Post Mortem escrita por boaveis


Capítulo 1
Capítulo Único




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Daniel,

Sei que faz tempo que não falo com você, sinto muito por isso, mas ainda é difícil. Não sei exatamente que palavras usar, nunca fui muito bom me expressando, mas tenho tanto a dizer e ninguém para me escutar que às vezes grito para ninguém além de eu mesmo ouvir . Quando você estava aqui e eu fazia isso, você me abraçava e dizia, quantas vezes precisasse dizer, que tudo ficaria bem, e eu não sentia mais medo, estava seguro. Você me segurava junto ao peito, beijava o topo da minha cabeça e murmurava doces nadas, até que eu me acalmasse. Você era minha âncora, Daniel, e agora eu não tenho nada me prendendo à superfície. Estou à deriva há tanto tempo que não sei mais pra onde ir.

Por que você não está aqui comigo? Por que foi embora? Não tenho como saber, só sei que você foi meu paraíso, sempre aqui quando eu precisava, e agora preciso mais do que nunca. Eu preciso de você como preciso de oxigênio, e já não consigo mais respirar.

Todo mundo me diz que eu devia seguir em frente, mas como isso é possível se tudo me lembra de você? Ando por nosso apartamento, que ainda está igual ao que era mas, ao mesmo tempo, não podia ser mais diferente. Você não está mais aqui, tudo está tão silencioso, apático, parado. Você devia estar aqui, comigo. A gente passava o domingo no sofá, deitados, abraçados, cada um lendo um livro diferente, conversando às vezes. Paz.

Mas não vivo mais assim. Sombras habitam seus cantos favoritos, a poeira tomou conta de nossos livros, tudo é quieto, mas nada está em paz, nada é perfeito. Tudo acaba, eu sei, mas nunca achei que acabaria tão rápido, nunca achei que meu coração pudesse ser partido tantas vezes a ponto de eu não conseguir juntar os pedaços e, no entanto, aqui estou.

Agora, nada está certo. Em todo lugar que eu olho, você está e, meu Deus, como sinto sua falta. Não quero seguir em frente; não quero viver uma vida na qual você não está presente. Quero você ao meu lado, sua mão na minha, seus lábios nos meus, nossos corpos juntos, sua barba me pinicando, seu sorriso, sua voz, suas mãos no meu pescoço. Já passei do estágio do sofrimento, não consigo mais sentir nada, nem dor, nem alegria, só esse vazio. Às vezes me pergunto se virei uma máquina, faço tanta coisa e, no entanto, não percebo nada.

Olho para o meu passado, eu era tão sortudo. Com você ao meu lado, tinha tudo o que eu precisava, era tão jovem, tão feliz, e não sabia de nada disso. Daria qualquer coisa para voltar a viver assim, para voltar a respirar. Tudo que eu queria era sentir novamente, nem que fosse dor, porque aí eu teria um motivo, qualquer um, para seguir em frente. Penso em começar alguma coisa, em tentar sair de casa, voltar a estudar, mas me falta vontade.

De nada adianta tentar me distrair, estou sempre pensando em você. De longe, sempre parece que te vejo andando em minha direção, mas nunca é você; meus sentidos traiçoeiros insistem em dizer que você está aqui. Às vezes, sinto tua presença, mas como poderia ser você? não está por perto, e nunca mais estará.

Mas estou me distraindo, não é isso que quero dizer. Não quero falar sobre como estou miserável, porque nada disso é sua culpa, eu não tenho a quem culpar, a não ser a vida, essa destruidora de ilusões. O que eu realmente quero é agradecer. Você me deu o Paraíso nesse pouco tempo me fez mais feliz do que eu jamais fui, você me fez, pela primeira vez na minha vida, sonhar e acreditar nos meus sonhos, e eu sempre serei grato por isso.

Você tinha seus próprios sonhos, mas quão cliché seria dizer que a vida tirou sua chance de realizá-los?

Também não é para reclamar que falo com você, não, não é pra isso. Falo com você porque, apesar de, agora, eu estar vazio, quase morto, paralisado, com os olhos marejados e o peito quebrado, eu vou conseguir. Serei melhor que isso, vou superar, sei que vou. Sei de tudo isso porque sei que você nunca iria querer que eu vivesse assim. Você me salvou de muitas formas, e, mesmo agora, continua me salvando. Sempre, o tempo todo, você me protege, você me ajuda; ao menos gosto de pensar assim. Prometo pra você que vou ficar bem.

O que eu não prometo, no entanto, é fazer isso agora. Sei que não consigo porque, Daniel, eu ainda preciso de você, e, não importa quanto tempo passe, sempre precisarei. Você é minha força, e, se seguir em frente implica em te esquecer, eu nunca farei isso.

Sabe, eu lembro claramente da primeira vez em que nos beijamos, eu estava tão nervoso, era tão inexperiente, tão ingênuo e tão ansioso. Consigo pensar em cada um daqueles momentos bobos que significam mais para mim do que tudo no mundo, em conversas importantes. Lembro, especialmente, de suas últimas palavras; você disse que me amava.

Bem, eu lembro da primeira vez que te disse “eu te amo”, fiquei tão envergonhado depois, achei que você não corresponderia, mas daquele dia em diante, me senti tão amado quanto era possível.

É por isso, e por muito mais, que eu nunca te deixarei ir por completo. Você ficará comigo o tempo todo, pelas palavras e gestos banais, pelos filmes que vimos juntos, pelos livros que discutimos, pelas músicas que amamos. Disse antes que você me dava força e, se eu pensar bem, ainda me dá, de muitas maneiras diferentes. Talvez seja disso que eu precise, pensar em nós dois e seguir em frente. Pensarei em você, não do jeito triste e melancólico como penso agora, mas de fato feliz pelo tempo que passamos juntos nessa terra. Sempre sentirei sua falta, isso é certo, mas ainda mais importante: eu sempre te amarei, por todos os dias de minha vida.


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