Cicatrizes escrita por Owl KodS


Capítulo 2
Capitulo 1: Calmaria


Notas iniciais do capítulo

Peço perdão pela demora :p Mas não tem ninguém lendo mesmo :/



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Acordou com o escuro do quarto tomando conta de si como nunca antes. Em contraste com quarto extremamente branco do hospital, seu próprio quarto era completamente negro. Não quisera que abrissem as janelas, muito menos as cortinas grossas que impediam a luz de entrar. Não queria ver a bagunça que se espalhava pelo chão e menos ainda as paredes brancas que a cercavam mesmo ali.

Às vezes tinha a impressão de que isso a levaria a loucura.

Fazia três dias que voltara para casa e não demorara para entrar no regime novamente. Adele até tentara se tornar mais presente na vida da filha, ia todos os dias no hospital vê-la e não se atrasara para pega-la quando teve alta, mas Gabe sabia o quanto isso era custoso para a mãe que começava a parecer mais frágil a cada dia que se passava. 

No primeiro dia tivera folga e mimara Gabe como nunca havia feito antes, levara comida na cama e trocara as bandagens da jovem e a mantivera cuidadosamente dopada, apenas para evitar a dor dos ferimentos.

Também havia lhe dado banho e ajudado a se vestir, tudo para não irritar as bolhas que enchiam o corpo da jovem e ainda ardiam vez ou outra, mas tudo era feito de maneira meio automática, como se estivesse tão ou mais dopada que a filha.

No segundo dia, Gabe acordara sozinha, achou que tudo não passara de um sonho e rezou por isso no quarto ainda escuro, mas encontrou as queimaduras ainda ardendo pelo corpo, subindo pelos braços. Mais uma vez se concentrou para mover as pernas, mas elas ainda pareciam não responder ao seu comando.

Levantou naquele dia esperando encontrar a casa vazia. Se arrastou até a cadeira de rodas com todo o cuidado. A dificuldade se tornava cada vez menor conforme se acostumava ao movimento.

Arrstou as grandes rodas com cuidado para não bater na escada. Desde que a notícia chegara em seus ouvidos o escritório tivera que ser adaptado para sua nova condição.

Ao chegar na cozinha, após as diversas manobras para conseguir chegar nela, encontrou Adele com os cabelos negros presos em um coque mal feito no topo da cabeça, usando nada além de pantufas, uma camisola de malha e um roupão de lã com um óculos de grau apoiado no nariz e um documento de word aberto no computador à sua frente, refletindo nas lentes transparentes que recobriam os olhos negros, muito atentos ao trabalho.

— Bom-dia? — chamou baixinho, quase insegura, sem a certeza de que fora ouvida. 

— Bom-dia — respondeu com um sorriso largo abaixando os óculos e olhando a filha diretamente — Como está?

— Bom-dia! — Ao se dar conta da repetição balançou os cachos rapidamente de um lado ao outro a fim de limpar a mente — Bem! Eu acho. — respondeu sem esperanças dando de ombros ao fim da última sentença, mas foi surpreendida quando ela levantou, lhe beijou a testa e serviu café com torradas. 

Um pouco mais a tarde, Adele já havia voltado a trabalhar e com um milhão de desculpas, entrou no banho, colocou um tailleur clássico em cor creme, prendeu os cabelos em um coque mais bem arranjado e rapidamente entrou no carro, atolada com seus papéis, explicando que tinha uma questão importante para resolver, mas tentaria voltar cedo.

Gabe não a viu chegar naquele dia.

Dessa vez mal se importou com as queimaduras quando acordou, mas esperava encontrar a mãe quando se ajeitou na cadeira, puxando os pés para os apoiadores e guiando as grandes rodas frias com as mãos: Não estava lá.

O rosto não se fechou, no entanto, e apesar da enorme vontade de chorar, as lágrimas nunca chegaram, nem quando a queimaduras cobraram seu preço a fazendo se contorcer sobre o próprio corpo. Estavam esquecidas em algum lugar de sua vida e não possuíam efeitos, não trariam os amigos de volta ou a atenção da mãe, tão pouco lhe dariam a vida perfeita que sempre acreditara ter, de que adiantava chorar então?

Pensou em voltar para o quarto, mas mudou de ideia. Nunca se deixara abater por algo tão inútil como a falta de atenção das pessoas. Tentou convencer a si mesma de que a mãe era uma mulher ocupada e fazia isso por ela e por Camille e pelo pequeno Edmundo, o filho de Cam, não deveria contar com quase um ano agora e Gabe se lembrava perfeitamente do dia que ficara sabendo que a irmã estava grávida.

Era um dia bastante frio, talvez o mais frio de que podia se lembrar quando o telefone tocou. Estava enrolada em uma manta azul marinho que cobria parte da cabeça enquanto lia um romance ao estilo Nicholas Sparks. Não que fossem seus favoritos, mas não estava com muita vontade de pensar então apenas deixou que sua mente vagasse por uma construção muito confortável e previsível, mas teve seu momento interrompido quando o telefone tocou e teve de se levantar para atender.

Irmã, eu acho que estou grávida — foram as exatas palavras de Camille naquela manhã cinzenta, mais ou menos dois anos antes e também foi a primeira vez que Gabe sentiu seu corpo gelar.

A irmã tinha, então, seus quinze anos e grandes sonhos de entrar para uma universidade importante dentro de dois ou três anos, de modo que fora difícil acalmá-la, mas era mais difícil acalmar a si mesma ao pensar na reação da grande Adele Andrews ao descobrir a notícia. — Você ainda está me escutando? — perguntou a mais nova na outra linha e Gabrielle quase podia ver os dedos longos se enroscando no fio do telefone tamanho o nervosismo na voz da menina.

— E o que você pensa em fazer? — perguntou com calma naquele dia, mas ainda se lembrava da forma como o telefone tremia em suas mãos ao ouvir as palavras “Eu pretendo tirá-lo daqui”. — E o seu pai? — perguntou no alto de seu desespero e foi respondida com um simples “Eu não tive coragem de contar, preciso de ajuda” — Eu não sei o que posso fazer, estou quase à um oceano de distância no mínimo — respondeu após uma pausa que mais pareceu uma eternidade completou em tom mais preocupado — Eu vou ver o que posso fazer. Cuide-se e dessa criança também, não faça nada precipitado ou que você não faria em estado são.

Não houvessem sido aquelas palavras, Gabe teria guardado segredo e a irmã e o sobrinho, morrido em alguma cama de algum hospital sem nome. Por sorte Adele conseguiu intervir e a filha mais nova passara os nove meses da gravidez estudando na casa da mãe, não que isso a tenha ajudado.

Balançou a cabeça mais algumas vezes tentando se livrar daquelas imagens, aquilo estava no passado e até a última conversa que tivera com Cam, sabia que ela estava bem e Ed melhor ainda, crescendo cada vez mais bonito e adotado por Frederico e Jacira, mas não entrara em maiores detalhes.

Rolou até a cozinha. Na casa ao lado só se ouvia o silêncio, tudo o que ela soube foi que a casa, que pertencera à família de Carlos havia sido vendida, isso lhe deu um certo alívio, mesmo que não conhecesse os novos moradores, mas ter de encarar todos os dias os pais daquele que perdeu seria complicado, muito mais do que podia suportar. Sabia que não era a responsável pelo acidente, mesmo assim, era impossível evitar o sentimento de culpa que a assaltava por ter sido a única sobrevivente.

No dia em que saíra do hospital recebeu a notícia: Frank havia morrido em uma das cirurgias feitas para tratar suas queimaduras. Uma delas havia infeccionado e, após muitos dias sangrando e soltando pus em uma cama de hospital, ele finalmente morreu. Era 25 de dezembro e foi um péssimo presente de natal para os Listers.

Olhou o calendário pendurado na parede, não havia enfeites nele, apenas marcações de reuniões e outras coisas importantes: Adele era uma pessoa ocupada, realmente ocupada.

Vasculhou o calendário, passando por datas e mais datas importantes. Havia uma marcação no dia do aniversário de Camille e uma no seu. Ed também tinha sua marcação no calendário, em letras pequenas em um canto do dia 27 de abril, mas ao lado de centenas de outros compromissos marcados com letras grandes e bem marcadas, o aniversário de Edmundo mais parecia um daqueles feriados sem importância como o Dia Internacional do Sapateado Americano ou o Dia Internacional do Leite.1

Com uma respiração profunda, deixou suas divagações de lado e foi olhar a correspondência na caixa de correio.

~~ o ~~

— Sim mãe! — respondeu a jovem ao telefone — Mas ela está bem? — esperava por uma resposta negativa, mesmo que fosse tudo o que não queria ouvir.

Receber a notícia que sua irmã sofrera um acidente de carro e ficara internada por semanas fora o complemento perfeito para sua semana. Já não bastasse o Edmundo ter passado a semana inteira mal sem que nenhum médico pudesse identificar o que acontecia com o bebê.

— Eu vou levar o Ed no médico, mas posso estar aí antes do fim de semana. — falou enquanto dobrava um par de roupas infantis em uma bolsa azul clara com bichinhos coloridos.

Ela continuou organizando a mala do pequeno enquanto ouvia Adele falar do outro lado da linha. Pelo que pudera entender, Gabrielle já estava em casa e parecia estar melhorando rápido, por isso não seria necessária a presença da mais nova e nem do bebê, mesmo assim sentia que sua mãe estava escondendo algo dela.

— Tem certeza? — perguntou novamente, revendo tudo o que já havia posto na bolsa: mamadeira, chupeta, fraldas extra, uma roupa sobressalente. Não queria exagerar, mas também não queria que faltasse — Talvez ela precise de companhia.

Eu entendo a sua preocupação — respondeu a voz do outro lado da linha, parecia impessoal e distante, como se nem ao menos desejasse falar — Eu já falei, Gabs está bem, eu juro. Além do mais todo esse cenário não faria bem para o bebê. — Cam não respondeu de primeira, a verdade é que na maioria das vezes apenas preferia não falar com a mãe. — Mas como está tudo aí?

— Indo — respondeu sem muita vontade de passar detalhes. Queria ver a irmã e se Adele soubesse que Ed estava mal usaria isso como justificativa para evitar a viagem da mais nova — Coisas simples, pessoas nascendo, pessoas morrendo. Ainda não temos um hospital, mas quem sabe um shopping, em breve — respondeu sentando no batente da janela. De onde estava podia ver o quintal da pequena casa térrea de três quartos que dividia com o pai, a madrasta e seu irmão caçula.

Nem crie esperanças, Arthur falou que não vai vender — isso era informação antiga na cidade, mas não respondeu nada, apenas respirou fundo antes de ouvir Ed chorando, provavelmente outra cólica. Aquilo estava matando ela e a criança.

— É o meu — respondeu, saindo da janela e arrumando as pregas do vestido enquanto se aproximava da cama onde o pequeno estava — Olha, mãe, eu tenho que ir. Até.

Beijos Cam, Até — foi a última coisa que ouviu antes de desligar o telefone.

— Pronto, meu amor, pronto — respondeu se sentando na cama com o bebê aninhado junto aos seios. Usava um vestido muito simples em uma cor bege naquela madrugada principalmente para evitar de perder tempo cuidando de pequenos detalhes como pedrarias incomodando Ed, mas a criança não parava de chorar. As dores do bebê eram só a parte mais superficial, pois ninguém entendia as noites que passava em claro enquanto o menino respirava mal e ardia em febre.

Olhou o relógio mais uma vez. Nenhum mensagem no whatsapp, nenhuma chamada, nada. Estava começando a ficar preocupada quando um carro apareceu no limite da propriedade, destacando-se na escuridão da noite com os faróis alto iluminando tudo. Não era difícil reconhecer o carro, mesmo que Camille não entendesse nada de automóveis, sabia que aquele era único no mundo, um carro vermelho e com a pintura toda desbotada que havia salvado a vida de Ed pelo menos uma dúzia de vezes no último ano. O carro de uma das poucas pessoas que sabia a verdade sobre o parentesco do bebê e o único que sairia perto das 4 da manhã para levar uma criança que não era sua para o hospital com emergência.

— Desculpa o atraso — respondeu o jovem saindo para arrumar a cadeirinha no banco de trás, quando viu ela se aproximando, atrapalhada com o bebê com o rosto vermelho e melado de lágrimas, baba e ranho em um braço enquanto a bolsa escorregava pelo outro.

— Sem problema, são só 4 horas da manhã — respondeu enquanto ajeitava o menino e prendia os cintos. — Mas ele acabou de acordar, então vai ser um percurso um pouco barulhento. — o mais velho abriu um sorriso que mostrava todos os dentes e fez um sinal para demonstrar que não ligava.

— A gente adora um barulho, não é garotão? — perguntou ajeitando o espelho para olhar o menino que ainda tinha os olhos cheios de lágrimas, mas controlava o choro bravamente, enrugando a pequena testa e curvando o canto dos lábios.

~~ o ~~

O caminho até a igreja Santa Agnes no centro da cidade fora silencioso, mas não era para menos. Gabe ainda tremia toda a vez que entrava em um carro e Adele, nos últimos anos, não havia sido a melhor das companhias para se andar em um.

— Você pode se acalmar — disse a mãe da forma mais complacente que podia, apoiando a mão sobre a dela quando o sinal fechava — Nada de mal vai acontecer eu juro. — ela fez uma pausa e olhou em volta, isso quando ainda não haviam saído de casa — Já sei — disse pousando os dedos longos e finos sobre o botão do rádio — Vamos ouvir um pouco de música e você ficara mais calma, certo? — perguntou voltando a mão para o braço da filha.

Gabrielle tentou se concentrar na música e apenas nela quando os acordes animados de Radio GaGa começaram a ecoar pelo carro. Gabe não estava mais calma, tentou bater os pés contra o soalho no ritmo da música, porém o pé continuava sem se mover por mais que ordenasse. No fim, acabou frustrada e irritada, batendo o dedo contra a coxa.

— Rádio — falou um pouco mais alto, mas sem apoiar a cabeça no encosto ou mesmo fechar os olhos e com os dedos ainda firmes contra o couro da alça da bolsa que carregava consigo — Someone still loves you.

A música continuou, o sinal fechou e os olhos de Adele se fixaram na filha mais velha com um sorriso crescendo nos lábios.

— You had your time, you had your power — cantou a mãe mais alta e batucando os dedos no volante — You’ve yet to have your finest hour.

Gabe observou enquanto a mãe cantava lindamente, quase como aquelas princesas de contos de fadas que tanto se ouvia falar e que, por vezes, até mesmo os animais paravam para ouvir. Naquele momento Freddie Mercury havia parado para ouvir Adele Andrews cantar, mesmo os passarinhos do lado de fora pararam e, por um minuto, a jovem se esqueceu que sentia medo. Era confortável ter uma voz tão conhecida e que ainda se acumulava em seus pensamentos e ela começou a pensar na mãe, vestida em um longo vestido amarelo, vermelho e azul com pássaros em seus dedos tentando alcançar suas notas e… explodindo como em alguma cena do desenho animado Shrek.

— O que houve? — perguntou a mulher ao ouvir a risada tímida da filha no banco ao lado.

— Nada — respondeu com a mão sobre os lábios grossos, enquanto tentava se concentrar em qualquer coisa que não fosse as cenas de comédias envolvendo músicas que vinham em sua mente — Só uma coisa engraçada que passou pela minha cabeça.

Mas o pequeno momento de tranqüilidade passou tão rápido quanto veio, em poucos segundos a música havia trocado e, ao invés de alguns acordes animados, o que começara fora um pouco mais calmo e as palavras “When the day is long”. Everybody Hurts do R.E.M, uma música traumatizante, pensou ela.

Então prendeu os dedos , novamente e com ainda mais força, na alça de couro da bolsa preta que levava com nada além de sua carteira que, a não ser por seus documentos, estava vazia.

Teria fechado as pernas com força esperando pelo impacto, mas as pernas mais uma vez não lhe responderam. Adele não estava realmente em alta velocidade, mesmo assim tremeu ao ver um carro negro passar como uma sombra a frente deles e então fechou os olhos e todas as imagens do terrível vídeo passaram pela sua cabeça, se misturando com o verde e negro que rodava em frente aos seus olhos no dia do acidente e então era tudo terror. Breu e um terror que consumia seu coração e sufocava a sua respiração.

Abriu os olhos de forma repentina, assustada, os dedos tremiam quando finalmente soltaram a alça de couro. Tinha as juntas esbranquiçadas, mas fora isso tudo estava bem e a ilusão não durara mais que um segundo em que Adele nem ao menos a olhou.

~~ o ~~

Thiago acordou atordoado. Não reconheceu a cama onde dormia e muito menos o quarto. Apalpou as cobertas, a cabeça não estava doendo ao contrário do que poderiam dizer e nem se sentia tonto. Tinha certeza que não era ressaca, só não tinha qualquer memória recente.

Olhou e

Olhou em volta mais uma vez. Tinha uma breve lembrança de estar em um bar bebendo com Hugo. Apertou os olhos, talvez tivesse uma dor de cabeça, mas muito leve, pouco mais que um incômodo. Lembrou que o telefone de Hugo tocou por alguns segundos antes dele atender e então ele falou alguma coisa sobre “Pegar o carro emprestado”. Thiago riu sozinho ao lembrar a resposta que dera, passara a noite trocando olhares com uma garota da cidade e tinha a certeza de que conseguiria sair com ela dali.

Agora tudo fazia sentido, estava em um quarto de hotel e tinha ido para lá de carona com a garota misteriosa. Olhou em volta mais uma vez, feliz por se lembrar com clareza daqueles momentos.

Tateou em volta mais uma vez apenas para confirmar que estava sozinho. Não havia qualquer barulho no lugar então resolveu se levantar para olhar em volta.

Tinha uma porta que dava para o corredor, uma janela que dava para a rua movimentada com os raios da manhã. Havia uma última porta para um banheiro pequeno. O quarto também não era exatamente grande contando com uma cama, uma cômoda com uma TV em cima, um guarda-roupa e um espelho de corpo inteiro.

Sobre a cômoda ele percebeu um pequeno pedaço de papel:

“Querido Thiago?

Ao menos era o que estava no documento na sua carteira, desculpe mexer, mas realmente não lembrava seu nome e imagino que nem você se lembre do meu, então ficamos por isso mesmo…”

Ele ponderou por alguns instantes tentando se lembrar do nome da garota que escrevera aquele bilhete, a mesma, ao menos era o que esperava, com quem havia trocado olhares na noite passada. Tentou se lembrar ao menos dos olhos. Eram verdes? Azuis? Talvez castanhos, mas tinha quase certeza que eram claros. Após essa pequena frustração ele voltou a ler a caprichada letra no bilhete.

“Sinto não estar aí, apenas quis evitar uma situação estranha para nós dois.

Aviso que deixei o quarto pago pela metade, para você não arcar com tudo, sabe como é, você não veio sozinho no final das contas.

Espero que tenha alguém para te levar de volta à Mancha, o caminho é um pouco longo para ir a pé e não sei o horário dos ônibus.

Beijos Christie!”

Christiane! Era isso o nome dela. Passou o número anotado na parte de baixo para o celular e salvou como Christie. Depois mandou um Whatsapp.

“Obrigado :).

Espero que ainda possamos ser amigos.”

Depois ligou para Hugo que atendeu mal-humorado com um resmungo de quem acabava de acordar.

— Hey! — Saudou alegremente — Eu to aqui em um hotel na cidade. Sabe casos de uma noite? Então, acho que essa garota entendia alguma coisa e meio que foi embora para não gerar constrangimentos. — Hugo comentou alguma coisa de forma balbuciada — Eu sei, eu sei. Mas será que não podia vir me buscar? Obrigada! — respondeu após mais uma série de insultos resmungados.

Pouco tempo depois ele viu o próprio carro parar em frente ao hotel. Thiago já havia pago sua parte no hotel  e correu para o carro encontrando o rosto carrancudo do negro.

~~ o ~~

Santa Agnes era uma igreja no centro da cidade e era tão antiga que toda a cidade crescera em volta dela, a praça da matriz, que havia a sua frente uma vez, sumiu, dando lugar a um enorme prédio espelhado, do outro lado, um velho chafariz jazia com bitucas de cigarro em um resto de água marrom, aquilo não podia ser saudável. Gabe se aproximou da fonte, pensando em estacionar suas novas pernas um pouco e esperar a missa acabar, não gostava dessas formalidades, nem ao menos era católica.

— Eu tenho que atender — disse a mãe depois que o telefone tocou e se afastou antes que a jovem pudesse responder qualquer coisa.

— Vai lá — disse quando ela já estava longe o suficiente e falando com alguém, aparentemente, muito importante.

Virou-se e levou a mão até o limite da fonte e então teve a intenção de tocar a água. Um jovem, próximo a sua idade passou, jogando mais uma bituca lá dentro e, fumegando, ela chiou e se apagou, mesmo isso não lhe impediu de querer molhar a ponta dos dedos.

— Eu não faria isso — disse uma voz de algum lugar.

Gabe virou a cabeça para todos os lados, mas não encontrou quem poderia ter chamado ela, mesmo assim olhou com mais atenção para a concentração de sujeira e, em meio aos restos de cigarros e papéis de balas e outras porcarias, um grupo esquisito de larvas se mexia repulsivamente.

— Sabe? — disse a voz novamente, dessa vez mais próxima, quase em seu ouvido — Elas não são más, mas quando crescem… — falou torcendo o rosto, era uma mulher bonita, decidiu Gabe quando a viu, não era possível determinar sua idade, mas com certeza era mais nova que Adele, apesar de não poder ser mais nova que Gabe e tão pouco ser encaixada na base de 25 a 30 anos.

— Quem é você? — perguntou a moça um pouco perturbada apesar do calor aconchegante que a mulher parecia emanar.

— Ninguém especial, Gabrielle Richards — respondeu a mulher fazendo pouco caso da informação.

— Como sabe meu nome? — perguntou, mas logo em seguida se lembrou que isso não era difícil, pouco menos de uma semana havia estampado todos os jornais com seu nome em letras garrafais, hoje já era algum outro pobre coitado que havia perdido tudo em uma enchente ou talvez a única sobrevivente de um atentado a uma escola, era difícil acompanhar as desgraças exploradas pela mídia.

— Não, não li nos jornais — respondeu ela como se lesse a mente da mais jovem — A conheço muito antes de pensar em dar seus primeiros passos. — as palavras pareciam carinhosas, como as de alguma tia que não a via há anos, mas soavam indiferentes como se pronunciadas por alguém que tivera muitas sobrinhas esquecidas.

— Da onde? — perguntou enquanto tentava pensar em todas as familiares da mãe, mas ela havia abandonado todos quando se mudou com a filha ainda pequena, ou do pai, sim! O pai tinha alguns poucos familiares espalhados, mas nenhum deles, nunca, se preocupou com ela, porque, de repente, uma apareceria assim.

— Não! — respondeu balançando a cabeça de um lado para o outro — Não foi de sua mãe ou de seu pai, apesar de conhecê-los muito bem também.

— Quem é você? — perguntou se afastando.

— Não acho que seja um bom momento — respondeu ela se afastando para dentro da igreja — Não se preocupe, nós encontraremos outras vezes.

1 As duas datas existem e são comemoradas nas datas 25 de maio e 24 de junho respectivamente.


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Notas finais do capítulo

1 As duas datas existem e são comemoradas nas datas 25 de maio e 24 de junho respectivamente.

Espero que tenham gostado. Até (sem previsão)



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