Soterrado escrita por AQuestionadora


Capítulo 1
Capítulo Um — Avalanche


Notas iniciais do capítulo

"Boggs se agacha ao meu lado, sua pele pálida em meio as sombras.
— Nós não bombardeamos o túnel do trem, fique sabendo. Provavelmente algumas pessoas vão conseguir escapar de lá.
— E depois vamos atirar nelas assim que derem as caras por aqui? — pergunto.
— Só se for necessário — responde ele.


A Esperança, página 227.



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Descanso a picareta em meus ombros para observar o teto. A arquitetura mal planejada constituí-se de vigas de madeira sobre uma rede, parcas luzes e a sirene que canta anunciando o horário de almoço. Alguns pedregulhos se soltam da rede atingindo o chão. Ignoro a cena usual e volto ao trabalho.

Mesmo após quase quinze anos trabalhando na Noz, estranho o setor B-II quando uma rocha do tamanho de uma maçã atravessa a rede e atinge meu ombro. Olho em volta e percebo que os outros trabalhadores também estão paralisados observando o buraco no teto.

É nesse instante que a sirene toca. O setor é acometido por uma luz avermelhada e os urros atingem meu ouvido. Atordoado, encosto a picareta na parede. Por um segundo espero os gritos "hora da bóia", mas eles não vêm.

Obrigo minha mente a funcionar e então me lembro do meu primeiro ano na Noz, no treinamento de seguranças de trabalho. O som estridente só significa uma coisa. Avalanche.

 Concluo quase no mesmo segundo que os demais. Tomo posse de uma das pás que encontro no chão e me acotovelo na saída. Meus pés me guiam para o único lugar possível: setor D-IX. Preciso encontrar Ares.

Ignoro a vergonha que ele causou a nossa família ao ter atingido os 18 anos e não ter sido escolhido pela Academia para representar o Distrito 2 nos Jogos Vorazes. Porque eu sei que jamais vou me perdoar se algo acontecer a Ares. Se eu perder meu filho.

Desvio das rochas que atrapalham o meu caminho. Me sinto novamente como um adolescente na área e agilidade da Academia. Se eu me esforçar quase consigo ouvir a voz da professora Venília gritando “Isso é tudo o que pode fazer, senhor Caelinus?”.

Mas agora tenho uma motivação: Ares.

Então encontro-o vindo em minha direção. Está desarmado e usa a camisa como uma máscara. Somente agora percebo que a poeira que se instalou nos túneis e repito seu gesto, grato do suor acumulado no tecido.

Ares ainda está meio grogue quando agarro seu pulso e o conduzo a passos rápidos para a saída. Conforme nos aproximamos do túnel, as pessoas vão surgindo no nosso campo de visão. Até mesmo os meus passos estão letárgicos e os destroços e a correria levantam mais nuvens de poeira.

Me sinto sufocado pelo ar e então a sentença de morte se torna palpável. Faço a única coisa possível: eu grito por socorro. Mas, abafado pelo camisa e meus pulmões carregados por fuligem, o som é rouco e estrangulado.

Sinto um aperto leve no meu tornozelo, abaixo o olhar e encontro Ares deitado de bruços. Imito seus movimentos e percebo que o ar está mais leve aqui embaixo. Mas não muito.

— Talvez se a gente rastejar, a gente alcance a entrada — diz Ares com os olhos vermelhos pelos destroços. Concordo com a cabeça e ouvimos o que só pode ser uma bomba.

Então não é uma conseqüência de causas naturais. A culpada tem um rosto: o tordo. Se Cato não tivesse abandonado sua lança na fuga dos bestantes ou se Clove não tivesse errado o seu tiro certeiro em Katniss logo no Banho de Sangue, eu seria poupado de ver corpos de conhecidos, até mesmo de amigos,  esmagados pelas rochas que agora caem sobre nossas cabeças. Me pego amaldiçoando a Garota em Chamas e desejando eu mesmo enterrar minha picareta em seu peito. A menina é tão pequena e magricela que não representaria ameaças aos meus punhos, mesmo nos meus quarenta anos.

Motivado pelo meu novo desejo, me ponho a rastejar sobre a mina. Sou pisoteado e vejo pessoas caírem sobre nós quando desmaiam, seus pulmões se rendendo ao pandemônio.

Uma dessas pessoas é meu cunhado. Vejo um rastro de conhecimento no rosto de Ares mas ambos seguimos em frente. Estamos os dois engatinhando quando a aglomeração se mostra maior.

Ares corta a frente e vejo que ele atingiu a liberdade. Estou prestes a acompanhá-lo quando outra rocha se desprende da Noz e fecha a entrada, esmagando a minha mão e uma dúzia de outras pessoas.

O mundo entra em câmera lenta quando observo o membro decepado. Sinto a bile se formando e fico de quatro quando vomito meu café da manhã. O esguicho inicial deu lugar ao sangue que escorre do meu pulso. Levanto e observo o lugar. A adrenalina voltou ao meu corpo e, temporariamente, ignoro a dor alucinante do meu membro. Meus ouvidos captam o som e sigo os outros dando a volta ao pequeno incêndio que se instalou no setor.

Sou incapaz de reconhecer a planta do local, meus sentidos me enganam. Tudo o que vejo se resume a rochas e ao fogo. Fogo a qual desejo que consuma Katniss Everdeen.

A perda de sangue cobra o seu preço. Me vejo desorientado e cambaleante. Os gritos também já não são tão incessantes: algumas pessoas cedem ao chão. Uma ou outra sucumbe à convulsões.

No entanto não me permito parar. Preciso sair. Preciso atingir uma saída.

Desencosto da parede mas tropeço nos meus próprios pés. Quase que no mesmo instante, ouço outro ataque. Os dutos de ventilação liberam mais fumaça e meus olhos me traem em meio o ambiente camuflado pela poeira. No entanto sou capaz de identificar, no último segundo, fios elétricos se desprendendo e vindo em minha direção.

Me forço a levantar, a desviar. No entanto estou desnorteado. Busco o ar entre minha camisa e sinto o fio se aproxim...


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