Superando o passado escrita por HungerGames


Capítulo 11
Capítulo 11




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— DANI! DANI, ESPERA! – ouço ele gritando mas não olho pra trás, continuo correndo, tropeço em algumas pedras menores mas consigo chegar ao inicio da trilha que me leva de volta pra pousada, as lagrimas embaçam minha visão e mesmo assim eu tento correr mas as pedrinhas machucam meus pés e isso me atrasa, então a mão segura meu braço e me faz parar.
— ME SOLTA! – eu grito já tentando me soltar.
— NÃO! – ele grita ainda mais alto que eu e isso me assusta – Eu não vou soltar você, não vou deixar você correndo no meio da mata sozinha. Eu não vou fazer isso! Você não quer falar comigo, ok, mas não, você não vai voltar sozinha – então ele solta meu braço, eu passo a mão onde ele estava segurando, ele me olha um pouco mais calmo, então parece relaxar um pouco e começa andar na minha frente, eu ainda fico parada alguns segundos olhando ele, mas decido andar também, ele coloca a bermuda e isso me lembra que ainda estou sem minha roupa, então vou andando e me vestindo, paro me apoiando em uns galhos pra calçar meu tênis, quando percebe que parei, ele volta segura meu ombro me dando apoio quando eu estava quase caindo, eu termino, olho pra ele e ainda sem dizer nada, ele simplesmente vira as costas e voltar a andar, faço o mesmo e o caminho parece muito maior do que antes, até que finalmente consigo ouvir as vozes, risadas e música, logo a visão da pousada aparece, ele continua andando na frente e está completamente diferente do cara com quem eu cheguei aqui, ele está calado, distante, pensativo e magoado, posso ver isso cada vez que ele olha pra trás e desvia os olhos do meu, me sinto horrível por isso também, acrescento mais essa culpa a minha lista e então ele para antes de alcançar o casarão e me espera, dessa vez sou eu quem não consigo olhar pra ele, sei que ele deve me achar a pior pessoa do mundo, mas quando ele fala comigo sua voz não é aquela que gritou comigo, é a mesma de antes, calma, suave e com um toque que só ele consegue colocar em tudo que fala.
— Eu acho que você deve tá com fome, tá quase na hora do almoço, então a gente podia comer alguma coisa antes de ir...
— Eu... – as palavras parecem desaparecer da minha mente e só consigo pensar no quanto eu queria que tudo isso fosse um pesadelo.
— A gente não precisa nem sentar na mesma mesa, só... Acho que você deveria comer alguma coisa...
— Nós podemos sentar juntos – consigo falar mesmo que minha voz pareça ensaiada, ele concorda e então me faz um sinal para passar a frente dele, nós caminhamos pelo corredor até a mesma área onde tomamos o café da manhã e que agora já está enchendo de pessoas pro almoço, nós pegamos o prato e nos servimos, eu não estou com fome, mas quando vejo a torta de frango minha barriga ronca, então pego um pedaço e um pouco de salada, encontro uma mesa vazia e me sento, ele ainda está fazendo o prato dele e quando termino de pedir um suco de laranja ele aparece e também pede um suco, não temos a vista de antes mas é um canto discreto, nós almoçamos em silêncio, mal conseguindo olhar um pro outro, ele me oferece o açúcar que não usou no suco dele e eu agradeço mas nego, então percebo que o suco está meio azedo, mas como disse não, me obrigo a beber assim mesmo, os minutos parecem horas e toda a conversa e risada no lugar parece ainda maior e mais ecoante com a falta de conversa entre nós dois, eu enrolo pra terminar de comer quando vejo que iria acabar primeiro, então acabamos praticamente ao mesmo tempo, ele coloca o pano em cima da mesa e puxa o ar como se tivesse tomando coragem.
— Ok! Isso é horrível! Eu tô sendo um idiota, um moleque, eu realmente posso ser melhor que isso – ele fala me olhando de verdade dessa vez e eu também o olho – Você nunca me prometeu nada, disse que viríamos como amigos então você não me deve nada, sim, eu fiquei chateado, confuso e talvez um pouco magoado mas já passou – ele força um sorriso.
— Não passou, não
— Tá, talvez ainda não – ele admite e dessa vez o sorriso dele é sincero, então ele estica a mão e pega a minha – Eu entendo! Eu queria não entender, mas eu entendo – ele fala sinceramente – Eu não posso pedir que você faça isso, não posso te convencer a fazer isso, por mais que eu queira, eu não posso e eu realmente juro pra você que eu te entendo... Você o amava! Ainda ama...
— Eu sinto muito
— Não, foi culpa minha! Eu só me deixei levar, sabe, é tão difícil, tão difícil mesmo achar alguém que entenda pelo menos uma parte da cicatriz que essas coisas deixam em nós que quando eu vi você, quando eu ouvi você, eu só... Me deixei levar, eu não pensei no que você queria, no quanto isso afetava você ou se era o certo a fazer, eu só queria continuar sentindo aquilo e... Eu fui um egoísta, um grande babaca egoísta, eu que sinto muito...
— Você não foi egoísta – garanto e aperto a mão dele – Um pouco babaca talvez – nós dois rimos – Mas não um egoísta, eu também senti isso, eu... Realmente é difícil achar alguém pra entender, eu só...
— Você não pode
— Eu não posso – levanto meus ombros e sinto meu corpo se afundar então ele solta minha mão, se levanta e vem até a mim, ele me abraça e acaricia meus cabelos, eu o abraço de volta e afundo meu rosto no ombro dele, alguns segundos passam então percebo que ele está ajoelhado ao lado da minha cadeira e todos estão nos olhando – Tá todo mundo olhando – ele olha ao redor e dá de ombros.
— Claro que estão olhando. Eu sou um gato! Você não tá vendo agora por que seus olhos estão embaçados – ele fala como se fosse óbvio e o que poderia ser lagrimas vira uma risada, ele também ri e se levanta  – Quer dar uma volta? – ele pergunta me oferecendo a mão.
Dessa vez ele não está andando na minha frente e nem parece evitar me olhar, pelo contrário, ele está ao meu lado, as mãos no bolso da bermuda, o cotovelo encostando de leve no meu braço e ele olha pra mim quando pergunta.
— E há quanto tempo vocês namoravam? – um sorriso triste escapa da minha boca e eu olho pro verde da grama.
— 4 anos!
— Bastante tempo.
— É, bastante. Quando a gente começou a namorar, tínhamos quase 15 anos, ele era mais velho alguns meses...
— Então ele foi seu par na festa de 15 anos... – ele conclui com uma conta simples.
— Ah não, bem que ele queria, mas eu nunca curti esse lance de festa pra mocinhas – Vítor ri e me olha.
— Festa pra mocinhas?
— É, você sabe... Vestido, fotos, flores, aquelas frescuras todas
— Então você era gótica? – dessa vez eu também acabo rindo.
— Acho que sim, o preto sempre me emagreceu...
— Viva o preto – ele levanta os dois braços numa comemoração fingida que nos faz rir – Mas então não teve nada? Você só... Ficou trancada dentro do quarto ouvindo AC/DC?
— Olha, eu teria adorado – olho pra ele fazendo sinal de aprovação – Mas não, nós fomos passar uma semana na casa do Vinny, ele tinha se mudado na época e não poderia vir pra cá, então fomos até lá, eu, o Felipe, Lia e o Bruno...
— Então vocês são amigos há bastante tempo, mesmo né?
— Nossa, bastante, praticamente minha vida inteira. Lia e Vinny sempre foram meus melhores amigos e o Bruno era o melhor amigo do Felipe
— Dá pra vê que vocês se conhecem muito bem...
— Eles sabem todos os meu podres – falo com um sorriso divertido – Estiveram comigo nos meus melhores e piores momentos, eu... Eu nem sei como estaria aqui sem eles
— Que bom, isso é importante – concordo e então olho pra ele.
— E você? Nenhuma namorada? – ele nega fazendo uma careta.
— Eu tinha uma namorada na época do acidente...
— A garota que fez você ganhar uma cicatriz?
— Ah não, não, ela se mudou antes que eu chegasse no ensino médio...
— Ahhhhhhh – coloco as duas mãos na direção do coração, ele ri e dá de ombros.
— Tudo bem, essa era mais gata – minha cara triste muda e eu empurro ele com meu braço, ele ri.
— Você é um idiota
— Realista! – nós rimos e ele levanta as mãos.
— E o que houve com essa namorada super gata?
— Nós tínhamos alguns meses de namoro quando teve o acidente e ela não aguentou a barra, em defesa dela, eu realmente dei uma surtada e não era uma boa companhia na época... – ele admite e parece um pouco envergonhado, então me olha – E você? Também passou pela fase rebelde ou só tentou seguir em frente?
— Eu fui uma idiota por alguns meses, com meus pais, com o Vinny, a Lia, na verdade com qualquer pessoa que tentava me fazer sentir bem...
— É como se fosse uma obrigação se sentir infeliz – eu concordo ainda impressionada pela maneira como ele entende tudo que eu sentia e algumas vezes ainda sinto, ele para perto de um coqueiro, se abaixa e se senta na grama, eu me sento ao lado dele, passando meus dedos na grama verde e bem aparada – Eu fiquei um ano sem falar com a minha irmã, eu só não conseguia olhar pra ela ou pra minha sobrinha sem lembrar deles, era torturante, como se a qualquer momento eles pudessem aparecer...
— Eu não fui no enterro dele – eu falo sentindo ainda aquela queimação dentro do meu peito – Eu fui no velório, não tive coragem de olhar o caixão, então como meu pai é médico, disse que eu estava em recuperação, que seria melhor ir embora e não ir no enterro... Eu nem tentei discutir isso, eu só queria ficar lá, deitada, calada, esperando tudo acabar...
— Eu apareci bêbado no enterro deles, eu parei em um bar depois do velório e bebi mais do que qualquer outra vez, então cheguei lá e... Bom, eu não lembro de nada, mas não foi legal, tiveram que me tirar de lá a força – nós ficamos em silêncio alguns segundos – Isso tá muito deprimente – ele fala e se levanta – Que tal uma partida de totó? – ele levanta as sobrancelhas de um jeito engraçado que me faz rir.
— Eu sou boa – aviso antes de me levantar, nós vamos para o espaço onde estão as mesas e conseguimos uma vazia, jogamos 3 partidas, eu venço duas vezes seguida e na ultima vez ele consegue empatar.
— Melhor parar por aqui – ele fala tirando as mãos do brinquedo e rindo.
— Eu avisei – dou de ombros – Eu jogava contra todos os garotos do colégio, acho que é o meu dom divino – ele ri.
— Então eu realmente não tinha chance
— Não, não tinha!
— Ainda estão aqui, que bom, estava procurando por vocês – Lucas fala enquanto nos alcança parecendo animado – Vai começar uma disputa de mímicas agora – ele olha pro Vítor e os dois riem.
— Agora sim estamos falando minha língua – Vítor fala e me oferece a mão – Minha vez de mostrar meu dom divino – eu sorrio e aceito sua mão.
— Normalmente não aceitamos profissionais, mas vou abrir uma exceção pra você
— Ah qual é? Ele não é tão bom assim, é? – eles se olham e riem.
— Eu nunca vi ele perder – eu faço uma cara de impressionada.
— Uma vez meu pai levou a gente pra um acampamento, eram uns amigos, primos, enfim, eles passaram um fim de semana inteiro tentando me fazer errar uma mas... – ele dá avança e para na minha frente de braços abertos – Eu sou foda! – ele me dá uma piscada e depois dá uma corridinha pra alcançar a roda que está formada para o começo da brincadeira, eu acabo rindo vendo ele animado desse jeito.
— Ele nunca mais tinha relembrado de nada que envolvesse o pai – Lucas fala ainda ao meu lado, eu o olho e ele está com um sorriso impressionado – Seja lá o que você está fazendo, não para, por favor, eu sinto falta dele – ele indica com a cabeça o Vítor que já está falando com o pessoal e se organizando pra jogar.
— Eu não fiz nada
— Continue não fazendo nada então... – ele me dá um sorriso agradecido e nós alcançamos a roda no momento exato que o jogo começa.
— Ok, eu tenho que confessar que nunca vi algo assim – eu falo quando o jogo acaba e ele vem até a mim, ele acertou todas, o time dele deu uma lavada no outro e o sorriso dele é enorme.
— Eu avisei!
— Eu estou impressionada – eu exagero na minha expressão e ele ri e me faz uma careta.
Nós nos sentamos em um banco na sombra, Lucas fica com a gente um pouco, eles relembram algumas coisas antigas, rimos e também conto algumas histórias minhas, depois Lucas é chamado pra resolver alguma coisa e ficamos só nós dois.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Além dessa pergunta que você já fez? – ele implica comigo mas ri e eu faço uma careta.
— Eu sei que isso não é da minha conta, mas sua mãe tinha a revista, seu pai era um jornalista, como você acabou no restaurante? – ele não parece incomodado e até abre um sorriso.
— Eu ainda tenho a parte da minha mãe na revista, as decisões finais precisam da minha assinatura, mas a Cristina, ela era a melhor amiga da minha mãe e o braço direito dela lá, então ela quem comanda tudo, eu só assino... E a carreira do meu pai não era bem o que eu queria, até me ofereceram um estágio lá, mas... – ele dá de ombros – Eu não ia conseguir viver nesse meio com tanta coisa dele e as comparações, eu só... Queria fazer algo totalmente diferente...
— Então você virou um entregador – ele ri.
— Na verdade o restaurante é meu – dessa vez eu realmente me surpreendo e nem tento disfarçar, ele ri mais ainda – Eu peguei uma parte do dinheiro e investi nisso, comprei o restaurante do dono antigo, coloquei um povo pra trabalhar lá e preenchi a vaga de entregador.
— Por essa eu não esperava...
— Deve ser a falta dos olhos puxados – ele sorri e pisca um dos olhos pra mim, eu acabo sorrindo também.
— Bom, ainda bem que eu não falei mal da comida...
— Ah é, ou seria obrigado a fazer uma demissão em massa
— Nem pensa nisso, eu adoro a comida de lá!
— Que bom!
— Então as gorjetas... – eu sorrio e ele também.
— Você nunca me dava a chance de rejeitar... – eu faço uma cara feia mas acabo rindo.
— Agora faz sentido você ter folga assim, sempre que quer
— Alguma vantagem eu tenho que ter – ele fala sorrindo satisfeito.
Ficamos mais um pouco conversando e depois procuramos Lucas pra nos despedirmos, ele insiste pra que a gente passe a noite, mas negamos e agradecemos, mesmo assim ele nos faz prometer aparecermos de novo, prometemos e então somos liberados.
Vítor me entrega um capacete, monta na moto e eu me grudo nele, novamente a sensação do vento batendo contra nós é libertadora e mal vejo quando chegamos em frente ao prédio, a tarde já está terminando, ele para a moto e eu desço, tiro o capacete e entrego pra ele, que também tirou o dele e me olha com um sorriso.
— Espero que a gente possa fazer isso de novo. Como amigos – então talvez por me sentir tão bem perto dele ou por realmente querer tentar manter mais alguém por perto, eu tomo coragem e deixo meu pensamento se concretizar.
— Semana que vem vai ter um evento lá do escritório, é só um churrasco, algumas bebidas, um pessoal meio sem graça, mas... bom, eu tenho direito de levar alguém, então, se você não tiver nenhum compromisso ou alguma entrega importante – levanto os ombros meio sem saber como dizer, ele abre um sorriso ainda maior.
— Que horas eu te pego? – eu também abro um sorriso e nós combinamos, ele fica de me mandar mensagem também e nos despedimos com um beijo na bochecha.
Assim que abro a porta do apartamento sinto um cheiro que me faz fechar os olhos pra apreciar melhor.
— O quê é isso? – pergunto já indo pra cozinha, Rafael está tirando um tabuleiro do forno, ele sorri e coloca o tabuleiro sobre o balcão.
— Cadê o Vítor? Achei que ele fosse subir
— Foi pra casa! Isso é brownie? – pergunto já tentando cortar um pedaço com a faca que estava do lado, mas recebo um tapa na mão, ele tira a faca da minha mão e eu faço uma careta, ele mesmo corta os pedaços.
— Abre o congelador – ele fala fazendo um sinal com a cabeça pra mim, eu corro até lá, abro e um pote de sorvete de baunilha está logo na frente.
— Eu odeio você, eu disse que tinha começado a dieta – pego dois pratos e coloco lado a lado, ele coloca dois pedaços grandes de brownie em cada e eu coloco as bolas de sorvete do lado, ele sorri e me estica uma colher, eu aceito e como um pedaço junto com o sorvete, o chocolate e as nozes são perfeitas junto com o sorvete e eu quase sinto meu corpo flutuar – CARALHO! – xingo já pegando outro pedaço, ele ri, puxa o banco do meu lado e se senta, comendo em silêncio, eu o olho tentando descobrir o que tem de errado, mas ele apenas continua concentrado em pegar o sorvete e misturar com o brownie – Ok, desisto! – falo largando minha colher e levantando as mãos, dessa vez ele me olha, mas parece confuso – O que aconteceu com você?
— Comigo? Por quê?
— Como assim por quê? Olha pra você... – ele realmente parece confuso, olhando os braços e o corpo dele, eu o encaro com a sobrancelha erguida.
— Você quis dizer figurativamente – ele estala os dedos como se tivesse entendido.
— Não, quis dizer literalmente mesmo, sério, eu cheguei há uns... Cinco minutos? E até agora nenhum interrogatório ou piadinhas idiotas sobre eu sair com o Vítor e cara, fala sério, mas você comprou sorvete e fez brownie, isso é... Qual o nome dela? – o encaro e ele faz uma careta.
— Não tem nenhuma ela
— Ah tem, sempre tem! Um homem não compra sorvete e faz brownie se não tiver uma mulher na parada – ele ri, mas nega – Eu posso passar o resto da noite insistindo nisso – cruzo os braços e continuo encarando ele.
— Cláudia – ele fala revirando os olhos como se não tivesse outra opção, eu sorrio satisfeita.
— Ok e o que a vadia desalmada sem coração da Cláudia fez com você? – ele ri – Mesmo eu achando que você tivesse dito que era imune a essas cosias, mas isso é outro assunto, anda, conta, o que essa piranha fez? Pegou outro cara na sua frente? Disse que é só amizade, mas tava em banheiros com outro? Disse que era virgem e fugiu na hora H... Anda, fala, minha imaginação tem certos limites – ele ri novamente, depois pega uma colherada cheia do meu sorvete e coloca na boca.
— Ela é minha mãe – ele fala e me dá um fraco sorriso.
— Sua... Eu... Eu não sabia o nome da sua mãe, eu não queria ter xingado ela...
— Relaxa, não passou muito longe – ele dá de ombros.
— E o que ela fez? – ele apoia os cotovelos no balcão e afunda o rosto nas mãos como se tivesse decidindo, então vira a cabeça de lado pra mim.
— Você quer mesmo falar sobre isso?
— Sim e você também! Então eu tô aqui pra escutar – falo também apoiando minha cabeça como a dele, dessa vez ele sorri de um jeito mais divertido – E posso até xingar ela mais um pouco se você quiser...
— É uma proposta tentadora
— E então o que essa biscate fez? – ele ri.
— Ela me ligou hoje, disse que estava preocupada, queria saber o que eu estava fazendo, como estava indo, já tinha um bom tempo que eu não falava com ela, então achei que tinha sido algum milagre ela lembrar que tem um filho...
— Mas?
— Mas ela ligou mesmo pra me pedir pra voltar
— Isso é uma coisa boa, quer dizer, você não precisa ir, mas ela se preocupou com você então...
— Ela quer que eu volte a morar com meu avô – ele me interrompe e isso me deixa confusa – Ele cortou a mesada dela, se eu não voltar pra casa dele, ela fica sem mesada e ela não vive sem a mesada, mesmo tendo todo dinheiro do marido atual ou parte da herança da minha vó – ele dá de ombros e eu me pego sem saber o que dizer, ele sorri – Viu, você não passou tão longe...
— Eu sinto muito!
— Tudo bem! Eu já devia estar acostumado com isso...
— Não devia, não! Ninguém devia se acostumar com isso, ok? Ela é sua mãe, ela deveria se importar mais com você do que com quanto de dinheiro ela está perdendo e quer saber de uma coisa? É, ela é uma vaca, desalmada sem coração e eu espero sinceramente nunca encontrar com ela, por que meu amigo, eu fiz karatê e capoeira por 6 anos, ela não vai querer passar na minha frente – eu falo fazendo uma pose ridícula pra mostrar os meus punhos fechados, mas pelo menos ele ri – E tem mais dane-se ela! Quer dizer, eu sinto muito, ela é sua mãe e tal... É só que essa é a sua vida, você não pode voltar atrás por que as coisas não estão do jeito que ela ou seu avô querem, entende? Eles que se danem! É a sua vida, tem que ser boa pra você e não pra eles. Então, esquece isso, bola pra frente, você já tem um emprego, tem um irmão, tá morando num apartamento incrível com pessoas incríveis – eu dou uma piscada pra ele – Você tá indo bem!
— É, eu acho que tô! – ele concorda sorrindo, então eu pulo do banco.
— Já sei o que você precisa – dou a volta correndo pra dentro da cozinha, me abaixo na porta da dispensa, mexo até achar o fundo dela e então puxo a garrafa de vodca que escondi, me levanto e mostro a garrafa pra ele que sorri – É isso que faltava – eu dou a volta e paro ao lado dele – Alguém quer encher a cara e ter uma ressaca amanhã? – ele pega a garrafa da minha mão e já abre, ele dá um gole longo e sacode a cabeça antes de me entregar, eu sorrio e faço o mesmo, então ele pega nossos pratos, eu pego o sorvete e a garrafa, e vamos para a sala, espalhamos as coisas pelo chão.
— E agora me fala, onde essa língua andou hoje? – ele pergunta já rindo.
— Ah meu Deus, você é um idiota, um pervertido idiota – dou vários tapas nele que ri cada vez mais.
— Qual é? Você tá bebendo na mesma garrafa que eu, tenho o direito de saber até que base vocês foram
— Eu não tô te escutando, sério, não tô – coloco as mãos na orelha e cantarolo.
— O que é isso? – ele pergunta colocando o dedo no meu pescoço – É um chupão? – eu olho rápido procurando pela marca e então ele começa a gargalhar.
— Então teve chupão? – eu dou outro tapa nele – Teve, eu sei que teve
— OK, já chega! Eu não quero falar disso – falo dessa vez sem rir, ele para e me olha avaliando.
— Mas vocês se entenderam, certo? – sua voz não tem maldade, então eu reviro os olhos e confirmo, ele sorri satisfeito.
— Você sabia que o restaurante é dele?
— Cara, nós somos melhores amigos, claro que eu sei
— Melhores amigos? – pergunto com ironia.
— É, ele tem um restaurante onde eu posso comer e levar alguma garota pra comer de graça, isso com certeza bota ele no topo...
— Idiota – eu empurro o rosto dele que ri e pega a garrafa já bebendo mais um gole, depois me entrega e eu faço o mesmo, nós continuamos rindo e bebendo, acabamos com o pote de sorvete e já estávamos jogados no chão com a garrafa praticamente vazia quando ele chega mais perto de mim, eu estou sentada apoiada no sofá e ele se deita ao meu lado com a cabeça apoiada na almofada, ele morde minha perna e eu dou um tapa que acaba saindo fraco demais, nós dois rimos, então ele me olha e sorri.
— Obrigado – eu também sorrio – Você com certeza é a melhor amiga que eu já tive – ele estica a mão tentando tocar meu rosto mas acaba com a mão no meu peito, eu dou um tapa e ele já está tão bêbado que o braço cai no meio do rosto dele e isso me faz rir, ele parece nem perceber.
— Você tá bêbado!
— Você também – ele fala enquanto tenta enfiar o dedo dentro do meu nariz, eu rio mas me desvio empurrando a mão dele, então ele levanta a cabeça rápido demais e me olha – A gente podia transar...
— Ou eu podia chutar sua bolas – eu falo fingindo animação.
— Ainda não tá tão bêbada – ele faz uma cara triste e nós dois rimos, então ele se arrasta e deita a cabeça nas minhas pernas, fica me olhando de um jeito engraçado – Cara, você é muito linda – ele fala fazendo uma cara meio impressionada.
— É, eu sou! E você tá muito, muito bêbado – tento fazer ele se sentar.
— Eu gosto de ficar aqui – ele fala se agarrando na minha perna.
— Talvez te deixar bêbado tenha sido uma péssima ideia – falo mais pra mim mesma do que pra ele, mas ele deve ter achado muito engraçado por que começa a gargalhar, ele rola pelo chão e continua rindo, eu me levanto, sinto tudo girar por alguns segundos, mas consigo manter o equilíbrio, então vou até ele e ofereço a mão – Anda, vamos, vou te levar pro quarto
— Pra gente transar?
— Será que você pode pensar em alguma outra coisa sem ser sexo?
— Você chamou minha mãe de vadia desalmada sem coração – ele começa a rir.
— É, eu chamei e ela é mesmo – ele tenta se levantar se apoiando no sofá, ele tropeça e eu acabo ajudando, ele fica em pé meio cambaleando, apoia as mãos no meu ombro, fecha os olhos por uns segundos tentando se equilibrar e depois abre os olhos e fica me olhando de um jeito que só os bêbados fazem.
— Eu queria ser o Vítor, porra... Eu queria muito ser o Vítor...
— Ok, hora de ir pra cama – passo o braço dele atrás da minha cabeça e o levo meio que arrastando até o quarto dele, empurro a porta com o pé e o jogo na cama, ele solta um som meio abafado que deve ser de reclamação, mas não me importo, arrasto e o empurro até que fique no meio da cama, puxo o cobertor e cubro metade do seu corpo, ele já está apagado, ligo o ar condicionado e fecho as janelas do quarto, já estava saindo quando olho pra parede perto da estante e então volto o passo e encaro a ultima coisa que eu imaginei encontrar por aqui, é um mural de fotos, mas não são fotos comuns, são fotos incríveis, são paisagens e fotos da cidade, uma delas eu reconheço imediatamente, é a cachoeira, onde eu mesma levei ele e tenho certeza que essa foto não foi tirada naquele dia, eu me aproximo mais e vejo as outras fotos, uma delas é da frente do nosso prédio, e o que deveria ser uma foto simples é impressionante, o jogo de luz, a neblina que encobre parte do prédio dá um ar de um lugar misterioso e calmo, as outras fotos não reconheço os lugares, mas são lindas, todas elas parecem fotos poéticas ou tiradas por alguém que vê o mundo de uma forma muito diferente do que só peitos e bundas, como eu imaginava que funcionava a cabeça dele, eu olho na direção da cama e ele está lá apagado e começando a roncar, olho para o mural de novo e desisto de entender quem são essas duas pessoas que parecem tão diferentes, apago a luz, fecho a porta e saio do quarto, volto pra sala pra limpar a bagunça e já estava indo pro meu quarto quando a porta se abre.
— Ê, finalmente – Vinny fala já entrando e vindo na minha direção – Posso saber onde você andou o dia inteiro?
— Bom, eu já cheguei a quase duas horas, então... – dou de ombros, ele faz uma careta e passa o braço pelos meus ombros, então me olha de um jeito suspeito e aproxima o rosto do meu.
— Tá bêbada?
— Não, o Rafa tá! Eu só bebi...
— Sei!
— Onde você passou o dia? Rafa disse que você saiu com o Vítor
— Saí! – falo e abro a porta do meu quarto, ele segura a porta e me encara – Eu juro que conto tudo amanhã, mas agora eu só tô vendo várias luzinhas por aqui – eu falo passando a mão no rosto dele, ele segura minha mão.
— Achei que não tivesse bêbada
— Achei que você tivesse namorada.
— E o que tem?
— Vai encher o saco dela!
— Eu encho seu saco?
— Muito – ele solta a porta e faz uma cara de ofendido – Dorme comigo? – pergunto já estendendo a mão pra ele.
— Você é uma idiota – ele fala mas segura minha mão.
— Mas eu te amo – falo já puxando-o pra dentro do quarto, eu me jogo na cama e me arrasto pro canto, ele sobe e se deita ao meu lado, eu deito a cabeça no peito dele e apago assim que ele mexe no meu cabelo.
Acordo na cama vazia, minha cabeça dói e meu estômago está levemente embrulhado, me arrasto até o banheiro, faço xixi e volto pra cama e durmo, quando acordo de novo tem um copo de suco de laranja na mesa de cabeceira e um post-it colado nele, puxo o recado e sorrio assim que leio.
“Toma o remédio!!!! Mas que fiquem de ressaca o dia inteiro. VOCÊS BEBERAM A VODKA TODA, PORRA. P.S: Só volto a noite, te amo!”
Pego o comprimido que estava ao lado do copo, bebo o suco todo e volto a dormir.
Quando acordo pela terceira vez me sinto bem melhor, me levanto da cama, vou ao banheiro de novo e depois saio do quarto, vou até a cozinha, abro a geladeira e a encaro, fecho, olho as horas e já são quase duas da tarde, pego o telefone e ligo pra minha mãe, ela faz uma drama dizendo que finalmente eu lembrei dela e eu deixo ela reclamar, quando termina pergunto se posso ir pra lá, ela fica toda animada e grita avisando meu pai, eu digo que ainda não almocei e ela briga novamente mas avisa que tá indo preparar algo, eu sorrio e desligo o telefone, vou pro corredor dos quartos, mas entro no do Rafael, ele está dormindo, mas vejo um copo ao lado da cama dele e o post-it caído no chão, sorrio sabendo que o Vinny passou por aqui também, então me sento na cama e o cutuco, ele abre os olhos e me faz uma careta.
— Eu vou pra casa dos meus pais, você vai ficar por aqui ou quer ir comigo? – como resposta ele coloca o travesseiro na cabeça – De nada – eu falo já me levantando, antes que eu alcance a porta ele me acerta com o travesseiro, eu pego do chão e olho pra ele pronta pra mandar ele se ferrar.
— Você foi demais ontem – eu acabo sorrindo, mas jogo o travesseiro nele assim mesmo.
— Eu sou demais todos os dias – ele ri e eu saio do quarto.
Meus pais quase me sufocam de tanto que me apertam, minha mãe preparou bife com fritas que ela sabe que é um dos meus pratos preferidos e mesmo ela tendo dito que meu pai já almoçou ele come de novo junto comigo, depois nós vamos para a sala e assistimos um filme ou pelo menos as partes do filme em que minha mãe para de me encher de perguntas e nós conseguimos ouvir.
Fico com eles até a noite, já são quase onze da noite quando meu pai me deixa de carro em frente ao prédio, subo e encontro o apartamento vazio, vou pro meu quarto e deixo tudo arrumado para o dia seguinte, me jogo na cama, fico mexendo no celular, troco algumas mensagens com a Lia, comento sobre as fotos que vi no quarto do Rafael, ela fica curiosa e nós conversamos mais um tempo até que eu durmo.
A semana começa agitada, o escritório está bem movimentado, vários documentos surgindo ao mesmo tempo e muito trabalho a se fazer, vejo Rafael no trabalho, quando ele vem entregar ou pegar algum documento e logo estamos correndo pra lados opostos, no fim do dia, volto sozinha pra casa, troco de roupa e vou pra academia tentando manter o foco nos meus treinos, volto pra casa com Vinny e ele me faz contar como foi o dia que passei com o Vítor, eu conto tudo, sobre nossa conversa, o beijo, nossas reações depois e como acabamos nos entendendo de um jeito que é difícil de se explicar, ele sorri satisfeito mas quando fala tenta se mantar neutro, diz que é bom eu fazer amizades e me aproximar de quem gosta de mim, mas deixa claro que o lugar dele é intocável, eu reviro os olhos, mas acabamos nos abraçando.

O sábado amanhece com um dia lindo, o céu está azul, sem nenhuma nuvem, o sol já vai tomando seu lugar e mostrando que hoje ele irá reinar, eu tomo um banho e como sempre deixo pra escolher a roupa em cima da hora, acabo parada com o roupão olhando pra dentro do guarda roupa, afasto os cabides reprovando as roupas que não quero.
— Já são 10 horas – Vinny fala já entrando pelo meu quarto, reviro os olhos e o ignoro – Ele vai passar aqui as 11, não é?
— Ok, estou atrasada, já entendi – levanto as mãos e me viro pra olhá-lo, ele está todo arrumado, roupa nova, camisa jeans comportada e muito perfumado – Então hoje é o grande dia, né? – ele sorri meio nervoso.
— O que você acha de rosas brancas? Exagerado demais ou você me deixaria sair com a sua filha? – ele pergunta meio ansioso mas fazendo uma cara que me faz rir.
— Talvez eu entrasse numa briga com a minha filha pra poder sair com você – ele ri e me mostra o dedo do meio.
— É sério, pô!
— Ela vai adorar, você está ótimo e é só não ter um ataque cardíaco no meio do almoço e tenho certeza que eles vão te amar – dessa vez ele sorri mais calmo, eu me aproximo dele e seguro seu rosto com as duas mãos, embora já tenha conhecido os pais da Bianca, hoje é aniversário da mãe dela e eles vão oficializar na frente da família toda – Eu tô muito, muito feliz mesmo por você – nós dois sorrimos juntos – Confesso que eu ainda tenho um pouco de ciúmes da Bianca, mas... Eu vou ser muito grata a ela se continuar fazendo você feliz desse jeito. Você merece – ele coloca as mãos em cima das minhas e beija minha testa – Meu bebê está crescendo.
— Você vai mesmo se atrasar – ele alerta quando me solta e eu faço uma careta, mas volto a encarar os cabides.
— Eu não tenho roupa – dou de ombros, então ele passa por mim, remexe em alguns cabides, tira um e me entrega – Tem certeza que não posso ir de short e havaianas? – ele me encara e eu faço outra careta, pego o cabide e reviro os olhos enquanto ele sai do meu quarto.
— Vê se arruma essa cabelo, parece que você acordou agora
— Talvez seja por que eu realmente acordei agora – falo alto pra que ele me escute, mas não tenho resposta então volto pro banheiro e começo a me arrumar, alguns longos minutos depois o grito do Vinny ecoa pelo apartamento inteiro.
— O VÍTOR CHEGOU! – eu reviro os olhos para a total falta de discrição dele e termino de passar o batom, vou até o espelho grande e me olho mais uma vez, coloquei o vestido que o Vinny escolheu, ele é de um tecido bem leve e solto no corpo, o fundo é azul claro mas é todo estampado com flores coloridas, deixando uns tons de vermelho mais vivos, ele tem a manga vazada deixando meu ombro a mostra, não é  curto, vai até logo acima do meu joelho, calcei um salto alto vermelho, o cabelo prendi em um rabo de cavalo no alto da cabeça, deixando alguns fios meio soltos mesmo e que dão um ar menos formal, passei só um batom e rímel, puxo minha bolsa pequena de cima da cama e saio do quarto, assim que viro na sala dou de cara com o Vítor.
— Você tá linda! – ele fala já vindo me cumprimentar, trocamos beijos na bochecha e sorrio.
— Você também não tá nada mal – faço uma cara de impressionada e ele dá uma voltinha, ele está com uma calça de cor mostarda, uma camiseta branca e uma jeans escura aberta por cima e tênis branco, então não menti a minha cara de impressionada, por que ele está realmente bonito.
— Vamos? – ele me oferece o braço.
— Tenho que avisar o Vinny
— Ele saiu assim que eu cheguei, parecia com pressa...
— Ah hoje é o grande dia!
— O almoço com a família da Bianca?
— Exatamente!
— Agora tá explicado – nós rimos e eu aceito o braço dele, saímos do apartamento e dessa vez ele veio de carro, nós entramos e depois que eu explico onde é, ele logo sai com o carro, nós conversamos um pouco pelo caminho, ele me conta como foi a semana dele e eu faço um breve resumo da minha, mesmo não tendo acontecido nada demais, logo chegamos a pequena mansão que pertence ao sócio do escritório, descemos do carro e já dá pra ver o pessoal reunido no espaço perto da piscina, embora ela esteja vazia, apenas enfeitada com bolas e confeites coloridos, eu e Vítor andamos lado a lado até eles.
— Dani! – Paula, uma das secretárias que trabalham lá no escritório abre os braços e vem na nossa direção, não gosto muito dela, já peguei algumas mentiras que ela disse e sempre fico com o pé atrás com ela, mesmo assim aceito o abraço e forço um sorriso – Achei que não viesse, o Rafael disse que você não estava se sentindo bem – eu faço uma cara de surpresa mas não confio que ele realmente disse isso, mesmo assim entro no jogo.
— É, eu melhorei!
— Ah que bom, só temos isso de vez em quando temos que aproveitar...
— Claro!
— E seu amigo, quem é?
— Ah, Vítor, Paula... Paula, Vítor – ele aperta a mão dela de forma educada e eles trocam um beijo na bochecha.
— Só amigos ou... – ela dá um sorrisinho idiota.
— Só amigos!  – falamos juntos e eu sorrio satisfeita.
— Hum, bom, vou deixar vocês falarem com os outros – ela sai sorrindo de um jeito malicioso pro Vítor.
— Nem 5 minutos e você já tem uma admiradora – implico com ele que ri um pouco sem graça.
— Eu não sabia que você estava passando mal...
— Nem eu – dou de ombros e vejo Rafael a alguns metros de onde estamos então andamos até lá, cumprimento mais algumas pessoas pelo caminho antes de chegar nele.
— Então eu estava passando mal? – pergunto assim que paramos junto dele.
— Aquela mulher não cala a boca – ele fala fazendo uma cara de exausto, eu acabo rindo.
— E você não tinha outro jeito de calar a boca dela? – Vítor fala fazendo uma cara maliciosa, os dois riem.
— Ok, eu passo essa parte da conversa – falo fazendo uma careta – Eu vou falar com o pessoal do outro lado e já volto – aviso já saindo e deixando Rafael mostrar a ele quais são as solteiras do lugar.
Encontro eles de novo, ficamos os três juntos um tempo até que Rafael sai e ficamos eu e Vítor, nós damos uma volta pelo lugar e depois nos sentamos em um banco debaixo da arvore próximo ao jardim e há alguns metros de onde eles estão.
— Eu não sabia que você era tão importante – ele fala fazendo uma cara de impressionado pra mim.
— Também não sei de nada disso não...
— Ah mal conseguimos chegar até esse banco sem você ser parada por umas 10 pessoas...
— Foram 3
— Mais 7 ficariam 10 – eu solto uma risada alta e ele sorri satisfeito.
— Eu acho isso tudo um saco – faço uma careta apontando pro salão onde eles estão rindo, conversando e se servindo.
— É a politica da boa vizinhança – ele dá de ombros e eu concordo, nos encostamos no banco e ficamos conversando, até que vejo Luís vindo na nossa direção, ele é advogado lá do escritório e eu não sei por que motivo ele cismou que eu tenho que sair com ele, já neguei de todas as formas que conheço e ele nunca desiste, por mim eu já teria dado um soco nele mas não posso por que ele é um dos filhos do sócio, ele para na minha frente, com uma distância de um passo e me estica uma taça de champanhe.
— Ah não, obrigada – eu nego forçando meu sorriso mais formal possível.
— É champanhe, Daniela, ninguém nega champanhe – ele sorri de um jeito que me faz querer quebrar os dentes dele, mas forço outro sorriso.
— É que ela faz mais o tipo que prefere uma boa e velha cerveja – Vítor fala e fica em pé, Luís olha pra ele como se só o tivesse visto agora, Vítor não se intimida e estende a mão pra ele – Vítor!
— Luís Moura Piggazio – ele fala com uma superioridade idiota, Vítor ri e solta a mão dele.
— Bom, nós já estávamos indo pegar uma cerveja então, pode ficar com o banco, não queremos atrapalhar – ele fala e me oferece a mão, eu sorrio e aceito, então ele mantem nossas mãos juntas enquanto passamos pelo jardim até o salão.
— Valeu, eu não aguento mais esse cara – reviro os olhos e ele sorri.
— Eu entendo ele.
— Entende?
— Se eu trabalhasse vendo alguém tão bonita todo dia eu talvez tentasse impressionar ela – ele fala com um sorriso divertido.
— Cala a boca – ele ri e toca no meu ombro, seus dedos deslizam e ele me olha nos olhos.
— Você não pode calar a verdade – ele me dá uma piscada e sorri.
— Você é um idiota – eu falo mas como estou rindo, ele também ri.
— Adivinha quem conseguiu o celular da Melissa do 2° andar – Rafael se aproxima de nós já comemorando enquanto balança o celular dele.
— Ah não, a Melissa é legal! E você disse que não ia sair com ninguém do escritório, você jurou...
— Ela não é do nosso escritório, só é do prédio.
— Ela é do escritório de contabilidade que é associado ao nosso, então, sim, ela basicamente é lá do escritório...
— Então por que ela não está aqui hoje? – ele pergunta já com um sorriso vitorioso.
— Você não vai sair com ela – encosto o dedo no peito dele.
— Tá, eu não vou sair com ela – ele levanta as mãos e sai de perto de nós.
— Ele vai sair com ela – eu falo quando ele sai e Vítor ri.
— Com certeza ele vai sair com ela... – eu reviro os olhos – Vai vê ela é a mulher da vida dele
— O que ela fez contra você? – pergunto colocando o máximo de horror na voz e isso faz ele rir.
— Ele não é tão ruim, ele é bacana, só um pouco... Excêntrico
— Excêntrico? – ele ri novamente.
— Eu já tive uma fase Rafael – ele confessa e eu me impressiono – Eu estava de mal com a vida, achava que tava sozinho, então eu saia toda noite e ficava com o máximo de garotas que conseguisse, depois voltava pra casa e no dia seguinte tudo de novo, não me orgulho muito disso, mas acho que todo mundo deveria ter uma fase assim...
— E quanto tempo durou essa “fase”? – falo fazendo aspas com os dedos, ele dá de ombros.
— Quase uns dois anos...
— E o que te faz parar?
— Minha sobrinha – imediatamente os olhos dele ganham um brilho diferente e um sorriso ilumina seu rosto – Minha irmã veio me visitar um dia... Nós tínhamos brigado e não nos falávamos, até que ela veio no Natal e eles ficaram lá em casa, a Bella já tava com 4 anos ela corria e falava animada sobre tudo, ela adorava ficar na piscina e me pedia pra ficar com ela, na noite de Natal ela ficou completamente impressionada com tudo e enquanto eu estava com ela me lembrei como meus pais eram loucos pela neta e sempre faziam de tudo pra ficarmos juntos, foi aí que eu vi que não estava sozinho e não precisava me sentir assim... Então... Aqui estou eu – ele fala abrindo ligeiramente os braços.
— Que bom! Acho que não consigo ver você como um caçador de meninas inocentes – ele solta uma gargalhada.
— Ex-caçador, estou aposentado – ele fala sorrindo.
O almoço é liberado, duas grandes mesas estão preparadas no salão principal dentro da casa, as pessoas começam se servir, mas como tem muita gente nós esperamos um pouco do lado de fora, perto do jardim, até que Rafael passa por nós.
— Onde você vai? – pergunto curiosa.
— Embora
— Não vai almoçar?
— Fala sério! Isso tá um saco, prefiro comer um pastel na feira... Boa sorte – ele fala e sai rindo.
— Tenho que concordar com ele
— Você tem que ficar até o final?
— Na verdade, não – dou de ombros e Vítor sorri e então me oferece a mão dele, eu aceito também sorrindo e curiosa, nós saímos do jardim e vamos até o carro, o portão está aberto e logo saímos do condomínio – Onde a gente vai?
— Tá com fome?
— Muita – ele sorri satisfeito, então acelera e entra em uma rua, demoramos cerca de uns 10 minutos e então chegamos a um portão de madeira grande, está aberto e o lugar lembra uma chácara, a grama verde se estende por todo lugar, na lateral estão os carros estacionados, descemos e andamos sobre um caminho de pedras.
— Eu adoro esse lugar – ele fala e logo aparece um senhor, ele é alto, tem uma barba grossa grisalha e para na nossa frente com uma expressão surpresa.
— Não acredito – ele sorri e abre os braços, Vítor também sorri e o abraça – Eu falei com a sua irmã esses dias, já avisei que quero eles aqui de novo...
— Ah com certeza eles vão vir! E aí, tem alguma mesa?
— Pra você? Se não tiver nós arranjamos – o senhor fala sorrindo.
— Essa é a Dani, uma amiga, ela tá morrendo de fome e resolvi mostrar como se comer bem – ele fala e pisca pra mim, o senhor vem até a mim e me dá um abraço junto com um sorriso contagiante.
— Espero que agrade!
— Só pelo cheiro eu arrisco um sim – ele sorri orgulhoso e nos leva pra dentro do lugar, o piso é de madeira, o lugar tem várias janelas e está bem ventilado, não é nada cheio de luxo, mas tudo é muito bem arrumado, limpo e decorado, está bem cheio e passamos por várias mesas até alcançarmos uma varanda larga onde tem uma mesa vazia em uma das pontas, a vista é muito bonita, arvores carregadas de frutas e uma fonte de aguas cristalinas com uma ponte por cima, Vítor puxa a minha cadeira e mesmo achando exagero eu agradeço.
— O de sempre?
— O de sempre – Vítor concorda sem precisar olhar o cardápio, o senhor sai e ele me olha ansioso.
— Eu acho que você vai gostar!
— Já adorei o lugar – falo olhando em volta.
— É lindo mesmo!
— Pelo visto você é cliente antigo né?
— Ele era o melhor amigo do meu pai! – ele fala mas sorri de um jeito doce – Acho que almoçávamos aqui quase todo domingo... Passei um tempo sem vir, mas é um dos melhores lugares da cidade, minha irmã diz que é o que ela sente mais falta daqui, eu tento não me ofender – ele sorri e eu também.
— Tem certeza que você não tá ganhando nenhuma comissão pela propaganda? – ele ri mas nega.
— Você vai entender quando comer...
Então minutos depois quando nossa comida chega, eu realmente concordo com todos os elogios dele, nossa mesa está ocupada com uma travessa grande com costela abafada, batata frita, farofa, arroz, salada e aipim frito.
— Eu ADOREI esse lugar – é a única coisa que consigo falar antes de voltar a comer cada pedaço que consigo, Vítor também come com tanta vontade que nenhum dos dois reclama do silêncio – Eu ainda nem saí daqui e já quero voltar – eu falo quando acabamos.
— Eu disse que não era exagero
— Na verdade acho que você amenizou bastante – ele ri – Eu preciso trazer o Vinny e a Lia aqui, eles vão pirar...
— Nós podemos marcar isso
— Ah nós vamos marcar, com certeza – garanto e ele abre um sorriso grande e satisfeito, eu sorrio e como ele continua me olhando de um jeito engraçado, eu disfarço e bebo um gole do meu refrigerante, então antes que eu consiga segurar, eu arroto, tampo a boca com as mãos rapidamente e quase morro de vergonha, ele ri.
— Relaxa, não tem problema – ele fala ainda rindo.
— Eu nunca mais vou olhar na sua cara – fala tampando meu rosto com as minhas mãos.
— Não foi tão ruim – ele fala e eu destampo meu rosto, apenas pra olhar pra ele e duvidar – Sério! Uma vez nós estávamos dando um jantar em casa, era pra um pessoal importante que iria entrar em parceria com a revista, todos sérios e bem vestidos, o jantar estava correndo bem e tudo, até que do nada quando minha mãe foi falar, ela arrotou e no meio da frase, não tinha como disfarçar, todo mundo simplesmente parou e ficou olhando pra ela...
— Aí meu Deus! Coitada!
— Ela olhou pra eles e do jeito mais normal do mundo falou: “Sim, eu arrotei, e é uma falta grave, mas nada será tão grave quanto saírem daqui sem fechar essa parceria que com certeza vai ser o maior acerto de vocês até hoje” então todo mundo deu uma pequena risada e ela conseguiu a parceria...
— Sua mãe parecia uma mulher e tanto.
— Ela era! Você me lembra muito ela...
— Eu?
— É, seu jeito, não sei, você tem alguma coisa que ela tinha...
— Bom, obrigada! – sorrio e ele também – É, você sabe como transformar um momento constrangedor em uma coisa suportável – ele ri.
— Sobremesa? – ele arregala os olhos animado, eu sorrio e acabo concordando.
Quando saímos do restaurante ele me leva direto para o apartamento, estaciona o carro e ele me olha de um jeito divertido.
— Eu gostei de hoje!
— Eu também! – concordo com um sorriso sincero.
— Eu não sabia se era uma boa antes, mas... Eu tenho um convite... – eu espero que ele continue – Jantar. Amanhã. Lá no restaurante...
— E você não vai ter nenhuma entrega pra fazer?
— Eu falei com o dono e ele me deu uma folga – ele sorri.
— Posso chamar o pessoal? É que eu não vi a Lia essa semana toda e se eu sair amanhã sem ela provavelmente teremos uma nova guerra mundial – ele ri.
— Claro que pode!
— Então até amanhã – me inclino e beijo sua bochecha, ele também beija a minha, então saio do carro e entro no prédio.


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