Sapatinho de Cristal escrita por Folhas de Outono


Capítulo 7
Capítulo 7




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—Calma amiga, a festa está bombando e não vai ser por causa dessas cobrinhas e da mãe delas que você não vai vir. Eu sei exatamente o que fazer. Agora se recomponha, refaça essa sua maquiagem que, pelo jeito você já estragou, e faça o que eu vou te falar.

CAPÍTULO 7

            Foi preciso um banho frio para me recompor e muita energia para pedalar tão depressa. Mas banho frio era como uma rotina e a exitação crescente em mim cada vez que repassava mentalmente o plano de Alice em minha mente, me dava energia o suficiente para pedalar.

            O plano, na verdade, era bem simples. Correr para o estúdio, pegar um tal de um vestido em uma caixa de cor marfim, colocar a máscara e os sapatos que Alice havia feito para combinar com ele, dias atrás. Procurar um taxi ainda disponível para ir ao castelo a tempo, onde teria mais ou menos três ou duas horas para achar e dançar com o caçador. Há meia noite, como de costume, as máscaras seriam retiradas, como eu não poderia tirar a minha, teria que sair antes desse horário. E então era só voltar para casa, esconder o vestido de Alice e devolve-lo pela manhã de amanhã. E eu tinha apenas uma hora antes que os pontos de taxis, já escassos, fechem por completo.

            “Bem simples” pensei ironicamente. “Pelo menos as ruas estão vazias, posso ir mais rápido do que seria possível em um dia comum”.

            As ruas desérticas, no entanto, eram tanto um alívio como uma preocupação. Alice havia alertado, não poderia ir ao baile de bicicleta com o vertido que usaria, e mesmo nunca o tendo visto, conhecia a garota e se havia algo que tinha aprendido enquanto trabalhava na loja e via a menina criar sua coleção, é que nunca se pode apostar contra ela quando o assunto é moda. Alice simplesmente arrasa. Criar modelos era tão fácil como respirar para ela e entender a moda era tão necessário quanto a água.

            Achar a caixa com o vestido não foi de todo fácil. Era um dos modelos já terminados para o desfile anual que aconteceria dali a poucas semanas, ou seja, haviam quase uma dúzia de caixas, todas em tons pastéis, mas nenhuma delas era azul. Foi preciso revirar quase todo o atelier antes de encontrar a caixa embaixo de uma das pilhas no cato da parede. Seria um dos últimos vestidos do desfile, ou seja, um dos mais grandiosos, a estrela do evento.

Quase me sinto mal por Alice. Mas então, decido que faria mais sentido me sentir mal por mim mesma. Isso porque, quando fui retirá-la, percebi que estava presa as que foram sendo depositadas ao seu redor. No entanto, este não era o problema, se fosse, bastaria retirar as demais caixas para, então, pegá-la. A grande questão é que, ao fazer isso, percebo que a caixa estava travava porque ela era maior que todas as outras, quanto mais caixas eu tirava, mais sua verdadeira altura era revelada. No fim das contas, a caixa tinha quase um metro de altura. Quando a abri, descobri o porquê. Lá dentro haviam mais de vinte anáguas e uma criolina com babados na barra e no fundo de tudo, uma caixa menor, provavelmente com o vestido, que coloquei na mesa enquanto não fosse precisar dele.

Quase entrei em desespero. Levariam horas para vestir aquilo da maneira correta, sem nenhuma ajuda. Foi preciso um copo de água e muitas respirações lentas para que eu me acalmasse o bastante para pôr a cabeça no lugar e começar a me vestir. Por sorte, já havia visto Alice colocar alguns vestidos como esse no manequim para ajustes, inclusive alguns de sua própria coleção. Então comecei. Primeiro a de tecido, depois mais algumas poucas anáguas. Então, a gaiola e todas as outras camadas de tule por cima. Na metade do progresso já estava dando graças de que a porta era larga o suficiente para que eu passasse sem muitos problemas.

Quando terminei com as anáguas de tule, meus braços já doíam e mal pude terminar o suspiro de alívio ao contatar que estava quase acabando. Mais uma de um tecido branco, bem leve e fluido. E então, me direcionei a mesa de centro, a fim de abrir a caixa.

O vestido era magnífico. As duas camadas mais internas da saia eram compostas por algum tipo de poliéster, por cima havia ainda algumas camadas de chifon em tons pasteis, a maioria azulado, mas alguns puxando mais para a lavanda e o verde. Por cima de tudo, haviam várias camadas de crepeline de seda com os mesmos tons, e ainda, por último, haviam algumas camadas de tecido iridescente, dando um brilho único e colorido a peça, além de uma delicadeza que eu duvido ter visto igual em alguma outra peça em toda a minha vida. Além disso, a saia possuía vários e vários incontáveis cristais, que caiam da cintura ao chão, como uma cascata de brilho, sofisticação e beleza.

Já a parte de cima, era composta por um corpete, que seria usado por cima de um corset. Era também de um tecido iridescente sobreposto de camadas de um azul delicado, do mesmo tom da saia. Apliques de rendas francesas sobrepostas por cristais, que cobriam desde a gola canoa, passando pelos seis e cintura, até desaguarem no início da saia, de forma extremamente feminina e delicada. O decote discreto levava consigo as mangas que caiam nas laterais dos ombros, com o mesmo rendado e pedraria do restante da peça.

Foram necessários alguns minutos para que conseguisse colocar corretamente o vestido e mais alguns para conseguir fechar o trançado das costas do corpete com a fita de cetim. Mas, tendo feito isso, ainda precisei lutar contra as camadas de tecido a fim de colocar o sapato branco de tule transparente e coberto de pedras prateadas, brancas e principalmente furta cor, nas partes do calcanhar e dos dedos do sapato, deixando as laterais transparentes. Por fim, bastou adicionar os brincos de ponto de luz e a tiara dupla de cristais em meio aos meus cachos, também achados na caixa com o vestido e o sapato, e estava pronta.

Precisei de alguns passos iniciais para me acostumar tanto com o peso do vestido quanto com o quão fluido e grandioso ele havia ficado após tantas camadas de tecido. No entanto, quando me dirigi ao espelho, eu não vi nem por um segundo se quer um vislumbre de algo menos do que deslumbre, beleza e delicadeza. Eu me parecia com uma dama da corte, pronta para governar uma cidade, talvez um país, sem nem mesmo precisar erguer a voz para deslumbrar e impor o respeito que fosse preciso para que me obedecessem.

E então eu decidi. Ao menos por algumas horas, eu me permitiria sentir não apenas como uma dama, mas como uma princesa. Até mesmo Afrodite sentiria inveja de mim se ela existisse e pudesse me ver naquele momento.

E então veio o nervoso. De fato, nunca conseguiria pedalar com o vestido, muito menos ir a pé até lá, e nisso minha amiga não poderia me ajudar. Levei quatro quadras e dois pontos de taxis vazios até achar um terceiro ponto, com um rapaz escorado em um automóvel negro reluzente. Mal pude conter o suspiro, e logo me pus a correr em sua direção. Entretanto, quando estava a poucos metros de distância, um casal surgiu de dentro de uma casa ali ao lado e logo entrou no veículo, que não tardou a sumir de minhas vistas.

Frustrada, me dirigi ao velho senhor que parecia comandar a organização dos taxistas. Ele carregava um simpático sorriso enquanto, sentado em uma cadeira de madeira em um canto, observava a rua deserta.

—Com licença, Sr. Por acaso vocês ainda teriam algum carro disponível para me levar ao palácio? – Tento ser o mais educado possível.

—Lamento, mas quase todos já haviam sido alugados previamente, e os que não foram, já partiram com as moças e suas famílias e não mais voltarão esta noite antes que a festa acabe. –Disse demonstrando sentir pena de mim. Depois, pareceu se lembrar de algo segundos antes de abrir um largo sorriso e completar – No entanto, eu tenho uma última coisa disponível. – Disse antes de se levantar e sumir ao virar a esquina mais próxima.

Quase senti meu queixo cair quando o senhor apareceu dirigindo uma carruagem de madeira branca com estruturas e detalhes em formato de caracóis e folhagens variadas em auto relevo dourado. Além disso, tosas as quinas possuíam rebuscados arabescos e adereços brilhantes além da roda, também dourada. Destacavam-se ainda as duas lamparinas douradas de vidro esbranquiçado, nas pontas frontais e traseiras, totalizando em quatro. Parecia ter saído de um filme ou do depósito de alguma família abastada tradicional o bastante para não apenas guardá-la, mas conservá-la como nova até hoje. Puxando a carruagem, quatro belhos cavalos negros.

—Eu mesma a levarei e buscarei esta noite, minha jovem. Afinal, todos merecem participar de uma noite como esta.

—Será um imenso prazer. – Respondi antes de me acomodar no banco de couro branco.

O caminho foi mais rápido do que o esperado. Logo deixávamos a cidade, e atravessávamos a pequena floresta em direção a ponte que nos levaria ao castelo. Porém, nada poderia me preparar para o impacto que sofri quando de fato cheguei ao palácio. Grandes portões negros e firmes logo foram transpassados por nós, pouco antes de seguirmos um cumprido caminho até uma fonte negra do dobro do meu tamanho, na qual demos meia volta e logo depois, a pequena porta me foi aberta. Coloquei a máscara branca azulada com pedras e rendas antes de aceitar a ajuda do Sr. Para descer da carruagem.

A primeira impressão do castelo é que ele fora criado como uma fortaleza. Ficava em uma parte mais alta, em relação as cidades próximas e era completamente feito de largas pedras, como uma verdadeira e imponente fortaleza. Apesar de belo, devo admitir que era quase grotesco o quão aquela arquitetura buscava impor grandeza e poder através de sua robustez.

Deixando esses pensamentos de lado, me movi em direção a escada, subindo os degraus com uma ansiedade mal contida. Ultrapassei o rol de entrada e alguns corredores até chegar ás portas duplas de madeira maciça que leva ao salão de festas. Dois guardas reais em suas fardas estavam a postos. Assim que me aproximei, me foi pedido o convite para o baile.

—Eu infelizmente não recebi um. Mas um amigo meu disse que avisaria que eu viria e estava convidada. – Disse me sentindo sem graça e secretamente desejando não ser expulsa dali.

—Quem seria o seu amigo, Senhorita? – Perguntou o guarda a esquerda, que estava mais próximo a mim.

—O caçador.

Bastou eu dizer-lhe esta palavra que foi como mágica. Os dois se olharam sorrindo e logo abriram, juntos, ambas as portas para que eu passasse. Tive a impressão de ter ouvido um “aproveite” de um deles, mas na dúvida, apenas sorri na direção de ambos antes de adentrar o salão.

Ao contrário do exterior, o interior era cheio de ostentação e delicadeza. O teto esculpido ostentava um grande lustre de cristais, pendendo várias camadas de pedras e luzes refletidas pelo piso de mármore. Longas cortinas cobriam as cumpridas janelas, e móveis elegantes se espalhavam por todo o ambiente. Quando me coloque diante da escadaria, os solteiros que esperavam sua vez de dançar, e os casais mais velhos, ambos os grupos ao redor do salão, começaram a se virar em minha direção, pouco depois, quando na metade do caminho, foi a vez dos jovens solteiros que dançavam pararem de rodopiar. Depois, fez-se silencio no salão, pude sentir os olhares dos músicos se juntarem aos demais enquanto me analisavam da cabeça aos pés enquanto descia os últimos degraus.

Ao atingir o solo, pude notar um silencio constrangedor enquanto todos me observavam, esperando meu próximo movimento. Não passaram mais que alguns segundos para que houvesse nova comoção. Os casais que ocupavam o centro do salão logo abriram espaço para que um jovem passasse por eles. Mas não era um jovem qualquer. Era o príncipe. Foi fácil reconhece-lo com a farda e a coroa prateada em meio aos cabelos impecavelmente alinhados.

Estranhei.

Enquanto o jovem se aproximava, me pus a observá-lo. Cabelos negros penteados para o lado, olhos castanhos e ombros largos. Pareia com alguém que eu conhecia. No entanto, a máscara escondia desde sua testa até as bochechas, de forma assimétrica, permitindo apenas que a boca ficasse livre de seu esconderijo, como se um líquido prateado estivesse escorrendo por sua face.

Deixo esses pensamentos de lado. É claro que ele me era familiar, eu havia visto o desfile real em que ele participou na cerimônia da troca de estação apenas algumas semanas atrás.


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