Vai sonhando escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Gente, este é o último capítulo para a divulgação do livro. Se alguém quiser conhecer o restante da história, vou deixar os links para o livro físico e o e-book. Muito obrigada já a quem chegou até aqui. Espero que estejam gostando.
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Beijos! ♥



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Double acordou no dia seguinte com dor de cabeça por ter dormido cedo e durante tempo demais. O que estava prestes a fazer não passava de uma espécie de troco para o que Dave lhe dissera na noite anterior, ou para o que Dave não lhe dissera. Ele não precisara usar nenhuma das palavras do repertório repetitivo. Agora era revigorante saber que poderia sair e fazer o que quisesse sem dever a ele qualquer explicação. Foi o primeiro a se arrumar e deixou o trailer. Teria alguns minutos antes que os outros acordassem e fizessem toda a longa viagem de volta de Chicago para Vancouver.

Caminhou por seis minutos até estar de volta na Starbucks da manhã anterior. Pediu um frappuccino de caramelo e foi se sentar em uma das poltronas mais próximas da porta. Pegou o mp3 no bolso da calça e puxou os fones para o ouvido. A playlist estava no último álbum lançado pelo The All-American Rejects, alguns dias antes de saírem em turnê. Double entortou o chapéu sobre a cabeça para encostar o rosto no vidro da grande janela que tomava toda a frente da cafeteria, enquanto escutava o vocalista: I’ll keep you, my dirty little secret.¹

Ele sabia que essa era a intenção do compositor e que o que sentia ao ouvi-la não era exclusividade sua, mas a letra lhe trazia uma sensação gostosa de que estava fazendo coisa errada. Bom, ele estava. Durante a adolescência, havia desperdiçado uma quantidade desumana de músicas ao relacioná-las com Dave. Depois de perder mais uma na noite anterior, não precisava de mais disso agora. Então aqueles versos o atingiam com o oposto desse efeito, enchendo-o da ansiedade de reencontrar o homem com quem trocara olhares, dando um significado bastante pessoal para aquela canção.

Pelo canto dos olhos, sua atenção foi tomada por um homem engravatado que entrava pela porta, debaixo daquele calor infernal da última semana de julho. Ele tinha o celular colado ao ouvido e foi direto para o caixa.

Double tentou disfarçar que o olhava, que torcia para que ele o reconhecesse e entendesse que estava ali apenas para esperá-lo. Virou-se de lado no assento e apoiou as costas no vidro frontal da cafeteria, enquanto baixava o volume nos fones de ouvido. Com o corpo de frente para o balcão de atendimento, seu chapéu era pressionado na parte de trás da cabeça, de modo a cair levemente pela testa. Perdendo parte da visão que tinha de Christopher, acreditou que isso seria o suficiente para se mostrar desinteressado.

Espiou por baixo da aba até o momento em que o homem encerrou a ligação e pegou o café para sair. Era isso. Não seria visto. Ele passou por sua poltrona e segurou a maçaneta da porta, então, novamente com o canto dos olhos, Double o viu parar e olhar em sua direção. A voz dele veio como um simples cumprimento, mas a intimidade do que ela dizia fez o ar que entrava por sua boca criar um vazio tempestuoso em sua barriga:

─ Cal.

Não era todo mundo que se dirigia a ele por aquele apelido. Double virou primeiro os olhos para o homem de saída, depois ajeitou o chapéu na cabeça. Quando teve a visão livre e voltou o rosto para ele, a fim de indicar que o havia escutado, hesitou um segundo para cumprimentá-lo do mesmo modo, em voz baixa:

─ Chris.

O homem abriu um sorriso pequeno e puxou a porta para só então sair. Double voltou a se encostar na janela e sorriu sozinho quando ele desapareceu. Era uma pena que ficaria só com essa lembrança pelos próximos dias. Conhecia aquela ventania no estômago, de qualquer forma, e se arrependeria se tentasse ir atrás dele e fazer com que aqueles dois encontros em uma cafeteria se tornassem algo mais. A simplicidade era provavelmente parte da magia. Don’t tell anyone or you’ll be just another regret² — a própria música já lhe dissera algumas vezes nos últimos minutos.

 Esperou outros cinco para não cruzar com ele na rua e voltou ao trailer. Os colegas de banda estavam sentados na pequena sala que tinham logo atrás do banco do motorista, quando chegou.

─ Finalmente. ─ Dave foi o primeiro a se levantar e andar em sua direção. Double desviou o rosto quando sentiu que ele o seguraria para olhá-lo de perto. Ele não faria nada mais significativo que isso na frente de Shaun e Peter. ─ Você tá bem?

─ Sim, acordei cedo e saí pra tomar café ─ respondeu com a voz baixa e andou até os beliches. ─ Tô cansado de ficar aqui. Podemos ir embora?

Shaun ergueu as sobrancelhas para Peter, sentado no sofá do outro lado do corredor. Não vira Double na festa da última noite e ele também não aparecera quando Chris Pryor viera conhecê-los pessoalmente. Dave logo se agarrara com uma das meninas do grupo que entrara nos bastidores, mas Shaun não se lembrava de tê-lo visto levá-la para dentro do trailer. Não sabia como as coisas aconteciam entre Double e Dave a ponto de julgar um ou outro, mas, toda vez que via algo assim, não conseguia deixar de pensar que nunca vira Double beijar qualquer outra pessoa na frente de Dave. E ele sempre tinha a impressão de que Double não ficava confortável com o outro fazendo isso em sua frente.

Enquanto Dave dirigia para fora do estacionamento, Shaun olhou pela janela. Sabia que ficaria com saudade daqueles dias e, embora tivesse passado por diversas cidades e ficado apenas duas noites naquela, tentou guardar na memória cada pedacinho do que deixaria para trás.

Logo o melhor amigo estava ao seu lado, após se levantar com um impulso do sofá em frente e se jogar junto consigo até deitar a cabeça em seu colo. Shaun sabia que, com dezenove anos e sendo o único sem permissão legal para beber nos Estados Unidos, era também o que estava voltando mais inteiro para casa. Havia bebido uma coisa aqui ou ali, com o maior cuidado para não ser pego, e tinha abusado de verdade apenas algumas noites atrás sob os cuidados de Peter.

Colocou as mãos no cabelo dele e tombou a cabeça no encosto. Encarou o teto enquanto puxava devagar seus fios e começava, junto com uma meia risada saindo pelo nariz:

─ Tive um sonho engraçado com você. Sabe quando você sonha com as pessoas, e elas não são quem elas são? Seu nome era Pietro e você tinha um sotaque engraçado.

Ouviu Peter reagir com um riso preguiçoso e, em uma espiada rápida para baixo, viu-o de olhos fechados. Ele assentiu contra sua perna e ergueu os braços para estalar os dedos, agora com as mãos próximas ao seu rosto.

─ Pietro? Eu era moreno e sexy?

─ Não. ─ Com um puxão mais forte no cabelo castanho dele, que se mantinha para cima mesmo quando ele não os arrumava com fixador, de tão viciados naquela posição durante os últimos anos, indicou que era para ele parar de se fazer de engraçadinho. ─ E também não tinha garotas pra você. Você tava recolhendo o lixo do hospital em que eu trabalhava.

─ Que broxante, Shaun.

Com o resmungo, uma gargalhada mais alta brotou do guitarrista. Ajeitou as pernas debaixo dele e escorregou um pouco mais o corpo para descansar também, encaixado contra o encosto do sofá.

─ É, eu sei.

 _

¹ Eu vou esconder você, meu segredinho sujo.

² Não conte a ninguém ou você será só mais um arrependimento.


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