Três em um escrita por Mente suicida


Capítulo 16
Revelações




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Bianca não conseguiu esconder que realmente existia algo onde não queria me contar.

— Porque essa pergunta agora, Miguel? Estávamos tão bem... – Respondeu utilizando outra pergunta.

— Eu preciso saber, Bianca... Eu não sei o que a gente tem um com o outro, mas eu estou numa fase da minha vida, que preciso que as coisas caminhem de forma correta – Falei sentando em nosso velho banco – Então é verdade que você ainda continua com ele?

Ela não soube me responder e simplesmente baixou a cabeça por alguns segundos. Depois a mesma passou a mão nos cabelos, virou-se para mim e respondeu enquanto derramava lagrimas dos olhos.

— Sim, Miguel! A gente continua ficando. Não é escondido, minha família ainda pensa que namoramos e...

— Então tu nunca acabou com ele? – interrompo – Se fazia de coitada enquanto me fazia de idiota? – Levantei usando um tom de voz mais alterado.

— Eu sei que estou errada, mas eu tentei ficar só contigo. Porém, tu parece uma incógnita, nunca é transparente. Não consegui demostrar sentimentos, é bruto, grosso e nunca quis nada sério comigo.

— Então agora a culpa é minha? – tentava esconder a decepção – Esse é meu jeito, eu não posso mudar de uma hora para outra e o motivo de eu nunca querer namorar com você, foi pela sua mentira quando me conheceu. Eu até tentei algo sério contigo, mas Renato era sempre visto, citado ou lembrado e isso me bloqueava.

— Eu não sei o que deu em mim. Minha religião não permite isso e esse foi o motivo de eu estar afastada. Só que tem algo em você que completa o vazio que existe em Renato. Da mesma forma que falta algo em você que só o Renato pode preencher.

— Eu não acredito que estou ouvindo isso, Bianca. Isso chega a me dar nojo, sabia? – Respirei fundo.

— Tu sempre foi incapaz de me dizer um eu te amo para mim. Tu esta sempre usando drogas para esconder algo, que eu já desisti de descobrir. Tu esta sempre no teu mundo, parece viver lutando contra alguma coisa.

— CALA ESSA BOCA!!! VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE ME CHAMAR DE INCAPAZ – Fechei as mãos como se quisesse dar um soco em alguém – Chega! Fica longe de mim, vou entrar agora, não aguento olhar na tua cara...

Dois dias se passaram e eu ainda não conseguira digerir aquela situação. Gustavo também estava sempre presente entre nós dois. Não entendia em qual lado ele estava, mas precisava que ele ficasse próximo de mim. Em uma das diversas conversas que tive com Tacyane, a mesma me aconselhou a perdoa-la, pois eu também tenho escondido coisas de Bianca.

O que cabia a mim naquele momento era conversar com Bianca e tentar voltar com a amizade, pois isso a gente soube construir e sinceramente, talvez devêssemos ter sido apenas amigos desde o começo.

Após pensar muito, estava disposto a abrir todo o jogo com Bianca, então decidi ter uma séria conversa com a mesma.

— Oi? – sentei ao seu lado.

— Oi, que bom que veio falar comigo... – Bianca respondeu

— Você vai sair no fim de semana? Eu preciso te mostrar um lugar – Perguntei.

— Eu ia à igreja, mas deixo para o próximo final de semana. – o sorriso chegava a alcançar a orelha – Onde vamos?

— Vou te levar no meu lugar preferido, lá podemos ter uma boa e longa conversa, pode ser?

— Sim, claro!

— Certo! Até lá, continuamos como está, ok? – Levantei e fui embora.

Após fazer essa proposta, fui em direção a empresa e voltei a trabalhar. Os dias foram passando e Gustavo estava aparentemente mais curioso do que a própria Bianca. Ele perguntava a todo instante para onde iria levar sua amiga. Talvez estivesse preocupado também. Logo, o tranquilizei e falei para esperar, pois sabia que toda conversa que eu teria com Bianca, o mesmo saberia depois.

O grande dia chegou. Mandei uma mensagem no whatsapp informando que iria busca-la às 14 horas em sua casa.

Não demorou para dar a hora. Ao chegar em frente a sua casa, pude observar sua beleza de longe. Ela realmente estava linda. Usava uma calça ajustada em seu corpo, com uma blusa vermelha e estava de volta com seus cachos ruivos combinando com os trajes.

— Vem, eu não vou fazer suspense. Vou te levar no lugar que eu adoro quando quero ficar sozinho.

Fiz o mesmo ritual de sempre. Parei em frente, cruzei os braços e olhei pro alto e respirei fundo antes de entrar. Subimos até o ultimo andar, mas antes que abrisse aquela porta velha cheia de pudim, fechei os olhos de Bianca usando minhas mãos.

— Pronto, olha agora. – Falei

— O, o, o que é isso? – Ela não estava acostumada a subir uma longa escada e procurou folego para falar.

— Bem vinda a minha segunda casa – Abri os braços, saindo do caminho.

— Então é aqui o lugar que tu fala tanto? – Ela estava boquiaberta.

— Sim, olha, vem – A puxei – Aqui está minhas grafitagens. Olha todos os desenhos com bastante atenção e depois me fala o que achou.

Bianca ficou observando todos os desenhos por volta de meia hora. De longe e sentado no meu colchão, seguia todos seus movimentos e após passar um bom tempo olhando todos aqueles desenhos, frases e pichações. Ela olhou para mim e perguntou o significado do ultimo e ainda não terminado.

— Esses três somos nós?

— Sim! Quer dizer, era pra ser... Tentei fazer umas caricaturas com nossos rostos, mas desisti.

— Mas todos os desenhos estão lindos, parabéns! – Ela sentou próxima a mim – Mas o que significa aqueles primeiros?

— Bem, em nossa discussão, você me chamou de incapaz de sentir algo por alguém, certo? – Levantei-a pelo braço e levei até a parede grafitada – Vem, está vendo esse primeiro desenho?

— Sim, estou!

— Pronto! Esse desenho ilustra o inicio da minha dor... Esse cara alto ai é meu pai e a mulher baixinha é minha mãe. Olha ele dentro do avião com a mão levantada – Apontei para o desenho – Isso mostra o meu primeiro trauma, onde um homem que vivia viajando e todas as vezes que vira para Recife, perseguia minha mãe na tentativa de ficar com aquela linda morena. Minha mãe resistiu por um bom tempo, até que cedeu, e ele conseguiu transar com ela, gerando uma criança. Logo após essa conquista, meu querido pai foi embora.

As lagrimas já jorravam dos meus olhos. Então levantei para que Bianca não pudesse me ver chorando, encostei-me na parede mais próxima, peguei um cigarro no bolso e acendi.

— Quando nasci, minha família esperava por um garoto moreno, mas eu vim com a pela branca. Ninguém entendeu, pois toda família da minha mãe e do meu pai são morenos. Isso causou uma má impressão para minha mãe perante a família do meu pai. Depois da minha mãe passar um enorme sufoco com o desprezo da minha família paterna e com as dificuldades para criar um filho sozinha, meu pai voltou. Ao olhar para uma criança de apenas 5 anos, xingou e agrediu minha mãe pela suposta traição.

— Por favor, me desculpa pelas palavras que usei. – Bianca tentou me abraçar.

— Eu ainda lembro do ultimo olhar daquele homem. – Passei a mão nos olhos

— Para com isso, está te fazendo mal – Levantou-se também

— Eu cresci ouvindo minha mãe falar que eu era a esperança que ela tinha para mudar de vida. Mas a vida nunca foi a meu favor... Quando completei 15 anos, minha mãe sofreu uma queda que a fez ficar internada durante um mês e devido a isso, perdeu a nossa única fonte de renda . Só tínhamos minha tia (mãe da tacy) para ajudar, mas ela teve que morar longe da cidade...

— Calma, Miguel. Se quiser parar, por mim está tudo bem!

— Não! Você falou que iria me ouvir – O tom era de tristeza por relembrar toda história – Voltando... Por causa dessa situação, ficamos sem comer, passamos maior barra e foi quando conheci o André e junto veio a vida do crime. Tive que traficar drogas para ter o que comer, mas eu me acostumei e mesmo quando já tínhamos superado a dificuldade, continuei com essa vida, até que um dia, eu estava na frente da casa de um amigo e fomos surpreendidos pela chegada de dois homens numa moto e deu três disparos contra Felipe. Eu tive outra reação a não ser fugir. Deixei um dos meus melhores amigos para morrer. Ele era irmão de André, por isso até hoje, eu acho que devo algo para ele.

— Agora já chega, cala essa boca e me beija! – Bianca me puxou para o colchão.

— Não! Eu não posso te beijar, sabe por quê? – Estava na hora de revelar – Porque eu sou gay..

Bianca tentava me beijar no momento e ao escutar aquela frase, não pude esconder a surpresa estampada em seu rosto.

— O que você está me dizendo? Está de brincadeira comigo?

— Não, Bianca, é verdade...

— EU NÃO ACREDITO, MIGUEL. – Dessa vez, o choro tomava conta da garota.

— Eu lutei muito contra isso durante toda minha vida. Quando eu era criança, eu não sabia do que se tratava e pedia a Deus para tirar aquela sensação dentro de mim.

Eu precisei interromper o que estava a falar, pois Bianca foi de joelhos ao chão e levou as mãos para o rosto. A cena daquela linda menina chorando desesperadamente mexia muito comigo. Precisei levantar e abraça-la para conseguir continuar.

— Quando cresci, entendi do que se tratava, mas mesmo assim, me torturava todas as vezes via um garoto bonito na rua. Eu fui o que eu fui pra esconder quem realmente eu era. Eu batia em meninos homossexuais da escola para ser o hétero descolado. Eu ficava com meninas uma única vez para ninguém desconfiar quem eu era, mas ao conhecer...

— CALA ESSA BOCA – Interrompe – Gustavo tinha razão desde o inicio. É capaz de tudo isso que está falando seja por ele.

— Nunca foi por ele. Eu estou contando tudo isso por você. Eu não posso te fazer feliz, eu não consigo mais esconder tudo isso de você. Me desculpa.

— Por favor, paraaaaa, me soltaaa – gritou – Isso é coisa do Diabo. Você não sabe o que está falando.

—. Não é coisa do diabo e eu sei exatamente o que estou falando. – A soltei.

— EU NÃO ACEITO ISSO, ME LEVA PRA CASA AGORA.

— Bianca? – A puxei pelo braço novamente – Não faz assim, fica do meu lado, por favor. Eu preciso de você para lutar contra o mundo – Falei próximo a seu rosto com as mãos em seu pescoço

Bianca olha para mim, tira o cabelo da frente do seu rosto e responde:

— NÃO!


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