When I Dreamed escrita por Shiroyuki


Capítulo 14
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Victor era absurdamente lindo. Yuuri queria socá-lo no rosto, por ser tão perfeito que era quase irreal. Ok, talvez não no rosto. Talvez não um soco. Um beijo quem sabe. Yuuri balançou a cabeça para afastar esse pensamento. Yuuri mau. O movimento foi uma péssima ideia, e sua cabeça girou um pouco além do necessário.  Ele precisou focar o olhar em algo para manter-se parado, e esse algo acabou sendo Victor, o que o trouxe novamente para o primeiro pensamento: Victor era absurdamente lindo.

 A cabeça de Yuuri estava leve. Ele ainda tinha a consciência intacta – provavelmente a maior parte dela, pelo menos – e estava com total controle das suas funções motoras, até o momento. Phichit havia acabado de fazer uma piada, e nem era tão engraçada assim, mas ele riu com vontade. Victor estava rindo junto, e wow a risada dele era maravilhosa.

Oh, Victor havia dito que ele era maravilhoso, não é mesmo? Ele, o monótono e comum Yuuri Katsuki, que nunca se arriscava, que demorou para largar o curso que odiava fazer por puro medo, que ainda chorava quando sonhava com seu cachorrinho da infância, ele havia dito que este Yuuri era maravilhoso. E Yuuri estava começando a acreditar nele, por algum motivo alheio à sua vontade, que ele desconfiava que tinha algo a ver com as garrafas vazias espalhadas na sua mesa de centro, ao redor de várias caixas de comida chinesa abertas e completamente consumidas. 

Tentou clarear os pensamentos para entender como ele havia parado ali, sentado no chão da sala com Phichit e com aquele homem que parecia ter sido tirado diretamente do calendário comemorativo com fotos de modelo que ele tinha escondido no fundo da sua gaveta durante a adolescência, porque não era possível uma pessoa como ele existir sem uso de Photoshop.

Eles haviam pedido comida, como o sugerido. Yuuri cometeu o erro primário de deixar que Phichit fizesse a ligação, então é claro que com a comida, vieram várias garrafas de bebida junto. Yuuri detestava desperdiçar, e Victor havia sido gentil o bastante para abrir uma garrafa e servir para ele. A comida estava boa, e dois copos depois, Yuuri já estava sentindo-se à vontade o suficiente para conversar sem que o muro de insegurança se erguesse ao seu redor e estragasse tudo. 

Ele só precisava manter a quantidade de álcool ingerido no limite certo para não avançar até o descontrole total, e tudo ficaria bem. Phichit era um gênio. Yuuri jamais poderia odiá-lo. Na verdade, ele até queria abraçá-lo, mas ele estava sentado na outra ponta da pequena mesa, e isso já parecia longe demais.

— Yuuri… você está bem? – Phichit cantarolou, a voz rouca e arrastada indicando que, diferente de Yuuri, ele não estava prestando qualquer atenção aos seus limites. 

Yuuri olhou para si mesmo, avaliando a resposta para aquela pergunta. Ele ainda estava vestindo suas roupas, então, a resposta seria “sim”, certo?

— Sabe, Victooor~ – Phichit continuou, sem esperar qualquer resposta, rindo sozinho enquanto se preparava para o que estava prestes a dizer. – Yuuri está quietinho demais agora, mas você deveria esperar por mais… por mais uma garrafa, é. Porque ele tem uma resistência bem alta, quem diria, certo? Mas se você esperar, ah, você mal perde por esperar…

— Do que você está falando? – Apesar de ter bebido tanto quanto os outros dois, talvez até mais, Victor continuava pleno. Nenhuma surpresa, segundo o próprio, ele era um legítimo russo, e nada mais fraco do que vodka pura seria capaz de afetá-lo diretamente.

— Sshhh, lembra o que eu disse? – Yuuri se arrastou para o seu lado, puxando-o pelo ombro. – Não confie em nada do que esse safado diz. Ele é jornalista.

— Eu ainda não sou jornalista. E eu só reporto fa-tos, ouviu bem? Coragem, me chamar de safado, senhor Katsuki, quando eu tenho provas em vídeo de quem de nós dois consegue rebolar mais safada...mente? Existe essa palavra? Safadamente… safa...da… isso é uma palavra ainda? — ele começou a falar para si mesmo, perdendo completamente a linha de raciocínio.

— Ninguém nunca vai me deixar esquecer aquela festa, né? Victor, diz pra ele parar, Victor! – Yuuri chacoalhou o braço do outro, enfurecido. Ou pelo menos era o que ele achava que estava fazendo, embora não tivesse forças para qualquer movimento mais brusco. Sua língua se enrolava para pronunciar o nome de Victor, soando mais como bictoru, o que Yuuri desconfiava que havia agradado o outro, embora ele não estivesse em condições de analisar ninguém no momento.

— Que festa foi essa? – Victor estava ávido por mais detalhes, mas quando voltou a olhar para Phichit, ele já estava com o rosto afundado na mesa, respirando pesadamente. Ainda assim, Yuuri conseguiu ouvir um abafado “eu te mando no privado” antes que ele caísse completamente na abençoada inconsciência alcoólica.

Yuuri riu baixinho, como uma criança que conspira, e agradeceu Victor por “fazê-lo parar”, embora ele não tivesse feito absolutamente nada.

— Você vai ter que ir embora, Victor? – Ele indagou de repente, chegando mais perto, no que ele pretendia que fosse uma sutil aproximação. Quando Victor virou para sua direção, pareceu levemente aturdido (talvez chocado) com a sua aparência. Yuuri não tinha ideia de como estava na visão do outro, mas considerando sua facilidade em corar e o quanto ele se sentia bagunçado, não devia ser nada atrativo.

— Acredito que sim? – o tom de Victor era de dúvida, a questão provavelmente o pegara de surpresa – Amanhã bem cedo. Inclusive… sinto muito, por isso. Digo, provavelmente acabarei tendo que acordá-lo de madrugada para sair…

— Não se preocupe com isso, Victor! – Yuuri sorriu languidamente, batendo a mão no braço de Victor em um gesto amigável. – Você pode sair, trancar, e colocar a chave por baixo da porta. O Phichit faz isso o teeeempo todo…

A voz de Yuuri foi se estendendo até sumir, e ele escorou a cabeça no ombro de Victor, sem qualquer cerimônia. Ele não se incomodou nem um pouco, pelo contrário. Ajeitou-se para melhor acomodar o outro, enquanto o observava com semblante entretido.

— Sabe, eu me diverti bastante hoje, aqui. – Victor comentou, em tom de confissão, mais sério do que o esperado. Diferente de Yuuri, que se tornava imprevisível quando bebia, talvez ele fosse do tipo que ficava melancólico depois de alguns copos. – Fazia bastante tempo desde que eu pude... Ficar algum tempo sem pensar em nada assim. Foi bom.

— Às ordens, sempre que você se perder. – Yuuri fez uma desajeitada mesura, tentando piscar um dos olhos, e piscando ambos no processo. – Eu também, não passava um tempo agradável assim com alguém desde… bem... Não lembro. – um suspiro. Obrigado por perder seu voo. E por perder Makkachin… não, espera, isso é meio cruel de se dizer. Desculpe. – Ele estendeu as desculpas para o cachorro, que ressonava tranquilamente próximo deles, alheio à todo o barulho. – Mas foi muito bom poder ver você de verdade.

Vitor não entenderia o que Yuuri queria dizer com isso, mas ele precisava colocar isso para fora naquele momento. Victor era literalmente um sonho se tornando realidade, quando que ele poderia prever que coisas como essa aconteceriam em sua vida.

— Eu gostei de conversar com você hoje, Yuuri. Você é… – A breve pausa fez o coração de Yuuri martelar audivelmente contra o peito. – Como o personagem de um livro que eu já li, mas havia esquecido… eu sinto que posso conversar sobre qualquer coisa com você. – Yuuri gostava (provavelmente mais do que deveria), da forma que Victor usava as palavras. Não era igual a ninguém com quem ele já tivesse conversado antes. Era quase como se ele tivesse um roteiro pronto, e soubesse exatamente o que falar. Como um diálogo saído de um livro. – E não é porque você está bêbado.

— Eu não estou bêbado. – Yuuri afirmou com segurança, franzindo as sobrancelhas.

— Claro que não está. – Victor sorriu novamente e…  oh, como Yuuri poderia resistir? 

Sua mão se moveu por vontade própria, movendo de leve a franja que cobria um dos olhos inacreditavelmente azuis de Victor, passando de leve o polegar na lateral do rosto dele. Quando seus olhos se encontraram, Yuuri paralisou. Que merda ele estava fazendo, colocando as mãos em Victor daquela forma, sem qualquer cerimônia? Onde estava seu autocontrole, Yuuri Katsuki?

Ele não teve tempo de registrar a reação de Victor quanto ao toque, mas retirou a mão do seu rosto no mesmo segundo. Aquilo era tão estranho. Ele tinha que parar de agir como se já conhecesse Victor, quando isso claramente não era a realidade.

—  Você pinta o cabelo, Victor? Ou descolore… – ele indagou com voz fraca, a única coisa que pode pensar naquele momento para remediar sua atitude nada característica nem justificável.

— Se-gre-do. – Victor sorriu de uma maneira que fez o interior de Yuuri se revirar inteiro, enquanto repousava o dedo indicador sobre os lábios.

— Ahn… – foi a coordenada resposta que a mente de Yuuri forneceu para ele no momento. – Eu acho que você não é real… – ele sussurrou para si mesmo, mas é claro que Victor ouviu, considerando o quanto eles estavam próximos um do outro. Ele riu, de novo aquela risada que Yuuri queria poder gravar para colocar como despertador, e acordar feliz todos os dias. Ah… essa ideia parecia tão agradável… acordar de manhã com a risada de Victor em seu ouvido, enquanto ele o abraçaria preguiçosamente, impedindo que ele saísse da cama…

Victor o encarava, com um sorriso divertido nos lábios, e parecia estar esperando por algo. Uma resposta. Ele havia dito algo? Yuuri não conseguiu registrar. A pele de Victor era tão pálida, olhando agora de perto. E era tão macia quanto parecia, ele sentiu quando tocou anteriormente. Os olhos dele estavam brilhando em sua direção. Yuuri o encarava como um idiota, e ele continuava a sorrir, esperando as engrenagens do cérebro dele voltarem a funcionar com uma paciência louvável. Algo em Yuuri parecia diverti-lo, pelo menos. Não era justo que apenas Yuuri estivesse se sentindo impelido a algo, sem saber como agir, como um idiota.

— Você está tentando me seduzir. – ele pretendia perguntar, mas acabou soando como uma acusação. Victor riu mais alto, inclinando a cabeça para o lado, graciosamente. Ele não precisava nem tentar, sinceramente!

— Não estou. – Os dedos de Victor acariciavam de leve seu copo vazio sobre a mesa. Ele parecia nem notar o que cada um dos movimentos dele faziam com a cabeça de Yuuri. Cada mínima ação, cada respiração. – Mas se eu estivesse… – Os olhos azuis se ergueram. Yuuri sentia que seu coração poderia parar de funcionar a qualquer segundo, incapaz de suportar tudo aquilo depois de anos de inatividade completa. – Funcionou?

Yuuri deu um risinho lisonjeado, e sabia que aquela sensação de estar queimando em brasas não tinha nada a ver com o clima ou com a temperatura do apartamento. Ele não tinha mais espaço na sua caótica existência para se sentir embaraçado. O álcool certamente era o único responsável pela sua falta de pudor, como sempre, mas ele só se arrependeria disso pela manhã, então, era um problema para o Yuuri-do-futuro-próximo se preocupar. Ele não precisava pensar em mais nada no momento.

— Você pode tentar mais, se quiser. – Yuuri sentiu seus lábios se esquivando em um sorriso esperto. Ele se sentiu a dama mais bela da cidade, com o viajante misterioso completamente aos seus pés sem qualquer esforço. Esgueirou-se como um gato ligeiramente tonto, na direção de Victor, e sua mão acabou apoiada na perna dele. Ele não pareceu se importar com a invasão de seu espaço pessoal, e isso encorajou o Yuuri-de-agora a prosseguir.

Seguindo um instinto primordial que ele jamais reconhecera em si mesmo, Yuuri fechou os olhos e ergueu o rosto na direção onde os lábios pálidos e convidativos o esperavam. Sentiu algo pressionar contra seus lábios e ofegou. Não foi como ele imaginou que aconteceria.

Abriu seus olhos, dando de cara com Victor, e a boca dele se abria em um sorriso calmo, e não estava colada com a dele, o que era claramente um ultraje. Yuuri sentiu quando um biquinho de frustração se formou. Victor parecia achar isso muito engraçado, pois continuava implacável, mesmo enquanto passava o polegar lentamente sobre o seu lábio inferior, fitando-o com claro interesse.

Seus olhos se ergueram, encarando os de Yuuri. Isso só poderia ser alguma forma de tortura.

— É uma pena que você esteja bêbado assim. É contra minha política pessoal fazer qualquer coisa com alguém sem condições de consentir totalmente. – Ele baixou os olhos para os lábios de Yuuri novamente, antes de se afastar apenas o suficiente, com um longo suspiro. Yuuri esperava que ele estivesse passando por maus bocados para se controlar agora, e seria bem feito. Yuuri não tirou a mão da perna de Victor de propósito.

— Podemos deixar para a próxima. Eu prometo que não vou beber. – Yuuri tinha a leve consciência de que isso era mentira, porque ele jamais faria nem metade do que estava fazendo enquanto sóbrio. Só então ele percebeu um detalhe importante, e seu corpo inteiro pareceu desinflar como um balão em fim de festa. Ele recuou, abraçando as próprias pernas. – Não vai ter uma próxima, na verdade… 

Foi a vez de Victor se aproximar, erguendo seu rosto pelo queixo, como se ele fosse algo frágil e precioso, causando um leve tremor que subia pela sua coluna. Ele ajeitou os óculos que começavam a escorregar pelo nariz de Yuuri, fazendo com que ele não tivesse alternativa a não ser olhar para ele.

— Você acredita em destino, Yuuri? – A frase pegou Yuuri de surpresa. Parecia clichê, certamente algo que ele deveria dizer para todos. Algo que um sedutor barato falaria para alguém vulnerável em um momento de fraqueza. Ainda assim, Yuuri sentiu-se derreter na hora. Ele sempre fora suscetível à clichês.

— Você está falando de algo como… os livros da minha estante? – Existia uma razão pela qual aquele tipo de livro era chamado de ficção, e Yuuri tinha consciência de que fantasias não eram criadas para tornarem-se reais, mas como ele poderia manter-se cético, quando algo saído da sua imaginação estava tocando nele, respirando o mesmo ar, rindo das mesmas piadas, naquele exato segundo.

— Não exatamente. – Victor desceu a mão, roçando muito de leve na pele de Yuuri. – Eu estou falando de… situações ruins que levam você para caminhos bons. Como se tivessem sido escritas exatamente assim. Eu jamais iria querer perder Makkachin novamente, e isso foi desesperador… – Yuuri aguardou com o coração acelerado pelo “mas” que ele sentia estar implícito ali. – … ainda assim, foi bom ter conhecido você por causa disso. Eu gostaria de ter mais tempo e de descobrir mais sobre você… algo me diz que seria verdadeiramente inspirador. – Victor soltou o ar. Ele não parecia em nada com o homem alegre e expansivo com quem Yuuri passou o dia. Algo que ele não conseguia enxergar na superfície estava movendo-se dentro de Victor. Talvez fosse pela bebida antes, ou ele apenas se sentia confortável o suficiente para abrir-se daquela forma. Yuuri não sabia identificar o que exatamente isso seria, mas de alguma forma, sabia que já havia se sentido assim antes. Ele apenas entendia perfeitamente.

— Você conseguiu me intrigar, Yuuri, de uma forma que eu ansiei por muito tempo. Não consigo pensar em palavras, e… isso não costuma acontecer comigo. – Victor riu para si mesmo. Parecia constrangido, Yuuri achava isso encantador, e desejou ter o mínimo de eloquência para poder dizer algo igualmente significativo agora. 

— Você fala coisas tão bonitas, Victor… – Yuuri suspirou, imediatamente constrangido por não ter qualquer filtro em ação, mas sem ter o bom senso de parar por ali. Ele realmente não tinha conseguido pensar em nada melhor para dizer. – E eu acho que você poderia escrever essas coisas em livros, faria sucesso.

Foi algo ridículo para se dizer na ocasião, mas fez Victor rir mesmo assim. Yuuri se sentiu mais leve por vê-lo reagir positivamente.

— Vou definitivamente levar essa sugestão em conta.

— Sabe… – Yuuri tentou começar novamente, hesitante. – Eu sei que é longe, e não é nada barato, mas… Se algum dia você passar perto daqui, ou… quiser visitar Detroit? Eu posso arranjar um saco de dormir, talvez até um colchão de ar… e você pode economizar com hotel… 

— Não tem nada de errado com o seu sofá, Yuuri, ele parece muito confortável – Victor o tranquilizou. – Você realmente gostaria de me ver de novo?

A pergunta era desnecessária, porque Yuuri já estava sendo absurdamente óbvio, mas ele respondeu mesmo assim.

— Adoraria. – O sorriso foi inevitável, e Yuuri suspirou, fitando Victor como se estivesse de fato sonhando acordado.





Algum lugar atrás dos seus olhos latejava dolorosamente e Yuuri amaldiçoou a dor que fez com que ele acordasse tão cedo em um dia que ele não precisava acordar cedo. Ele ponderou as vantagens e desvantagens de levantar para tomar um analgésico, e imagens começaram a surgir como um turbilhão em sua mente recém desperta. Como lembranças distantes ou imaginadas, cenas desconexas se misturavam e Yuuri não conseguia separar o que poderia ter sido um sonho recente dos acontecimentos do dia anterior.

Afinal, todas aquelas lembranças poderiam realmente ter saído de um elaborado e crível sonho – ele já havia tido outros tão reais quanto este. Sonhos em que toques e vozes continuavam ecoando na sua lembrança, e deixavam difícil voltar para a realidade cada vez que ele abria os olhos.

E ele quase desejava que essas recordações, muitas das quais se baseavam em momentos de puro e total constrangimento, tivessem sido realmente fabricadas pela sua mente ridiculamente fértil. Quase.

Por que, além de todo o embaraço e insegurança, Victor ia muito além das expectativas e da visão parca que Yuuri possuía, muito além de qualquer sonho juvenil e tênue. Ele era real e não havia como ele sentir arrependimento por encontrá-lo.

Apesar das evidências, a questão ainda deixava Yuuri apreensivo. Era difícil ter senso de realidade ali, deitado no escuro do seu quarto, a luz fraca de um amanhecer recente se infiltrando por pequenas frestas da sua janela. Ele se ergueu, e um gemido de dor escapou pelo movimento brusco. Seu coração martelava junto com a cabeça. Que horas eram? Victor já havia ido embora? Victor foi real?

Juntando forças nas pernas, Yuuri foi escorando-se pela parede até a sala. Ali estava escuro também, mas seus olhos se acostumaram e ele olhou ao redor, apreensivo. Nada. Não havia qualquer sinal da passagem de uma pessoa por ali. O sofá estava perfeitamente arrumado, a mesa estava vazia. Nem mesmo as garrafas ou embalagens de comida continuavam ali. Yuuri mordeu o lábio inferior.

Seria possível que um sonho conseguisse ir tão longe assim?

Yuuri voltou ao seu quarto, sentando na beirada da cama, a dor de cabeça aumentando exponencialmente. Puxou o celular. Cinco da manhã. Ele mal conseguiu registrar o horário, pois seus olhos logo pularam para a quantidade de notificações que se destacavam na sua tela inicial. Seu coração voltou a bater como no sonho. Ou na noite anterior. Ele ainda não sabia no que acreditar.

Havia vários pedidos de amizade em todas as redes sociais que Yuuri algum dia já possuíra – mesmo as que ele não lembrava de ter. Victor Nikiforov adicionou você como amigo. As palavras que fizeram Yuuri despertar por completo, apesar da ressaca inevitável.

Ele sorriu, jogando-se para trás na cama, e escondendo o rosto no travesseiro, com vontade de gritar, mesmo com a garganta arranhada e toda a dor na sua cabeça. Bateu as pernas para cima e para baixo. Era difícil sentir uma coisa de cada vez, e ele não conseguia sentir tudo ao mesmo tempo.

Lidar com a realidade era mais complicado do que ele poderia supor.

 

 

Makkachin correu para dentro do apartamento assim que ele destrancou a porta, ávido em reencontrar seus brinquedos, sua cama, seu cantinho favorito do sofá, e Yuri. Este, no caso, já estava desperto, pronto para ir para a escola. Pensar o nome do seu irmão fez com que a mente de Victor automaticamente voltasse para o pequeno apartamento de Detroit, e ele suspirou sem pensar.

—  Você é um idiota. – Yuri rosnou, enquanto acariciava o esfuziante Makkachin, mas isso não fez Victor sentir-se mal. Pelo contrário.

— Olá para você também, Yura… – ele entoou, deixando a sua mala no chão, e virando-se para fechar a porta. – Você não se preocupou com o seu irmão? Isso me deixa triste…

Preocupar? Você está me perguntando se eu fiquei preocupado?! Que tipo de pessoa consegue se perder em uma cidade desconhecida, perder o avião de volta e ainda ter a cara de pau de passar a noite na casa de universitários que conheceu pela internet, que poderiam muito bem ter te largado em uma banheira de gelo sem um dos rins! Eu não deveria ter deixado você ir sozinho, isso sim! Como você sobreviveu em Nova York durante esses anos todos sem morrer, nem ser enganado ou, sei lá, ser iniciado em um culto satanista sem perceber?

Quando Yura começava a brigar sem parar daquela forma descontrolada era porque realmente estava tenso. Victor não ouviu metade das reclamações, já familiar com a forma que o menor costumava extravasar, e seguiu até o sofá, largando-se com um satisfeito suspiro. Seu corpo inteiro pedia por descanso, apesar da sua cabeça estar ainda muito desperta. Ele não havia conseguido dormir a noite inteira, muito menos no caminho para casa. 

Enquanto ainda estava no apartamento em Detroit, ele aproveitou esse tempo para arrumar toda a bagunça que o improvisado jantar havia deixado para trás, enquanto os dois colegas de quarto ressonavam com o peso que só o álcool poderia trazer ao sono. A noite em claro começava a cobrar o seu preço, no entanto.

Havia algo zumbindo lá no fundo dos seus pensamentos desde o dia anterior, uma ânsia de fazer algo, de transformar sensações em palavras, que era muito familiar, e que ele amava sentir. Precisava de um tempo em calma para processar isso tudo, organizar seus pensamentos. 

Makkachin subiu no sofá e despertou Victor tocando sua mão com o focinho gelado. Yuri ainda estava diante dele, as mãos na cintura.

— Você está com aquele sorriso. Por que você está sorrindo depois disso tudo? – Yuri franziu o cenho, e de repente, tudo pareceu fazer sentido para ele. – Você transou com o cara que resgatou o Makkachin! Merda, Victor, você não tem vergonha nessa cara?!

— Que ideia é essa que você tem de mim, Yuratchka?! – Ele levou a mão ao peito, dramaticamente ultrajado pela insinuação. Embora ele jamais fosse admitir que essa não fosse algo que ele provavelmente faria. Em outros tempos, talvez. Em outra situação. Geez, agora essa imagem mental não sairia da sua cabeça tão cedo, Yuri era um serzinho impiedoso, realmente.

— Eu não vou responder essa pergunta. Não me faça pensar sobre isso, droga! – Yuri reclamou, embora tenha sido ele a começar com essa conversa. Alçou a mochila que estava jogada na poltrona em um dos ombros e seguiu a passos duros em direção à saída. – Quer saber, eu não quero detalhes!

— Boa aula, Yura! – Victor desejou, antes de ouvir a porta bater atrás de si.

Fechando os olhos, ele escorou a cabeça para trás no sofá, sentindo a cabeça de Makkachin aninhando em seu colo, e automaticamente começou acariciá-lo. Ele precisava urgentemente de uma noite completa de sono, mas quando ele fechava os olhos, sua mente voltava para as imagens do adorável Yuuri, de rosto corado, olhos brilhantes, lábios projetados na mais encantadora expressão frustrada que Victor já vira em sua vida. A sensação de um quase beijo que ele desejava não ter precisado interromper, a respiração entrecortada batendo em seu rosto, o inebriante cheio de álcool barato e expectativas. Um arrepio bom passou pelo seu corpo, e ele sorriu pela incontável vez naquela manhã. Fazia muito tempo que Victor não se sentia assim. Fazia muito tempo que ele não sentia, ponto! 

Talvez Chris estivesse certo sobre encontrar alguém, afinal. Mas Victor tinha que tornar tudo mais difícil do que precisava ser, e encontrar esse alguém a mais de 900 quilômetros de distância, é claro. Esse detalhe deixava um sabor amargo para trás, mas não era algo que poderia ser remediado no momento, então, ele não deveria pensar sobre. Ao invés disso, puxou seu celular, abrindo o aplicativo de mensagens, contando sobre como tudo correra bem em sua viagem, e desejando um bom dia, com emojis felizes e tudo. 

Não tinha ideia de quando receberia uma resposta, isso se Yuuri estivesse disposto a manter contato, o que, pela suas atitudes durante a noite, pareciam favoráveis. Mas Victor sempre amou a sensação de experimentar, de começar a fazer coisas novas. Possibilidades o moviam para frente, e aquela chama de expectativa que se acendia em seu peito não seria contida tão facilmente.

 


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Notas finais do capítulo

hey ;)
é interação que vocês querem? pois tooome (embora não seja nem de perto aquilo que as pessoas esperam, EU SEI sorry)
quando eu foco em slow burn, o principal sempre acaba sendo o SLOW mesmo .-. mas isso já deu pra perceber né não?
Mas fico feliz de ter conseguido atualizar mais rápido dessa vez~ então, espero que gostem o/



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