Família De Marttino Coração de Gelo(Degustação escrita por moni


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos a terceira história da Série De Martinos. Espero muito que gostem. Vittorio chega para finalmente superar seus traumas.



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   Pov – Gabriela

    Ando de um lado para outro no corredor do hospital. Adoraria fazer uma oração. Apenas não consigo me lembrar de nenhuma no momento. Espero que Deus não fique chateado com minha pouca memória.

   ―Posso vê-la? – Pergunto ao médico quando ele se aproxima.

   ―Ela está acordada. Você já pode entrar.

   ―Obrigada doutor. – Eu o abraço. Ele não corresponde um tanto chocado com meu comportamento invasivo. – Desculpe. Eu... eu... como ela está? – Essa devia ter sido a primeira pergunta, provavelmente bem antes do abraço. No caso eu nem devia abraça-lo.

   ―Correu tudo bem. Fique com ela, vamos acompanhar a evolução do quadro.

   Não gosto da resposta. Eles têm uma aula na faculdade só para aprenderem a dar desculpas. Acompanhar a evolução do quadro quer dizer absolutamente nada e tudo ao mesmo tempo.

   Era assim no tempo da minha mãe, as mesmas notícias até que ela morreu, meu pai foi apenas rápido, um fulminante ataque do coração, eu nem lembro bem. Tinha nove anos.

   Respiro fundo na porta do quarto. Tenho que parecer tranquila. Carina é muito perspicaz. Vou entrar, sorrir, conversar um pouco e fingir que está tudo bem e sou bem forte. Abro a porta, passo para dentro sem olhar para ela. Fecho a porta lentamente ganhando tempo, depois me volto e a vejo deitada na cama, pálida e abatida, com um sorriso fraco no rosto.

   Não contenho o choro. Me junto a ela no meio dos meus soluços, ela me abraça e escuto seu riso.

   ―Para de chorar Gabriela! – Ela ralha comigo e me afasto. Sento na beira da cama secando o rosto. – Estou bem. – A voz é tão fraca. Balanço a cabeça concordando.

   ―Eu sei.

   ―E a Isabella?

  ―Deixei ela na escola antes de vir. Deve estar dormindo na carteira agora. Ficamos acordadas vendo televisão quase a noite toda.

   ―E você?

   ―Estou aqui. Louca para que saia desse hospital.

   ―Obrigada. – Ela aperta minha mão. Minha amiga, minha única amiga. Uma irmã que cuidou de mim quando precisei.

   ―Não pode me agradecer. Somos como irmãs e sem você eu nem sei o que seria de mim. Me ajudou quando minha mãe morreu. Cuidou de mim.

   ―Antes sua mãe fez o mesmo por mim. Cheguei na sua casa sozinha, com a roupa do corpo, pedindo um quarto para uma noite e ela me recebeu como filha. Me deu você. Virou minha irmãzinha. Você tinha dez anos Gabriela, sua mãe te criava sozinha e achou um jeito de ajudar uma estranha. Eu já tinha idade para me virar. Vinte anos.

   ―É isso. Assim que somos, mamãe te ajudou e você me ajudou. Agora estamos aqui. Nós duas e sua filha. No momento dormindo na sala de aula.

   ―Ela está bem? Teve dores? – Nego muito rápido. Carina fecha os olhos um momento. – Não diria de todo modo. Como foi a entrevista de emprego? – Ela decide mudar de assunto.

   ―Cada pergunta chata! Eu fui lá e respondi as perguntas e eles ficaram de me ligar. Não sei, talvez...

   ―Vai dar certo. – Ela incentiva apertando minha mão. – Está tão linda. Devia se arrumar mais assim. Já teria um namorado. – Faço careta, ela ri. – Sinto saudade de quando era pequena e estragava todos os meus namoros. Bom, você estragava os seus também.

   ―Dois. Dois quase namoros Carina. O primeiro...

   Ela começa a rir. Sente dor e toca a barriga, depois respira fundo. Tudo tão difícil para ela.

   ―Eu disse que ver filme pornô não iria ajudar a entender os mecanismos. Só fez te traumatizar. – Carina me lembra entre risos e lágrimas.

   ―Como eu ia aprender? Queria ver como era. Meu Deus, aquelas mulheres... tão... performáticas.

   ―Eu disse que na vida real não é daquele jeito. Não precisa fugir feito uma carola apavorada.

   ―Precisava sim. Eu tinha que pensar em gemer, fazer movimentos acrobáticos, ser sexy e ele tenta no carro? Se numa cama já seria problema imagina no carro? Não. Isso é para quem tem anos de estrada. Eu tinha dezessete anos e era minha primeira vez.

   ―Podia ter dito não, mas quis uma fuga cinematográfica e atirou o coitado para fora do carro e partiu sem olhar para trás. – Ela nunca vai esquecer isso. – Só se esqueceu que o carro era dele e que não tinha habilitação.

   ―Detalhes.

   ―Sua mãe teve que busca-la na delegacia. É isso que chama de detalhes?

   ―Chamo de detalhes sórdidos. – Ela volta a rir. – Por isso continuo virgem aos vinte e quatro anos. Decidi esperar o cara ideal.

   ―Romântico, que goste de natureza, livros, crianças, cachorros, atencioso. O que mais? Sua lista é interminável. O que deixa claro que só quer mesmo fugir. Trauma.

   ―Teve o Jean Claude. Aquele francês fajuto. Com um nome desses ele devia ser especial, mas era tão idiota que durou um encontro e meio. Dessa vez pelo menos eu fugi no carro certo.

   ―Nem todos são como o Ugo. Sua história não precisa ser como a minha. – Paramos de sorrir. Toco seu rosto. Ainda conserva algumas marcas. Meus olhos marejam e os dela também.

   ―Quando sair daqui. Carina temos que deixar a cidade. Sabe que ele vai começar tudo de novo e você vai acabar cedendo. Se ao menos tivesse denunciado.

   ―Se tivesse denunciado as coisas seriam piores. Eu tenho culpa nisso também. Não precisa repetir seu discurso de relacionamento abusivo. Sei o que pensa. Que não tenho culpa, que eu sou vítima, mas as vezes.... é o jeito dele, ele me ama, mas tem ciúme e eu...

   ―Quando contou que estava grávida da Isabella ele te bateu, você quase perdeu o bebê. Ugo foi embora e voltou quando ela tinha um ano.

   ―Ele não estava pronto.

   ―Nem você. Demos um jeito. Nós duas conseguimos sozinhas. Quando tudo estava bem ele voltou. Você não tinha que ter perdoado ele.

   ―Eu o amava. Talvez ainda ame e a Isabella precisava de um pai. – Ela seca uma lágrima. E seis meses depois ele estava de novo tendo ataques de ciúme em que ela era sempre culpada, estava sempre machucando e humilhando Carina e ela estava sempre se desculpando por coisas que não tinha feito. Tive que sair de casa. Ir morar sozinha por que ele me odeia e eu não suportava assistir as brigas. – A coisa que mais sinto foi você ter ido morar sozinha. Foi um longo ano sem você. Até aquela viagem. Era uma semana, só nós dois. Só para termos um tipo de lua de mel. Deixei minha filha por um mês. Se não fosse você. Eu queria voltar, ele não deixava. Tinha ciúme até dela. Nos brigamos, cai e quebrei o braço e ele ficou tão arrependido. Me tratou de um jeito tão especial que cedi e ficamos o mês todo fora, estava tranquila por que Isabella estava com você. Voltei tão apaixonada e cheia de esperanças.

   ―Não foi arrependimento. Foi medo de ser denunciado.

   ―Sei disso, na época não sabia. Então descobri a gravidez e...

   ―Acho que não precisamos ficar lembrando disso. – Ela nega querendo falar.

   ―Quero repassar tudo isso. Talvez me ajude. Ele odiou, era tanto ciúme que a ideia de me dividir com um filho... outro filho, me lembro do tapa e depois de acordar no hospital, sem bebê. Ele ficou fora por mais um ano. Voltamos a morar juntas e tudo ficou bem. Até ele voltar implorando. Acreditei que ele tinha mudado e foi bom por uns meses.

   ―E tem sido péssimo pelo último ano todo. Carina ele ultrapassou o último limite. Você sabe que ele fez isso. Se eu não tivesse chegado...

   ―Minha garotinha. – Ela cobre o rosto com a mão e chora. Sinto pena, mas também muita raiva. Carina luta contra uma doença no rim tem dois anos. Fruto das agressões dele. Mesmo assim algo a prende a ele e ele está sempre indo e vindo e não tem nada que possa fazer além de amar e proteger Isabella. Chegar em casa e encontra-la desmaiada no segundo em que ele arranca Isabella de cima da mãe e a atira contra a parede. Senti tanta força. Impedi o tapa que ele daria na pequena de cinco anos. Fiquei tão forte, gritei, lutei e minha loucura o assustou e afastou. Quando os paramédicos chegaram ela simplesmente jurou que tinha caído. Inocentou ele e só pude assistir. – Ela está muito assustada? Ele procurou vocês?

   ―Isabella é cheia de vida e coragem. Está se recuperando e o Ugo ainda está com medo. Não apareceu. Por que brigaram?

   ―Dinheiro. Ele queria gravar um vídeo dela. Contar as dificuldades dela e colocar em redes sociais pedindo ajuda financeira. Não permiti, sabia que você ficaria furiosa. Ele perdeu a cabeça.

   ―Aquele monstro nunca teve cabeça.

   ―Gabriela. Se eu não sair daqui...

   ―Não fala isso. – Meu corpo todo treme só com a possibilidade.

   ―Se acontecer. Isabella é sua. Sua filha, ela sempre foi mais sua que minha. É sempre você que ela quer, sempre você que a coloca a frente de tudo. Prometa. Prometa que não vai deixa-lo se aproximar. Prometa que vai protege-la dele.

   ―Você vai sair daqui. Então não quero falar disso.

   ―Ele é pai dela, mas não a ama. Vai usar minha menininha. Vai machuca-la. Vai fazer minha pequena sofrer. – Ela fica mais pálida, as mãos geladas, a respiração difícil.

   ―Calma. Precisa descansar. Eu prometo. Não é preciso, sabe que a amo mais que tudo, mas eu juro cuidar dela, amar e proteger não importa o que aconteça.

   ―Foge com ela. Por que ele vai caçar vocês, ele vai exigir ficar com ela, você sempre quis ir embora, então apenas faça isso. Vá e recomece em outro lugar. Às vezes penso que seria mesmo melhor por que eu sempre estrago tudo.

   ―Não diz isso. Eu e a Isabella amamos você. Precisamos de você. Da sua força, sabe que eu sou toda atrapalhada. Somos uma equipe. Nós três. Então se concentre em ficar inteira de novo e vamos deixar a cidade.

   ―Isabella tem só meu nome, ele precisa provar que é pai dela, se deixar a cidade, ele vai procurar um tempo, mas depois vai esquecer. Ugo nunca nem permitiu ser chamado de pai. Sabe que ele vive me acusando de ter traído ele. Vive dizendo que ela não é filha dele. Então deixe a cidade antes que ele te tome minha filha.

   ―Carina. Para com isso ou vou embora. Precisa descansar e se recuperar. Nunca te vi tão nervosa assim.

   ―Sinto que dessa vez eu não vou aguentar. – Ela tenta conter as lágrimas, seca meu rosto e o dela. Aperta minha mão com força. – A hemodiálise não estava mais dando jeito e agora isso tudo.

   ―Posso chamar um policial, você conta tudo que aconteceu, assim ele vai preso e ninguém precisa fugir.

   ―Você nunca vai entender.

   Não. Eu nunca vou entender que ela acha que vai morrer, mas sabe que se viver vai quere-lo de volta e por isso, pelo fio de esperança de resolver as coisas com ele, Carina não o denuncia.

    ―Vou procurar aquele amigo da professora da Isabella amanhã. O fisioterapeuta. Ela disse que ele está disposto a fazer a fisioterapia dela de graça, mas vamos ter que ir até ele. Damos um jeito. Ela precisa, sabe disso. O que acha?

   ―A dismetria precisa de cuidados e eu nessa situação. Não sei como pode dar conta de tudo Gabriela. Não tenho ideia de como vamos sair disso. Quando ainda tem de dinheiro?

   ―Você se preocupa em ficar boa, eu me preocupo com o resto. Quando tudo se resolver tiro férias de seis meses. – Ela puxa minha mão e beija meus dedos.

   ―Um dia vai ser muito feliz. Um dia vai encontrar um amor, vai ser protegida e cuidada, não vai mais se preocupar com nada que não seja ser feliz. Alguém como você merece isso.

   ―Alguém como você também merece Carina.

   ―Obrigada. Amo você. Não esqueça. Isabella é sua se algo me acontecer. Acho que preciso dormir um pouco.

   ―Vou pegar a Isabella na escola. Volto amanhã. Fica bem, não se preocupa com nada. Só fica bem. Amo você. – Nos abraçamos. Um longo abraço de irmãs. Uma irmã que a vida me deu, um presente que não me permitiu acabar sozinha aos vinte anos quando minha mãe morreu.

   Deixo o quarto indo buscar minha garotinha na escolinha. Ela tem só cinco anos, passa as manhãs pintando e cantando musiquinhas. Brincando com crianças da mesma idade. Meio período na escolinha perto de casa.

   Fico esperando enquanto ela caminha para mim na saída da escola. Vem mancando lentamente. Síndrome da perna curta é como sua doença é conhecida pelos leigos, com uma bota especial ela não manca. O problema é que está em fase de crescimento. As botas são caras, levamos seis meses para comprar a última que durou quatro meses e ficou pequena.

   Isabella vive bem com suas limitações. Algumas dores quando se esforça muito, mas é sempre feliz. Animada e falante. Tão inteligente que espanta os professores. Meu orgulho. Meu anjinho. Me curvo para abraça-la.

   ―Que demora Gabriela. – Ela sente minha falta, somos tão ligadas que parece coisa de outra vida.

   ―Que amor é esse? Não estava se divertindo?

   ―Estava. Você está muito bonita. Onde que foi assim?

   ―Procurar um emprego.

   ―Achou?

   ―Não. Ele está super escondido.

   ―Que tal me pegar no colo um pouco em? – Eu sorrio e a ergo. Não sei quanto tempo mais vou aguentar essa garotinha. – Foi visitar a mamãe?

   ―Ela está bem, mandou muitos beijos, disse que te ama muito e está com saudade.

   ―Eu também. Estou com um soninho. – Isabella se recosta em meu ombro e me envolve o pescoço. – Você vai andando e eu vou dormindo aqui. Bem pertinho.

   ―Como foi sua aula?

   ―Legal. A professora falou assim, Isabella para de conversar. Toda hora ela fala isso.  

   ―Obedeceu?

  ―Parei um pouco Gabriela, mas depois eu conversei.

   ―Tem hora certa para conversar pequena.

   ―Estou achando isso também. Só pode conversar na hora que ela não está olhando. – Ela volta a se encostar em mim. Felizmente a distância é curta e fico grata quando chegamos. Antes de entrar dou uma boa olhada em volta. Morro de medo de dar de cara com Ugo. Medo dele tentar realmente me tirar Isabella.

   Eu a coloco no sofá. Dou uma volta pela casa. Por sorte ele não levou a chave que Carina deu a ele um mês atrás. Saiu fugido e a chave ficou. Mesmo assim olho em todos os cômodos.

   Isabella liga a televisão e eu vou aquecer a comida que deixei pronta na noite anterior. Meu dinheiro está acabando. Preciso de um emprego, mas não tenho com quem deixar Isabella até Carina sair do hospital. Não sei como vai ser isso. Nem consigo pensar agora.

   ―Vem almoçar Isabella. – Chamo da cozinha, ela me ignora. – Isabella. – Vou a seu encontro e a pequena está dormindo no sofá. Não dormimos a noite toda. Tem duas noites que não dormimos.

   Aproveito para me encolher com ela no sofá e dormir um pouco. Quando ela acordar comemos. Mal a abraço e já adormeço. O som de uma campainha estridente vai me despertando aos poucos.

  Os dedos finos e quentinhos de Isabella tocam meu rosto e abro os olhos um tanto confusa.

   ―Gabriela o telefone está tocando toda hora. – Me sento sem acreditar no quanto dormimos. Olho o relógio na parede e passa das quatro da tarde. Salto por cima de Isabella um tanto tonta.

   ―Alô.

   ―Por favor. Gostaria de falar com Gabriela Cannavaro.

   ―Sou eu. – Sinto minhas pernas fraquejarem. Meu coração dispara quando olho o rostinho de Isabella atento.

   ―Aqui é do Hospital Siena Parcheggio. – Eu sabia. Assim que atendi sabia que seria do hospital. – Estamos pedindo para que venha imediatamente.

   ―Carina...

   ―Senhorita, não damos informações sobre pacientes. Por favor, precisa vir.

   ―Eu... eu estou indo. – Não quero chorar na frente de Isabella. Ela é sempre tão atenta a todos os movimentos. Tudo a sua volta a interessa. Temos uma vida simples, mas se ela tivesse recursos tenho certeza que seria ainda mais esperta.

   ―Onde você vai Gabriela? Eu ainda não almocei sabia?

   ―Querida, o que acha de comer na senhora Gioconda?

   ―Minha mãe está te chamando lá no hospital? Eu quero ir junto.

   ―Não pode meu anjo. Vou tentar voltar rápido. – Seu arzinho triste me entristece. Ela não precisa passar por tudo isso aos cinco anos. Abraço minha pequena. Beijo sua testa. – Seja boazinha meu anjo. Por favor.

   ―Você dá um beijo bem grande na minha mãe? – Faço que sim. Pego a bolsa, passo os dedos pelos cabelos e abro a porta. A vizinha tem sido muito gentil. É a terceira vez só esse mês que tenho que deixar Isabella com ela. Espero que não se negue.

   ―Senhora Gioconda. – Digo quando ela abre a porta. Minha tensão visível, a palidez, tudo denuncia meu temor e ela me olha com pena.

   ―Fico com ela o tempo que precisar.

   ―Obrigada. Ela não comeu.

   ―Cuido disso. Liga para me dar notícias. Boa sorte querida. Vamos entrar Isabella? – Minha pequena me olha num último pedido. Beijo a bochecha rosada.

   ―Sinto muito querida. Volto logo. – Olho para a mulher de cinquenta anos com o rosto gentil. – Obrigada.

   Ela passa o braço pelo ombro de Isabella e entra fechando a porta. Meu coração se aperta quando caminho para o ponto de ônibus. Será que ela piorou? Será que melhorou? Pode ser isso. Por que tem que ser uma notícia ruim?

   Leva quinze minutos até eu saltar em frente ao hospital e caminhar a passos largos. Assim que me aproximo do quarto de Carina uma enfermeira me para.

   ―Estávamos a sua espera senhorita. Venha comigo. – Olho para a porta do quarto. Quero correr para perto de Carina, mas não acho que ela esteja mais atrás daquela porta. O ar compenetrado da enfermeira me assusta.

   O médico de Carina fica de pé quando a enfermeira me leva até sua sala. Quero me sentar e ser fraca. Quero alguém para me envolver e dizer ao menos dessa vez que vai cuidar de tudo. Que posso ter uma crise de choro sem medo.

   ―Melhor sentar Gabriela. – Obedeço. Não consigo mesmo ficar de pé. A enfermeira me serve um copo de água. Só quero que acabe logo.

   ―Carina piorou?

   ―As coisas mudaram muito rápido. Trocamos a medicação na esperança de reverter o quadro. Ela teve duas paradas cardíacas e infelizmente não resistiu.

   Eu não sei o que faço. Não sei como entender que não vou mais ter Carina comigo. Que Isabella está como eu, sem mãe, que só temos uma a outra. Eu não sei como seguir em frente e pior. Eu não sei como dizer isso a uma criança de cinco anos.

   ―Gabriela. Está se sentindo bem?

   ―Não sei doutor. Não sei se entendi. Ela morreu? Não tem nenhum engano sobre isso?

   ―Sinto muito. Fizemos todo o possível.

   ―O que eu faço? Como cuido disso?

   ―A enfermeira Alberta vai ajuda-la. Tem documentos para assinar e providencias para tomar. Sinto muito. Sei que é sozinha para resolver todas essas coisas. Posso receitar...

   ―Não doutor. Eu enfrento, Isabella precisa de mim com olhos abertos.

   Estranhamente eu não choro, não mais. Queria, mas não posso. Preciso tomar tantas providencias. Não posso me dar a esse luxo. Só me resta me mover.

   Em meio as providencias eu me lembro da nossa conversa. Do seu pedido e sinto que ela sabia que estava partindo. Não era apenas a incerteza de um doente. Carina sabia que estava indo embora e me deixou seu bem mais precioso. Fiz uma promessa e vou cumprir. Vou cuidar da pequena, vou fazer tudo que for preciso. Nada vai nos afastar. Ninguém vai me roubar Isabella.

   Passa das dez da noite quando está tudo resolvido e posso ir encontrar Isabella. Amanhã enterro minha amiga, amanhã vou dar adeus a ela em uma cerimônia simples. Sem luxo, sem demora. Queria tanto ser capaz de mais do que isso.

   Isabella está dormindo no sofá da senhora Gioconda que me abraça. É um abraço sincero e carinhoso, mas ainda não é capaz de me levar as lágrimas. Sinto medo de nunca mais ser capaz de chorar. Dos meus sentimentos ficarem amortecidos para sempre.

   ―Não se preocupe. Ela nem desconfia. Isso é algo que vocês têm que conversar.

   ―Obrigada por tudo.

   ―Precisa de alguma coisa? Quer deixar a Isabella aqui comigo?

   ―Não. Obrigada, mas tudo que quero é ficar com ela. Será amanhã as dez horas. A senhora vai comigo?

   ―Claro que sim. Toda vizinhança vai estar lá. Depois voltamos para minha casa. Vou deixar alguma coisa pronta para você receber as pessoas aqui.

   ―Não sei como agradecer.

   Mais um abraço e vou buscar Isabella. Ergo a pequena nos braços e sigo com ela dormindo. Gioconda vai comigo, abre minha porta e espera até que coloque Isabella na cama.

   ―Obrigada. Até amanhã. Sem a senhora não sei como teria sido.

   ―Ela é tão tranquila. Se gruda no gato e não dá trabalho. Jantou e dormiu sem problemas. Perguntando de você a cada hora, mas isso é natural. Estamos aqui querida, para o que precisar. Sei que vai ser difícil agora.

   ―Nem consigo pensar nisso agora. – Fico sozinha. Olhando Isabella dormir. Como dizer a ela? Como continuar. De algum jeito. Por que essa garotinha merece uma chance e vou fazer o que for preciso. Sou jovem, sou forte e a amo. É tudo que preciso.


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Notas finais do capítulo

Beijosssssss
Obrigada por tudo sempre.