Como Nascem os Anjos escrita por aishaandris


Capítulo 2
Amor à Primeira Vista


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoinhas! *toma pedala na cabeça*
Voltei, com a maior cara de pau de todas e um novo capítulo, após tanto tempo. Desculpem a demora, mas como sabem, minha escrita depende de duas coisas: tempo e inspiração. E uma delas têm me faltado bastante ultimamente...
De qualquer forma, aqui estou eu. Tomara que gostem deste penúltimo capítulo!
Boa leitura...



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Já passava das nove da manhã quando alguém apareceu no hospital. Ninguém menos do que a própria Atena, acompanhada de Máscara da Morte e Shura. Encontraram o pisciano sentado num banco em frente à ala de pediatria, usando uma camisa emprestada por um dos enfermeiros que haviam buscado a bebê. O rosto estava inexpressivo, mas as olheiras enormes mostravam o quanto a noite havia sido longa.

Longa demais.

— Afrodite... – a melodiosa voz da deusa tirou o pisciano de seus devaneios, fazendo-o fitá-la com uma expressão de surpresa. Como ela sabia que estava ali? Não havia contado a ninguém, nem mesmo aos dois melhores amigos. Os acontecimentos haviam sido tão atordoantes que sequer havia se lembrado de desmarcar o treino com eles. Saori percebeu a interrogação no olhar dele e resolveu esclarecer sua presença ali – O Doutor Megalos sabia que você era um de meus cavaleiros e me telefonou para contar o que aconteceu e perguntar se era assunto do santuário ou se podia entrar em contato com as autoridades, como é o procedimento de praxe nestes casos. Preferi conversar com você antes de decidir... E como não podia vir sozinha e sabia que Shura e Lorenzo são seus amigos mais próximos, chamei-os para vir comigo! – Máscara da Morte torceu o nariz ao ouvir a deusa dizer o nome civil que há tanto havia abandonado.

— Obrigado! – Afrodite não pôde deixar de se sentir agradecido com a consideração de Atena, consideração essa da qual se sentia indigno.

— O que aconteceu? – Shura questionou, sem saber exatamente o porquê de estarem ali. A deusa havia sido vaga a respeito.

— Afrodite...

— Senhorita Kido, que bom vê-la! – Atena foi interrompida pela chegada do médico. Afrodite também ficou de pé ao vê-lo, ansioso para receber notícias sobre o estado da bebê que havia ajudado a trazer ao mundo.

— O prazer é todo meu, Doutor Megalos... Embora fosse maior em outras circunstâncias. Como está a menina? – ela perguntou ao ver a aflição no rosto do cavaleiro de peixes.

— Nós fizemos todos os exames e, por algum milagre, ela está perfeita. É uma garotinha linda e saudável de cinquenta centímetros com dois quilos e oitocentas gramas.

A mudança no semblante de Afrodite foi tão notável que foi impossível passar despercebida aos demais. Os olhos dele brilharam e um belo e aliviado sorriso se abriu em seus lábios.

— Eu posso vê-la? – a ansiedade também era visível na sua expressão.

— É claro, venha comigo!

Máscara da Morte e Shura se entreolharam confusos, o que arrancou um riso de Saori.

— Não é filha de Afrodite como estão pensando, é uma menina que ele ajudou a trazer ao mundo. Agora vamos, também quero conhecê-la!

A deusa virou as costas e seguiu Afrodite e o médico, ignorando a expressão estarrecida no rosto dos dois cavaleiros. Após se refazerem da surpresa, eles também seguiram o trio. Era difícil imaginar o pisciano fazendo um parto.

Atravessaram alguns corredores brancos, cruzando com médicos, enfermeiros e familiares de pacientes até chegarem a um mais iluminado com algumas pessoas de sorrisos radiantes olhando através de um vidro com adesivos de borboletas coloridas. Por mais pessimista que alguém fosse, era impossível não sentir o coração se encher de esperança ao olhar tantas novas vidas reunidas num só local. Afrodite se aproximou do vidro, olhando de um lado para outro e tentando reconhecer qual dos pequeninos era a menininha que havia ajudado a nascer.

— Nicole! – o médico se dirigiu a uma das enfermeiras, que entendendo o que ele queria, foi até um dos pequenos bercinhos e pegou o bebezinho que dormia ali dentro.

— Aqui está a nossa pequena guerreira... – a jovem falou com um sorriso sincero. Até mesmo no hospital, todos estavam surpresos com o fato de ela estar tão bem depois de nascer naquelas condições nada saudáveis.

Atena e os dois dourados observavam tudo a uma curta distância, não deixando de se emocionar com a forma como Afrodite olhava para a menininha. Nem mesmo Máscara da Morte conseguia se manter indiferente à tocante cena.

— Posso pegá-la? – a voz do pisciano estava levemente trêmula ao fazer o pedido.

— Aqui. Cuidado, ela ainda é muito frágil!

Afrodite abriu os braços para receber a pequenina, sentindo o coração quase sair do peito ao tê-la acomodada em seu colo. Sentia algo completamente inédito, um instinto protetor e um calor no coração maior do que qualquer coisa. Era a criaturinha mais linda que ele já havia visto. Uns poucos fiozinhos dourados no topo da cabeça, a pele branca com as bochechas avermelhadas, e os pequenos bracinhos e pernas. Simplesmente perfeita.

Alana. Em poucas horas já havia aprendido a amar este nome.

— Não é linda, Atena? – ele perguntou com um sorriso bobo, observando a deusa se aproximar.

— Muito, uma verdadeira princesinha!

Saori passava a mão delicadamente pelos cabelos dourados da bebê quando seu celular começou a tocar. Então, com uma expressão envergonhada, pediu licença a todos e se afastou para conversar em particular com quem lhe telefonava.

— Então... Você realmente fez o parto dela? – Máscara da Morte perguntou ao amigo, finalmente se aproximando dele – E onde está a mãe?

O sorriso de Afrodite morreu no mesmo instante, o que os dois cavaleiros dourados notaram de pronto.

— Está morta... – com um suspiro entristecido, o pisciano começou a resumir tudo o que havia acontecido durante a madrugada, deixando os companheiros sem saber o que dizer. Era visível seu abatimento.

Em meio ao silêncio constrangedor, Atena voltou à sala com uma expressão satisfeita no rosto. E Afrodite precisou devolver a criança aos cuidados da enfermeira.

— Eu descobri quem era a mãe da menina! – Saori soltou de rompante, esperando que isso, ao menos, deixasse o cavaleiro um pouco mais aliviado.

— Como?

— O Doutor Megalos me mandou uma foto dela quando me telefonou e disse o que tinha acontecido. Então entrei em contato com a fundação e pedi que investigassem para mim. Foram eles que acabaram de me ligar...

— E então? – Afrodite perguntou com impaciência.

— O nome dela era Juliana Delis, tinha dezenove anos e era caloura na Universidade de Atenas. Descobriram o endereço dela também, vou pedir que alguém vá até lá dar a notícia a algum membro da família...

— Não, eu vou! – Afrodite se pronunciou de repente. Lembrou-se do medo que a jovem havia demonstrado nos últimos instantes de vida e da promessa que havia feito a ela, sentindo-se no dever de descobrir o que havia motivado sua fuga. Depois puniria o responsável – ou os responsáveis – por sua morte...

— Tem certeza? – o pisciano assentiu – Não acho que deva ir sozinho...

— Eu vou com ele! – Máscara da Morte se manifestou.

— Só vamos deixá-la em segurança no santuário antes! – Shura completou, indicando que também acompanharia os amigos.

— Está bem, é melhor assim... – a deusa parecia mais aliviada de saber que Afrodite não estaria sozinho naquela difícil tarefa.

***

O trio de cavaleiros de ouro caminhava por entre as ruas do vilarejo antigo, formado por casas de pedra que pareciam ter algumas centenas – talvez milhares – de anos. Tudo muito rústico, mas ainda assim belo e bem cuidado. A maioria das moradias tinha pequenos jardins com flores típicas da região, que perfumavam o ar com doces e deliciosas fragrâncias. Haviam partido para lá assim que deixaram Atena em segurança na entrada de áries.

Não precisaram andar muito para encontrar o local onde a deusa dissera que a jovem mãe havia morado. Uma pequena casa com uma cerca de madeira branca coberta por buganvílias lilases e um portão baixo, também de madeira, fechado apenas por uma trava manual, que abriram sem dificuldade antes de adentrar o jardim e baterem à porta. Não sabiam se a garota morava sozinha, por isso insistiram durante alguns minutos para ver se alguém os atenderia, o que acabou não acontecendo.

— Droga! – Máscara da Morte resmungou com impaciência antes de ter uma ideia – Será que a porta dela fica destrancada também? Segurança não parece ser uma prioridade por aqui...

Antes que Afrodite ou Shura pudessem impedi-lo, ele segurou a maçaneta e a girou, fazendo a porta se abrir de imediato, como havia imaginado.

— Não devia ter feito isso. É invasão, podemos até ser presos! – Shura repreendeu o companheiro dourado.

— Ela nem está viva para se importar com isso... – o canceriano respondeu com naturalidade, como se aquilo não tivesse importância – Ai! O que foi? – reclamou ao receber um pedala do espanhol.

— Tome cuidado com as coisas que diz! – Shura apontou com a cabeça para Afrodite, que havia voltado a fechar o semblante, visivelmente entristecido.

— Foi mal! – Máscara da Morte pediu, envergonhado pelo deslize cometido.

— Ele está certo, vamos de uma vez! – Afrodite cortou o assunto e terminou de escancarar a porta, adentrando a residência antes que qualquer um deles pudesse dizer mais alguma coisa. E, com um dar de ombros, os demais o seguiram para dentro.

— Mas o que... – Shura foi o único a se manifestar, mas todos olharam atônitos para a total desorganização da sala – o primeiro cômodo da casa – bem diferente da paz e beleza que se mostravam do lado de fora. Gavetas escancaradas, móveis fora do lugar, papéis jogados pelo chão, uma verdadeira zona. Era quase como se um furacão tivesse passado por ali.

Afrodite cerrou os punhos com força. As coisas começavam a fazer sentido em sua mente, o que o encheu de uma fúria primitiva que não estava acostumado a sentir. Estava claro que alguém não bem vindo havia estado ali. Alguém que ameaçara a vida da bela mulher que tinha morrido em seus braços e, muito provavelmente, da bebê que àquela altura ainda estava em seu ventre. A pessoa que a obrigara a fugir e – voluntariamente ou não – havia causado a sua morte. O pisciano jamais a perdoaria!

Sem dizer uma palavra, ele caminhou para o cômodo seguinte, a cozinha, que estava no mesmo estado de desorganização da sala e das demais repartições que visitou na sequência. Mas quem quer que tivesse feito aquilo, havia desaparecido sem deixar rastros.

— Filho da puta! – Máscara da Morte e Shura abriram a boca de susto ao ouvirem o pisciano. Afrodite jamais falava palavrão. Era algo “mal educado” e “deselegante”, que não combinava em nada com sua figura. Era o que costumava dizer, pelo menos – Vamos interrogar os moradores, alguém tem que ter visto ou ouvido quem fez isso. E eu vou descobrir quem é o desgraçado! – ele completou com a mesma raiva.

— Ei, cara, se acalme... Não somos da polícia, não podemos sair por aí intimidando civis! – Máscara da Morte nunca esperou estar naquele papel, o de ser o lado racional da coisa. Afrodite olhou pra ele com uma cara de “Isso é sério?”.

— Isso, respire e se acalme. Vamos falar com os vizinhos, mas sem ameaçar nem intimidar ninguém! – Shura concordou com Máscara da Morte, colocando a mão no ombro do pisciano.

— Ju, como você está? Me deixou preocupada, liguei a manhã inteira e nada de você at... – o trio foi surpreendido pela imperiosa voz feminina, que anunciou a entrada intempestiva e sem cerimônia da sua dona na sala. A jovem interrompeu a fala assim que os viu ali dentro – Quem são vocês? Cadê a Ju? – os olhos dela passaram de um para outro, varrendo a sala na sequência. Foi quando a surpresa se transformou em medo. E raiva. Esta última impediu que ela recuasse um passo sequer – O que fizeram com ela?

— Quem é você? O que está fazendo aqui? – Afrodite ameaçadoramente deu um passo na direção da jovem, sendo barrado pelo braço do capricorniano, que percebeu que suas intenções não eram nada amigáveis. O amigo definitivamente não estava conseguindo pensar com clareza...

— Meu nome é Shura. Estes são Afrodite e Más... Lorenzo! – corrigiu-se a tempo – Somos da polícia... – foi a primeira coisa que ele conseguiu pensar – E você, o que é da jovem que morava aqui?

A mulher pequena de cabelos castanhos de comprimento mediano, orbes cor de tempestade e pele branca e acetinada cruzou os braços defensivamente.

— Não parecem policiais... – comentou desconfiada, passando os olhos novamente pelos homens vestidos de forma casual.

— Estamos à paisana. Foque em responder o que perguntei! – Shura retorquiu sem alterar suas feições ou se deixar abalar pelas desconfianças da jovem. Se fosse confiante consigo mesmo, os outros também confiariam nele – ou ao menos era o que acreditava. Máscara da Morte cruzou os braços para apoiar a farsa, tentando passar a imagem do tira durão, ao passo que Afrodite continuou a fitá-la com desconfiança.

— Sou Cora, uma amiga da Ju... liana... – estava desacostumada a dizer o nome inteiro – Por que estão aqui? O que aconteceu na casa? – foi quando se lembrou de ele ter dito “morava aqui”. Não “mora”, mas “morava”. No passado. Ela sentiu uma vertigem e uma súbita falta de ar com o péssimo pressentimento que se abateu sobre si. Só não caiu pra trás porque Shura se apressou em ampará-la com os braços fortes – Cadê ela? – a pergunta saiu num chiado quase inaudível.

— Shhh, respire... – ele ignorou a pergunta dela e a elevou nos braços, carregando para o sofá – Mask, busque um pouco de água. Ela não está se sentindo bem... – o canceriano se apressou em atender o pedido do amigo, voltando poucos segundos depois e entregando o copo à jovem, que sorveu todo o conteúdo antes de voltar a fuzilar a todos com os olhos.

— CADÊ ELA? ME DIGAM AGORA! – o tom saiu elevado pela preocupação e pelo medo. Os olhos repentinamente marejados, como se tivesse adivinhado o que havia acontecido.

— Eu sinto muito... – aquilo escapou da boca de Shura antes que ele conseguisse se refrear, percebendo tardiamente que havia falado demais.

— Sente? – a voz dela voltou a se encolher num murmúrio enquanto a compreensão lentamente se estampava nos olhos acinzentados – C-como? E a bebê? – o tom ia sumindo cada vez mais, as lágrimas rolando livremente pela alva e bela face.

— A menina está bem... – Shura resolveu dar a boa notícia primeiro, antes de começar a narrar da forma mais delicada e concisa possível a história que o pisciano havia lhe contado. Soluços saíam espaçadamente da boca da jovem conforme ouvia o que ele dizia.

A expressão de Afrodite se abrandou enquanto observava Cora. Estava na cara o quanto gostava de Juliana e que provavelmente era o que havia dito, e não a responsável pela bagunça na casa ou por sua fuga. Mas, apesar de entender a dor que a jovem sentia, não poderia desperdiçar a chance de descobrir todo o possível sobre quem a bela mulher que morava ali havia sido e, talvez, obter alguma pista sobre os acontecimentos que culminaram com a trágica morte dela.

— Cora... Me permite te chamar pelo primeiro nome? – a voz dele estava suave e harmoniosa, próxima do modo como realmente costumava falar no dia a dia. A jovem desviou o olhar de Shura para ele, fitando-o longamente antes de assentir – Pode nos falar um pouco sobre a... Juliana? – Afrodite sentiu um aperto no peito ao dizer o nome da mulher que tão brevemente havia conhecido – Sabe quem é o pai de Alana? – os olhos de Cora se arregalaram à menção daquele nome. Shura e Máscara da Morte também o fitaram, interrogativamente – Antes de partir, ela me disse que desejava que a filha se chamasse assim! – respondeu à pergunta muda que todos faziam.

A jovem assentiu tristemente e suspirou, mais lágrimas rolando por seu rosto.

— Ela sempre adorou este nome... – Cora comentou baixinho, pegando um lenço que Shura estendeu em sua direção, como o belo cavalheiro que era. Passou o próximo minuto em silêncio, mas ninguém ousou pressioná-la a dizer alguma coisa, e somente por iniciativa própria ela voltou a fazê-lo – Juliana era a melhor pessoa. Engraçada, generosa e alegre, a melhor amiga que eu tinha no mundo. E estava tão animada com a gravidez... – ela deu mais algumas fungadas antes de continuar, conseguindo falar com relativa firmeza apesar da difícil situação – Pelo menos no começo. Depois, começou a murchar...

— Murchar? – a pergunta saiu antes que Afrodite conseguisse se conter.

— Do nada ela começou a ficar pra baixo. Parecia sempre preocupada, triste... Mas nunca quis me dizer o porquê! – durante um breve segundo, uma expressão de reprovação passou pelo rosto de Cora, mas logo a tristeza voltou a seu semblante – Penso que o Athans tinha algo a ver com isso...

— Athans? É esse o nome do pai de Alana? – mais uma pergunta que simplesmente escapou dos lábios do pisciano.

— Sim, Alexandre Athans é o pai dela! – Afrodite tentou se lembrar de onde aquele nome lhe era familiar.

— Espera, aquele Alexandre Athans? O gênio, bilionário, playboy, filantropo... – Máscara da Morte se manifestou, completamente surpreso, antes de ser interrompido pela jovem, que não estava com paciência para ouvir todos os adjetivos que usavam para se referir àquele homem.

— Esse mesmo... Sei que ele é casado e velho demais para a Ju... – mais uma vez a repreensão voltou à face de Cora, mesmo que ela estivesse se esforçando genuinamente para defender a amiga. Só que era sincera demais, mesmo quando não queria – Mas é um homem muito atraente e sedutor, do tipo que sabe como envolver uma mulher. Ela nunca teve chance contra isso... Era uma romântica incurável, sabe? E caiu facilmente na lábia daquele cafajeste! – até a voz dela ficou mais grave ao falar aquilo – Eu pensei várias vezes em ir tirar satisfações com ele. Jamais deixaria que alguém a machucasse! – Cora falava com convicção, mas logo soltou um suspiro desanimado – Só que a Ju não queria e me fez jurar que não me meteria nisso. Se eu soubesse... – sua fala morreu em meio a soluços e lágrimas, fazendo Shura abraçá-la instintivamente.

— Entendi. Obrigado por nos contar! – Afrodite tentou sorrir em agradecimento, mas isso não chegou aos olhos, que subitamente ficaram gelados. Não sabia o motivo, mas um repentino pressentimento se abateu sobre si. E não era algo que costumasse ignorar...

Ele ficou de pé, pronto a se despedir da jovem, mas ela percebeu sua intenção e o interrompeu.

— Onde ela está? E Alana? – apesar de ser muito jovem, Cora possuía uma firmeza e uma autoridade naturais que eram difíceis de ignorar.

— Estão no Hospital Graad. Nós podemos te deixar lá antes de... Irmos cuidar de outras coisas! – Afrodite se apressou em responder. Realmente devia isso a ela.

— Obrigada. Vamos? – Cora falou, já se colocando de pé e enxugando o rosto com o lenço.

— Vamos!

***

O trio acompanhou Cora até o hospital e ficou com ela durante o difícil momento de reconhecimento do corpo. Apesar de já ter demonstrado o quanto era forte, a jovem não conseguiu se conter naquele momento e precisou do amparo deles. Depois a levaram para conhecer a bebê, deixando-a lá antes de partirem para o local onde Alexandre Athans morava com a esposa. Uma suntuosa vila à beira-mar em Rafina, a cinquenta minutos do centro histórico de Atenas.

Athans era um homem poderoso, dono de metade das Cíclades[1], possuindo os mais luxuosos hotéis e resorts do Mar Egeu, entre outros empreendimentos altamente lucrativos. Todavia, sua fama se devia principalmente às diversas instituições de caridade a quem dedicava seu tempo e boa parte do seu dinheiro. Belo, rico e generoso, uma combinação impossível de ignorar. Afrodite conseguia entender por que Juliana havia se encantado por ele.

O enorme portão de ferro da residência foi aberto assim que a identidade deles foi confirmada por seguranças na guarita de entrada. Athans era um homem praticamente inacessível, exceto aos fabulosamente ricos como ele. Para conseguir sua atenção, haviam precisado se disfarçar como representantes de Saori Kido interessados em firmar uma parceria de negócios. Como não podia deixar de ser, seus olhos brilharam com a perspectiva de ganhar ainda mais dinheiro. É, ninguém está realmente satisfeito com o que tem...

Os dourados atravessaram o enorme jardim cheio de palmeiras e fontes, chegando à porta que levava ao suntuoso hall de entrada e à sala igualmente impressionante. Foram recebidos por uma mulher sorridente, que acabaram descobrindo se tratar da Senhora Athans. Ela aparentava ter cerca de quarenta anos, embora se conservasse atraente no vestido verde-água de comprimento mediano. O próprio Alexandre apareceu poucos minutos depois, cumprimentando-os com um aperto de mão firme.

— É um prazer tê-los aqui. Faz muito tempo que tento entrar em contato com Saori Kido, fico feliz que finalmente tenha me atendido! – era exatamente como o trio esperava. Confiante, elegante e bem articulado.

— O prazer é todo nosso! – Shura quem respondeu, Afrodite não estava em condições de dissimular bem o bastante, como a situação exigia – Creio que nosso encontro será proveitoso para ambas as partes.

— Com certeza. Venham comigo, ficaremos melhor acomodados em meu escritório! Desejam beber alguma coisa?

— Whisky... – Afrodite fuzilou Máscara da Morte com os olhos. Nem o caro smoking inglês conseguia disfarçar a falta de elegância que o melhor amigo possuía – Se não se importar, é claro! – completou, engolindo em seco.

— É claro. E vocês? – Shura e Afrodite negaram com um balançar de cabeça antes de seguirem o empresário pelo corredor que guiava ao espaçoso escritório. Lá, ele falou com uma secretária que rapidamente chegou com uma garrafa e dois copos, que encheu antes de se retirar e deixá-los a sós.

Máscara da Morte se apressou em pegar o copo que lhe fora oferecido e virar todo o conteúdo num só gole, causando um novo desgosto a Afrodite.

— Esse é dos bons! – o canceriano exclamou maravilhado, aquele era de longe o melhor que já havia provado – Que whisky é esse? – Afrodite levou a mão ao rosto, segurando a vontade de bater no cavaleiro.

— Bowmore 18 anos, um dos melhores da minha adega! – Athans respondeu com naturalidade, abrindo um sorriso reluzente, como o que os políticos dão para fisgar seus eleitores. Depois inspirou o aroma do copo de whisky e o girou suavemente antes de dar um pequeno gole – Agora vamos aos negócios...

Afrodite abriu um de seus esfuziantes sorrisos, fazendo Shura e Máscara da Morte entenderem que sutileza seria a última coisa a ser usada ali.

— Na verdade, viemos aqui por outro motivo. A parceria de negócios foi apenas o pretexto que usamos para conseguir sua atenção.

Os olhos de Alexandre Athans se arregalaram de surpresa, mas por um segundo apenas. Logo sua expressão se fechou, a cordialidade desaparecendo por completo.

— O que querem comigo? – a mão do empresário se fechou com mais força ao redor do copo, o que não passou despercebido aos dourados. E Afrodite decidiu jogar a bomba no colo dele de uma vez, assim poderia estudar sua reação àquilo tudo.

— Nós viemos por causa de Juliana Delis e da sua filha! – todo o corpo de Athans se enrijeceu e seu olhar instintivamente se voltou para a porta, como se temesse que sua mulher pudesse ouvir o que o pisciano dissera.

— O que querem? – ele perguntou com a voz cortante.

— Juliana morreu! – o pisciano soltou simplesmente, controlando-se para não demonstrar o quanto lhe doía dizer aquilo.

O olhar de Alexandre se turvou com pesar. Definitivamente não esperava por aquilo, porém não demorou a se recompor.

— O que aconteceu? E a menina, como está?

— Juliana morreu de complicações no parto, mas a menina está bem! – Afrodite decidiu não dar mais detalhes do que isso.

— Ela era tão saudável e jovem, como isso pode ter acontecido? – Athans soltou, tentando descobrir mais.

— Ela deu à luz longe do hospital, isso complicou as coisas...

— Entendo. E onde minha filha está? – ele perguntou com o semblante entristecido.

— No Hospital Graad, está recebendo os melhores cuidados possíveis.

— Obrigado por virem até aqui me dizer isso, fico muito agradecido! E ficaria ainda mais se evitassem comentar sobre isso fora daqui, sou um homem casado, como puderam perceber... – a expressão dele estava mais suave, embora a tristeza continuasse a se mostrar notável.

— Eu devia isso a ela. A elas, na verdade! – Afrodite comentou, referindo-se a mãe e filha. Depois ficou de pé com os demais dourados – Obrigado por nos receber e nos desculpe por nossa pequena mentira.

— Não precisam se preocupar! – o empresário também ficou de pé e apertou a mão dos cavaleiros novamente – Eu os acompanho até a porta.

Os dourados então se despediram da Senhora Athans e saíram da casa na mesma limusine em que haviam chegado. Assim que eles passaram pelo portão, os lábios do empresário se curvaram num sorriso misterioso.

— Alec, venha comigo! – Athans falou a um homem alto de terno, que entrou na sala assim que os cavaleiros saíram. Sem dizer mais nada, ele o seguiu até o escritório onde se reunira com os dourados – Fez o que eu pedi? – o homem apenas assentiu, sem alterar suas feições – Ótimo! Mande homens atrás daqueles desgraçados e da vadia que contou a eles sobre mim. Agora vamos atrás da minha querida filhinha. Não posso deixar que ela fique separada da mãe...

 

[1] As Cíclades são um grupo de ilhas no norte do mar Egeu. O seu nome indica as ilhas que formam um círculo à volta da ilha sagrada de Delfos.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Espero que tenham gostado!
Acho que a maioria percebeu a referência na fala do Mask sobre o Alexandre, não podia deixar passar essa XDDDDDDD
Mas e agora, o que será que vai acontecer com a Cora e a pequena Alana? Afinal, nossos dourados são os únicos com quem não precisamos nos preocupar...
Descobriremos tudo no último capítulo desta história que estou amando escrever, ainda que o faça devagar.
Beijinhos :***********



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