Sapatinho de Cristal escrita por Folhas de Outono


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Link para o vídeo original da música citada durante o baile. Apenas imaginei com uma orquestra tocando junto. . Maverick - Simply Three. https://www.youtube.com/watch?v=tuGLUze6aSw



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—Entendo. – Sussurrou.- Você veio por ele. Depois, voltou por si mesma. Que tal vir amanhã por outro motivo? – Completou depois de certo silêncio.

 -Como o que? – O encaro, olhando em seus olhos.

—Venha pelas ruinas. Sei que está curiosa. Posso mostra-las a você na próxima noite. Ou venha por mim, se sua curiosidade não for o bastante.

CAPÍTULO 11

—Por você? –Senti meus olhos quererem saltar pelas pálpebras.

—Sim, por mim. Somos amigos, certo? – Sorriu.

“Oky, tudo bem. Amigos, foi isso que ele quis dizer. Tudo bem. ” Repeti mentalmente.

—Claro, amigos. –Sorri de volta.

O assunto rapidamente foi esquecido entre tantos outros pelos quais passamos. Começamos falando sobre plantas, um assunto meio desajeitado para mim, mas logo mudamos para a arte. O Príncipe parecia muito envolvido nisso. Me fez pensar se eram “ossos do ofício” de ser da nobreza, ou se era realmente algo com o qual ele se identificava. Pouco tempo depois, ao passar por um cavalete virado contra nós, minha dúvida foi respondida.

—Eu prefiro a literatura, na verdade, mas há vezes que minha mente cala apenas quando mancho uma tela com tinta. E esse é o melhor lugar para fazer ambos. – Explicou, quando o questionei sobre o objeto.

Falamos também sobre culturas de outros lugares, um pouco sobre história e música. Achei justo, dessa vez, compartilhar com ele sobre como esse último era importante para mim, já que ele havia me contato sobre a pintura, só não entrei em muitos detalhes. O assunto “caça” acabou surgindo algumas vezes sem que conseguíssemos evitar, mas sempre que apareceu se foi depressa, um alívio tanto para mim quanto para Henry que claramente ficava incomodado com a menção de qualquer coisa relacionada a seu amigo.  

Quando faltava alguns minutos para a meia noite, sugeri que voltássemos ao salão de festas. Queria me dar ao luxo de aproveitar os sons da orquestra enquanto podia. Até porque, ela foi sem dúvida um dos motivos pelos quais se quer saí de casa.

Ao chegar no salão, pude notar três musicistas sentados mais a frente que o restante do grupo, terminando uma música. Andamos calmamente, até chegarmos próximo ao centro da área de dança. Logo um dedilhar de violoncelo anuncia o início de outra música. Sinto uma mão segurar a minha e automaticamente olho em direção ao meu acompanhante. Ele apenas me sorriu, em um convite mudo para dançarmos.

Em réplica, lhe devolvi o sorrizo.

Dessa vez, foi tocada uma música que eu conhecia. Maverick foi sendo puxada inicialmente por um violino solitário junto ao dedilhado, numa melodia doce e suave, apenas para ser seguida logo depois por um conjunto de outros instrumentos. A música soava e ressoava imponente e forte pelas paredes, sendo produzida pelas cordas de dezenas de instrumentos se misturando, se completando.

Sinto meus pés seguirem seu caminho, com meios círculos e círculos completos. Não demora para os meu olhos se encontrarem intensamente arrebatados pelo olhar de Henry. Um olhar carregado e poderoso. Eretos, circulamos pelo salão ao som das rápidas batidas e das cordas. Senti meu coração pulsar e o sangue correr um pouco mais rápido sob minha pele.

Sorri.

            Nos permitimos um rápido jogo de pés antes de voltarmos a rodopiar e nos lançar alguns passos para frente para em seguida voltarmos ao lugar do qual saímos. Quando a música termina abruptamente, congelamos com ela um de frente ao outro. Fazemos uma rápida reverencia como agradecimento uma ao outro pela dança e esperamos a próxima música começar, sem desconectar nossos olhares.

             Não levou muito tempo para nossos braços se enroscarem e nossos pés voares pelo piso brilhante. E por alguns minutos, me permiti aproveitar a noite, pura e simplesmente. Me perdendo não apenas nas notas rápidas, como no par de olhos que parecia absorver minha essência.

            Mas como um martelo a atingir um prego, sino do castelo ressoou, atraindo-me aos ponteiros alinhados que interromperam toda a calmaria e encanto que se instalara em minha alma.

            Meia noite. Teria que ir embora, de novo.

            Ainda em meio a dança, olhei ao redor, tentando localizar as três mulheres. Com temor, constato que elas não estavam mais ali, já haviam saído e eu nem percebi. Congelei, apavorada. Se já estivessem muito a frente, eu nunca conseguiria explicar meu sumiço e tudo seria descoberto.

            -O que foi? Aconteceu alguma coisa? Você está bem?

            -Não, eu estou com um grande problema. – Ouço outra badalada. –Preciso ir embora. – Disse, já me afastando.

“Espero que ele tenha me ouvido” pensei.

            Corri em direção a carruagem, perdendo o príncipe de vista, ainda atônito no canto do salão. -Obrigada! – Gritei enquanto aumentava minha velocidade. Só esperava que o cocheiro ainda estivesse à minha espera ou estaria condenada. Fiquei tão aliviada quando os cavalos começaram a se mover, cada vez mais apreçados, comigo dentro da carruagem, que pude enfim me recostar na poltrona e tentar me recuperar da breve corrida.

Quando saímos pelos portões, porém, ouço o trotar dos cavalos ficar irregular.

—Por favor, que não seja um problema na estrada! Que não seja um problema na estrada... – sussurrei desesperada, sentindo meu corpo travar enquanto meus olhos se fecharam tão firmemente que não houveram frestas entre as pálpebras.

—Moça! Olhe para trás! – Gritou o Sr. por cima do trotar dos cavalos, o baque da madeira das rodas contra o chão e o guinchar do vento.

Aproximei-me da janela e fiz como me foi pedido.

Pude sentir o sangue escorrer gélido do meu cérebro, sendo seguido pelo que estava no meu rosto como se quisesse se acumular aos meus pés em uma poça. De olhos arregalados, voltei a minha posição anterior, respirando fundo para que minha pressão não caísse demais tamanho desespero.

Atrás da minha carruagem robusta, que comportava um homem além de mim e era puxada por dois cavalos atrelados um ao outro, se seguia um grupo de cavalos de porte, bufando enquanto corriam em sua velocidade máxima, cada um portando um soldado real. Todos liderados por um outro cavalo mais rápido, cujo cavaleiro era o príncipe.

Mal pude acreditar que ele estava mesmo tentando me seguir tão desesperadamente. Ele era louco? Eu havia avisado que tinha que ir embora. Então porque ele não me deixava apenas ir embora?! Não era tão difícil assim, bastava que ele permanecesse na festa!

Bufei, a surpresa sendo substituída lentamente pelo nervoso e pela irritação.

—Vá o mais rápido que puder! –Gritei.

No entanto, assim que perceberam que começamos a acelerar ainda mais, os guardas forçaram seus cavalos a ir ainda mais rápido que nós, se aproximando rápida e furiosamente. “Não acredito que estou nessa situação” pensei, debochada. Tinha que ser comigo, não é mesmo? Justo hoje! Eu estava muito encrencada.

Se seguisse para casa, todos descobririam tudo! Minha madrasta saberia que eu não só fui ao baile, mas que também era eu a garota a dançar com o príncipe. Sem contar o vexame de ser perseguida pelo exército real e pelo próprio Henry até a porta da minha casa, como alguma fugitiva da lei. Eu precisava chegar logo em casa e precisava me livrar ainda mais rápido de todos aqueles cavalos e seus donos.  

Mas como? Na cabine não havia nada que pudesse me ajudar. Se eu pulasse, além de definitivamente me ‘estabacar’ toda no chão, eu ainda seria pega já que todos notariam o vestido azul brilhante e que tem o volume de três ou quatro de mim, voando para fora.  Eu estava, de fato, tendo que contar com a rapidez e esperteza do cocheiro.

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Fazer Alice entender que eu definitivamente não iria ao último dia da festa, era como tentar enfiar uma peça quadrada dentro de um círculo de circunferência pequena. Não importa o quanto eu batesse na mesma tecla e o quão firme eu fosse, simplesmente não entrava em sua cabeça.

—Mas porque não? -  perguntou novamente. –Só porque o cara te seguiu com um exército?

Ela estava fazendo uma pergunta retórica, obviamente, mas não conseguir me calar, quando percebi, já havia gritado um “sim” tão alto que fiquei com medo de chamar a atenção de algum pedestre enquanto seguíamos em direção a academia. Como haveria o desfile das criações de Alice na semana seguinte, a loja não seria mais aberta até que o evento passasse, portanto não haviam clientes por ali e podíamos conversar tranquilamente. Ela com certeza se aproveitou disso durante toda a manhã que passamos organizando tudo. Não tive paz durante todas as horas que passamos ligando para as revistas locais, assessores e fornecedores dos alimentos e bebidas que seriam oferecidas.

Eu admito, porém, que foi burrice da minha parte devolver o vestido hoje. Eu devia imaginar que Alice faria um escândalo e deixado para entregar a ela amanhã, depois que a data já tivesse passado. Mas deixa-lo em casa com Lady T. era perigoso demais. Não podia correr esse risco. E é claro que Alice ficou extremamente curiosa sobre como pretendia ir para a festa com o vestido ali na loja e não me deixou quieta até que tivesse que dizer que seria simples, já que não iria mais. Nem preciso dizer que depois, foi muito pior, certo?

“Compreensão” é uma palavra cujo significado não costuma ser muito utilizado pela minha amiga. Fato.

—Amiga, você me contou várias vezes como foi a noite com o Príncipe, mas como fugiu? Afinal, todos viram você fugindo com um exército atrás, e depois todos voltaram irritados por não terem conseguido capturar uma garota.

Respirei fundo antes de me sentar em um banquinho e começar a contar essa parte, tentando me lembrar ao máximo dos detalhes, sabia que para Alice eles seriam fundamentais.

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Eu estava, de fato, tendo que contar com a rapidez e esperteza do cocheiro. Mas então vi que já estávamos a alguns quarteirões de onde me encontrei com o Sr. para alugar a carroça e uma ideia, que parecia ser minha única chance de sair de lá sem ser seguida me veio à mente.

—Sr! – Gritei para que fosse ouvida. – Acelere o máximo que puder e vá para a loja de aluguéis, quando virar a esquina, comece a parar até chegar à porta. Eu descerei e irei para os fundos o mais rápido que eu puder, mas você deve continuar indo o mais rápido possível a diante para atraí-los o mais longe que puder.

—Eles vão me alcançar, moça! É perigoso de mais, eu posso ser preso!

—Sim, eles vão, mas a carruagem vai estar vazia e quanto te alcançarem, eu não estarei nem aqui nem lá. Eu só preciso de um tempo. Eles não farão nada com você quando notarem que a cabine está vazia.

—Eles vão me perguntar onde a senhorita está. – Gritou, com claro receio.

—Não tem problema, diga o que sabe. Não vou te dizer para onde irei e até voltarem, estarei longe.

E assim foi feito. O Sr. acelerou o máximo possível, até virar a esquina, então diminuiu. Mas ele estava tão rápido que não deu tempo de parar, apenas para desacelerar o suficiente para que é eu pulasse sem me machucar muito. Logo depois o ouço gritar boa sorte e seguir, ganhando velocidade novamente. Segurei as várias camadas de tecido e corri para os fundos a tempo de ver os cavalos voarem em direção a carruagem.

Assim que ouvi o silencio, me acalmei. Um problema resolvido, mas ainda estava na metade do caminho e precisava chegar em casa.

—Olá? – Disse uma velha senhora de voz falha, ombros curvados e um rosto repleto de rugas, mas ainda assim, muito belo. Ela tinha uma aparência gentil, constatei.

—Oi. Desculpe entrar assim de repente, mas...

—Calma garota – me interrompe. – Pela forma com que vi chegar e por esse vestido, sei quem você é. Bom, sei o que todos falam sobre você. – Afirmou, tranquila.- Concerte a máscara, a queda a deixou torta.

Concertei.

—Pegue meu carro. É velho mas vai leva-la para casa em segurança já que meu marido pode demorar um pouco. – Ofereceu-me suas chaves.

Agradeci, aceitando a gentileza “é o nosso trabalho” respondeu “já que meu marido não pode completar o serviço dessa vez e sei que é uma boa moça, leve. Apenas deixe na praça Matriz amanhã à tarde e pedirei alguém para buscar”. Agradeci mais uma vez e a segui para a garagem.

De fato, o carro era um fusquinha bem antigo, pintado de um violeta intenso. Mas me levaria até minha casa em segurança. Segui o mais rápido que o carro aguentava e pouco antes de me afastar da cidade, ultrapassei a limusine que minha madrasta alugou para as três noites.

Senti um alívio enorme, enfim podia respirar quase que em paz. Mas ainda precisava correr para me trocar, esconder qualquer indicio da festa e fingir que nada aconteceu.

Assim fiz.

Quando cheguei, escondi o fusca na floresta na parte de traz da casa e entrei pelos fundos. Assim que girei a chave do meu quartinho, ouço a porta ser aberta e as escandalosas fazerem um escarcéu sobre o fiasco que havia sido suas noites. Fiquei quieta e quando bateram na porta, fiz o máximo de silencio que pude, fingindo já ter ido dormir. Quando as meninas desistiram, me troquei mais que depressa e joguei tudo, máscara, sapato e vestido, em um saco preto e escondi debaixo da cama.

Por fim, baguncei meus cabelos e me deitei de costas para a porta e a destranquei.

Não demorou para Lady T. vir conferir se eu realmente dormira. Ouvi o guinchar lento da porta e senti, por trás das pálpebras, um feixe de luz atravessar o cômodo.

—Preguiçosa. – Ouço-a sussurrar. Normalmente isso me deixaria irritada, mas anoite já havia tido tantas emoções que apenas mentalizei repetidas vezes que ela fosse embora.

Ouço a porta se fechar, lentamente. Depois, ela pera.

—Tem algo muito errado aqui. – A ouço dizer, antes de bater à porta com força.

Ela claramente estava começando a suspeitar de algo.

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—E foi isso.

—Bom, você realmente tem que tomar mais cuidado, Ella. – Diz Alice.

—E eu vou tomar cem por cento de cuidado. Ao não ir na festa.  É o melhor Alice, já me basta a humilhação de se seguida por metade da cidade pelos guardas. Imagina se eu fosse pega? Não vou correr mais nenhum risco. Eu não posso. Até porque, o Caçador não irá de qualquer forma e eu já aproveitei até demais dessa festa.

—Você não está curiosa? Sobre as ruinas e o príncipe?

—Estou... – suspiro – mas não tem o que ser feito. Eu não posso correr o risco de ser seguida de novo ou de chegar atrasada. Ontem foi por um triz.

—E se eu disser que posso te ajudar com isso? – Perguntou após alguns minutos de silencio entre nós.

—Como você poderia me ajudar, Alice? – Questionei, levemente debochada.

            -Eu vou escrever uma carta sem remetente para ele! Ou melhor, você vai escrever uma carta.

            -Para que uma carta, Alice?

            -Oras, para quê.... Você vai dizer a ele que só irá se ele prometer não te seguir ou pedir que qualquer um te siga ou tente te impedir de ir embora quando você decidir que está na hora. – O orgulho impregnou a voz da minha amiga.

            -É, pode funcionar, mas como saberemos a resposta dele? Ele não pode saber onde eu moro. Não podemos deixar a carta com remetente.

            -Precisaremos de um sinal. –Disse reflexiva. – Mas, qual?

            -Deixa isso, Alice.

            -É muito mais fácil enviar um e-mail, você sabe né?

            -Mas a carta é muito mais romântica! – Não questionei. Primeiro porque eu não ligava muito para isso e duvidava que vai dar tudo tão certo como Alice acredita. Segundo porque ela estava certa, realmente era mais romântico. Seria errado da minha parte pensar isso?


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