Incógnita escrita por Lua Chan


Capítulo 1
Panfletos




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O ar frio congelou meus pulmões, nem mesmo os goles de café que eu havia acabado de tomar foram capazes de me aquecer. Sempre me perguntei por que o laboratório do meu pai não tinha um aquecedor, mas ele nunca me respondeu. Assim como sempre. 

Hoje era pra ser o meu aniversário de 17 anos, mas ninguém parecia ter notado. Nem mamãe, nem papai, nem mesmo meu irmão mais velho. Eles estavam ocupados demais para isso, e eu apenas era obrigado a compreender. Pelo menos ninguém havia me privado de entrar no laboratório do tão renomado dr. Stanley Edmund Flug. Às vezes eu o chamava pelo nome, porque ele não é meu verdadeiro pai. Na realidade, eu fui adotado pelos Flug há quase 9 anos. 

Eu posso até ser jovem demais para me considerar um cientista, mas eu tinha minhas próprias invenções, invenções que eram menosprezadas por Stanley. Ele não sabia ser gentil comigo. 

— Hector? - ouço uma voz feminina vinda de fora do laboratório e me assusto.

Joguei a xícara de café no chão, observando todo o líquido se espalhar pelo piso e escondi todas as minhas anotações. Não gostava de ser interrompido, muito menos que alguém soubesse o que eu estava fazendo aqui. Virei-me de costas para a pessoa, que descobri, após segundos, ser minha mãe, e a cumprimentei com um "bom dia". 

— Hector, querido, o que está fazendo aqui? - ela questiona, se aproximando de mim e brincando com meus cabelos castanhos. Eu detestava quando ela fazia isso. Não sei por que, talvez era uma forma estranha de denegrir a minha imagem - Sabe que seu pai não quer você no laboratório dele.

— Ele nem vai notar, mãe. - retruco, brincando com uma caneta. Não faz muito tempo que eu teria me acostumado a chamá-la só de "mãe", no lugar de "dona Laura" - Ele nunca nota.

— Ele só está tendo uma semana difícil, meu bem. - ela tenta amenizar a situação, (como se nunca fizesse isso). Laura nunca quer que a culpa seja do meu pai. Ele é impaciente demais pra se preocupar com coisas tolas como culpa.

— Ele sempre tem semanas ruins! - respondo, dessa vez, aumentando o tom da minha voz - Veja bem. Ele não sabe dar valor aos meus experimentos. Nem sabe que hoje é meu aniversário!

Ela se curvou para trás e fez uma cara de espanto. Ótimo. Laura também não sabia. Sibilei algo praticamente inaudível, peguei todos os cadernos de anotação e me retirei daquele ambiente mórbido. Mamãe deixou um suspiro escapar e me interceptou, antes mesmo de eu ir embora. Para minha surpresa, Laura me abraçou. Forcei para não chorar e a abracei de volta, com necessidade. 

— Tenha um bom dia na escola, meu bem. - falou - Ah, e feliz aniversário, mi hijito

Confesso que eu tinha vergonha quando ela me chamava de meu bem ou "meu filhinho", mas sempre me senti importante com aqueles apelidos. Nem meu irmão, Bertram, era chamado daquele jeito (e ele nem era adotado!), ou seja, eu tinha, definitivamente, um bônus. Fiz os meus afazeres, tomei mais uma xícara de café e me despedi do meu irmão, que apenas me retribuiu com um rápido aceno. 

Cheguei no portão da escola cedo demais. Faltavam ainda uns 10 minutos para o porteiro surgir. Resolvi, então, sentar no primeiro banquinho que encontrei na rua. Que bom que a Cidade do México não estava tão perigosa nesse período. Não havia quase ninguém nas ruas, então fiquei olhando para um grande nada.

De repente, eu vejo um garoto estranho e de cabelos azuis caminhando para perto de mim. Ele não parecia o tipo de pessoa a qual eu confiaria, então me encolhi no lugar que estava. Surpreendentemente, ele não queria nada comigo. Não estava vendendo drogas, pichando paredes ou algo do tipo. Estava apenas espalhando panfletos pela cidade - ele ainda segurava uns 40 com uma só mão. Até tive pena. Aproximei-me dele e de um dos vários papéis.

— Uhm... oi. - tentei começar uma conversa, mas ele nem olhou para mim. De qualquer forma, prossegui - O que é isso aí?

     No mesmo instante, o "Garoto Smurf" virou para o lado e me olhou de cima a baixo, como se eu tivesse algum problema e ele estivesse procurando o que era. Ele retirou os fones que estavam em seu ouvido e decidiu prestar a devida atenção em mim.

— Isso? - pergunta ele, apontando para um dos folhetos - Oh, isso não é pra você, acredite.

— Como assim?

— Está vendo esse símbolo? É sinônimo de punição - ele aponta para uma cartola negra e gigante no panfleto, onde havia escrito em negrito: 

 PROCURA-SE MORDOMO DO MAL 

BLACK HAT CORP.

— Ora, não exagere. Não deve ser tão ruim assim. - peguei um dos panfletos e ri de seu conteúdo. Quem, em sã consciência, gostaria de ter um "mordomo do mal"? Quem aceitaria trabalhar para alguém chamado "Black Hat"?

— Você brinca com fogo, garoto. - avisou ele, num tom que o fazia parecer mais adulto (apesar de ele parecer ser apenas uns 3 anos mais velho que eu) - Eu trabalho pra esse cara. Não saem coisas boas da cabeça dele.

— Você é estranho.

— O que o faz pensar nisso? O cabelo ou meu jeito de andar? - nós dois rimos daquela esquisita situação - Tiberius Lordon.

— Que nome pomposo pra um garoto punk como você. - observei, ele não pareceu se incomodar - Me chamo Hector Edmund Flug. - ele segurou o riso. Obviamente meu nome era ainda mais pomposo.

— Bem, acho que nos vemos por aí, Garoto Nerd. - disse ele, apontando pros meus óculos.

— Tudo bem, Cara dos Panfletos.

Antes de me despedir oficialmente, roubo um panfleto de suas mãos sem Tiberius notar. Ele acenou e foi embora, colando mais dos folhetos nas paredes. Eu li e reli o conteúdo daquilo. Era inacreditável, mas por algum motivo, a ilustre cartola que estava desenhada no papel chamou minha atenção.


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