O Estranho do Outro Lado da Linha escrita por Graciela Pettrov


Capítulo 2
Sasukè




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Sakura nunca estivera tão certa e tão errada ao mesmo tempo sobre determinada coisa.

De fato, fizera uma boa escolha ao aceitar conversar com o estranho do outro lado da linha, Sasukè. O que a tornara certa por descobrir que fora um bom papo.

A parte do estar errada é porque achara que havia trocado uma boa conversa por um mal resfriado e no fim acabara com ambos.

'Distração em dobro, que ótimo.', foi o que pensou levemente sarcástica ao acordar colocando possivelmente toda sua massa encefálica pelo nariz e com os olhos ardendo como se fosse um cosplay do Motoqueiro Fantasma.

Procurou pelo celular que jogara em algum lugar da cama e o encontrou embaixo de sua perna esquerda. A primeira coisa que verificou foi se a tela não estava rachada. Seria o terceiro aparelho quebrado por dormir por cima do mesmo. Para sua sorte, a tela estava intacta. Graças a Thor!

Desbloqueou-o e olhou a hora: onze e vinte e três da manhã. Rapidamente, Sakura agradeceu a todos os deuses de todas as religiões do planeta por não precisar ir pra faculdade.

Colocou no menu e clicou no ícone de chamadas, a primeira era a de Sasuke. O número dele era tão extenso que não conseguiria decorar. Não que a mesma pretendesse isso, claro que não. Afinal, não era como se ele fosse ligar novamente.

Sasuke era engraçado e sério ao mesmo tempo, na medida. Quando em certo momento ela fez as velhas perguntas clichês 'onde você está?' e 'o que está fazendo agora?', a Haruno não pôde evitar de sua mente imaginá-lo em um quarto escuro, sentado em uma poltrona bem no meio do cômodo, de frente para uma parede repleta de monitores mostrando diferentes vídeos pornográficos simultaneamente.

Mas ele simplesmente respondeu que estava andando da janela para o quarto (porque, segundo ele, não conseguia falar ao telefone por muito tempo e ficar parado. O que acarretou em uma história hilária em que Sasuke fez uma longa viagem de quatro quarteirões enquanto conversava com sua avó.).

Por fim, a Haruno decidiu acreditar que ele falava a verdade. Era algo bem mais aceitável do que suas ideias bizarras. É bem mais fácil para o cérebro aceitar que as pessoas são normais.

Largou o celular sobre a cama novamente e levantou-se para abrir as janelas, seus olhos arderam ainda mais no momento que colidiu com a claridade do sol de quase meio dia. (Era um daqueles meses em que as noites de Nova Iorque eram incrivelmente frias e os dias diabolicamente quentes.) Apertou os olhos com força, como que esperando que a ardência escorresse deles pelos dutos lacrimais e levantou os braços em um estranho aquecimento, suas articulações estavam travadas.

Espirrou três vezes seguida e sua cabeça deu uma pontada. Era ironicamente cômico como uma futura médica poderia ser tão vulnerável a um mero resfriado. Mas ela sabia que as noites insones acabaram por deixá-la com a imunidade baixa.

— Sou um fracasso. É por isso que não vou passar. — Murmurou ao entrar no banheiro e estremecer quando seus pés descalços entraram em contato com o chão úmido e frio.

Sakura guardava um kit de primeiros socorros em praticamente cada cômodo do apartamento (que, para seu desgosto, somavam apenas três: sala, cozinha e quarto). As pessoas tinham a mania de confundir sua casa com uma farmácia e sempre passavam lá para pedir um remédio que não necessitava de receita.

O casal do décimo andar (que tinham um filho catarrento de sete anos) vivia pedindo um xarope para tosse. A senhora viúva do terceiro pedia para prisão de ventre e um adolescente de sabe-se lá qual andar sempre implorava por alguns laxantes ou coisa mais forte, mas para esse ela obviamente nunca dava.

É, eram tantas pessoas fazendo um self-service de seus kits que notou sofridamente que a caixinha do banheiro encontrava-se vazia.

Então escovou os dentes, tomou banho e penteou o cabelo dolorosamente devido a maldita dor de cabeça. Depois de pronta pegou o celular e dobrou a esquina para a esquerda que dava diretamente para a cozinha, iria verificar o kit de lá.

Talvez fosse a dor, talvez a ardência nos olhos, ou a crise de espirros, mas seja lá o que fosse, tirou totalmente os sentidos de percepção de Sakura a ponto de a mesma dirigir-se diretamente para o armário e não notar que sua cozinha estava acomodando certo número de indivíduos.

— Huh! Belas penas, Sakura!

Não é necessário ser um expert em espantos para saber que a Haruno quase morreu de um infarto fulminante ao ouvir o elogio. Virou-se em uma velocidade até então desconhecida pela física do corpo humano e deu de cara com dois de seus amigos sentados à mesa como se estivessem em sua própria casa.

Certo. Seu kit de primeiros socorros não era a única coisa aberta ao público.

Praticamente qualquer um entrava no apartamento de Sakura quando bem queria. Até hoje ela não entedia como ainda mantinha todos os móveis intactos e nunca sentira falta nem mesmo de uma agulha. Talvez fosse sorte de não haver nenhum cleptomaníaco nas redondezas, ou talvez seus objetos não valessem a pena serem furtados. Então, da mesma forma que fazia há três anos, ela simplesmente ignorou a falta de privacidade e aceitou-a.

— Vieram para o meu velório? Porque estou quase morta. — Balbuciou voltando a procurar o kit, encontrou-o bem no fundo. Abriu-a e quase soltou um palavrão. Essa também estava praticamente vazia, exceto por um rolo de esparadrapo e algumas gazes, o que não serviam de nada para sua situação.

'Que droga de médica eu serei? Nem sequer tenho um simples remédio pra dor de cabeça em casa.' Pensava ao guardar a caixinha e se aproximar dos intrusos/amigos/inconvenientes.

— Cruzes. Que falta de vontade de viver é essa, Sakura? — Ino demonstrou toda sua discrição apontando Sakura de cima abaixo com seu dedo indicador de unha pintada em um roxo elegante.

A Haruno a olhou como se nunca a tivesse visto na vida, lembrando-se da conversa que tivera com Sasuke na noite anterior quando o tópico 'amigos' foi mencionado. Depois de contar algumas de suas mirabolantes histórias em que envolviam Ino, ela e uma viajem à Las Vegas, Sakura surpreendeu-se com o que Sasuke dissera achar da loira: ele a subjugou uma pessoa sensata e inteligente além de mencionar que ela parecia ser uma pessoa maravilhosa para se ter como amiga.

Dessa a Haruno teve que rir. Disse-lhe que Ino era, de fato, uma ótima amiga, também era inteligente, mas sensata? Não, este adjetivo passava bem longe da Yamanaka, tão longe quanto os dois estava naquele momento. Dessa vez foi Sasuke quem riu, mas Sakura não entendeu realmente o motivo do sorriso, apenas o acompanhou no ato.

— Peguei um resfriado — disse ela aproximando-se deles — E minhas pernas não são pro teu bico, Naruto.

O loiro deu de ombros e murmurou um 'eu tento' depois voltou à tarefa de fazer um sanduíche com as coisas que pegara na geladeira antes de Sakura aparecer.

A Haruno sentou-se ao lado dele e lhe deu um empurrãozinho de lado, batendo o ombro no dele. Já estava acostumada com as brincadeiras do Uzumaki. Tornaram-se amigos praticamente no mesmo dia em que ela se mudara para aquele prédio e ele (gentilmente e provavelmente com segundas intenções) a ajudou a carregar as caixas com seus pertences que o preguiçoso do porteiro praticamente jogou elevador afora. Sem falar que ele lhe salvara muitas vezes quando não tinha tempo para esperar um pedido de almoço de um restaurante e ele lhe convidava para almoçar em seu apartamento.

Naruto terminou de preparar seu sanduíche e deu uma abocanhada fazendo sua boca ficar melada, Ino fez uma careta e estendeu para ele um pano que ela tirara sabe-se lá de onde. Sakura não estava prestando muita atenção, pois sua cabeça ainda latejava.

— Cara, que bom que você já está de recesso. Já pensou ter que ir pra faculdade assim? — O Uzumaki comentou dando outra mordida.

— Falando nisso, Sakura, está mais calma a respeito dos resultados? Ainda não falou sobre isso, é estranho. A frase 'Ai meu Deus eu não vou passar' já estava se tornando um bordão. — A Yamanaka disse olhando-a.

Sakura sorriu, pois, novamente, sua mente viajou para a sua conversa com Sasuke...

Depois de muito papo furado, Sasuke perguntou o que estava tirando o sono da Haruno:

— Então, que faz acordada há esta hora?

Sakura ponderou. Apesar de decidir aceitar a conversa, ainda estava deliberadamente temerosa. "Não converse com estranhos" diziam seus pais quando ela era criança (apesar de seu pai radicalizar um pouco e mudar a frase para "Não converse com garotos!") mas ela não era mais criança, já conversara antes com outros estranhos (e também com garotos) sabia no que estava se metendo.

Por fim, resolveu dizer o motivo da aflição, mas claro, se preocupando em não dar informações demais sobre sua vida pra o gringo da voz bonita.

— Estou ansiosa para os resultados das minhas provas de faculdade. — Disse sem mencionar o nome da instituição e curso. Ele também não perguntou o que ajudou em seu trabalho de manter-se o mais anônima possível.

— Ah, entendò. Faculdadè... Bons tempos.— Sasuke divagou parecendo esquecer-se dela.

— Você já terminou a faculdade? — Questionou-o imediatamente. A Haruno pensou que ele teria sua idade.

Sasuke pensou um instante antes de respondê-la: — Larguei no último anò. Tinha outros... Outros planos.

Ela pensou em perguntar que planos eram esses, mas constatou que se ela queria manter-se imparcial ele também tinha esse direito. Por isso limitou-se à pergunta simples e abrangente:

— E conseguiu realizá-los? Digo, seus planos?

Desta vez, Sasuke não hesitou em responder.

— Sim, sim. Na verdade, ainda estou realizando, mas já è meio caminho andado.

— Claro. Que bom para você. Tem que ter muita coragem para largar tudo assim....

— Ou falta de juízo, como disseram meus pais. — Ele completou.

Os dois sorriram.

— É...

E com isso ficaram sem assunto por um momento, apenas ouvindo a respiração um do outro.

A verdade é que Sakura estava em uma batalha interna sobre fazer a pergunta que mantinha-se presa na ponta de sua língua. Queria perguntar o que ele fazia quando estava em uma situação semelhante à dela. Mas ai ele acabou por dizer que largara a faculdade, ou seja, esse não era exatamente o perfil de uma pessoa que se preocupava com resultados escolares. Sem falar que se sentiria uma completa idiota fazendo uma pergunta dessas.

Então era isso, ela encontrava-se dividida entre arriscar perguntar e ter uma resposta satisfatória de Sasuke que a ajudasse pelo o que estava passando, ou questioná-lo e sair-se de despreparada e insegura.

'Ah, que se dane! Não vou conhecê-lo pessoalmente mesmo! Caso ele ria de mim basta desligar e pronto, oras!'

É estava decidido, ela perguntaria. Deu um breve pigarro (mas se preparando do que para mostrar que ainda estava ali).

— Então... O que você fazia para tirar um pouco o foco dos resultados finais e relaxar?

— Conversava de madrugada ao telefone com pessoas desconhecidas. — Respondeu de imediato.

'Ele está debochando de mim.' Sakura pensou. No entanto, antes que tivesse tempo de encerrar a ligação, ele deu uma risada e continuou:

— Brincadeira, Sakurà. Para ser sincero, não me preocupava tantò com isso.

Sakura suspirou, é claro que não se preocupava, assim como previsto...

Ela sorriu e disse sarcasticamente: — Muito obrigada pela ajuda, Sasukè.

O sorriso apareceu novamente. Pois naquele momento, a Haruno deu-se conta de que aquela fora a primeira vez que Sasuke dissera seu nome. 'SakurA', dando ênfase no último A e Sakura imaginou que na França o nome de Sasuke rimava com 'você', e o seu nome rimaria com 'acolá'.

 E ela não podia negar que a forma como ele o pronunciou fez a nomenclatura parecer muito mais bonita do que realmente era.

Sakura era uma pessoa normal. E como toda pessoa normal, não era satisfeita com seu nome.

— É, estou mais calma. — Respondeu olhando para Ino. O sorriso ainda no rosto.

E de fato estava, pois apesar de dizer de brincadeira que conversar com um estranho do outro lado linha fazia bem, Sasuke acabou se provando totalmente correto. A verdade é que Sakura passara a pensar tanto nas conversas que tivera com o francês que chegara a esquecer-se completamente dos resultados que estavam por vir. Não lembrava até Ino mencioná-los!

— Realmente, você está mais calma, Sakura. Ontem mesmo estava a ponto de arrancar os cabelos! Quero a receita, hein! — Naruto comentou, lavando o prato que usara na pia do outro lado da cozinha.

— Temo que isso será impossível, Naruto. É uma receita muito peculiar, francesa para ser mais exata. — Respondeu rindo consigo mesma.

[...]

Depois de colocar Ino e Naruto para prepararem o almoço (alegando estar quase nas últimas horas de sua vida), Sakura foi à farmácia e comprou seu remédio e aproveitou também para reabastecer seus kits.

Os três almoçaram e depois da refeição, Ino recebeu uma ligação e teve que ir embora. Naruto resolveu ficar de companhia para Sakura e ela novamente aproveitou-se dos dotes culinários do Uzumaki e pediu para que ficasse para o jantar e aproveitasse e o preparasse.

Agora a Haruno estava acabando de sair do banheiro. Aprontava-se para dormir, já estava se sentindo muito melhor (em todos os sentidos) e decidiu que aquela seria uma boa noite de sono.

Deitou-se e ficou de frente para a varanda (agora devidamente fechada), lembrou-se novamente de como Sasuke chamara seu nome com aquele sotaque carregado e elegante. Procurou pelo celular encima da cômoda ao lado da cama. Desbloqueou a tela e rolou o dedo até a chamada do rapaz. Por um momento pensou em ligar para ele, mas logo desistiu.

— Não. Preciso dormir! — Decidiu, bloqueando novamente o celular e o colocando de volta no móvel.

Se fosse outro dia, Sakura teria colocado o aparelho no modo silencioso como fazia quando não queria ser incomodada por ligações noturnas. No entanto, a Haruno pareceu esquecer-se do hábito. Talvez fosse por esquecimento, talvez porque estava praticamente caindo de sono... Ou talvez (só talvez) se devesse pelo fato de ter uma vozinha sussurrando repetidamente em seu ouvido quando fechou os olhos:

Sakurà

Sakurà

Sakurà

...

A moça sentou-se na cama de súbito. Fora acordada pelo toque padrão do celular. Atendeu-o sem nem mesmo olhar de quem se tratava:

— Alô?

— Sakurà? Desculpe por acordá-la.

E apesar de ter seu sono interrompido, ela não pôde evitar sorrir.

— Tudo bem, Sasuke. Então, quer conversar?

É, talvez (só talvez mesmo, desta vez), Sakura desejava mesmo ser incomodada por uma ligação noturna feita por alguém agora não tão estranho assim.


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