Comodidade escrita por Meizo


Capítulo 3
O seguro morreu de velho mesmo?




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Sanji não saberia dizer a hora ou o momento exato no qual se apaixonou por Zoro, mas sabia dizer o momento em que se tornou consciente disso: foi durante uma partida de basquete no ensino médio quando Zoro acertou uma bola em seu rosto. Quer dizer, não que a bolada tenha tido algo de especial ou que seu cérebro tenha sofrido algum tipo de mudança depois do impacto (pelo menos ele tinha quase certeza disso), mas quando Zoro assomou-se sobre seu corpo caído e puxou o braço de Sanji sobre o próprio pescoço suado para ajudá-lo a chegar à enfermaria, Sanji soube que o coração batendo descompassado nada tinha a ver com o sangramento em seu nariz.

O cheiro de Zoro tão próximo; o calor corporal que o contagiava pela proximidade que estavam enquanto Sanji se deixava ser arrastado pelos corredores; o irritante cabelo verde que o distraía durante as aulas e que, vendo de perto, não parecia tanto assim com grama; a orelha com os três furos que Sanji ajudou a fazer nas férias de verão, embora estivesse sem os brincos dourados que Zoro costumava ostentar fora da escola; a voz que, sendo ouvida de tão perto, agitava as já nervosas borboletas em seu estômago.

Esses muitos detalhes poderiam ser insignificantes para outros, mas para Sanji, que enumerava cada uma delas e as guardava no coração sem perceber, eram motivos de exasperação. Depois de tanto reprimir e negar para si mesmo o que sentia, ali estava Sanji tentando não demonstrar o quanto a proximidade de Zoro o perturbava. A fraqueza nas pernas nada tinha a ver com a bolada em seu rosto, afinal.

Claro, isso não o impediu de entender os xingamentos de Zoro que encheram seus ouvidos durante todo o trajeto até a enfermaria, nem o impediu de retrucar a ele na mesma altura. Zoro o irritava na mesma medida que despertava sentimentos românticos. Mas apesar da não tão intensa animosidade entre ambos, Zoro permaneceu no cômodo observando o atendimento de Sanji até que o enfermeiro finalizou o curativo (um simples band-aid em um machucado na mão de quando caiu e algodão em suas narinas para barrar o sangramento que já diminuía o fluxo naturalmente) e o liberou de lá. Depois, os dois voltaram para a sala de aula com carrancas iguais, sentaram em suas respectivas cadeiras e fingiram prestar atenção nas aulas seguintes.

Esse falso atrito poderia ter sido encerrado aí e Sanji teria tido tempo para pensar em como amortecer esse sentimento que considerava inoportuno, mas, após o término das aulas daquele dia, Zoro resolveu acompanhá-lo até quase a porta de sua casa, talvez por algum resquício de peso na consciência pela bolada de mais cedo. E por mais que Sanji tenha rejeitado esse incomum gesto de boa vontade, Zoro andou carrancudo ao seu lado e somente virou-se para ir embora quando ficou a dez passos da entrada da casa de Sanji.

Sanji parou para assisti-lo se distanciando dali, meio que torcendo para que ele desse ao menos um olhar para trás, mas Zoro não fez isso e momentos depois sumiu ao dobrar a esquina. Mas, apesar de tudo, sentiu-se estranhamente comovido com o entorno geral. Mal tinha cogitado fingir que essa paixonite não existia e já parecia ter fracassado enormemente.

De todo modo, para não ficar em dívida com ele, Sanji comprou alguns picolés no dia seguinte — afinal estavam no auge do verão e qualquer guloseima que refrescasse um pouco era bem-vinda — e os deu de recompensa a Zoro. Sorriu com a expressão confusa que Zoro exibiu e saiu confiante de que agora estavam quites. Contudo, no final da tarde Zoro jogou dois pães de melão em sua mesa e saiu antes que Sanji pudesse pensar em rejeitar.

E incapazes de deixar o orgulho de lado em prol de interromper essas trocas guloseimas, eles mantiveram esse ritmo por tempo suficiente para o motivo inicial ser esquecido e das trocas deixarem de serem feitas com irritação para serem feitas de modo natural, quase como se fosse inevitável fazer isso. As vezes recebiam olhares confusos dos colegas de classe, principalmente quando evoluíram as trocas de comida para gestos inesperados de afeto. Perdeu as contas de quantas vezes deixou Zoro cochilar encostado em seu ombro ou com a cabeça apoiada em seu colo, também deixou de contabilizar mentalmente as vezes que Zoro simplesmente o puxou para que sentasse em seu colo quando os amigos tinham ocupado todas as cadeiras próximas, ou ainda os momentos em que Zoro ofereceu sua presença silenciosa e tranquila quando Sanji sentiu-se sobrecarregado com tudo mais.

Eles ainda discutiam, é claro. A maioria das vezes por motivos bestas, mas também acontecia de terem algumas brigas feias e de ficarem dias sem se falar, como da vez que tiveram divergência de opiniões sobre interferir ou não na briga de Usopp e Luffy. Zoro disse para deixá-los por conta própria e Sanji quis obrigá-los a pedirem desculpa um ao outro. No final, Luffy e Usopp reataram a amizade depois de uma semana, enquanto que Sanji e Zoro passaram quase um mês inteiro brigados, somente voltando a se falar depois que saíram no soco e foram parar na diretoria.

Mesmo nesses momentos os sentimentos de Sanji continuaram fortes dentro do peito, mas ele não tinha qualquer intenção de se declarar naquela época. O problema não era Zoro ser um garoto, longe disso. Sanji soube desde cedo que gostava tanto de garotas quanto de garotos. E apesar de apreciar corpos curvilíneos, ele era bem consciente de que se atraía mais por músculos definidos e constituição física firme (coincidentemente Zoro se encaixava bastante em seus critérios).

Então, o que o impedia de dar um passo adiante em relação a Zoro? Bom, o primeiro motivo era que Sanji nunca percebeu qualquer sinal de interesse romântico por homens partir de Zoro. O Roronoa, na verdade, não parecia interessado romanticamente em quem quer que fosse, mas possuía um número considerável de admiradoras e vez ou outra surgia com uma nova namorada. Nunca duravam muito, mas a cada nova namorada que aparecia ao lado de Zoro, Sanji sentia-se menos estimulado a realizar uma tentativa.

O segundo motivo era que a amizade entre eles não era algo que Sanji estava disposto a perder por causa de alguns sentimentos unilaterais. Ele já se achava no lucro de usufruir um pouco da atenção e cuidado daquele jovem de comportamento tão bruto. Além disso, Sanji não tinha confiança de ser alguém digno o suficiente para ultrapassar a barreira da amizade e investir em um relacionamento romântico. Quando se olhava no espelho via em seu reflexo alguém que não possuía qualidades excepcionais em campo algum e que podia ser facilmente substituído por outras pessoas.

Porém, depois que Sanji precisou ser internado para uma rápida cirurgia e viu como Zoro ficou afetado, Sanji percebeu pela primeira vez o quanto o outro o estimava verdadeiramente. 

Lembrava-se bem desse dia. Sentiu uma dor infernal no lado inferior do abdômen, além de um mal-estar e febre persistente que durou a manhã inteira e se estendeu pela tarde. Sanji achou que se tratava de alguma comida que não tinha caído muito bem em seu estômago e tentou seguir sua rotina normalmente, pois era dia de Zoro ir para a psicóloga e nesses dias Sanji o buscava após a sessão para jantarem, fazer qualquer outro programa que tivessem combinado ou apenas deixá-lo em casa nos dias que ele ficava exausto demais para outras interações. A essa altura já tinham se graduado da escola e estavam estudando em universidades diferentes, mas a amizade permanecia. E depois do terrível acidente de Zoro e Kuina, Sanji tornou-se ainda mais presente na vida dele, buscando ser o suporte que a família dele não tentou ser.

Porém, nesse dia mal conseguiu dirigir até o local onde Zoro o esperava. Não sabia nem como estacionou o carro antes de se curvar sobre o volante devido a intensidade da dor no abdômen. Com muita dificuldade conseguiu sair do carro e teria caído no chão se Zoro não tivesse chegado e o segurado bem a tempo. Quando pontos pretos surgiram nos cantos de sua visão, Sanji soube que desmaiaria em breve. Tentou explicar isso para Zoro, mas só teve tempo de ver a expressão preocupada dele antes de apagar de vez.

Quando despertou estava deitado em um leito de hospital, com um apêndice a menos e 12 pontos mantendo o corte da cirurgia bem fechado. Só então descobriu que estivera com apendicite e que, segundo o médico, Sanji teve sorte de não ter sido pior. Se tivesse atrasado ainda mais a cirurgia, seu caso poderia ter tido um final muito diferente.

Sentia-se lento por causa dos efeitos dos sedativos e não sabia como reagir quando se deparou com um Zoro de expressão transtornada sentado na cadeira reservada para o acompanhante do paciente. Sua mãe, Sora, esteve acompanhando-o após a cirurgia, mas precisou telefonar para alguém levar os comprimidos que ela esqueceu em casa e deixou Zoro vigiando-o. Sanji ficou ainda mais surpreso quando percebeu que Zoro segurava sua mão e que havia uma certa vermelhidão ao redor dos olhos, indicando um choro recente.

Talvez fosse errado Sanji sentir seu coração palpitar de felicidade naquele tipo de situação, mas ainda assim se sentiu especialmente amado pelo Roronoa. Se antes tinha a impressão de que ocupava um lugar especial no coração de Zoro, depois desse acontecimento Sanji teve certeza disso, principalmente porque Zoro começou a agir mais protetivo ao seu redor. Protetor de um modo que era quase irritante. Quase, pois Sanji se aproveitou bastante desse novo comportamento.

A partir daí a amizade entre eles ganhou uma nuance ainda mais ambígua, embora essa ambiguidade não fosse percebida pelo próprio Zoro e seu cérebro de grama. Contudo, Sanji ficou mais confiante e se permitiu certas liberdades em relação a Zoro. Começou a frequentar mais a casa dele, aproveitando qualquer oportunidade para tocá-lo demoradamente, e se esforçou para conseguir a posição de principal confidente dele (Depois de Luffy, é claro. Luffy ocupava um lugar especial para todos eles, afinal). Comunicava todos os pequenos avanços aos amigos, embora pouco fizesse em relação ao campo romântico.

Tinha fé, porém, que o melhor método era fazer Zoro perceber por conta própria, de uma forma quase subliminar, que o parceiro ideal para o resto de sua vida era Sanji. E para seguir esse plano ele precisava ser muito paciente e ter muita resiliência para aguentar o tanto de namoradas que passava na vida de Zoro.

Mas não podia negar que havia lados bem positivos em sua empreitada, como, por exemplo, naquele momento ele estava sentado nas costas de Zoro, pressionando os dedos com vontade nos ombros firmes. Mais cedo durante o jantar, Sanji percebeu que Zoro estava com o pescoço tenso e sugeriu uma massagem. Não achou que sua sugestão seria levada a sério, mas Zoro concordou um pouco depois com um simples aceno da cabeça. Então, após assistirem um filme, Sanji mandou que ele deitasse de barriga para baixo na cama e em seguida se acomodou sobre as costas dele.

“Desde quando você sabe fazer massagens?” Zoro apoiou a bochecha no travesseiro e aguardou Sanji iniciar seja lá o que ele fosse fazer.

A partir deste exato momento. Pigarreou. “Aprendi para ajudar minha mãe a relaxar quando estava estressada do trabalho. Uh, ela era workaholic...” mentiu ele.

Sanji não era especialista em massagens, mas Zoro também não era e, portanto, não iria descobrir sua farsa. O segredo para mentir bem era ter alguma informação verdadeira para servir de base e, nesse caso, a mãe de Sanji era de fato workaholic. Desde que Zoro não fosse questioná-la pessoalmente acerca disso, o que era bastante improvável, as chances da mentira ser exposta eram praticamente nulas.

 Além disso, Sanji estava confiante que conseguiria fingir bem o suficiente que possuía alguma habilidade em massagens.

“Entendi.”

“Me diga caso prefira que eu aperte mais forte em algum ponto específico.”

Sem esperar Zoro responder, Sanji começou a apertar os músculos do ombro dele. Felizmente, Zoro não tinha como ver seu rosto, pois certamente sua expressão estava denunciando o quanto estava gostando de tocar livremente aquela pele com seus dedos nus. Pressionou um pouco a área inferior do pescoço e depois se estendeu em movimentos mais confiantes para os ombros. Enxergando a falta de reclamações como um incentivo a continuar, Sanji espalmou as mãos na pele marrom das costas e realizou movimentos mais fortes. Pressionou aqui e ali com total concentração e só quando ouviu um gemido rouco partir de Zoro foi que percebeu que talvez tivesse se empolgado demais.

Cessou os movimentos de imediato e afastou as mãos do corpo quente.

“Doeu? Não percebi que estava apertando muito forte, desculpe.”

“Uh, não foi isso”, Zoro respondeu depois de um silêncio curto. “É que a sensação foi... boa. Não doeu.”

“Ah.”

Sanji não ousou colocar as mãos de volta, pois uma parte muito específica de seu corpo estava se animando demais com a sensação dos músculos sob seu toque. E o gemido inesperado de Zoro o fez relembrar de sonhos não muito pudicos que tivera durante a madrugada.

Sanji engoliu em seco.

“Bom, acho que já relaxou o suficiente por hoje...” disse, saindo de cima do corpo de Zoro e rumando para a porta do quarto em passos rápidos.

Zoro levantou a cabeça do travesseiro, olhando surpreso para o Sanji em movimento. “Hã? Vai pra onde?”

“No banheiro. É rapidinho”

Zoro ergueu uma sobrancelha, confuso.

“Pode usar o daqui mesmo—”

Sanji nem o deixou terminar e já saiu porta a fora, indo se trancar no banheiro do corredor. Precisava de um momento a sós para respirar fundo algumas vezes e acalmar o problema dentro de sua calça. Se ainda não estava pronto para declarar seus sentimentos, definitivamente não era a hora indicada para demonstrar o quanto que se sentia atraído pelo físico de Zoro.

Mas é claro que um dia Sanji se declararia.

Bom. Provavelmente.

Talvez quando Zoro colaborasse sendo menos obtuso e facilitasse a situação para ambos...

Esse dia, entretanto, com certeza não era aquele. Afinal, o Zoro que bateu na porta do banheiro e perguntou se ele estava tendo algum problema estomacal sequer suspeitava que Sanji estava se masturbando sofregamente com as mesmas mãos que há pouco o tocara.

Mas um dia o momento certo chegaria! Ou pelo menos, Sanji torcia para que isso acontecesse antes do fim dos tempos.


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