— Você e essa sua mania de dançar nos corredores vazios…
          Apesar de imerso no que estava fazendo, e da frase ter sido dita em um tom relativamente baixo, Seokjin tirou um dos fones de ouvido e olhou para trás, apenas para ver o colega de sala com os braços cruzados e com um sorriso debochado, olhando-o como se estivesse flagrando o mais escandaloso dos atos. Sentira-se frustrado porque apesar do “colega quase amigo” já ter presenciado a mesma cena diversas vezes, ele teria demorado bastante tempo andando pela faculdade procurado algum lugar vazio ㅡ e que permanecesse assim por no mínimo uma hora ― para poder praticar pelo menos um pouco, mesmo que precariamente. Encontrava-se agora nos corredores do departamento de Arte Nacional que ficava no segundo andar do prédio antigo, no qual costumava estar vazio naquele horário, mas que de alguma forma o seu amigo, ou quase isso, havia sido capaz de achá-lo. Estava em frente a uma sala que continha uma porta de vidro que gerava um reflexo visível o suficiente para que ele pudesse ver uma parte de seu corpo. Não era como nas salas de prática da sua empresa, com os enormes espelhos preenchendo toda a parede, mas era o que tinha no momento.
          Desapontado por ter sido descoberto, suspirou e  cumprimentou o outro com um breve aceno e alguma palavra não dita em seu olhar, e após isso, virou-se para fitar sua imagem no vidro novamente. Prosseguiu, como antes, a mexer o seu corpo conforme a música, reproduzindo os passos que estava tentando melhorar há alguns dias, porém dessa vez com um pouco menos de urgência. Um dos fones permanecia caído no seu ombro esquerdo.
— Preciso praticar alguma hora. – Seokjin respondeu, sem olhar para ele.
— Você não devia estar estudando? A gente vai ter uma prova daqui a uma hora. – O colega passou por trás de Seokjin e sentou-se em uma das cadeiras que se encostavam na parede, há alguns metros dele. Ele, por outro lado, permanecia concentrado no seu reflexo e se alguém olhasse para seus lábios veria que ele estava repetindo alguma coisa inaudível a cada movimento.
— Eu estava há algum tempo, eu só tô dando uma pausa. – respondeu ele, parando em um momento junto à uma expressão frustrada. Ficava repetindo algumas vezes um pequeno movimento que parecia não estar certo para ele – E estou aproveitando essa pausa.
          O colega, sentado de maneira um pouco desajeitada, olhava-o com um certo tipo de pena e admiração misturados. Tinha que admitir que ele era bastante esforçado. Se duvidasse não tinha tempo nem para comer ou dormir direito. E certa parte dele se preocupava se isso era algo realmente saudável de estar fazendo consigo mesmo.
— Sabe… você é realmente horrível nisso. – ele falou, depois de alguns segundos em meio a mais um riso debochado.
          Seokjin, apesar de um pouco ofendido, riu, talvez até mais debochado que ele. Como um riso exagerado em resposta a uma piada sem graça.
— Porque que você acha que eu estou praticando? – ele respondeu com certo humor – Eu sei que sou péssimo nisso. Aliás – virou-se para o amigo, parando abruptamente os movimentos e apontando em acusação – você também não deveria estar estudando? Você fala tanto de mim mas apesar de tudo, eu consigo ter notas muito melhores do que as suas.
— Deveria, mas é muito melhor estar aqui rindo de você. – retrucou.
          Seokjin riu com desdém e voltou a encarar sua imagem refletida. Deu um longo suspiro, como se tivesse sido atacado por um pesar repentino.
— Eu estou cansado… – pensou alto.
— É de se esperar, já que você tá sempre fazendo alguma coisa. – o colega de sala ajeitou um pouco a sua postura na cadeira e começou a remexer na bolsa, tirando uma barra de cereal de dentro que depois de demorar um pouco para abrir a embalagem, dera uma mordida. – Acho que só o seu treinamento para idol já seria o suficiente para me deixar morto por dias.
          Seokjin tentou novamente repetir o mesmo passo que tentara há alguns minutos, mas frustrou-se novamente em seguida.
— Ah isso é tão irritante…– ele murmurou – Esse único movimento, tá vendo? Esse aqui. Eu estou tentando fazer ele do jeito que eu aprendi, mas não importa o quanto eu tente eu nunca pareço fazer certo. – Ele dizia irritado, com sua face quase começando a avermelhar-se.
— Parece certo pra mim. Considerando que você não tem praticamente experiência nenhuma nisso. – o outro respondeu enquanto mastigava.
— Se você visse como os outros dançam você com certeza não diria isso e aí sim, com a maior certeza do mundo, diria que eu sou horrível nisso. – em um suspiro, deixou sua cabeça cair para trás – Se eu não tivesse que dançar, a minha vida poderia ser um milhão de vezes mais fácil.
— E você não precisa, pra falar a verdade. Quer dizer, só se você quiser continuar com essa ideia de ser um idol. Mas você sabe que pode conseguir entrar em uma outra agência apenas para seguir como um cantor solo, porque apesar de não ser lá essas coisas e não ter experiência nenhuma com dança, você é muito bom nas aulas de canto.
          Seokjin riu com sarcasmo.
— Se você visse como os outros cantam, talvez não teria tanta certeza assim. – disse, ainda com a cabeça para trás.
          O amigo suspirou. Se arrependeu em ter dito que ele não era tão bom na dança, apesar de realmente achar isso e apesar de ter falado apenas brincando. Seokjin se esforçava muito e se preocupava demais com tudo. Ele sabia o quão difícil tudo isso poderia ser para ele, principalmente pela pressão que ele deveria estar sentindo. E apesar de sempre encarar as coisas com humor e ironia, ele nunca se deixava demonstrar o quão cansado estava. O que se passava dentro dele, era previsível, mas ao mesmo tempo, desconhecido. Mas naquele momento ele parecia tão esgotado que talvez nem consideraria uma má ideia ter que desabafar tudo o que sentia para um “colega quase amigo”.
— Por que você não se concentra apenas na atuação? Também é parte do nosso curso. E você é realmente bom nisso, nem comece a negar. – ele falou, depois de o encarar por um tempo.
          Seokjin levantou a cabeça novamente e, depois de um suspiro, deu alguns passos e sentou-se em uma das cadeiras perto do colega, quase deitando-se sobre a mesma, deixando duas cadeiras vazias no meio deles.
— Eu não quero ser um ator. – respondeu como se estivesse falando a mesma frase pela milésima vez, quase roboticamente, mas com um cansaço perceptível – Pelo menos não agora. Eu quero ser um cantor. E por que não um idol? Se eu for acabar em algum grupo idol em alguns anos pra mim sinceramente não há problema nenhum.Tipo... eu gosto daqueles caras. Pra falar a verdade eles são quase como uma família para mim depois de todo esse tempo. Não sei se eu me sentiria tão bem assim se eu estivesse sozinho.
          Quase prestes a cair da cadeira por conta da forma que estava sentado, Seokjin encarava o teto, absorto em seus próprios pensamentos, enquanto o outro continuava mastigando sua barra de cereal, olhando-o sem saber ao certo se deveria falar alguma coisa.
— Eu sei que… – Seokjin começou a falar repentinamente depois de um tempo, como se as palavras que saíam de sua boca estivessem sendo reveladas pelo ponto que encarava no teto, mais precisamente a mancha amarela próximo à lâmpada – eu talvez nunca vá ser tão bom. Talvez eu nunca me compare com aqueles caras em muitas coisas, mas eu não sei se quero desistir. Eu quero continuar fazendo o melhor que eu posso para pelo menos ter a chance de acompanhá-los no futuro. Todo dia eu tento o meu máximo, apesar de ter toda essa rotina estressante e corrida, eu tento meu máximo. Mesmo que agora não apareça, um dia eu vou acabar melhorando, não é? – ele parecia perguntar mais para si mesmo do que para o colega, mas este balançou a cabeça mesmo assim, não querendo interromper um momento que, para ele, era quase raro de presenciar – Ou mesmo que não… mesmo que um dia eu nunca melhore, eu vou continuar dando meu máximo mesmo assim.
          O colega permaneceu olhando-o por algum tempo, prestes a dizer algo, mas que não sabia como formular. De certo modo, pareceu que mesmo se não dissesse nada, o outro ainda continuaria tentando e se esforçando da mesma forma. Apesar de ter momentos difíceis, Seokjin era muito determinado, e ele confiou-se nisso ao escolher não dizer muita coisa.
— Você vai conseguir. – disse, colocando a mão no ombro do outro.
— Eu vou. – Seokjin afirmou, ainda olhando para algum ponto no teto.Talvez não tinha a plena certeza de que o que afirmava iria realmente se concretizar, mas precisava pensar que sim.
          Logo após isso, como se algo o despertasse a memória, ele se ajeitou na cadeira e respirou fundo. Olhou para o lado e em um movimento rápido, pegou uma outra barra de cereal que parecia sair do canto da bolsa do amigo, e antes que este pudesse reclamar, Seokjin já havia levantado e pegado suas coisas do chão, e estava agora de pé, próximo à porta de vidro.
— Vamos logo, a gente tem que estudar para a prova. – Seokjin pôs a bolsa nos ombros e com o corpo já virado em direção ao corredor, abria o pacote de cereal, demonstrando certa pressa em sua expressão, como se os minutos anteriores nunca tivessem acontecido.
          Devagar, o colega levantou-se e ainda pensativo sobre o que Seokjin havia falado, sorriu para ele. Estava realmente sendo sincero quando disse que ele iria conseguir, tinha certeza disso. Seokjin era uma pessoa forte e mesmo que não se sentisse tão confortável de demonstrar suas fraquezas para ele naquele momento, sabia que o outro conseguiria, de alguma forma, torná-las algo que o deixasse mais forte, com ou sem a sua ajuda. Sabia que daqui há alguns anos, veria o mesmo fazendo sucesso de alguma maneira, e já se sentia orgulhoso desde já.
— Vamos sim. – respondeu ele, e ao se aproximar do amigo que mastigava já metade da sua barra de cereal, seguiram pelo corredor vazio e laranja, pintado pela luz do sol se pondo no fim da tarde.