Trevor passou a noite sem dormir, pensando nas palavras da carta. Muitos trechos estavam em um idioma estranho, poucos eram possíveis de ler, mas tinham uma mensagem não muito boa e ficaram passeando pelos pensamentos do garoto.

A alma perdida deve salvar, libertando-a do Mal e contra Ele lutar.

Que alma? Que mal? Lutar contra o quê, se Trevor não lutava nem contra a própria preguiça? Essas e outras inúmeras perguntas rondaram a sua mente até ele ouvir as patas de Nala raspando na porta.

Ele se levantou, fez carinho na yorkshire e fez o que sempre fazia pela manhã. Mas antes de sair ouviu a mãe o chamar.

— Querido - Ravena disse, exausta como se também não tivesse dormido à noite -, seu pai e eu precisamos adiantar a data da viagem.

— Ok - respondeu Travor. - Quando vocês vão?

— Hoje.

— Hoje? - Trevor elevou um pouco a voz.

— É... - Ravena tentou pensar em algo que justificasse tamanha urgência em uma "reunião com a faculdade". - Encontraram... uns... textos há muito perdidos de uma antiga biblioteca francesa que foi destruída, e eu preciso ir ver.

— Ahn... Certo. Dinheiro para comida?

— Deixei o suficiente para pizza e comida chinesa. Tem duas caçarolas com seu almoço de hoje e de amanhã na geladeira. - Ela ajeitou o casaco do filho. - Boa aula.

Chegando na escola, a primeira aula era a de seu pai. Amber não estaria com ele, mas Scott sim.

— Cara - começou Scott -, eu adoro seu pai, mas a matéria dele é um saco.

— Talvez seja por isso que Amber não está aqui - brincou Trevor.

— Amber? - Scott se ajeitou na cadeira. - Está pensando em Amber?

— O que tem eu pensar nela? - indignou-se Trevor.

— Cara... Você não pode se apaixonar por quem acaba de conhecer, nunca assistiu a "Frozen"? Ela pode muito bem ser um Hans.

Trevor apenas o olhou de esguelha e tentou superar a atitude do amigo, lembrando-se de que Scott era o mais velho de três irmãs.

As aulas entediantes de Física, as correções de redação e o almoço passaram até depressa. A próxima aula era Biologia, e Amber o acompanharia nessa.

— Bom dia, Amber - ele disse sorridente para a garota.

— Bom dia. - Ela não parecia muito feliz.

Trevor se perguntou se sentar perto dele em outra aula era tão ruim assim.

— Então... - ele reiniciou a conversa - Algum plano para mais tarde?

— Na verdade, sim.

— Ah... Posso saber o que?

— Trevor. - Ela fechou os olhos e suspirou. - Você quer alguma coisa? - O olhou, franzindo o cenho.

O garoto sentiu o rosto esquentar e começou a gaguejar.

— E-eu... Só queria levá-la para conhecer a cidade - disse, ignorando o conselho da mãe sobre ficar em casa.

— Outro dia, quem sabe. 

Com isso, Amber se virou para frente e pegou os materiais para a aula.

Conforme as aulas iam acabando, Trevor e Scott - que foi escalado pelo amigo para stalkear Amber - perceberam que a menina parecia exausta e pálida, muito diferente do dia anterior.

Em casa, os pais haviam deixado um bilhete.

Voltamos quinta-feira pela manhã. Comporte-se, não abra a porta para ninguém, a não ser o entregador de comida e fique em casa.

bjs, mamãe e papai.

Trevor riu do "bjs", uma vez que seus pais eram péssimos com tecnologia, abreviações e qualquer coisa advinda da internet.

Resolveu pedir logo a pizza e colocou o jantar de Nala. Enquanto esperava, colocou seu jogo favorito e começou a jogar. Depois de o que parecia ser 40 minutos, ele ouviu a porta batendo. 

— Trevor? - perguntou o entregador. - São $29,90.

Trevor sorriu e entregou $50 ao cara em sua porta.

— Ah... Não tenho troco no momento, achei que tivesse dito que tinha trocado - disse o entregador.

— Não, acho que... foi engano meu - disse Trevor.

— Posso voltar depois destas entregas pra te dar o troco? 

— Claro - respondeu Trevor, enquanto fechava a porta.

Acabou com pizza enquanto assistia à Friends, sua série favorita. Depois de vários episódios, ele adormeceu, esquecendo-se do entregador que deveria trazer seu troco.

03:17. A porta da casa de Trevor bate suavemente, ele não teria escutado se Nala não tivesse rosnado. Ele se lembrou que o entregador ainda o devia o troco e, sem olhar para o relógio, foi até a janela confirmar se era mesmo o cara.

Mas ele não viu uma pessoa. Olhou o relógio; 03:18. Sabem aquela história de que espíritos do mau saem por aí às três da manhã? Trevor nunca acreditou nisso até essa noite.

Não tinha alguém ali. Havia uma sombra, muito bem definida, de uma garota. Percebia-se que seu cabelo era curto, na altura dos ombros, e que ela era magra e usava um vestido longo e que parecia rasgado.

— Trevor - a voz da sombra ecoou na mente dele. - Trevor, socorro. Chame ajuda... Trevor!

E a sombra sumiu. Ele notou que o entregador havia passado ali mais cedo e deixado o dinheiro na caixa do correio, ou seja, ele devia ter passado ali muitos antes das 03:21 da madrugada.

Atordoado, o garoto jogou a caixa de pizza no lixo, verificou se as portas e janelas do andar de baixo estavam trancadas e subiu para o quarto na companhia de sua cachorrinha. Tentou dormir, não demorou tanto quanto demorou na noite anterior, porém, mais perguntas enchiam a sua cabeça.

De quem era aquela sombra? Como ela sabia o nome dele? E o principal: por que ela pedia ajuda, ajuda a ele?

Então Trevor, de súbito, lembrou-se da segunda carta que havia lhe sido entregada na outra noite. Pulou da cama, acendeu a luz e começou a ler a carta.

Meu querido irmão,

Sei que há muito não nos falamos, e que o que estou prestes a te pedir pode ser muito, mas é preciso que seja feito.

Mate a garota.

Ninguém se preocupa com o garoto, ele não possui poderes das Trevas, ele não representa uma ameaça. Ela sim. Pode possuir poderes da Luz, mas a maldição da pedra caiu sobre ela. Tire a vida dela antes que ela tire a nossa.

Eu sei que posso parecer uma tia horrível, irmão, mas salve a vida de todos nós tirando essa única e condenada alma daqui.

Atenciosamente, 

Carolin.

Trevor, tremendo, guardou a carta na gaveta com fechadura da escrivaninha e tentou voltar a dormir. Revirou-se na cama até as cinco da manhã, quando finalmente dormiu e sonhou com uma garota. Trevor não sabia porquê, mas tinha a impressão de que essa garota e a sombra esquisita na varanda tinham algo a ver.