CONTRADICOES ESPONTANEAS escrita por betarzi


Capítulo 1
1.1 Minha vida Café Tino




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/735952/chapter/1

  ⊕

♆ 1.1 Minha vida Café Tino
Como quem almejava multidões em dízimas,  imaginava que durante suas jornadas as encontraria. O vazio que temporariamente sentia durante as manhãs é normalmente preenchido por pequenas, e/ou médias substâncias, que duram da alvorada até a luz do sol nascendo. Tábata era conformada, mas não sabia. Certamente, nunca foi uma menina convencional, também, achava confortável que não a encaixassem em algum padrão. Tinha uma enorme facilidade de comunicação, mas, não sabia diferenciar amigos de colegas. Sem perceber, soava evasiva, pulando de um grupo para outro, sem cerimônia. As pessoas que a conheciam - ou imaginavam a conhecer - consideravam-na autêntica, espontânea, leve…  talvez auto-suficiente demais para a controversa pouca idade. Imaginavam por isto que talvez não precisasse de alguém. Esta qualidade durante a adolescência dificultou que criasse laços. Os muitos bandos conhecidos que a cercam a deixam à vontade, uma vez que ela sempre parece já estar “lá”. 
Quando Tábata era ainda uma criança, seu pai abandonou a casa, não lhe restando nenhuma memória, tampouco saudade. Entretanto, fez questão de deixar uma poupança a qual só poderia ser aberta pela mesma aos dezoito anos, e não tendo faltado com a pensão um mês sequer, deixou que a garota concluísse que o dinheiro substituiria sua presença. Sua mãe a culpava pelo pai ter abandonado a casa e por isso as duas mantinham um tratado respeitoso de puro silêncio. Tábata não se sentia uma pessoa triste, mas sem perceber, se tornou uma fugitiva noturna. Quando não estava nas noitadas fazendo melhores amigos temporários, estava no café mais próximo lendo romances juvenis, aproveitando o wi-fi e a boa música do local. Ali, esperava, que como em seus romances, algo incrível entraria pela porta mudando sua vida para sempre, mas Tábata era campeã em evitar fertilizar pensamentos.
 

           ☿ 1.2 Sobre vida em partituras
Ainda sou um garoto, é o que meu pai diz. Me sinto superficial e tolo quando sou reprimido por ele, quando digo querer sair para as noitadas aqui da cidade. Sempre barrado ou pausado se, como normalmente, papai faz chantagem dizendo se corroer de medo dos jovens e dos ambientes que frequentam. Acha não ser seguro. Sou filho único. O nome do meu velho é Luis, e minha mãe veio a falecer quando eu estava quase completando meus quatro anos. Bala perdida. Já esqueci como soava sua voz enquanto cantava para me ninar até dormir. Sinto falta por isso. Penso que papai ficou apreensivo após a perda e é este o motivo que me torna diferente de qualquer pessoa da minha idade. É o jeito que me sinto. Acabo sempre por respeitar suas apelações. Nós dois nos damos bem, papai é meu companheiro favorito, posso dizer. Assim como ele, quero ser arquiteto. Me chamam Pietro.

♆ 1. a mais
Palavra operacional, reticências. Seu nome a confere as todas três sílabas. Saiu da cesariana já berrando durante uma noite chuvosa em três de março, inegavelmente pisciana. Ama astrologia, se distrai fazendo mapas astrais para todos os conhecidos. Sobre horóscopos, só acredita quando lhe é favorável. Nasceu no bairro mais nobre do Rio de Janeiro, não saiu da gema desde então. Na carteira de marca Prada, guarda três cartões ilimitados. Trata de pagar tudo no crédito porque gosta de sentir a adrenalina no fim do mês, sem saber se vai conseguir pagar tudo ou não. Gasta muito, sempre mais. O dinheiro sobra, mas  mesmo assim deixou de pagar cartões-fidelidade de algumas lojas porque gosta da idéia de ter o nome sujo. Tábata tem o nome sujo mas, roupas e sapatos sempre limpos e novos. As compras que faz giram em torno do seu humor, que vive mudando. No guarda-roupa o que mais tem são vestidos ainda com etiquetas. Apesar de fazer festa em outlets, costuma usar a mesma calça jeans e alterna blusas soltinhas, ironicamente as mais baratas. Só faz questão de sapatos novos, sempre brilhantes, assim como as estrelas coladas no céu azul desbotado do quarto. As estrelas fluorescentes do teto são tão antigas que já ficaram amareladas. Ela não liga. 
Entre as paredes, ela: a fantástica e terapêutica poltrona - curvada ligeiramente à 45° - É o objeto mais aconchegante que possui, o único que a remete a um lar. Sentada ali, re-lê o final de seus romances favoritos ou veste seu headphone e escolhe uma playlist que a faça sentir sono. Se mesmo assim não adormece, se joga na cama, abraçando todos os sete travesseiros.
Entre a casa inteira é transeunte, circula pelo quarto, onde por trás de um esconderijo no armário encontra seu banheiro, e na cozinha "coletiva", na geladeira costuma ter comida pronta preparada pela agora empregada, Márcia. As domésticas vivem mudando já que sua mãe nunca gosta ou confia em alguém. Além da comida que requenta, se, quando lembra de comprar nos postos de gasolina 24hrs, entoca suas bebidas preferidas. Ninguém na casa faz compras de mercado e a mãe não sabe e não faz questão de descobrir os gostos da filha. As duas se entreolham, vez em quando, se por acaso se esbarram.
        ☿ 2.1 Princípios inativos 
Pietro é doméstico. Suas alternativas de escolha se limitam a duas: direita ou esquerda. Caminhos distintos que o fazem chegar ao mesmo lugar: à casa. Sempre pensa bastante antes de escolher. Quando sai do pré, normalmente escolhe a rua da esquerda, o que deixa ele pelo menos dez minutos mais distante do seu perturbador embora cômodo quarto cor de laranja azeda. Ele tem posteres de bandas, filmes antigos e mulheres seminuas presos na parede com fita banana. Debaixo da cama, como se tivesse nascido antes da internet, guarda revistas da Playboy. É a única forma que ele encontra para mostrar a Luís que cresceu. Ele pega seu notebook depois do almoço que é preparado no microondas, comidas de papelão. Saúde de merda. Colesterol alto. Durante a semana lasanha quatro queijos é entre cinco, três vezes escolhida para o almoço, à noite faz lanches com o pai. Luís ganha por horas extras, fazendo jornadas também aos sábado e quando sai, às 16 horas, encontra o filho na saída A da Uruguaiana. Como de costume sentam no Cigana, um restaurante self service onde montam rápido os pratos a quilo. Aproveitam o centro para visitarem exposições e papelarias gigantes, onde se divertem fazendo compras.
É sempre quase 20 horas quando recebe ligações diárias: é Júlio. Seu único e melhor amigo de infância. Os moleques têm longas conversas, falando normalmente sobre amenidades. Seus hobbies em comum são música e jogos, então uma conversa é quase um encontro. Ficam na linha por horas e mais horas, às vezes ligados ao skype, para que um veja a cara do outro enquanto jogam on-line seus RPGs, xingando com muito entusiasmo os times adversários. Isto, quando não duelam entre si, já aconteceu de brigarem sério por conta dos magníficos joguinhos. Minutos depois de se desligar do mundo virtual, um ou outro cede, enviando uma mensagem de desculpa pelo smartphone.

♆ 2.2 BEEP BOOP 
Em uma tarde qualquer de segunda-feira, Tábata desperta com o barulho repetido de mensagens no celular. Tateando à direita da cama, pega o aparelho na cômoda bege e com as pálpebras ainda pesando de sono sobre seus olhos lê -- Social hoje! Aparece aqui às 11, beijinhos da Becca -- Não se importando com feriados ou datas comemorativas para se divertir confirma que vai aparecer. Havia conhecido a amiga há alguns meses atrás, na espera pelo único e desprezível mas, necessário sanitário de uma festa. As duas descobriram que além de vários conhecidos em comum moravam na mesma rua. Desde então passaram a rachar os táxis e frequentar uma a casa da outra para se arrumar antes de sair. Juntas, conversam sobre roupas, festas e homens. Normalmente, a amiga passa quase o tempo inteiro falando sobre o sexo masculino, o que deixa Tábata ligeiramente entediada. Voltas sem fim em repetidas palavras. Diferente dela, Rebecca amava abrir sua casa e sua vida para todos, famosa por dar as sociais mais regadas da galera. 
Era pouco antes de meia-noite quando Tábata chegou, levando consigo um pack de long necks. Encontra a sala cheia e, na mesa da bancada americana 6 garrafas de tequila acompanhadas de limão e sal.  Bongs com maconha passavam de mão em mão. O som está alto e alguns dançam. No quintal, perto do cooler com gelo encontra um grupo que a comprimenta com muito entusiasmo. Começam a trocar meias ideias. Ela os conhecia de vista mas nunca tinham se falado. Mesmo se mostrando hiper- comunicativa e dinâmica, a maioria a considera inalcançável, um ponto de interrogação. Coerentemente evasiva, não criava vínculos reais. Os almejava, porém, nunca conheceu profundamente alguém para sentir falta. 
 
     ☿ 2.3 Princípios ativos 
De vez em quando, Pietro se pega imaginando que o tradicional leva a perfeição - a qual não sabe a significância - e que uma vez diplomado ficaria finalmente tranquilo. Passando de garoto para homem. Não queria conscientemente se desfazer do pai, mas sabia que conseguindo se formar e ter sua renda própria não teria que dar tanta satisfação. Arquitetura por Luís. Além de arquiteto pensara uma vez em psicologia. Carreira a qual o pai vetou dizendo que não receberia retorno monetário. Psicólogos acabam desempregados, trabalhando fora de sua área, dizia o velho. O garoto sabia desenhar. Agora em seu quarto ele liga alto o som de Billy Corgan, Mina Loy (M.O.H.), nas paredes além dos posters de banda, prendia em molduras fotos de antigos rabiscos. Ele, o pai, e a mãe Nina - quando ainda bem pequeno. Depois, o pai sobre o seu olhar, desenhado em 2012, Luís com um cavalete finalizando a planta de um prédio. E dele mesmo, aos 16, quando planejou uma pequena casa cercada por uma piscina imensa. Era realmente inspirador mas não funcional. Mantinha-os ali porque adorava lembranças e se orgulhava de seus feitos. Engavetados, guardava muito mais.
Já era noite, mas não tarde suficiente, quando Pietro sentiu um sono arrebatador, de repente, como se sofresse de narcolepsia. Ainda não tinha falado ao telefone com Júlio - como fazia todos os dias metodicamente. Não fez questão de jantar ou conferir as horas, mas ainda encontrou forças para dar play no álbum "Mellon Collie and the Infinite Sadness" do Smashing Pumpkins. O botão do repeat estava ligado.
Acabou apagando, dormindo plenamente como há muito tempo não fazia, e pela primeira vez desde criança sonhou com a mãe, Nina. Os dois andavam de mãos dadas por um caminho de areia. Pietro com sua idade atual, e sua mãe tão jovem quanto quando morreu. Alí, tomou consciência que sua mãe não poderia estar realmente à sua frente, e, mesmo quebrando a lógica dos sonhos se manteve dormente. Não fazia questão de olhar para nada em volta. Não importava onde estavam, se em uma praia ou algum deserto. Se fixou nela e em não perder tempo. A vontade, o levou impulsivo para abraça-la longa e fortemente. Sabendo que foi o melhor presente que já recebera da vida, acordou às 3:17 da manhã de seu sonho, sentindo que tinha realizado seu maior sonho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "CONTRADICOES ESPONTANEAS" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.