como eu poderia ficar zangada quando Oliver Queen era a pessoa que me fazia sempre sorrir?

— Deixe aí. - indiquei a mesinha ao centro da sala.

— Eu preciso estar perto de você para isso funcionar, não posso apenas deixar o presente aqui, aliás não há como deixá-lo aqui, eu tenho que explicar à você. - disse sendo misterioso demais, sabendo que aguçaria a minha curiosidade.

— Eu não vou deixar que veja meu vestido, Oliver Queen. - bati o pé, puxando a cortina até o pescoço - Dá azar, você pode me dar seu presente depois que estivermos casados. - Ele balançou a cabeça.

— Como desejar, Felicity Smoak! Em breve Felicity Queen - um arrepio de excitação percorreu o meu corpo. - Mas vai chegar perto de mim se eu prometer fechar meus olhos? - ele encontrou um meio termo se negando a desistir.

— Sim, mas feche-os agora e não trapaceie. - eu me desvencilhei das cortinas assim que vi seus olhos fechados, parei em frente a ele me permitindo um minuto para sorrir, ao ver o quão bonito ele estava trajando seu terno escuro de corte impecável, e com uma pequena rosa branca na lapela que lhe dava um ar muito mais suave.

— Vire-se de costas para mim. - Oliver pediu, me fazendo franzir o cenho, como ele poderia saber que eu estava a sua frente se seus olhos estavam fechados? - Eu posso sentir seu cheiro doce, e o calor do seu corpo perto de mim, amor. - respondeu a minha pergunta não feita.

Fiz o que Oliver me pediu, me colocando de costas. Senti seus braços me abraçando por trás enquanto seu queixo repousando tranquilamente sobre meu ombro, o nariz inspirando profundamente meu cheiro enquanto os lábios roçavam o meu rosto. Me permiti me aconchegar ao seu corpo com a naturalidade de sempre.

— Posso abrir meus olhos se prometer me esforçar muito e não olhar para você? - perguntou num sopro.

— Sim.

— Esse é o seu presente de casamento. - Oliver ergueu uma foto em uma de suas mãos, mostrando-a para mim, peguei a fotografia a encarando com curiosidade.

— É uma parede em branco. - eu disse sem compreender.

— Não seja limitada, Felicity. - ele repreendeu docemente - Não é qualquer parede em branco, olhe mais de perto, perceba os detalhes.

Oliver tinha a visão e a alma de um artista. Eu amava isso nele, o modo apaixonado de ver a vida e as coisas, ou como ele sempre conseguia enxergar além do óbvio. Já eu, era uma garota de fatos e racionalidade, eu nem sempre tinha a sensibilidade dele, mas ele me ensinava cada dia um pouco mais a ver o mundo através de seus olhos sensíveis.

E era lindo.

Era como ver o mundo pela primeira vez, sempre aprendendo algo novo sobre ele, sempre vendo a essência das coisas e não apenas o seu exterior. Oliver me fazia ver beleza até mesmo onde parecia não haver.

— Essa parede fica na casa que compramos, na sala de estar. - especifiquei. Oliver assentiu mecanicamente, e eu sabia que ele queria algo mais significativo. - É a nossa parede. - falei, me sentindo excitada por saber que em breve seríamos um “nós”.

— Melhor.

— Então, está me dando uma parede da nossa casa como presente de casamento? - eu podia sentir os lábios dele se abrindo num sorriso, seu corpo se sacudindo enquanto ele prendia o riso - Eu pensei que o que era seu era meu e vice versa, você não pode me dar algo que já me pertence.

— Tudo o que eu tenho, tudo o que sou, cada parte de mim te pertence, amor. - sussurrou, suas mãos se posicionando de um jeito terno sobre o meu ventre como se dissesse a mim que não havia prova maior disso do que a pequena vida que fizemos juntos. - Mas eu não estou te dando apenas a nossa parede. Veja além, o que tem de especial nessa parede branca?

— Ela é nossa.

— E o que mais?

— Hum... Ela é branca. - ele riu me deixando aborrecida por ser uma péssima aluna - Quero dizer, não tem nada nela, você está dizendo que podemos fazer o que quiser com ela? - tentei.

— Ela é uma tela em branco, amor - explicou com calma, seus lábios fazendo uma pausa entre as frases para colocar pequenos beijos na linha do meu maxilar - Nós vamos pintar nosso futuro juntos, com as cores e desenhos que quisermos, eu, você e nosso bebê. - coloquei minhas mãos sobre as dele, sentindo a mesma emoção que ele sentia - Esse é o presente que ofereço a você. Está preparada para isso? Para me ter sempre ao seu lado e juntos preenchermos a tela em branco que é o nosso futuro com coisas belas? - Eu apenas assenti, me girando em seus braços, meus lábios tocando os dele num beijo feito puramente de amor.”

A voz de Oliver flutuou em meus ouvidos com perfeição e meu coração inflou, como se eu ainda estivesse vivendo aquele momento cheio de expectativas e ansiedade. O momento em que Oliver e eu estávamos mais sonhadores e felizes, nós estávamos prontos. Mas assim que abri meus olhos e fitei os de Oliver, ainda fechados aquele aperto dentro do peito voltou, a tristeza não era apenas minha, era a dele também. Tristeza por todos os planos e sonhos que ele tinha para si mesmo, para nós e a família que começávamos.

Tristeza pelo futuro que rapidamente se transformou em passado e que ele não pode viver.

O agora que a cada segundo que passava ele perdia um pouco mais.

E o futuro, que parecia cada vez mais impossível de viver.

— Nós nunca chegamos a pintar essa tela juntos. - me referi ao nosso futuro, mas também a parede em si, que continuava branca e intocada na nossa casa, esperando por ele, esperando pelo nós  que não tivemos a chance de ser.

— Mamãe! - A voz infantil e alegre quebrou o silêncio trazendo um pouco de alegria para aquele lugar tão cheio de tristeza. Eu me ergui da cama, sequei meus olhos rapidamente e sorri para a pequena criança que entrava pela porta acompanhada de Thea e vinha correndo em minha direção.

Era apenas por ela que eu ainda sorria, era por ela que eu continuava a suportar mais um dia sem Oliver. Apesar da dor de não tê-lo ser latente e quase insuportável, sempre que eu estava com a nossa filha, um pouquinho dessa dor era amenizada, meu amor por ela aliviava a dor e me lembrava de que ainda havia algo bom nesse mundo, que Oliver havia me deixado algo bom. O sorriso dela, sempre feliz me dava esperanças de que um dia tudo ficaria bem, e os olhos... Ah, os olhos tão azuis e sinceros quanto os do pai faziam meu coração se encher do mais puro amor sempre que eu olhava neles. Porque Oliver havia ido, mas não completamente, não sem levar uma parte de mim com ele, e definitivamente, não sem deixar um pedacinho seu comigo.

— Oi, minha pequena! - eu disse enquanto me abaixava no chão para abraçá-la apertado. Colei meu nariz em seu cabelo sentindo o cheirinho único que a minha filha tinha.

 - Mamãe, por que você sempre me abraça tão forte? - Ela perguntou em sua voz de criança sempre tão curiosa, suavizei o aperto e levei uma das mãos ao seu rostinho redondo, olhei em seus olhos sentindo aquele misto de amor e pontada de dor.

— Porque a mamãe te ama mais do que tudo nesse mundo. - respondi com simplicidade, mas escondendo em mim a continuação daquela frase.  E eu não sei quanto tempo ainda tenho com você, podem ser anos, meses, dias ou até horas. Eu não quero perdê-la sem aproveitar cada pequeno momento com você.

— Eu também te amo, mamãe! - respondeu efusiva.

— Eu sei, querida. - eu via isso nos olhos dela, assim como eu via o amor nos de Oliver - Se divertiu na casa da vovó? - mudei de assunto, antes que voltasse a me sentir emocional demais.

— Sim! Vovó e eu fizemos desenhos - explicou - Mas eu não acho que ela gostou quando ela saiu para atender uma ligação e eu desenhei na parede da sala. - olhei para ela mais séria dessa vez.

— Olívia Smoak Queen. - repreendi - Quantas vezes eu preciso dizer que só se deve desenhar nas folhas dos cadernos de desenho que compro para você?

— Mas as minhas folhas acabaram e a parede era tão grande e branca. - suspirou abrindo os braços como se dissesse a parede havia a convidado para desenhar nela, e ela não tivesse outra escolha. - Eu me desculpei com a vovó, acha que ela não vai me amar mais? - Perguntou fazendo uma carinha triste com um ligeiro biquinho enquanto seus olhos me olhavam com pequenas lágrimas no canto.

Minha filha era tão sensível.

— Não se preocupe, Liv, não há nada no mundo que faça qualquer pessoa deixar de amar você. - Thea disse afagando os cabelos loiros dela - E, além disso, eu achei o seu desenho uma obra de arte. Devíamos deixar naquela parede para sempre, na verdade o que acha de fazermos mais alguns em breve?

— Thea... Não a estimule. - tentei repreender, mas o estrago estava feito. Minha filha já exibia um sorriso imenso e um olhar aguçado de quem já planejava o que desenharia da próxima vez.

— O quê? Eu fazia vários desenhos na parede e era Ollie quem sempre me ajudava a esconder depois, ele dizia que não se podia confinar a criatividade aos limites de uma folha de papel.

— Isso soa exatamente como ele. - Olhei novamente para Oliver, ainda dormindo.

— Papai gosta de desenhar também? - Liv perguntou, fazendo meu coração se apertar pela forma que ela sempre falava do pai no presente.

— Seu pai amava desenhar, ele sempre andava com um bloquinho de folhas,  desenhava tudo o que via, tudo o que encantava. Os últimos desenhos dele eram somente da sua mãe. - Thea comentou. Eu ainda tinha alguns desses desenhos guardados na gaveta do criado mudo ao lado da cama com tantas outras coisas e lembranças de Oliver, as vezes quando eu não conseguia dormir, eu apenas os fitava, observando os esboços e traços precisos de Oliver, o quanto ele era bom em captar as pessoas, ou apenas segurava-os apertando contra o peito, feliz por poder tocar em algo que tinha tanto do amor dele - Ele amaria desenhar você...

Ele amaria tudo na filha.

Eu poderia imaginar como ele teria sido com Liv.

Ele nunca diria não para qualquer ideia dela, ele a estimularia a desenhar em todas as paredes da casa e certamente se juntaria a ela. Os dois juntos fariam a maior bagunça pela casa, mas eu podia fechar meus olhos agora e imaginar o quanto a nossa vida seria calorosa, preenchida por risadas e momentos divertidos. Ele não seria apenas bom para ela, Oliver teria sido o melhor pai para Liv, o pai que ela merecia e precisava ter.

— Eu vou pedir para ele desenhar comigo da próxima vez que ele vier me visitar e desenharemos pessoas, eu não sou boa desenhando pessoas, eu sou boa com gatos e passarinhos, talvez papai possa me ensinar...

Thea e eu nos entreolhamos enquanto minha filha seguia tagarelando sobre o que desenharia com o pai. Isso vinha acontecendo há algum tempo, e eu não me preocupei no começo, eu pensei que criar um Oliver imaginário era o jeito de Liv lidar com o fato de que o homem que ela conhecia como pai estava sempre dormindo naquela cama. Eu estava começando a ficar preocupada demais com aquilo.

— Bem, que tal se contássemos para o seu papai, sobre a nossa festinha do pijama? Ou mostrarmos os desenhos que você fez? - Thea sugeriu pegando minha filha no colo - Enquanto isso sua mãe vai dar uma voltinha lá fora e conversar com a vovó. - Franzi o cenho para Thea que olhou para mim parecendo nervosa enquanto colocava Liv sentada aos pés de Oliver, distraída em procurar em sua mochila seus desenhos para mostrar ao pai.

— O que é? - perguntei preocupada. Moira havia sofrido muito com o acidente de Oliver, como mãe, eu entendia a dor dela. No começo ela não conseguia sequer entrar no quarto dele sem começar a chorar, mas agora ela lidava um pouco melhor, embora para uma mãe ver seu filho deitado na cama de um hospital, sem poder viver realmente, nunca seria algo fácil de lidar.

— Ela apenas está esperando você lá fora. - assenti indo para porta, notando que Thea evitara olhar para mim. - Ela quer conversar.

Algo não estava certo.

Tomei todo o ar que pude, antes de deixar o quarto, de alguma forma eu sabia que ia precisar dele.

— Felicity... - minha sogra se ergueu do banco em que estava sentada assim que me viu.

— Olá, Moira. - a cumprimentei com um cordial abraço, mas me senti apreensiva ao olhar seu rosto sério e as mãos trêmulas, ela parecia nervosa - Por que não entrou? Liv e Thea estão mostrando desenhos ao Oliver, e contando sobre o dia na sua casa.

— Querida - ela começou num tom condescendente demais, sua mão pegando a minha de um jeito maternal - O que eu tenho para falar com você é um pouco delicado e eu não queria que Liv ouvisse. - franzi o cenho, já me preocupando - Caminhe comigo, um pouco. - Me senti tensa com Moira passando o braço pelo meu, ela sempre foi um doce de pessoa comigo, mas ela estava anormalmente nervosa hoje.

— É algo com Liv? - Eu amava a minha menina mais do que tudo no mundo, ela era uma criança sensível e amorosa, mas eu não era cega e eu sabia que assim como o coração do pai, ela herdou de Oliver toda aquela energia aliada à um leve desapego para as regras.

— De certa forma.

— Se for pela parede, eu sinto muito. - me adiantei - Eu já conversei com ela, e Liv não tornará a fazer e eu posso pagar pela pintura. - ok, eu não estava certa quanto ao não fazer novamente, mas...

— Não, Felicity. Olívia é uma menina doce e incrível e que tem tanto do pai... - Moira sorriu tristemente - Sente-se aqui comigo. - Pediu, quando chegamos à um canto mais afastado do corredor. Eu me sentei junto a ela, fitando-a sem entender o que havia de diferente na minha sogra. Ela parecia nervosa, havia uma tristeza em seu semblante, mas ao mesmo tempo uma certa paz que eu não via ali a um longo tempo.

— O que está errado?

Ela fechou os olhos e respirou fundo, eu tinha certeza que Moira estava contando mentalmente até três como se procurasse coragem para algo, ela pegou a minha mão na dela.

— Eu acho que é hora de dizer adeus. - ela falou pausadamente, deixando as palavras flutuarem até mim, senti o aperto de sua mão na minha se tornar mais forte, seus olhos não se desviaram doas meus.

Demorei um tempo muito grande para compreender ao que Moira se referia, e quando compreendi meu coração disparou.

— Não. - me ergui do banco, eu não reconhecia a voz que saía de meus lábios, completamente histérica - Você está dizendo...? Não! Meu Deus! De jeito algum, nós não podemos fazer isso! Ele... Oliver vai acordar, eu sei que vai... Só precisamos esperar, ele vai acordar e...

— Querida... Ele se foi há cinco anos. - Moira tentou me abraçar, mas eu me afastei. Minha mente tentando assimilar o que ela pretendia fazer.

Ela queria matar Oliver.

— Por que não quer mais esperar? - falei num tom acusatório. - Por que está desistindo de Oliver?

— Acha que não quero que meu filho acorde? Acha que todos os dias eu não abro meus olhos e por apenas um minuto, eu imagino que Oliver vai me ligar apenas para me desejar um bom dia? - apesar de eu estar completamente fora de mim, o tom de Moira foi controlado, como se já tivesse aceitado  - Eu o amo, Felicity! Ele é parte de mim, do mesmo modo que Olívia é uma parte de você e dele. Mas é doloroso demais, não apenas ver tudo o que ele está perdendo enquanto dorme naquela cama. É doloroso ver a filha de vocês passar tanto tempo num hospital com um pai que não pode brincar com ela, que não pode conversar com ela.  Por Deus, Felicity! Ela inventou um pai imaginário! - falou, e eu não podia revidar aquilo - É o que quer para Liv? Sabe que não é saudável...

— Pare Moira! - Dei as costas e comecei a caminhar apressada pelo corredor, sentindo aquele aperto opressor no peito, uma vontade de ir até Oliver, de me deitar ao seu lado mais uma vez e escutar seu coração que ainda batia, me certificar que ele ainda não tinha sido tirado de mim.

Senti o aperto suave de uma mão sobre meus ombros assim que coloquei a mão sobre a maçaneta.

— Já faz cinco anos, Felicity. - a voz era condescendente, e assim que me virei vi que o semblante de Moira também era.

— Eu esperaria mais cinco, dez, cinquenta! Eu esperaria a minha vida inteira por ele. - senti meus olhos arderem assim que as palavras saíram da minha boca. Oliver era o amor da minha vida, e ele sempre seria. Como desistir disso?

— Eu sei que você esperaria por ele para sempre, e é isso o que me preocupa. - Moira disse num tom compreensivo - Eu conversei com Donna, e ela está preocupada com você também.

— Isso é algum tipo de complô? - perguntei me colocando na defensiva e Moira me puxou para sentarmos novamente. Eu não queria me sentar, queria voltar para Oliver, mas minhas mãos e pernas tremiam tanto que achei melhor me sentar, e no fundo eu sabia que precisava terminar essa conversa.

— Oh, não estamos fazendo nenhum tipo de complô! Estamos apenas preocupados porque amamos você e queremos o seu bem. - Moira era maternal, eu tive nela uma segunda mãe quando a minha não estava por perto, e os momentos se tornaram pesados demais para aguentar sozinha, mas era difícil aceitar que ela queria me forçar a deixar Oliver ir - E estar todos os dias nesse hospital não faz bem a você, ou a Liv. Veja o que faz com a sua vida, Felicity. - respirei fundo já sabendo o que viria a seguir - Você é uma moça jovem, bonita e cheia de vitalidade. Eu duvido que Oliver iria querer ver você desperdiçar sua vida dentro das paredes desse hospital. - eu balancei minha cabeça num ato instintivo, pensar no que Oliver gostaria, ter que supor ao invés de simplesmente perguntar a ele, era difícil demais. - Você ainda pode encontrar o amor outra vez, Dr. Palmer já te convidou para almoçar com ele várias vezes e você sempre diz não, talvez se tentasse, se você se esforçasse um pouquinho você poderia se apaixonar novamente...

— Não! - me coloquei de pé, meu corpo rígido demais com o que ela estava fazendo. Uma coisa era conversar sobre o estado de Oliver, outra bem diferente era me dizer para substituí-lo no meu coração - Esse assunto acabou, eu não aceito isso!

— Você sabe que a decisão não é  realmente sua. - Parei, sem conseguir sequer respirar, cada músculo do meu corpo se retesou enquanto eu a fitava atônita. Eu gostaria de ter dito várias coisas nenhum pouco gentis, mas nesse instante, a porta do quarto de Oliver se abriu e vi minha pequena menina correr para mim se jogando em meus braços.

— Mamãe? Mamãe? O que aconteceu? - Ela perguntou, sua mãozinha pequena se colocando no meu rosto, secando as pequenas lágrimas que desceram por ele e eu sequer notei.

— Nada, meu anjo. - neguei me forçando a um sorriso.

— Mas papai disse que algo aconteceu, que você precisava de mim - Ela insistiu ainda não convencida. Moira me lançou um olhar comovente de quem tem razão - E você está chorando, eu não quero ir para a escola se você estiver precisando de mim. Eu posso ficar com você e assistir desenhos a tarde toda, até deixo você ficar com meu cobertor especial. - o gesto doce aqueceu meu coração - Papai me disse que nenhum monstro pode me pegar quando eu com meu cobertor.

Eu sorri para minha filha, ela tinha um coração imenso. E mesmo em momentos assim, onde meu coração parecia esmagado, era ela quem o reanimava, quem me fazia feliz em momentos assim. Como era possível estar feliz e triste ao mesmo tempo?

— Eu estou bem, não se preocupe. - garanti, tocando o nariz dela com a ponta do meu dedo - E você mocinha, não vai faltar a escola de jeito algum, e é melhor irmos antes que você chegue atrasada. - a desci do meu colo, mesmo querendo mantê-la ali apertada e segura entre meus braços para sempre - Vá pegar a sua mochila com sua tia. - disse, e a observei com um sorriso retornar ao quarto e me deixar a sós com sua avó.

Quando olhei para Moira, o sorriso desapareceu, revelando aquela parte vulnerável de mim que eu sempre segurava quando estava com Liv.

— Quando? - perguntei, mesmo sem querer ouvir a resposta.

— Amanhã ao meio dia conversaremos com o médico e então resolveremos tudo, agendaremos a data para... - ela parou e respirou fundo - Para desligar os aparelhos. Seria bom se você estivesse presente.

Assenti, mecanicamente prendendo a dor dentro de mim e forcei um sorriso assim que Liv saiu do quarto com Thea que evitou meu olhar, minha filha pegou a minha mão dizendo que estava pronta para ir para a escola, e começando a tagarelar sobre algo. Mas eu não conseguia prestar atenção, tinha um único pensamento em minha mente: se o acidente de Oliver tivesse ocorrido depois de nos casarmos, essa escolha seria minha e não de Moira.

***

Deixei Liv na escola e liguei para o trabalho dizendo que não poderia ir hoje. Usei o restante da tarde indo em advogados, tentando encontrar alguma forma de impedir que Oliver fosse tirado de mim. Nenhum deles foi animador. Eu poderia conseguir algum tempo, no máximo, mas legalmente Moira era quem tinha direitos para decidir sobre o filho.

O resto do dia passou num borrão.

Liv chegou da escola e eu simplesmente agi no automático lhe ajudando com o dever de casa, dando o jantar e até mesmo assistindo um pouco de desenho animado com ela, tentando fazer com que ela não notasse que por dentro eu estava despedaçando. Que eu não estava realmente presente. Eu sabia que não era justo com a minha pequena, mas naquele momento eu não era mais capaz de dar o meu melhor. Mesmo que Oliver e eu não tivéssemos chegado ao altar, mesmo que eu não usasse uma aliança dourada em meu dedo anelar esquerdo ou tivesse um pedaço de papel dizendo que nós pertencíamos um ao outro. Ainda assim, aqueles votos valiam.

Na saúde e na doença.

Como eu poderia não cumprir isso?

Já era noite quando Liv veio para o meu quarto arrastando seu cobertor consigo. Ela escalou a cama e se aninhou junto ao meu peito ficando de frente para mim.

— Eu te trouxe meu cobertor especial. - ofereceu cobrindo parcialmente a nós duas com ele.

— Obrigada. - beijei o topo da cabeça inspirando o cheiro de morango dos cabelos dela.

— Você ainda triste, é porque papai não acordou? - perguntou num sopro de voz. E percebi que tinha sido tolo da minha parte tentar fazer Liv não notar que algo estava errado. Ela tinha puxado ao pai, era pura sensibilidade.

— É sim. - confessei.

— E você não sabe se um dia papai vai acordar e voltar pra casa? - fitei os olhos dela, grandes e tão cheios de esperanças. Ela era apenas uma criança afinal, eu não poderia jogar esse peso sobre ela, mas também não seria certo mentir.

— Eu sinto muito, mas eu não sei. - apertei seu corpinho contra o meu quando ela fungou - Isso a chateia? Que papai esteja sempre dormindo?

— Às vezes eu queria que ele pudesse brincar comigo de verdade - confessou - Mas aí eu me lembro que ele sempre está com a gente, é isso que conta, não é mamãe?

Dei um sorriso pequeno assentindo. Eu invejava Liv e sua capacidade de imaginar que Oliver estava com ela, de sonhar com ele, poder conversar com ele... Mas e se...? Um pensamento perigoso passou por minha mente fazendo meu coração se acelerar no peito.

— Você o vê agora? - perguntei, e ela apenas assentiu com a cabeça olhando em direção a porta do quarto e sorrindo, como se Oliver estivesse bem ali, nos observando.

— Se ele está aqui, por que eu não consigo vê-lo? - perguntei com mais raiva do que pretendia. - Por que ele não fala comigo?

Olivia olhou para a porta novamente por alguns instantes, como se escutasse atentamente o que seu Oliver imaginário lhe dizia.

— Papai disse que é porque você triste o tempo todo. - falou baixinho - Que seus olhos tão cheios de lágrimas que não deixam você ver ele. - senti a mãozinha pequena de Liv em meu rosto secando-as - e seu coração  dodói e por isso não sente quando ele perto.

Suspirei meneando a cabeça, aquilo era um absurdo.

Mas fazia sentido.

— Talvez você tenha razão. - confirmei, sem saber ao certo o que aquilo significava. Eu realmente acreditava que Oliver estava ali conosco? Eu não tinha uma resposta, exceto que Liv parecia acreditar que sim. - Durma com a mamãe hoje, talvez isso me faça sonhar com o papai também. - Disse e a apertei forte em meus braços, como se segurasse o único resquício de Oliver que eu ainda tinha.

Porque talvez ela fosse.

 


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Notas finais do capítulo

Então? O que acharam?