Érick

— Então você precisa ter aulas nas férias?
Arrumávamos alguns matérias do clube de xadrez.
Ela parecia meio agitada. — É... A Sra. Park disse que se eu consigo tirar a média, com mais dedicação eu posso tirar a nota máxima. Então ela só vai me deixar participar do festival se eu garantir que vou realmente conseguir maiores notas (principalmente em matemática).
— Bem, eu vou trabalhar nas férias como garçom em um café, mas acho que não vai atrapalhar se eu for de vez em quando. Claro que não irei todos os dias, já que não vai estar me pagando...
Mia riu sem graça. Por que ela parecia tão envergonhada hoje? Devia ser por pedir mais aulas de graça.
— I-isso é um sim?
— Tudo bem. Mas vão ter dias que pedirei para que vá ao café.
Ela me mandou seu joinha energeticamente.
— Ah, Sensei... Como estão as coisas com seus pais? – perguntou, parecendo ter cuidado ao tocar no assunto.
— Aos poucos estamos nos aproximando de novo. Preferi continuar morando sozinho, meu pai quis me bancar, mas eu disse que não precisava. Gosto dessa independência, do meu espaço... das pessoas que moram por perto. – olhei para ela, mas acho que não me entendeu – Bom, eu estou jantando lá com mais frequência e minha mãe disse que isso já a deixa muito feliz.
— E você?
— Han?
— Está feliz também? – ela parecia realmente curiosa.
— Sim.
Ficou satisfeita com a resposta. Também estava satisfeito. Era a boa a sensação de quando ela se preocupava comigo assim.

***

Mais tarde, depois que cheguei em casa, percebi que não havia nada para comer, então aproveitei para ir ao mercado perto dali.
— Sr. Carter!
Estava na fila do caixa, quando vi a tia de Mia entrando na fila com uma cestinha atrás de mim.
— Sra. Felman, como está? – disse pegando a cesta da mão dela.
— Ah, obrigada... Estou bem. Sua mãe foi visitar a Mia ontem.
— Sério? Não fiquei sabendo disso.
Aquela garota não me disse nada... E passamos praticamente o dia todo juntos.
— Ela é muito gentil. Esperou um tempão só para agradecer a Mia. Não sei exatamente como minha sobrinha a ajudou, mas fico aliviada que consegui dar a ela uma boa educação.
Sorri.
— Sabe, Mia sempre encantou as pessoas, tanto com o talento quanto com seu jeito. Mesmo que seja desajeitada para algumas coisas, ela é uma menina doce e muito carinhosa.
Lembrei de como ela ficou desesperada por ter esquecido o aniversário da tia, e como ficou contente quando a viu sorrindo.
— Sim, ela é uma boa garota.
— É, mas está uma pilha para esse festival! Ela se esforçou muito com os estudos, e agora está até tarde na escola resolvendo as coisas. – disse parecendo estar com pena da sobrinha.
Acho que não tinha contado a tia do incidente no ginásio.
Esperei ela pagar a conta, e a acompanhei, ajudando a carregar algumas sacolas.
— Só espero que nessas férias ela possa descansar. – retomou o assunto no meio do caminho.
Descansar? Mas ela não tinha dito que tinha que estudar nas férias?
— Talvez sobre algum tempo de folga depois dos estudos.
Ela soltou uma risada.
— Ah, eu esqueci que estava falando com um tutor. Você é realmente estudioso... Mas Mia estudar nas férias? (risos) Eu disse a ela que queria que tivesse essa maturidade. Ela ficou energética, dizendo que já estava madura, e que provaria isso para mim e para o garoto que ela gosta. Mas cá para nós, ela não sabe que eu ouvi a última parte. – disse num tom mais baixo.
Fiquei meio sem reação ao ouvir aquilo. Mas ela pareceu não notar e continuou falando:
— Eu fiquei contente em ouvir isso. Não sei se é da boca para fora, mas por agora estamos satisfeitas com seu progresso nas notas.
— Estamos?
— Sim, sim. Eu e a Sra. Park, a professora de música. Ela que me abriu os olhos para a Mia. – ela se virou para mim – Muito obrigada pela sua ajuda, meu bem.
— Imagina... Posso ajudar a carregar até lá dentro.
Ajudei-lhe, já que tinha muitas e eu só comprei o essencial. Quando entrei, olhei para o andar de cima e me senti ansioso.
— Pode colocar aqui, meu bem. – disse a tia, apontando para a cozinha.
Fui em sua direção.
Esperei por um tempo, imaginando Mia descer as escadas correndo, gritando “Sensei!”, com aquele sorriso de criança.
— Está com fome? Farei uma sopa de legumes. - perguntou tirando alguns ingredientes da geladeira – Mia adora! Foi o único prato que se interessou em aprender a cozinhar.
Acho que nem esse ela deve saber então... Lembrei da sopa que fez no dia que fiquei com febre. Estava realmente salgado, mas estava muito faminto.
— Ah... – tamborilei os dedos na mesa, ainda em pé – E... Onde está ela pra te ajudar por aqui?
Sra. Felman riu. — Ah, eu a liberei para tocar num bar de um amigo. Não sei se conhece o David, ele é lá do seu colégio também. É um bom menino. O pai dele tem um... – pareceu tentar lembrar de algo – Pub? Acho que é isso... não sei qual a diferença, mas Mia sempre me corrige quando chamo o lugar de bar.
— Ah, sim...
Por que me sinto estranho? Eu meio que... perdi a fome.
— Ah, desculpe, Sra. Felman. Esqueci que tinha marcado de encontrar um amigo agora.
— Oh, não se preocupe, querido. – voltou a picotar o chuchu e quando terminou, secou suas mãos no avental, me acompanhando até a saída.
— Vai lá. – sorriu - Muito obrigada pela ajuda!
De volta para casa, tentei encaixar as coisas que Mia disse sobre as aulas nas férias, mas não fazia sentido. A não ser...
“ Ela disse que provaria para mim e para o garoto que gosta.”.
O garoto que ela gosta... Poderia ser eu?
Sorri sem perceber.
Por que estou feliz com isso, aquela idiota mentiu para mim afinal.