Superando o passado escrita por HungerGames


Capítulo 3
Capítulo 3




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Saio do quarto, sinto cheiro de comida e me preparo pra roubar o café da manhã da Lia, mas ao invés disso encontro Rafael na cozinha terminando de mexer em alguma coisa no fogão, ele está sem camisa e procuro não olhar muito pro corpo dele.
— Espero que não tenha nenhuma regra sobre usar a cozinha de manhã – ele parece bem humorado, o que é raro de manhã aqui no apartamento.
— Não, não tem! Bom dia – ele despeja em um prato ovos mexidos, eu o olho curiosa e me aproximo, no balcão da cozinha tem pão doce, pão de sal, queijo e o que eu acredito ser peito de peru – De onde você tirou tudo isso? – pergunto já que estamos com a geladeira precisando ser reabastecida e só compramos pão em datas especiais, ele dá de ombros, vai até o fogão de novo e passa o café, de verdade, por um coador igual mamãe e papai fazem em casa, acho que essa é a primeira vez que isso acontece aqui no apartamento, sempre tomamos café de cafeteira e mesmo assim só de vez em quando.
— Eu nem sabia que a gente tinha coador em casa – ele ri.
— E não tinham... Eu dei um pulo na padaria do outro lado da rua – eu o olho curiosa.
— Que horas você acorda? – pergunto olhando meu relógio que marca 7 horas agora.
— Meu avô me acostumou a acordar cedo... ‘’Quanto mais cedo se acorda mais tempo você tem” – ele fala fazendo uma voz grossa meio ridícula, eu acabo rindo.
— Palmas pro seu avô então – ele me olha um pouco divertido e desce o olhar pela minha roupa, estou com uma calça social preta que é um pouco justa no meu corpo, uma camisa azul clara aberta nos dois primeiros botões , um blazer preto, sapato fechado com um salto mediano e cabelo preso, por que embora eu não tenha uniforme o trabalho me exige um certo tipo de roupa como essa.
— Então você é tipo, uma executiva importante? – ele pergunta sorrindo, eu desvio os olhos do sorriso dele.
— Não, eu sou só a secretária de um escritório de advocacia – ele faz uma cara de impressionado, então puxa o banco do lado dele e me oferece.
— Eu odeio tomar café sozinho – ele pisca um dos olhos, como eu realmente estou com fome e não é sempre que temos um café da manhã assim, eu aceito o banco mas o afasto ainda mais dele – Você sabe onde tem uma academia boa por aqui? – eu acabo soltando um riso, é claro que ele quer uma academia, com esse corpo ele deve viver dentro de uma – O quê?
— Tem uma há algumas quadras daqui, é onde o Vinny estagia...
— Ouvi meu nome? – ele pergunta já aparecendo na sala, ele está com a bolsa que mais parece uma mala pendurada no ombro, uma camiseta preta e calça cinza larga igual essas de corrida.
— Ele quer uma academia.
— Eu passo aqui quando sair da aula e você vai pra lá comigo – ele oferece e eu tenho que segurar minha surpresa, ele se aproxima de mim, beija minha testa, pega uma maça e uma fatia do peito de peru – Tô indo, vem comigo? – dou o ultimo gole no café e puxo minha pasta do chão.
— Eu chego ás 14 horas se você não tiver lá embaixo eu não vou esperar – Vinny avisa quando abre a porta e sai, eu aceno um adeus e sigo Vinny.
— Desde quando vocês viraram amigos? Vai virar motorista dele agora? – pergunto enquanto estamos descendo de elevador.
— Ele até que é legal – ele dá de ombros e eu o olho sem acreditar muito – Minha mãe pediu pra ser legal com ele ué – deixo o assunto de lado e volto a falar com ele sobre o cruzeiro que quero dar de presente de casamento pra Lia, nós conversamos e ele adora a idéia, então quando ele me deixa em frente ao escritório me dá carta branca pra fazer as reservas.
Já são nove da noite quando Lia chega com um sorriso no rosto, ela entra sem bater e se joga na minha cama.
— Me poupe dos detalhes – falo e ela ri.
Nós ficamos jogadas na minha cama, conversando e rindo e é claro que falando de como ela está quase louca com a chegada do casamento, nós repassamos a lista do que ainda temos que verificar e ela fica um pouco mais calma quando percebe que praticamente tudo está encaminhado, na sexta iremos fazer a ultima prova dos vestidos e ela não vê a hora de usar ele pra valer, conversamos mais um pouco e já é quase meia noite e os garotos ainda não chegaram, como eles já são grandinhos não me preocupo, me jogo na cama e apago.
Acordo um pouco antes do despertador e enrolo até que ele toque, me arrumo e saio do quarto, ouço barulho na sala e aceito que posso começar a me acostumar com café da manhã todo dia, então ouço uma risada de mulher e conheço a da Lia perfeitamente, sei que não é ela, quando alcanço a sala vejo Rafael sentado no sofá com uma garota praticamente montada em cima dele, ela está vestindo a camisa dele e eu espero de verdade que esteja de calcinha.
— Posso saber o que significa isso? – pergunto alto o suficiente pra ser escutada por qualquer um no apartamento, a garota se vira pra trás pra me olhar como se nada estivesse acontecendo, Rafael sorri de um jeito sarcástico, mas tem a decência de tirar ela de cima dele e eu agradeço aos céus por ela estar mesmo de calcinha, embora seja uma micro calcinha.
— Bom dia – ele fala normalmente e coloca uma almofada tampando qualquer coisa que eu realmente não preciso ver – Foi mal, mas vou ficar te devendo o café de hoje – ele fala rindo pra garota.
— Você! – aponto pra garota – Cai fora – ela olha pra ele esperando que ele a defenda, mas ele é suficientemente esperto pra não fazer isso.
— Foi mal, gata – ele fala e ela bufa irritada, junta o vestido dela do chão, então ali na minha frente ela tira a camisa dele ficando semi nua e coloca o vestido, ele sorri orgulhoso e a garota sai batendo a porta.
— Quem era essa? – Lia pergunta aparecendo na sala quando a porta se bate.
— Amiguinha do Rafael – falo e ele acena pra Lia.
— Bom dia!
— Espera, ela dormiu aqui? – ela pergunta e ele dá de ombros.
— Não dormiu exatamente – ele fala orgulhoso.
— Na sala?
— Achei que aqui fosse o meu quarto ué!
— E por isso agora eu vou ter que ficar trancada no quarto pra não correr o risco de tropeçar em um casal transando no meio da sala? – falo realmente irritada.
— Quem tava transando? – Vinny aparece com cara ainda de sono.
— Seu irmãozinho sem noção – ele ri fazendo sinal de positivo com o dedo.
— O quê? Eu vi isso mesmo? Fala sério Vinicius – ele me olha imediatamente quando digo o nome dele.
— Quem fez a besteira foi ele e não eu!
— É, e você parece aprovar – ele vai até o Rafael e dá um tapa na cabeça dele.
— Vacilou – ele fala mas não parece irritado.
— Quer saber, vocês dois... podem colocar dinheiro na caixinha! – falo e eles fazem caretas – É sério, eu também moro aqui sabia, e não sou obrigada a ficar vendo esse tipo de coisa, um pouquinho de noção já está bom já! E se você quiser continuar aqui vai ter que aprender a dividir o espaço, eu não sou obrigada a acordar de manhã e dar de cara com ninguém pelado dentro da minha casa, muito menos a me sentar num sofá onde você transou com uma garota qualquer...
— Você tava pelado? – Vinny agora sim parece irritado.
— Não, cara, eu tô de cueca – Rafael se defende rapidamente.
— Caso você não saiba existe uma coisa chamada motel e enquanto você dormir na sala é pra lá que você tem que ir – saio batendo a porta sem nem esperar Vinny, também não espero o elevador e desço de escada, alcanço a rua e a cada passo que dou fico mais irritada, ele acaba de chegar e já se acha o dono do apartamento, nem o Vinny que as vezes consegue dar algumas mancadas não faz esse tipo de coisa, a garota estava praticamente pelada e não, eu realmente não sou obrigada a ver esse tipo cena, se ele quiser que faça em outro lugar, quando chego no escritório procuro me ocupar logo e só quando meu estomago faz barulho que lembro que ainda não comi nada, corro até a lanchonete que tem no prédio e peço um café e um misto, meu celular vibra em cima do balcão onde o coloquei e vejo uma mensagem.
Vinny:  “Eu já falei com ele, foi errado e eu não deveria ter rido, você tá certa, e isso não vai se repetir! Me perdoa? L Te amo!”
Eu: “Ele é muito folgado, não gostei mesmo disso!”
Vinny: “ Eu sei, mas prometo que não vai acontecer de novo”
Eu: “Espero que não”
Vinny: “Ainda sou o melhor amigo do mundo?”
Eu: “O melhor? Fala sério, você é o pior de todos!”
Vinny: “Adoro ser o malvado, tenho que ir, até a noite!”
Vinny está off-line
Tomo meu café e volto pra minha mesa, quando o dia acaba saio do escritório perdida em pensamentos, encontro com Lia e Bruno saindo do apartamento.
— Janta com a gente? – Bruno me convida enquanto me cumprimenta.
— E segurar vela a noite inteira? Não, obrigada!
— Desde quando a gente te deixa segurando vela? – eu sorrio e puxo ela pra mim.
— Não deixam, mas hoje eu só quero minha cama – me desculpo e sinto o olhar de Bruno em mim.
— Tudo bem? – ele pergunta me observando como um leitor de mentes.
— Tudo, só... tem um negocio me incomodando... Que... Sei lá – admito.
— Se for sobre hoje de manhã, depois que você saiu o Vinny deu maior bronca no Rafael...
— Não, não! Ele é um idiota, mas não é ele – dessa vez eles me olham preocupados – É o pai do Vinny... Ele foi lá no escritório semana passada e... – mordo o lábio sem saber se devo contar ou não, olho ao redor e estamos dentro do prédio, a portaria está vazia.
— Fala logo, o que ele queria? – Lia me incentiva a falar.
— Eu... Eu não sei! Ele apareceu lá do nada disse que era um assunto pessoal e que tinha marcado direto com Dr. Leones! Eu tinha até esquecido disso, mas hoje quando eu fui organizar uns papéis eu...
— Você o que?
— Isso é segredo! Eu nem deveria ter visto nada...
— Anda, fala logo – até Bruno que é sempre paciente quase me sacode pra falar.
— Eu não sei o que era, mas tinha uns papéis e... eles tinham o nome do Vinny e da mãe dele – falo e eles parecem absorver a informação.
— Mas era o que? Um testamento? – Lia pergunta curiosa.
— Não sei, quer dizer, acho que não era um testamento, por que estava na pasta de documentos que precisam de atenção urgente e os testamentos ficam em outra pasta! – Lia e Bruno estão me olhando como se resolvessem alguma equação complicada.
— Você acha que ele ainda pode fazer algum mal pra eles? – Lia pergunta preocupada, eu nego.
— Ou talvez ele esteja querendo se redimir... – nós duas olhamos pro Bruno – Cara, ele deixou eles dois na pior, ficou com a casa que era deles, o dinheiro, tudo, agora talvez ele esteja arrependido... Pode ser – eu avalio a explicação dele e tenho que concordar que mesmo sem simpatizar nenhum pouco com esse velho, talvez Bruno tenha razão.
— É por isso que eu te amo – Lia fala já beijando Bruno.
— E eu fui – falo fazendo uma careta e empurrando eles.
Entro no apartamento e o cheiro me faz fechar os olhos e me deliciar, fecho a porta e encontro Rafael na cozinha, ele parece bastante concentrado no que está fazendo, mas percebe minha presença, então para de mexer na panela e se vira pra mim.
— Acho que nós começamos com o pé esquerdo! O que eu fiz foi totalmente contra as regras e eu aprendi minha lição, agora se você me der outra chance eu queria tentar de novo, pode ser? – ele pede e eu penso por alguns segundos.
— Você sabe cozinhar? – ele ri.
— Se eu sei cozinhar? Eu sou o melhor cozinheiro que você poderia querer como hóspede – ele fala um tanto quanto orgulhoso, mas se o gosto estiver tão bom quanto o cheiro ele pode estar orgulhoso mesmo.
— Eu vou tomar um banho – aviso e ele diz que logo estará tudo pronto.
Coloco um vestido de malha que uso em casa, enrolo o cabelo em um coque meio desajeitado e volto pra cozinha, ele já arrumou os dois pratos no balcão, junto com dois lenços em cima do prato, talheres, as duas panelas estão tampadas em cima de um descanso de madeira que temos e ele parece orgulhoso de si mesmo.
— E qual é o menu? – pergunto levantando a tampa da panela e encontro um strogonoff de camarão que cheira tão bem que quase como de dentro da panela, ele percebe minha cara.
— Acertei? – ele já está sorrindo.
— Ainda não provei – falo dando de ombros e ele ri, então me entrega um dos pratos, eu me sirvo e tenho que confessar que até o arroz parece perfeito.
— Tem suco de uva, laranja e vinho – ele fala com a geladeira aberta.
— Vinho! – ele sorri satisfeito e traz a garrafa, coloca no balcão e pega duas taças, enquanto eu experimento a comida.
— Caralho! – ele me olha surpreso e rindo.
— Não sabia que você falava palavrão!
— Isso tá muito bom! Sério, droga, é bom mesmo – falo já colocando mais strogonoff no meu prato, ele ri.
— Eu avisei que sou bom – nem discuto com ele e como mais um pouco – Lia acaba de perder o posto de cozinheira da casa!
— Ela vai adorar ouvir isso – Vinny fala enquanto entra pelo apartamento.
— Sério, experimenta isso – falo já enchendo o garfo e oferecendo pra ele, ele para ao meu lado e experimenta, assim que sente o sabor ele me olha impressionado, Rafael abre os braços orgulhoso e finge uma mensura.
— Alguma vantagem nós tínhamos que ter né – Vinny fala implicando com ele e Rafael lhe entrega um prato, mesmo suado da academia ele aceita o prato e janta com a gente.
— Onde que você aprendeu a cozinhar assim? – pergunto enquanto lavo os pratos e Vinny enxuga, Rafael continua sentado, já que ele fez a comida, nós limpamos.
— Sei lá, eu não tinha muita coisa pra fazer em casa, aí ficava pela cozinha com a Beth, nossa empregada, depois eu viajei pra alguns lugares fui aprendendo alguns truques e sei lá... Eu gosto de cozinhar – ele confessa parecendo um pouco sem jeito.
— O curso que você tava fazendo em Londres, era disso? – pergunto e ele ri.
— Não, não era! Ou meu avô ao invés de pagar o curso iria mandar me internar – ele fala rindo, mas não parece tão divertido, Vinny me olha sabendo que tem mais coisa nessa história.
— Então era curso de que? – ele pergunta tentando conseguir mais informações.
— Economia! Como único neto ele acha que eu devo me preparar pra assumir tudo – ele fala sem parecer nenhum pouco empolgado – Eu tava pensando em fazer aquela trilha no sábado – ele fala mudando radicalmente de assunto, Vinny me olha e eu dou de ombros.
— Meus pais chegam de viagem na sexta e no sábado nós vamos almoçar com eles – falo e Vinny me olha como se eu tivesse que dizer mais alguma coisa, reviro os olhos mas continuo – Se você não se importar de trocar seu sábado de aventura por um sábado em família – Vinny sorri orgulhoso.
— Parece perfeito – Rafael fala e me viro esperando encontrar algum olhar irônico ou sorriso sarcástico, mas tudo que eu encontro é um sorriso sincero e até mesmo animado, me sinto meio confusa, mas antes que eu comece a pensar em muitas teorias, eu balanço a cabeça e me livro dos pensamentos.
— Então almoço sábado! – ele sorri e eu encerro o assunto.
No sábado eu saio do quarto com meu short jeans desfiado, uma regata rosa, minha bolsa e um boné que roubei do Vinny outro dia, encontro Rafael saindo do banheiro, ele está sem camisa, de calça jeans, segurando duas camisas, ele para quando me vê e estica as duas.
— Qual delas? – uma é verde clara com gola branca e a outra é preta com várias bolinhas brancas.
— Depende, onde você vai? – ele me olha confuso.
— Na casa dos seus pais, você me convidou... Almoço em família – eu solto uma risada e ele parece não entender nada – O que foi? – ele parece magoado e eu me sinto culpada.
— Desculpa, é que... Eu não achei que você fosse mesmo...
— AH! – é visível sua decepção e até mesmo mágoa – Tudo bem, eu... Eu vou almoçar no shopping, sei lá, vai que eu tenho sorte e encontro uma moradora perdida... – ele brinca, mas sinto ainda que está sem jeito.
— Não, não é isso! Quer dizer, o convite foi pra valer, eu só achei que você tivesse alguma coisa mais importante pra fazer...
— Não tenho – ele dá de ombros.
— Então, saímos em meia hora – ele abre um sorriso e eu acabo sorrindo também.
— E a camisa? – ele levanta novamente os cabides, eu reviro os olhos.
— A camiseta mais velha que você tiver e troca essa calça por uma bermuda! É a casa dos meus pais ninguém se arruma pra ir pra lá – ele ainda parece na duvida, até Vinny sair do quarto com um short, sem camisa e com a mochila nas costas.
— Bora? – ele pergunta já se aproximando de mim e beijando minha bochecha.
— Falta o Rafael – falo e aponto ele.
— Não vai mais com a gente? – Vinny pergunta olhando pra ele.
— Vou!
— De calça jeans? Fala sério, vai tirar isso! – ele fala rindo e Rafael vai se trocar – Novatos – ele ri e puxa o boné da minha cabeça – Preguiçosa! – ele fala o que sempre digo quando ele está de boné, acerto um tapa nele e recupero o boné, ele vai pra sala se jogando no sofá.
Quando entramos na rua da casa dos meus pais, Vinny já começa a buzinar, Rafael ri sem entender direito e assim que paramos o carro na frente do portão ele se abre, Vinny entra com o carro e atrás de nós o portão se fecha sozinho, a alguns passos do carro minha mãe já está me esperando de braços abertos, mal saio do carro e ela me agarra quase me sufocando.
— Ai meu Deus, como você tá linda, mas emagreceu! Oh meu Deus eu sinto seus ossos!
— Mãe, eu sou um ser vertebrado, você TEM que sentir meus ossos – ela me segura pelos ombros.
— Você está com olheiras! Já sei, não tem dormido, você disse que ia cuidar dela, Vinny, olha como ela está...
— E lá se foi minha auto estima – reclamo enquanto ela continua ressaltando que estou magra, abatida e com olheiras.
— Está linda, simplesmente linda – apenas o som da sua voz me faz sorrir, ele vem andando até a mim e eu corro pra ele, o abraço apertado e demorado, ele beija minha cabeça e me aperta ainda mais – Não liga pra sua mãe, sabe como ela é exagerada – papai fala fingindo sussurrar – Agora deixa eu te olhar – ele segura meu rosto e sorri – Pronto, já matei minha saudade, podemos voltar pro Havaí – eu faço uma careta, ele olha de um jeito curioso na direção do Vinny e eu levo um segundo pra entender.
— Ah, esse é o Rafael, o irmão postiço do Vinny, ele vai passar um tempo com a gente – falo e Rafael que ainda estava só olhando se aproxima, eles se cumprimentam e enquanto meu pai puxa assunto com ele seguimos para os fundos da casa onde a churrasqueira já está em pleno vapor, a piscina também está muito convidativa.
— Então você veio pra umas férias fora de época? – mamãe pergunta curiosa.
— Ah é! Eu ouvi falar que por aqui tem lugares muito bonitos, resolvi conhecer – Rafael fala enquanto pega uma cerveja do barril.
— E a namorada não achou ruim? – ela pergunta e me lança aquele olhar que eu já reconheço perfeitamente e é nessa hora que ela consegue acabar com meu dia, sem me importar se ia ou não ficar mais óbvio o que ela fez, eu me levanto e saio pra dentro de casa, empurro a porta com força e já estava a ponto de socar a parede quando meu pai me alcança.
— Por que ela sempre tem que fazer isso? Droga! É sempre a mesma coisa, sempre! É por isso que eu não aguento ficar aqui e depois ela vem reclamando que eu devia vim aqui mais vezes, eu tô de saco cheio pai, essa é a minha vida! MINHA – ele apenas me escuta assentindo com a cabeça algumas vezes, mas até seu olhar calmo e tranquilo me irrita, ele se aproxima de mim e passa a mão pelo meu cabelo.
— Você sabe que ela te ama, esse é o jeito dela, ela acha que sabe o que é melhor pra você.
— Mas ela não sabe! Eu sei!
— Eu sei que sabe, mas ela só quer ver você feliz! – eu solto uma risada desacreditada.
— Eu já sou feliz! Eu sou totalmente e completamente feliz, será que você pode dizer isso a ela?
— Eu diria! Se eu também acreditasse – ele fixa os olhos no meu como se buscasse por uma única brecha de duvida e incerteza minha e ele a encontra por que ela está aqui, e nem é tão pequena assim.
— Eu só não aguento passar por isso toda vez. Ela não precisa me jogar pra cima de ninguém, e não preciso de mais ninguém...
— Só de mim – Vinny fala entrando pelo corredor na nossa direção, ele me dá um sorriso e apressa o passo me alcançando e me abraçando apertado, então morde minha bochecha – Vou entrar na piscina, você vem? – ele pergunta com o queixo apoiado no meu ombro.
— Não – falo irritada, ele e meu pai trocam caretas me imitando e então ele me pega no colo e sai me levando pros fundos da casa – Me bota no chão – eu exijo e ele está rindo enquanto meu pai deixa a porta aberta pra ele passar – Vinicius, me põe no chão agora – grito pela ultima vez antes dele pular na piscina comigo ainda vestida, depois de me recuperar do susto e dos litros de agua que engoli, eu o encho de tapas – Eu te odeio – falo e ele só ri ainda mais, como já estou molhada acabo ficando pela piscina, Rafael também se junta a nós dois e não faz nenhum comentário sobre ter entendido ou não o que minha mãe fez, quando nos sentamos para o almoço, Rafael e meu pai entram em um papo animado sobre basquete, falando sobre MBA e jogos importantes, meu pai fica todo animado, ele sempre gostou dessas coisas mas nunca teve com quem conversar aqui em casa, o máximo que eu arrisco é futebol e vôlei, mas basquete eu só via pra agradar ele e ficava meio perdida, acho que ele sempre sentiu falta de um filho homem nessas horas e Rafael está adorando o papo e toda atenção, os dois riem, se animam quando descobrem que torcem pelos mesmos times e jogadores e praticamente nos excluem da conversa, como ainda estou irritada com a minha mãe, é Vinny quem puxa assunto e eu só entro um pouco na conversa. Quando o almoço acaba vamos para sala e estava deitada no chão com a cabeça apoiada nas pernas do Vinny quando percebo o olhar do meu pai em nós dois, ele sorri quando me vê e desvia o olhar voltando a atenção para a TV.
— Assim você enche o velho de esperanças de novo – Vinny se inclina e cochicha na minha orelha e eu sei que ele também viu, faço uma careta e ele ri, por que por mais que papai nunca mais tenha dito nada, houve uma época que ele torcia e acreditava que Vinny e eu um dia seriamos um casal, quando ele me disse isso eu ri tanto que minha barriga doeu, contei pro Vinny e ele quase rolou no chão rindo, foi um pouco antes de eu conhecer o Lipe e do Vinny viajar, mas sempre fomos grudados e loucos um pelo outro, eu o amo e sei que ele me ama, mas como irmãos, ou como algo além disso, como duas almas entrelaçadas uma a outra porém sem paixão, eu nunca vi o Vinny como um possível pretendente, desde a primeira vez que eu o vi quando ele era apenas um moleque implicante e chato de 5 anos que vivia roubando meus biscoitos, eu sempre o vi como um irmão, mesmo na adolescência quando as vezes os sentimentos se confundem ainda assim ele era meu irmão e agora depois de tudo que nós dois passamos esse laço e essa cumplicidade se tornaram ainda mais forte, mas nem por um momento eu o vi de um jeito romântico e sei que ele também não me vê assim, entendo que a maioria das pessoas não conseguem acreditar em amizade verdadeira entre homem e mulher mas eu estou aqui pra provar que ela existe e acreditem em mim é o sentimento mais forte e encorajador que pode existir, por que quando estou com ele sei que nada pode me atingir e se tentar ele entra na minha frente do mesmo jeito que eu entro na frente por ele.
Cerca de duas horas depois que chegamos em casa eu saio do quarto arrumada e pronta pra ir pra tal balada que Vinny e Rafael tanto insistiram pra que eu fosse, não estava muito animada mas Vinny disse que só ia se eu fosse e Rafael só iria se ele fosse e entre aguentar eles dois reclamando em casa e sair, eu preferi aceitar, quando chego na sala eles dois estão cochichando alguma coisa enquanto olham o celular do Vinny.
— Se vocês já estiverem vendo as fotos das garotas que vão pegar, então me avisa que eu nem saio de casa – eles fingem confusão – Vocês são ridículos!
— E você tá uma gata – Vinny fala fazendo sinal de positivo com o dedo, eu reviro os olhos, estou com um short preto desfiado nas pontas, uma regata cavada cinza que tem o desenho de uma âncora, um sutiã rendado preto que uso exatamente pra isso por que a regata deixa a mostra, uma jaqueta de couro preta, meu cordão também de ancora e uma ankle boot preta, Vinny se aproxima e me oferece o braço, eu reviro os olhos e ando até a porta. Nós encontramos Lia e Bruno na entrada da balada, Lia como sempre está incrível, ela usa um vestido preto justo no corpo que tem duas aberturas laterais que destacam ainda mais suas curvas, o cabelo está solto e descendo pelos ombros, uma sandália de salto alto e a maquiagem impecável, Bruno não se importa com os olhares que ela desperta pelo caminho até por que seria impossível não olhar pra ela, ele também desperte alguns olhares, Bruno sempre foi bonito, ele não é tão alto quando Vinny, na verdade tem a altura exata da Lia, ele é loiro, pele bronzeada, olhos cor de mel e tem um sorriso muito bonito, além de um corpo legal que acaba atraindo alguns olhares, porém nada se compara ao efeito imediato que a dupla Vinny e Rafael tem a cada passo que dão, mesmo que Vinny esteja com a mão na minha cintura ainda assim as garotas quase pulam em cima dele e ele é claro que adora isso.
— Se você me largar por causa de uma dessas piriguetes eu dou na sua cara – aviso apontando pra ele, ele empurra minha mão e me puxa para os braços dele.
— Eu nunca te trocaria por piriguete nenhuma – ele afirma enquanto beija meu pescoço.
Duas horas depois não faço a mínima ideia de pra onde ele foi e estou parada no bar ao lado da Lia e do Bruno, até que por volta da centésima agarração deles eu resolvo que já vi o bastante.
— Tá tudo lindo e maravilhoso mas a vela aqui derreteu – eu aviso a eles dando o ultimo gole na minha garrafa de ice.
— Ah fica mais um pouco – Lia pede fazendo beicinho, eu sorrio, mando um beijo no ar pra ela e aceno um adeus – Espera, a gente também vai – ela fala já começando a me seguir.
— Nem pensar! Podem ficar aqui e aproveitar enquanto são só namorados, por que depois serão Senhor e Senhora Passos – eu falo brincando com eles, mas Lia ainda parece preocupada – Eu já sou grandinha, sabia? – ela coloca as mãos na cintura e ainda não se convence – Eu vou de taxi e vou dormir assim que encostar na minha cama, você vai velar meu sono? - pergunto também com a mão na cintura.
— Avisa assim que colocar os pés dentro de casa – faço uma careta pra ela, aceno um adeus e saio, preciso me espremer entre as pessoas que estão dançando animadas e aquelas que simplesmente ficam se agarrando no meio do caminho, reviro os olhos para os mais ousados e tento não tomar um banho de cerveja de um grupo meio escandaloso, já estava passando por um outro grupo quando um deles segura meu braço, o aperto é forte e antes que eu me virasse o outro braço passa pela minha cintura e me aperta firme nele, sinto enquanto a mão sobe tentando entrar por baixo da minha camiseta e num golpe rápido me vira pra ele, o cara é praticamente da minha altura, porém forte, careca e está de óculos escuro, e já vem enfiando a língua na minha boca, levo um segundo pra conseguir virar e puxar meu braço com força me soltando dele, então graças aos meus treinos, eu consigo agarrar ele pela camisa e com toda força que consigo chuto entre suas pernas, imediatamente ele se curva pra frente sem ar e me solta.
— Que isso, marrentinha! Não é assim que se faz não – um outro cara fala se aproximando de mim, quando ele estica a mão pra tocar meu rosto, eu agarro seu braço e torço, como sempre treino com o Vinny sei que tenho que usar muito além das minhas forças pra conseguir isso, mas pra minha sorte esse cara não é tão forte e eu consigo, ele solta um grito mas o outro cara que estava no chão se levanta me xingando e falando mais alguma coisa que não consigo entender, olho ao redor e as pessoas mal estão percebendo o que acontece, estamos perto de um dos corredores que são um pouco mais isolado por que eu tentei cortar caminho pela multidão e agora me arrependo profundamente, por que sei que vai ser bem mais complicado me livrar deles dois assim e então quando o careca agarra minha cintura me puxando novamente pra junto dele, ele cai no chão com força, o amigo dele recua com os olhos arregalados e eu levo um segundo pra entender, quando olho pro lado Rafael está parado ao meu lado com a respiração forte e com a expressão mais aterrorizante que consegue, o careca mesmo no chão ainda me xinga, Rafael lhe dá um chute na barriga e o amigo dele tenta acertar um soco no Rafael, ele segura a mão do cara e lhe acerta um soco no queixo, a cena toda demora poucos segundos e quando consigo assimilar tudo, os dois estão no chão e Rafael agarra meu braço me levando pro meio da multidão de novo.
— Ei, espera... eu...
— Seguranças – ele avisa sem parar de me arrastar, olho pra trás e vejo quando o careca aponta na nossa direção, começo a tentar andar mais rápido empurrando o Rafael, conseguimos achar a saída e só paramos de correr do outro lado da calçada, eu tento recuperar o folego, e passo a mão pelo cabelo e pelo rosto – Tenho que confessar que... pra uma menina... até que você bate bem – ele fala rindo.
— Eu não sou uma “menina” – falo com certo desprezo, ele ri.
— Agora sério, mandou bem – ele faz uma cara de impressionado.
— Você não precisava ter bancado o herói então – reclamo por que não quero ficar devendo nada a ele.
— Tá no meu sangue, é mais forte do que eu – ele leva a mão na direção do coração, reviro os olhos e viro as costas andando na direção oposta – Onde você vai?
— Pra onde eu estava indo antes disso tudo! Pra casa – respondo sem parar de andar e ajeitando minha roupa que estava toda torta por causa da confusão.
— Ok, eu vou com você – eu paro no caminho e olho.
— Eu sei o caminho de casa, pode voltar lá pra dentro e... Sei lá, fazer o que vocês fazem lá – escuto ele rindo, logo em seguida os passos atrás de mim.
— Em primeiro lugar, eu salvei sua vida, você deveria ser mais agradecida... Em segundo lugar, não posso voltar lá por que seus amiguinhos devem estar me caçando com os seguranças – dessa vez tenho que aliviar o olhar por que ele realmente me ajudou – E em terceiro lugar, eu já fiz tudo que queria fazer essa noite – eu o olho em duvida.
— Tem certeza? Tudo? – ele abre um sorriso sarcástico, que me faz ter que desviar os olhos da sua boca.
— ABSOLUTAMENTE tudo – ele me dá uma piscada e finge se espreguiçar, eu paro de andar rapidamente e ele para um passo a frente me olhando confuso.
— Você tá querendo dizer que transou lá dentro? – pergunto diretamente e ele solta uma risada divertida.
— E pra que você acha que servem aqueles corredores escuros e o banheiro? – eu abro a boca pra responder, mas a verdade é que nem tem o que dizer, então simplesmente balanço a cabeça e volto a andar – O efeito é o mesmo – ele fala andando ao meu lado.
— Vocês são ridículos, sério! E eu não acredito que uma garota aceitou... isso...
— Ah mas isso é por que você nunca me beijou, acredita em mim, você mesma me arrastaria pro banheiro – ele fala dando de ombros naturalmente.
— Você consegue ser mais idiota que isso?
— Alguns dizem que sim! Eu acredito em sempre superar meus limites...
— Acho que eu nunca ouvi tanta besteira em tão pouco tempo! Meus parabéns – estico a mão pra ele, mas antes que ele aperte eu recuo rapidamente – Pensando bem, melhor não, sabe se lá onde essa mão passou – faço uma cara de nojo, ele ri e então esfrega a mão nos meus braços, meu pescoço e meu cabelo, enquanto eu reclamo e tento me afastar dele – É sério, some de perto de mim – eu falo irritada, mas ele não desiste – Tem uma praça ali do outro lado que sempre tá cheia, tenho certeza que deve ter alguma garota desesperada e um banheiro por perto – ele ri e faz uma careta dispensando.
— Já tive minha cota de emoções por hoje – ele continua andando do meu lado, eu vejo um táxi e dou sinal, o carro para e eu corro pra abrir a porta, antes que eu consiga ele abre e com a outra mão sinaliza que eu entre, eu reviro os olhos mas entro no carro, como não escorrego para o outro lado ele quase senta em cima de mim até eu não ter outra alternativa a não ser dividir o espaço com ele.
— Eu não quero que você vá comigo – ele se inclina sobre mim e abre a outra porta.
— Só descer – eu o encaro e ele mesmo volta a fechar a porta, então dá o endereço pro motorista que nos olha meio curioso.
— Eu não preciso de babá.
— E quem disse que eu tô indo por sua causa? Só temos a enorme coincidência de morarmos no mesmo lugar – ele fala dando de ombros.
— Você é um hóspede e até onde eu sei por pouco tempo – ele solta uma risada.
— Você é sempre simpática e aconchegante assim ou esse tratamento é especial pra mim? - não respondo, apenas me afasto e cruzo os braços, até perceber o olhar dele divertido e entender que pareço uma criança teimosa, mesmo assim só desfaço minha postura quando o táxi para em frente ao prédio, desço e deixo que ele pague.
— Achei que a gente fosse rachar o táxi – ele fala quando me alcança na porta do elevador antes que eu responda o elevador se abre, entro e aperto nosso andar e ele me olha meio de lado.
— O quê? – pergunto e ele dá de ombros, mas mantem a mesma expressão divertida, assim que o elevador abre eu saio, entro e vou direto pro meu quarto, deixo a porta bater, envio uma mensagem pra Lia e me jogo na cama irritada, porém sem entender exatamente o por que estou tão irritada, quer dizer, eu fui quase agarrada lá na balada mas já passou, e os caras, bem, devem estar bem arrependidos por que pela força que Rafael acertou eles vão demorar alguns dias pra se recuperarem, e é então que percebo o que está me irritando, que tenha sido ele, de todas as pessoas existentes naquele lugar, tinha que ser ele o único a ver o que estava acontecendo e decidir ajudar? Justamente o Rafael? O hóspede abusado e metido a esperto que traz garotas pra transar no meu sofá? É incrível como ele consegue me irritar, eu não sei explicar o por quê, mas acho que desde aquela confusão que da garota, tudo que ele faz me irrita, mesmo quando ele tente parecer legal e ele realmente tenta, ele faz as maiorias das nossas refeições e tenta puxar assunto, mesmo assim alguma coisa em mim não consegue ficar quieta quando ele está por perto e eu não gosto de não entender exatamente o que isso significa, por isso decido que vou ficar trancada no quarto até amanhã, afinal não preciso de nada que esteja fora daqui mesmo, pelo menos é o que eu penso até que cerca de uma hora depois ouço as batidas na porta do meu quarto, aperto o botão de mudo na TV.
— Dani? – desde quando ele me chama pelo meu apelido? Fala sério! Ele é muito abusado!
— O quê?
— É que eu fiz um lanche.
— Fez o que?
— Um lanche – avalio a situação e como resposta minha barriga ronca, eu bebi e ainda não comi nada e realmente estou com fome, faço uma careta, desligo a TV e saio da cama com meu orgulho completamente quebrado, abro a porta e ele está sem camisa e com a calça jeans que estava antes, meus olhos descem rapidamente pelo corpo dele e eu me odeio por ter permitido isso acontecer, ele porém, parece não perceber, na verdade ele me olha rindo, estava confusa quando ele aponta pra minha roupa, então me lembro que estou com meu pijama do Hello kitty um presente idiota do Vinny, é um conjunto de calça rosa e cheia do rosto da gata com uma camiseta também rosa com a foto dela grande no meio – Tá literalmente uma gatinha – ele fala rindo.
— Uau que engraçado! Aposto que foi assim que a garota arrancou a calcinha e correu pro banheiro – passo empurrando ele pra sair do caminho, a risada alta ecoa pelo apartamento.
— Você ficou mesmo impressionada com isso né? Agora vendo você nesse pijama não deveria mesmo ter te contado algo assim... Me sinto quase como um sedutor de meninas indefesas...
— Quer saber, eu nem to com tanta fome assim...
— Ok, não falo mais! – ele avisa levantando os braços em pedido de trégua – Eu fiz dois e não se deve jogar comida fora – eu finjo sacrifício ao voltar pra cozinha, quando alcanço o balcão vejo dois pratos com dois sanduiches grandes, tento não parecer muito impressionada, pego a jarra de suco de laranja e sirvo meu copo.
— Quer? – como resposta ele estica o copo dele, encho e depois me sento de frente pra ele, com o balcão no nosso meio, dou uma mordida no sanduiche e tenho que fechar os olhos pra tentar fazer a sensação durar ainda mais, eu não sei o que ele fez, mas está incrível, tem frango, maionese, peito de peru e salada, mas o melhor é um molho que não consigo identificar – Que molho é esse? – ele sorri orgulhoso.
— Receita particular – reviro os olhos e volto a comer o sanduiche.
— Sério, isso é muito bom...
— Obrigado – ele sorri de um jeito que me faz sorrir junto com ele, então vejo a boca dele suja.
— Tá sujo – aponto rindo, ele passa a língua pelos lábios e eu não tinha percebido como a boca dele é perfeitamente desenhada e eu preciso balançar a cabeça pra mudar meus pensamentos.
— Você viu o Vinny?
— Não precisa se preocupar que não vi ele no corredor, nem no banheiro...
— Não me surpreenderia se tivesse visto – ele me olha curioso.
— Há quanto tempo vocês se conhecem?
— Desde os cinco anos.
— É bastante tempo!
— É, é minha vida inteira, praticamente.
— Vocês sempre foram assim?
— Assim como?
— Assim, desse jeito... Sei lá, vocês parecem muito grudados.
— E nós somos! O Vinny é a melhor pessoa que eu conheço, ele é... mais do que um irmão pra mim. Sei lá, não tem como te explicar – sinto aquele alivio no peito que sempre aparece quando penso no Vinny e isso me acalma.
— É uma amizade muito bonita – olho pra ele procurando por algum ponto de ironia mas ele me parece sincero.
— É, eu tenho muita sorte.
— E a outra? A Lia?
— Ah, a Lia é a melhor amiga do mundo, a gente se conheceu com uns 12 anos, primeiro a gente se odiava, eu não suportava ficar perto dela, por que ela sempre foi dessas garotas que eu achava metida, por que andava sempre de rosa, falando de maquiagem e roupa e todas essas coisas de menina que eu não suportava – ele me olha divertido.
— É, to vendo, você é bem adulta – ele fala olhando pra minha roupa, dessa vez acabo rindo.
— Isso daqui foi uma brincadeira do Vinny, todo final do ano nós fazemos um amigo secreto e um inimigo secreto, e bom, ano passado ele me tirou no inimigo secreto...
— É, e eu to vendo o quanto você odiou.
— Ah cala a boca! – nós rimos – Posso terminar de contar?
— Por favor – ele faz a cara mais concentrada que consegue.
— Bem, nós tínhamos uns 12 anos e teve uma vez que umas garotas de outra turma queriam bater nela por que falaram que um garoto da nossa sala que era namoradinho de uma delas tinha beijado a Lia e mesmo não gostando dela, eram 4 meninas contra ela e sério, se você a visse naquela época – eu acabo rindo com a lembrança – Ela era tão magra que eu e o Vinny tínhamos colocado o apelido dela de Olivia Palito... Ela sempre foi bonita, mas quanto a condição física, era vergonhosa, então quando eu vi as garotas tentando encurralar ela no banheiro, entrei no meio e acabei rolando no chão com uma das meninas, acho que metade dos cabelos dela ficou na minha mão, logo começou a gritaria, a diretora apareceu e meus pais foram chamados na escola, é claro que eu fiquei de castigo mas no dia seguinte ela apareceu com um saco de doces na hora do recreio, me chamou, agradeceu e nós dividimos os doces, desde aquele dia nunca mais paramos de nos falar e ela nunca mais foi encurralada em banheiros...
— É uma boa história!
— E você? Deixou todos os amigos em Londres? – ele força um sorriso e concorda.
— TODOS – ele fala enfaticamente – E como estão os preparativos pro casamento? Será que eu recebo um convite? – ele pergunta mudando de assunto e voltando ao abuso de sempre.
— Ela costuma não ser muito seletiva nas amizades dela... – falo com certo desprezo forçado, ele sorri.
— Agora entendi por que vocês são amigas então – ele devolve com aquele sorriso irônico.
— Você é um idiota – acabo rindo e volto a comer o sanduiche – Você leva jeito mesmo na cozinha...
— Eu gosto de cozinhar! Acho que é o único lugar que eu sempre sei o que fazer – olho pra ele e por um segundo ele parece esconder muitas outras histórias, como se ele fosse um livro ainda fechado e eu sempre gostei de ler.
— E por que você não leva isso a sério? – ele ri.
— Você realmente não conhece meu avô – espero ele explicar – Ele não aceitaria nenhuma profissão diferente que não seja o diretor da empresa da família.
— E quanto a você? – ele força um sorriso, mas antes que eu responda o celular dele toca, ele puxa rapidamente, mas consigo ver o nome ‘’mãe’’ piscando insistentemente, ele levanta o dedo pedindo um segundo e se afasta indo para o corredor, ainda ouço quando ele atende e o que me chama atenção é que mesmo com o nome que piscou, ele a chama de “Cláudia”, fico tentando entender as opções e me convenço que talvez tenha sido outra pessoa e ele mudou o nome pra caso alguma de suas peguetes veja. Quando ele volta já terminei de lavar a louça, eu ia implicar com ele dizendo que na próxima vez deveria sujar menos talheres, mas quando olho pra ele toda aquela ironia que sempre tem no olhar dele despareceu, ele está sério, agitado e parece irritado ou angustiado com alguma coisa, ele pega a camisa dele do sofá e a veste – Vou dar uma volta! – ele fala e eu não sei o que se passa na minha cabeça, mas as palavras saem sem parecer passar por nenhum filtro de bom senso.
— Posso ir com você? – ele me olha surpreso e para no caminho pra porta e é então que percebo o quanto isso foi idiota.
— É que... eu não...Eu acho que eu prefiro que você fique – ele me força um sorriso, sinto meu rosto queimar, ele pega as chaves de cima da mesa e sai do apartamento e é nessa hora que eu queria poder me enforcar, foi a coisa mais imbecil que eu já fiz na minha vida, por que eu fui me oferecer pra ir com ele? Por que eu pensei em algo assim? Eu grito dentro da minha cabeça exigindo uma resposta, mas não sei, eu só vi ele perturbado e sei lá...
— BURRA! BURRA! BURRA – falo batendo na minha cabeça, apago as luzes e vou pro meu quarto, me jogo na cama e ligo a TV tentando me distrair e apagar essa cena lamentável que eu fiz agora, espero que ele também se esqueça.


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