Obscuramente escrita por Dreamer Girl


Capítulo 4
Capítulo 4




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E então veio as notas. Vocês vão me perguntar. Como uma garota que não tem amigos na escola pode tirar nota baixa? Minhas notas estavam baixas porque eu não conseguia me concentrar nas aulas, a maior parte do tempo eu me tele transportava para um outro mundo onde eu era feliz e as pessoas a minha volta gostavam de mim. Passava as aulas inteiras imaginando uma vida perfeita, bem diferente do que ela realmente é.
Quando minha mãe entrou furiosa dentro de casa eu já sabia do que se tratava e mesmo assim não estava pronta para ouvir suas duras palavras mais uma vez.

— Émile! – Gritou ela escancarando a porta do quarto. – Você não sabe o quanto eu estou envergonhada. Helena estava lá toda feliz pelos elogios que sua filha estava recebendo. E eu tinha que fingir que estava tudo bem, quando na verdade os professores só falavam mal de você. A única coisa que você tem a obrigação de fazer é estudar e nem isso faz direito. – Eu sentia o ódio em sua voz. Minha mãe me odiava. – Você não vai conseguir ser ninguém na vida. Disso eu tenho certeza.
— Ela me deixou com aquelas palavras rodando a minha cabeça.

Eu não tinha capacidade para me tornar alguém, eu me odiava, odiava tudo aquilo que estava acontecendo. Comecei a chorar implorando mentalmente para desaparecer, deixar de existir. Eu sentia que as coisas não iam melhorar. Eu precisava acabar com aquilo.
Qual o sentido de viver quando tudo o que você faz é decepcionar as pessoas?Talvez, se eu morresse as coisas melhorassem. Todo mundo ia ficar feliz sem mim por perto. Minha mãe nunca mais passaria vergonha.

Caminhei lentamente até a cozinha, as luzes do apartamento estavam apagadas. Abri a primeira gaveta do armário e me deparei com a faca de cortar carne. Eu acabaria com todo o sofrimento naquele instante. Apontei a faca para mim mesma. Eu estava chorando desesperadamente. Tentei enfia-la dentro de mim, mas eu não conseguia. Não tinha coragem suficiente para perfurar minha pele com aquele objeto. Joguei-a na pia. Se eu não ia me matar, teria que fazer algo para deixar meus pais em paz.
Peguei o vestido preto que usei na festa de Luana e coloquei dentro da mochila junto com o um caderno e uma caneta e o livro de poemas de Camões. Isso era tudo o que eu precisava.

Coloquei meus fones de ouvido e com lágrimas nos olhos saí de casa. Eu não ia mais voltar, mas naquela época eu não sabia disso ainda. Em uma cidade tão grande quanto Recife, com aproximadamente dois mil habitantes, uma garota de dezesseis anos na rua iria passar despercebida. Entrei no metro e o vagão estava vazio. Era unas 9 horas da noite, no meu celular tocava a música Perfect do Simple Plan, eu me identificava tanto com aquela música que era impossível ouvir sem chorar.

Desci na estação próxima à praia de boa viagem. Eu sabia para onde deveria ir. O Parque Dona Lindu. Quando cheguei lá parecia abandonado com aquelas luzes apagadas. Senti um pouco de medo de ficar sozinha naquele lugar. O vento que vinha da praia era frio. Eu não estava com roupas adequadas. Usava uma camiseta branca e uma calça jeans. O silêncio reinava naquele lugar. A pista de skate, o gramado e até a parte das barraquinhas pareciam abandonada.
Ouvi um barulho de cantoria em um lugar não tão longe dali. Comecei a seguir as vozes que cantavam desafinadas. Elas vinham da praia. Me inclinei no calçadão para ver melhor lá embaixo na areia. Era noite de lua cheia, ou seja, o maré estava baixa.

Um grupo de pessoas formavam uma roda na areia. Eles cantavam alguma música de reggae enquanto fumavam um cigarro de maconha.
Fiquei olhando admirada toda aquela cumplicidade que eles tinham, dividiam um cigarro de maconha sem se importar com nada. Um deles me viu. Era negro com tranças rastafári no cabelo.

— Hey garota – Chamou ele – Gostaria de se juntar a nós?

Desci as escadas de pedra que dava para a areia e fui em direção ao pequeno grupo. O vento bagunçava meus cabelos e o barulho do mar invadiu meus ouvidos. Sentei ao lado dele. E começou a tocar uma música nova, eu não sabia cantar, nunca ouvirá reggae na vida. Mais me sentir feliz. Eu estava rindo sem motivo. Apenas rindo. Peguei o cigarro e traguei, pela primeira vez estava usando uma droga ilícita. Eu me sentir bem, como se todo o peso do meu corpo tivesse desaparecido. Eu estava flutuando.


Acordei com alguém batendo no meu braço, eu não sabia que horas eram, mas o parque já estava cheio de gente. O cara da noite passada me encarava.

— Você tem que acordar, antes que alguém chame a polícia. – levantei em um pulo ao ouvir a palavra polícia.

— Que horas são? – Perguntei com os olhos quase fechados por conta da luz solar.

— Aqui ninguém tem relógio, porém presumo que seja quase hora do almoço.

Minha barriga roncou e então lembrei que não comerá nada desde o almoço do dia anterior.

Como eu iria conseguir comida? Eu não tinha dinheiro.

— Estou com fome – Reclamei ao desconhecido.

— Vamos, precisamos conseguir comida.

Eu pensei que iriamos pedir dinheiro aos visitantes do parques, mas o homem estava me levando para longe dele, atravessamos um canal e andamos mais um pouco até chegar em uma loja de conveniência.

— É o seguinte – Ele começou a falar com precisão – Eu vou até o balcão perguntar se eles tem cigarro enquanto você fica no fundo da loja. Finja que está olhando e quando o vendedor estiver distraído enfie o máximo de coisa que puder por baixo da roupa.

— Mas todo mundo vai perceber que estou roubando. Essa camiseta é justa de mais – Protestei.

— Pegue – Ele me entregou o casaco amarelo com detalhes vermelhos que usava. – Agora é seu.

— Obrigada – Agradeci. – Posso saber seu nome?

— Eu me chamo Válter.

— Sou Émile.

Depois das apresentações entramos na loja separadamente. Primeiro Válter e depois eu. Enquanto ele perguntava ao homem de balcão quais tipos de cigarro ele tinha eu pegava alguns salgadinhos e dava uma boa olhada. Quando o homem se virou para pegar algo na prateleira eu enfiei as coisas dentro da roupa. Peguei também uma barra de chocolate enquanto estava virada para o homem.

Saí da loja na hora em que Válter me dirigiu um olha duradouro. Ele veio logo atrás. Começamos a correr de volta para a praia. Eu estava eufórica, pela primeira vez tinha feito algo certo. Mesmo que fosse algo errado.

Enquanto tirava as coisas de dentro da roupa distraída. Álvaro me olhava do outro lado da rua. Seu carro estava estacionado em frente a praia e ele estava encostado nele. Os braços cruzados. Usava a mesma camisa branca e a badana azul deixando os seus cabelos virados para trás. Ele me olhava com cara de surpresa, como se não esperasse me encontrar ali.
Andei em sua direção, ignorando Válter e as outras pessoas a minha volta.

— O que faz aqui? – Perguntou ele calmamente.

— Eu moro aqui agora – Respondi com naturalidade como se tivesse dizendo que meu cabelo é preto.

Ele riu e sussurrou um – fala serio.

— Estou falando. – Havia um tom de impaciência na minha voz.

— Você foi embora de casa por conta daquela briga que teve com sua mãe? – Sua pergunta soava tão inocente. Como se apenas uma única briga fosse motivo para isso.

— aquela e muitas outras – Eu dei de ombros. Não queria lembrar da minha vida infeliz.

— Isso é loucura. – Ele meneou a cabeça negativamente.

— Estou gostando. Pelo menos aqui eu tenho amigos. – Apontei para Válter que comia seu salgadinho distraído.

— Para com isso. Entra no carro que eu vou te levar de volta para casa. – Ele desencostou do carro e abriu a porta.

— Eu não vou voltar, minha mãe me odeia. Não está vendo. Ela nem se preocupou em me procurar.

— Você enlouqueceu. É claro que ela não te odeia. Ela deve está enlouquecendo agora. Então é melhor parar de fazer drama e de tentar chamar atenção e entrar no carro. – Eu esperava ouvir qualquer coisa menos isso. Eu achei que Álvaro fosse me compreender, mas parece que ninguém se importava. Ninguém!


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