Catherine escrita por honeymooon


Capítulo 5
Capítulo 4: Confundir




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Parada em um canto do meu quartinho, próximo ao armário, com as luzes do abajur de cor erroneamente descrita como cinza (era rosa claro, com um toque de poeira por cima) ligadas no mínimo, Laura contemplava o nada, perdida em vários tormentos internos. Havia a imagem de um príncipe em sua mente, um daqueles tirados diretamente de algum conto antiquado, com suas espadas afiadas, dentes esbranquiçados, roupa avermelhada, cantadas românticas impossíveis de se ouvir hoje em dia e o amor pela princesa.

Na verdade, confesso, eu havia mesmo visto esse príncipe minutos antes, em um livro velho dentro do meu baú. Havia tanto pó e poalha cobrindo as parafernálias, que achei não ser possível completar a expedição pelos itens da minha infância. Há quanto tempo eu não mexia naquele baú? Pensei. Muito tempo. Tempo suficiente para me esquecer completamente do que havia dentro dele.

O que eu queria na verdade era mais do que um livro infantil. Era o que havia dentro dele. E não sou de julgar o livro pela capa, então me dei a oportunidade de desfrutar das belezas de uma escrita suave. Procurava, antes de tudo, uma foto perdida por ali: era para estar por ali, digo. Era uma foto comprometedora, uma daquelas recordações de namoro escondido que ninguém quer a mãe vendo. Havia uma carta junto dessa foto e provavelmente um poema. Na verdade, não me lembrava com detalhes se o poema estava junto, mas quem se importava? Eu só queria ver a foto.

Mas o livro me pegou pelo pé. Eram frases simples, curtas e imagens esparramando-se por paginas completas. Eram traços delicados e as cores usadas surtiam calma no leitor, aquela calma necessária para uma criança agitada. Eu imaginava as mães se esforçando para mostrar a imagem para um neném birrento, sem paciência de ver tal coisa. Uma mamadeira babada provavelmente voaria contra a imagem da tristonha e curvada Cinderela, exaurida depois de limpar uma casa toda, no seu vestido de gata borralheira com detalhes em amarelo, marrom e preto. Novamente, quem se importava? Aquelas imagens não surtiam o efeito desejado em mim, se querem saber. Quer dizer, eu sentia uma calma leve, bem breve. Logo depois, um temor me remoia. O que era aquilo? Cogitava. Mas eu sabia bem o que era:

Era a infância escurecida a me dizer olá.

Fechei o livro automaticamente. Eu nem lendo mais estava quando fiz isso. Os olhos seguiam as palavras, mas elas não entravam na minha cabeça. Nada fazia sentido e tudo dentro de mim se borbulhava. Eu me lembrava. Eu me lembrava. Eu simplesmente me lembrava de coisas que eu não gostaria.

Não achei a foto tampouco a carta. Pelo contrario, achei um pesadelo para me ocupar naquela noite. Qual mesmo fora o motivo para todo aquele alvoroço, eu teria que esquecer. Logo, era hora do almoço e eu iria comparecer àquela cozinha com meus melhores sorrisos. Foi assim desde sempre. Fingir, concordar, pacificar e perdoar. Um ciclo que não parava, rodando e rodando até a hora em que eu sem querer pulei uma dessas fases e bom, a Cinderela talvez não fosse gostar – já disse que seus olhos eram tão realistas que pareciam capturar meu olhar de forma incessante? Não? Bom, viva o realismo! Espero que o pintor não tenha morrido intoxicado pela arte.

**

Não importava o que eu fizesse, Ethan não retirava os olhos de cima de mim. Não muito, ele foi repreendido por um dos passageiros a lhe pedir informação e foi nesse momento em que pude perceber o quão vidrado ele estava. Totalmente perdido em tais pensamentos. Não que eu não tivesse sentido seus olhos aguçados a me caçar, anteriormente, mas eu ignorava. Era meu chefe, não era? Eu devia-lhe várias coisas, não devia? Um emprego custava caro. Será que eu poderia voltar para minha loja de café?

Ansiei por Catherine. Queria vê-la, pois naquela noite gélida eu tinha assunto. Mas, seu voo estava atrasado –nevou e nevou noite anterior – e eu poderia apostar alguns tickets para a primeira classe que minha alma não desfrutaria de sua presença no andar superior. Ainda mais, eu teria que aguentar e fugir – ênfase no fugir – de Ethan a noite inteirinha.

Eu me culpava, oh como eu me culpava, não só por ter aceitado o emprego, mas por tê-lo deixado achando que eu compartilhava das maravilhas do amor com ele. Eu provavelmente falei alguma coisa errada. Eu repassei na cabeça todas as nossas conversas e não cheguei em um consenso de quando foi que tudo isso começou. A realidade dele era totalmente diferente da minha. Ele deveria estar confiante quando se aproximou e eu nunca disse não. Um não faz toda a diferença, não é mesmo?

Pra não dizer que eu era totalmente amigável, eu era uma incógnita. Pragmática, para ser exata. Eu lhe dava respostas fora da sua zona de conforto. Vejam, Ethan esperava um “você me deu um emprego, vamos sair juntos?” e eu só lhe dava um (quando lhe dei na verdade) “obrigada, Ethan. Foi legal da sua parte”. Mas ele estava obstinado e isso me causava certo desgaste desnecessário. Tudo que eu queria naquela noite era não enfrentar nenhum congestionamento por causa da pista congelada, um banho quente, talvez uma sopa, cama com certeza e achar a bendita foto perdida. Nada além. A foto possivelmente eu encontraria com mais calma no dia seguinte, então eu focava na cama e no banho. Contudo, Ethan tinha outros planos.

—Eu te levo para casa – desferiu à mim o apaixonado rapaz. Havia aparado a barba e parecia um pouco mais solto.

—Eu prefiro ir de ônibus – eu prefiro ir à pé, eu poderia dizer. Ethan era charmoso, entendem? Ele tinha suas graças. Mas, ele não me dava privacidade. Não sabemos o que planejava.

—Eu te levo, sua casa fica perto da minha.

—Como sabes? – questionei cruzando os braços e levantando as pestanas. Ora, era abusado.

—Eu sou seu chefe, lembra? Tenho todas as informações sobre você em uma pasta.

Eu sorri, mas era uma fachada. Assustei-me de imediato. Era meu terceiro dia na empresa e eu já vislumbrava um árduo caminho. Nessa hora eu senti a falta das meninas do trabalho, pois elas me dariam suporte emocional. Elas sempre davam algum suporte, mesmo que fosse quase invisível. A proteção que elas me passavam era algo que eu não tinha na minha vida privada e ansiava por.

—Eu vou sair com minhas amigas – foi sua vez de sorrir, só que contrariado – As do café. Eu não tenho amigas aqui.

—Iria te perguntar isso, mas você já me respondeu – houve um silencio mortal, um silencio assustador – Sente falta delas?

—Claro, trabalhei tanto com elas. Você não sentiria?

—Claro, claro – eu me virei e fui atender um passageiro furioso. Porém, enquanto o rapaz buscava seu passaporte dentro da bolsa, eu ouvi a boca do Ethan despejar palavras por cima dos meus ombros – Bom passeio, Laura. Toma cuidado. 

**

Realmente fui atrás das meninas do café ao fim do expediente, onde riam no entorno da placa de “precisa-se de atendente URGENTE”. Nenhum chefe estava em volta da área, cujo contava com um clima nada austero no ar e aquela sensação de jovialidade possuindo as meninas, tão sorridentes e dançantes com seus quadris esguios e insistência rítmica. A juventude reluzia em suas peles. Elas, possivelmente discutiam sobre alguma banda ou cantor. Sempre se empolgavam além da conta.

— É a Laura, a traíra – Destiny e sua voz áspera me cumprimentaram. Consequentemente, todas vieram na minha direção – Como você está? Como é lá? Quer um bolinho? Te faço um café.

—Enjoei de café.

—Tá metida – Betty afirmou com um sorriso nos lábios adocicados – Agora ela ganha bem.

—Aquele cara lá já te chamou pra sair? – foi a vez da Alicia. Ela nunca falava muito, mas quando se soltava, ela marcava a conversa por sua honestidade.

—Ele chamou hoje.

—Você vai sair? –as meninas se aprumaram todas. Nunca me viram falar de homem algum e discutiam se eu era lésbica. Eu tentava afastar esses debates de longe de mim, argumentando que eu não era nada com nada. Mas, eu estava só me defendendo de uma possível retaliação. Eram garotas legais, porém nunca seriam minhas amigas se soubessem de algo do gênero.

— Não. Ele é estranho.

— Qual é – Alicia pontuou – Você é bonita e ele também. Tenta, vai!

—Vai –Destiny deu força – Por que você é assim?

—Eu só não quero hoje. Tô cansada.

—Deixem ela em paz, ela agora trabalha de verdade – Betty foi a minha defesa da noite. Sorrindo, ela me chamou para um abraço. Gostava de sentir os braços de Betty ao redor de mim, pois ela era calorosa e me esquentava nos dias frios.

— Vai pegar o ônibus comigo, Betty?

— Vou de táxi. Acho que a pista congelou e o táxi não vai demorar tanto.

Eu assenti. Betty parecia esconder algo entre seus sutis movimentos. Ela era uma moça mais misteriosa do que eu quando queria.

—Laura – Betty murmurou suave, quase como um canto de pássaro – Ai, droga! –ela se virou para as meninas e apontou para o caixa – Diz pra ela que estamos fechados.

Que surpresa agradável foi ver Catherine a tentar comprar um muffin. Ela me confundia... Parecia boa com horas, mas nunca acertava o horário de funcionamento do café.

—Não dá nem pra comprar um refresco? – ela argumentava contra um balanço negativo de cabeça – Nem essa salada de frutas já pronta?

—O caixa fechou, moça.

Eu ri alto, tentando chamar a sua atenção. Consegui sem esforço.

—Você não acerta nunca, não é mesmo?

Ela sorriu e emudeceu. O que falaria em contrapartida, se estava pega por uma ilusão?


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