HERÓIS escrita por Felipe Arruda


Capítulo 3
Entrevista com o vampiro




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Dois anos antes.

— Isso é muito estranho – disse Mauro olhando para os dois cadáveres no sofá.

— De mais – disse Ágata.

Ágata e Mauro foram mandados até uma casa no bairro nobre da velha Itacorá depois de alguns vizinhos terem alertado a polícia sobre uma movimentação estranha na casa da família Gasparini. A vizinha mais próxima, uma senhora idosa de cabelos num corte Chanel e que cheirava a ameixa, disse à polícia que havia escutado o barulho de algo quebrando e que ficou preocupada quando chamou pelos vizinhos e ninguém atendeu.

— O carro está na garagem há três dias – disse a senhora quando Ágata e Mauro chegaram. – Ninguém atende quando a gente chama e o cachorro no quintal dos fundos late noite e dia.

Ágata abriu o portão de ferro e encarou as paredes amarelas da casa. Ela escutou os pés fazendo um barulho suave ao andar pela entrada de cascalho até a grande área da frente. A grama do jardim estava bem aparada e as flores próximas ao muro estavam estranhamente alinhadas. Tudo estava num terrível e mórbido silêncio e de alguma forma aquilo a assustava.

— Otávio Gasparini não era médico ou coisa parecida? – Perguntou Mauro andando no mesmo tempo ao lado dela.

— Aposentado, eu acho – disse ela sem saber ao certo. Ágata tentou puxar algo na memória sobre Otávio Gasparini, mas só conseguiu lembrar vagamente de uma reportagem de dois dias atrás sobre ele ser um dos sócios da nova clínica de reprodução genética da cidade.

A porta da frente estava trancada e quando ninguém respondeu ao chamado de Mauro, ele a abriu com um chute.

— Merda – disse Ágata desviando o olhar por dois segundos.

Cerca de treze minutos depois a entrada da casa estava isolada com uma fita amarela e alguns policiais afastavam os curiosos que passavam e tentavam ver o que acontecia do lado de dentro. Uma mulher magra e pálida tomava o depoimento da mesma vizinha com quem Ágata havia conversado antes de entrar na cena do crime.

A cena do crime era uma elegante sala de estar. O sofá em U ficava no centro do cômodo de frente para um painel com uma TV de 42 polegadas, a TV estava desligada, assim como as luzes. No chão havia um tapete felpudo e bonito e nas janelas uma longa e pesada cortina, Ágata pensou que dava para comprar uma moto nova só com o dinheiro da tapeçaria.

As paredes eram num tom creme e estavam limpas. Atrás do sofá havia uma mesa de vidro com uma série de retratos de família. Havia um telefone fora do gancho próximo ao sofá.

— Parece que ele tentou pedir por ajuda – disse uma das peritas ao seu colega ajoelhado no chão.

A equipe de homicídios do departamento de polícia do condado de Itacorá trabalhava a todo vapor. O analista forense, um cara baixo e barrigudo que ficava enrolando seu bigode parecia bem desconectado com o caso, já que ele não havia encontrado um pingo de sangue se quer.

Ágata olhou para o cadáver de Otávio Gasparini próximo ao telefone. O corpo estava parado de forma como se ele tivesse caído no sofá, esticado o braço para pegar o telefone, mas morrido antes de dizer Alô. Heloísa Gasparini, a mulher dele, estava na outra ponta com metade do corpo caído do sofá. Ela usava uma calça social preta e uma blusa branca D&G.

Algum dos detetives veio e informou a tenente Maria, uma mulher negra e autoconfiante de que a casa estava completamente em ordem. Um dos peritos sugeriu que aquela era a cena de um assalto, mas Maria logo descartou a hipótese ao dizer que Heloísa continuava com os brincos de diamante nas orelhas.

— É perturbador – disse Mauro sussurrando para Ágata. Ela sabia que ele se referia as expressões no rosto das vítimas.

— É como se eles estivessem assustados – disse ela pensativa.

— Vai ver que se assustaram com o valor da hipoteca – disse Mauro rindo e dando uma olhada na luxuosa sala da casa.

Ágata soltou um risinho e voltou sua atenção para o homem ajoelhado no chão que juntava pedaços do que parecia ser um vazo de cerâmica.

— A vizinha falou sobre algo que fez barulho, como se quebrasse, não é? – Perguntou Ágata. Mauro fez um gesto positivo com a cabeça e os dois observaram os cacos de cerâmica sendo colocados num plástico transparente.

Em seguida o IML chegou para retirar o corpo do casal, que aparentemente não tinha sinais de luta, ou sangue.

— Estranho – disse Ágata.

○○○

— Nada – disse Mauro olhando os papeis da autópsia. Ele encarou Ágata sentada na cadeira atrás de sua escrivaninha na pequena sala mal ventilada onde os dois tentavam entender o que acontecia. – Aqui diz que o coração deles simplesmente parou.

— Infarto? – Perguntou ela confusa. Dois dias depois e o caso dos Gasparini havia tomado uma proporção desastrosa, principalmente pela mídia sensacionalista que abusava do fato de Otávio ter sido um famoso geneticista.

Maria estava uma pilha e ordenando aos gritos que todos conseguissem pelo menos uma pista do que havia acontecido. A mídia não havia engolido a história do duplo infarto e tudo piorou quando as fotos dos dois vazaram e caíram na internet. Todo mundo que via a expressão de transtorno no rosto das vítimas custavam a acreditar que aquilo havia sido um simples infarto.

— Causa da morte: o coração parou – disse Mauro. – Simples assim.

— Isso faz a cada segundo menos sentido – disse Ágata massageando as têmporas.

Mauro estava sentado na frente dela, perto o bastante para o perfume 1 Milion dominar a pequena sala. Ágata realmente gostava daquele perfume. Mauro estava com os cabelos negros curtos e aquela expressão de preocupação no rosto o deixava um pouco mais velho do que ele realmente era.

O rapaz havia entrado há pouco tempo para a divisão de homicídios do condado de Itacorá, todos o subestimavam, principalmente pela idade, mas Ágata gostava de trabalhar com ele. Gostava ainda mais quando ele usava aquela blusa rosa que destacava os braços malhados da academia.

Uma mulher baixa e asiática entrou na pequena sala. Ela usava uma calça social, uma camisa branca por dentro da calça e em seu pescoço estava pendurada um distintivo. Seu cabelo escorrido estava solto e caia como uma cascata pelas costas. Seus olhos de jabuticaba estavam brilhando com um fervor incrível.

— Encontramos uma digital nos cacos do vazo de cerâmica – disse ela. – Buscamos no banco de dados e encontramos o dono da digital – ela parecia eufórica. – Recebemos a imagem de uma câmera de segurança com o nosso suspeito tomando café naquele novo Starbucks... – ela olhou de Ágata para Mauro. – Ele está lá na sala de interrogatório – ela soltou um sorrisinho. – Alguém para fazer as honras?

O rapaz sentado do outro lado da mesa de madeira era alto e magro. Seu cabelo castanho estava despenteado e havia grandes círculos ao redor de seus olhos verdes. Parecia que ele não dormia há séculos.

As mãos dele estavam em cima da mesa presas numa algema prata. Ágata reparou em uma tatuagem no braço direito, parecia um oito deitado, gravado no pulso. Ele usava uma blusa preta e jeans gastos assim como o tênis nos pés. Quando ela e Mauro entraram na pequena sala, ele continuou com seu olhar baixo encarando um ponto qualquer no espaço.

Busquei a digital dele antes de vocês— disse Fernando numa mensagem de texto. – Eu já disse que esse sistema de vocês é muito lento... encontrar ele foi bem fácil, parece que ele é um grande fã de cappuccino...

Ágata guardou o celular no bolso rindo discretamente e entrou na sala de interrogatório onde encontrou o suspeito daquele estranho crime.

— Encontramos suas digitais na cena de um crime – disse Mauro, ele analisava alguns papeis e parecia confuso. – Qual a sua relação com a família Gasparini, senhor Ian?

— Dispenso a formalidade – disse Ian num tom baixo e arrastado. – Não tenho relação alguma com essa família. – Ele mantinha os olhos presos num ponto qualquer sem demonstrar qualquer emoção – nem os conhecia na verdade – disse ele.

A sala de interrogatório era na verdade uma pequena sala com uma mesa de madeira retangular no centro e cadeiras de lata dobráveis. Uma parte das paredes era pintada em dois tons, sendo do chão a metade da parede de azul e a outra metade até o tento de branco. O forro de PVC estava um tanto amarelado assim como a cerâmica branca no chão. Havia uma luminária de metal do forro que iluminava basicamente o centro da mesa e três gaveteiros de metal numa das paredes entulhados de papeis.

— Um casal foi encontrado morto em sua sala de estar de forma muito questionável e em um vazo de cerâmica quebrado foi encontrado uma digital sua e você não tem relação alguma com o caso? – Perguntou Mauro. Ian não respondeu. – Como foi que eles morreram? Veneno?

Ian ergueu os olhos para Ágata.

— Medo – disse ele. – Eles morreram de medo.

Mauro começou a falar alguma coisa, mas nem mesmo Ágata conseguia prestar a atenção. Ela mantinha seus olhos aos de Ian e por um instante aquilo que ele dizia parecia fazer sentido. A cena da morte do casal voltou a sua mente. A feição de pavor era nítida em seus rostos, como se eles estivessem com medo. Muito medo na verdade.

— Ela quer vingança – disse Ian lentamente. – Ela é uma de nós. – Ele continuava encarando Ágata. Mauro parou de falar.

— O que você disse? – Perguntou ele, mas Ian não respondeu, apenas continuou olhando fundo nos olhos de Ágata.

— Uma de nós? – Perguntou Ágata. Primeiro ela se perguntou o que aquilo podia significar e logo em seguida a resposta estava nítida na frente de seu nariz.

Mauro a encarou confuso.

— Do que ele está falando? – Perguntou.

— Eu posso ajudar – disse Ian. Em seguida apontou com os olhos em direção a Mauro.

Ágata não sabia o que aquilo significava ao certo, mas tinha um palpite. Ela encarou Ian imaginando que aquilo era loucura. Ela é uma de nós— pensou Ágata, mas qual era a probabilidade dele saber sobre aquilo, sobre o segredo dela?

Ágata lançou um olhar para Mauro e em seguida pediu desculpas mentalmente, ela odiava fazer aquilo com pessoas das quais gostava.

— Dor... – sussurrou ela e instantaneamente Mauro começou a se contorcer e a gritar de dor chegando a cair no chão.

Dois policiais entraram pela porta do lado direito da sala instantaneamente para tentar ajudar Mauro que continuava se retorcendo no chão. Ágata aproveitou a distração e jogou as chaves das algemas para Ian, que as abriu discretamente.

A policial parou de exercer seu poder sobre Mauro, mas ele continuou no chão tentando se recuperar tossindo e cuspindo na cerâmica encardida.

— Eu procuro por você – disse Ian em pé ao lado de Ágata, ela se assustou porque ele havia sido tão rápido e tão silencioso que ela nem o vira agindo.

— O que...? – ela nem havia terminado a frase quando as pontas geladas de seus dedos tocaram em seu rosto.

Primeiro ela se sentiu tonta e depois começou a desfalecer, era como se alguém houvesse roubado suas energias. Em seguida ela sentiu seu corpo contrair como se todos os seus músculos estivessem tendo câimbra. Em seguida ela caiu no chão, gritando desesperadamente de...

— Dor... – sussurrou Ian segundos antes


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