When I Dreamed escrita por Shiroyuki


Capítulo 13
Capítulo 13. fan passion




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A situação era bem simples, analisando friamente.

Makkacchin precisava ir para casa, e Yuuri tinha uma caixa de transporte recém comprada especialmente para ele. Victor era o dono de Makkacchin e precisava levá-lo de avião para casa. Inclusive, ele havia acabado de perder esse mesmo voo, e não poderia ir embora até a manhã seguinte.

Yuuri era adulto. Podia muito bem resolver esses problemas de adultos, sem pensar duas vezes. Imprevistos acontecem. Não havia nada de errado ali. Apenas dois adultos lidando com imprevistos, da melhor forma possível. Normal.

Então por que é que esse inferno de chave não entrava na fechadura direito, e Yuuri podia quase prever que a qualquer momento o síndico do prédio iria aparecer para perguntar o que aquele cachorro ainda estava fazendo ali, e onde é que ele ia colocar Victor por aquela noite, sendo que mal havia espaço para ele próprio e Phichit no pequeno apartamento?

Os pensamentos se acumulavam na mente de Yuuri, que não tinha resposta para nada disso.

— Você precisa de ajuda?

— Não, não! Eu estou quase… – Yuuri não terminou a frase, tentando mais uma vez trocar de chave para testar, sem sucesso. A fechadura fez um ‘click’, e Yuuri levantou os olhos, surpreso.

A porta se abriu.

— Yuuri, sabia que era você! Não estava conseguindo abrir a porta? E por que demorou tanto? Achei que não estava interessado em...

Yuuri não teve a chance de responder, pois os olhos rápidos de Phichit captaram a presença de mais uma pessoa, e ele não precisou de mais do que alguns milésimos de segundo para reconhecer aquela face. Arregalou os olhos e abrindo a boca em uma dramática expressão de surpresa que fez Yuuri se encolher ainda mais, enquanto olhava de um para o outro cada vez mais entusiasmado. Perigosamente entusiasmado. Parecia louco para falar um milhão de coisas, mas o olhar de Yuuri claramente dizia para que ficasse calado se não quisesse se arrepender depois.

Enquanto a silenciosa comunicação acontecia, alheio a isso, Victor sorria educadamente esperando a sua vez de agir, com Makkachin sentado ao seu lado, o rabo balançando atrás de si. Yuuri respirou fundo, antes de dirigir-se a ele de novo.

— Victor, esse é Phichit, meu–

— Amigo! – Phichit se adiantou, estendendo a mão sem se importar em empurrar Yuuri para chegar até Victor. – Somos melhores amigos que dividem um apartamento! Colegas de quarto, se preferir. O Yuuri é solteiro.

Yuuri sentiu o rosto esquentar e a vontade de se jogar pela janela – ou jogar alguém pela janela – aumentar subitamente.

— Prazer, eu sou Victor. – ele apertou polidamente a mão do outro, que a balançou com mais energia que o normal durante o cumprimento.

— Ah, sim! Claro que é! Sei tudo sobre você! – Victor permaneceu com um sorriso perfeitamente mecânico congelado no rosto.  – Encontrei o seu Instagram, quero dizer. Fui eu que vi seu post sobre o Makkachin.

— Oh, claro! Lembro de você!

— Podemos entrar, por favor?— Yuuri cansou de presenciar aquele encontro que parecia praticamente surreal, no corredor diante da sua porta. Além disso, Phichit podia soltar alguma coisa comprometedora a qualquer segundo, e ele não estava disposto a arriscar.

— E a que devo a honra? – Phichit indagou, curioso, abrindo caminho para que ambos adentrassem. Makkachin ultrapassou Victor e correu para dentro como se aquela fosse sua própria casa, parecendo excitado em mostrar o espaço para o seu dono. – Pensei que você tivesse saído para entregar um, e você volta com dois?

— Tivemos alguns problemas e Victor perdeu seu vôo. – Yuuri murmurou, enquanto tirava seu casaco e pendurava na entrada.

Ao mesmo tempo, Victor complementou, ávido. – Yuuri é um anjo! Salvou minha vida duas vezes hoje! Três, se contar com o resgate de Makkachin.

Os olhos de Phichit viajaram para o amigo, com certa malícia. — Um anjo, não é mesmo? – Yuuri sabia que iria ser interrogado sobre essa história assim que estivessem sozinhos, e não estava nem um pouco ansioso para isso.

Yuuri fez com que Victor adentrasse a sala, indicando o sofá, ao mesmo tempo que tentava guardar a miscelânea de objetos e roupas espalhados pelas cadeiras e pela mesa sem que ele notasse. Phichit se aproximou, indisfarçavelmente animado, rodeando Victor com uma intensidade que poderia ser interpretada como bizarra por quem não o conhecesse.

Você é bem diferente do que eu imaginei… – Phichit franziu os olhos, analisando Victor dos pés à cabeça. – Esperava alguém mais suave, misterioso, com aquela aura de quem esconde um segredo, um toque de perigo, sabe?

— Como? – Victor demorou alguns segundos para responder, procurando alguma lógica no que o outro havia acabado de pronunciar.

— Ele deve estar falando de quando vocês conversaram online… – Yuuri riu desajeitadamente, empurrando Phichit em direção a cozinha. – Phichit tem essa mania de tentar adivinhar como as pessoas são pela foto de perfil, ridículo! Você quer um café, um chá, uma água? Eu vou arrumar, só um minuto!-

Yuuri não esperou pela resposta de Victor, e virou-se novamente para Phichit, falando em um tom baixo e ameaçador que não seria ouvido da sala, apesar da pouca distância. Por um ligeiro momento, Phichit temeu pela sua vida.

— Eu não disse nada demais, Yuuri… – ele começou a se justificar antes que qualquer coisa fosse dita. O aperto das mãos de Yuuri em seus ombros se intensificou.

— É melhor que continue assim… – Yuuri franziu os olhos – E pare com as insinuações sobre… sobre os sonhos. – a última palavra não foi realmente dita, e Phichit teve que ler nos lábios de Yuuri para entender.

— Por quê?

— Porque é estranho, ninguém entenderia as suas piadas sobre isso, e eu não quero parecer um maníaco…

— Oh, então repentinamente você se importa com o que ele pensa de você, hm? Vejo avanços… 

— Phichit, eu me importo até com o que o cachorro de rua que mora perto da padaria pensa de mim. Isso não conta.

— Verdade. – Phichit teve que ceder. – Mas mesmo assim, e se ele acabasse entendendo o lance dos sonhos? Não seria incrível? Facilitaria muito a sua vida. Ele pode estar passando pela mesma situação e não ter ideia de que é mútuo, já pensou?

Yuuri suspirou longamente, ajeitando a própria postura e soltando os ombros de Phichit, para que Victor não estranhasse o comportamento dos dois. Phichit era um entusiasta de fantasia, ficção e finais felizes. E Yuuri não tinha tempo nem energia para alimentar esses devaneios dele.

— É impossível. E mesmo que houvesse alguma pequena, diminuta, insignificante, microscópica chance de isso ser real, você já falou demais, ok?

— Desculpa, acho que exagerei. É que eu fiquei meio animado, e eu nunca penso antes de agir, você sabe. Faz parte do meu charme. – Phichit deu uma piscada rápida, e mesmo que ele parecesse mesmo arrependido pela empolgação, Yuuri jamais conseguiria ficar verdadeiramente bravo com ele. E infelizmente, ele sabia muito bem disso. – Mas ainda acho que você deveria dar em cima dele. Sendo ou não o homem do sonho, você não pode negar que ele é um…

— Phichit! – Yuuri soprou, alarmado, antes que Phichit soltasse alguma obscenidade e Victor acabasse escutando.

— Estou mentindo, por acaso? – Phichit claramente não ligava para a reprimenda – Qualquer um com olhos na cara pode ver que o homem é um Adônis em carne viva, e ele está bem ali sentado no sofá, parecendo muito a vontade inclusive. E ele claramente gostou de você. Desperdiçar essa chance que a vida está te dando vai além da inocência Yuuri, é burrice.

Yuuri soltou o ar, cansado de argumentar. Phichit simplesmente não entenderia o quanto ele não poderia pensar essas coisas, ou agir da forma que ele sugeria, como se fosse a coisa mais simples do mundo a se fazer.

— Você não tem nenhum artigo da faculdade pra escrever? Uma matéria pro estágio, fotos pra editar, qualquer coisa?

— Até tenho, mas o drama da vida real é tão mais emocionante… – Phichit riu, enquanto Yuuri tentava empurrá-lo em direção ao corredor dos quartos. Se sua intenção era ser discreto, ele falhou miseravelmente. Enquanto era rudemente afastado da presença de todos, Phichit se inclinou para falar algo no ouvido de Yuuri. — Tem uma garrafa de sakê que seu pai trouxe da última vez no armário em cima da pia, se você precisar de incentivo externo.

Yuuri fingiu não ter escutado a última parte e fechou a porta atrás de Phichit, mas ainda ouvia a risada dele ecoar do outro lado. Quando virou-se novamente para trás, a figura elegante do homem que desafiava sua sanidade continuava ali. Sentado no seu sofá, com Makkachin acomodado aos seus pés, como se essa fosse a situação mais cotidiana e esperada possível. Yuuri precisou de alguns segundos para recobrar o foco e servir um copo de suco de caixinha, a única coisa que tinha a oferecer naquela casa no momento. Voltou para a companhia de Victor, esperando com sinceridade que o sorriso emplastrado em seu rosto fosse suficiente para garantir que ele estava sentindo-se perfeitamente normal.

— Desculpe pelo Phichit. – Yuuri começou, entregando o copo à Victor, que não teve qualquer opção a não ser aceitar. Com as mãos agora vazias e sem objetivo, esfregou-as uma na outra, sem parar de se balançar nos próprios pés. Manter seu corpo em movimento sempre foi uma forma variavelmente eficaz de manter o controle. – Ele fica muito empolgado com… bem, com tudo. E adora conhecer pessoas. – ele deu uma risada breve e desajeitada, esperando que Victor não estivesse pensando muito sobre o comportamento estranho dos dois colegas de quarto. Será que ele havia escutado alguma coisa do que eles falaram na cozinha?

— Não precisa se desculpar! Eu achei ele tão divertido e animado! – Victor inclinou a cabeça para o lado, sorrindo amplamente um sorriso em forma de coração que fez Yuuri perder o compasso e quase se desequilibrar mesmo que nem estivesse andando.

— É, ele é assim mesmo… – Yuuri respondeu, sem saber para onde focar o olhar. A conversa com Phichit havia destruído completamente o muro de racionalidade que Yuuri cuidadosamente construiu durante as horas que passara com Victor, até aquele momento, e agora estava mais difícil do que nunca não pensar nele como O Homem do Sonho como antes. 

Sério, ele tinha que ter os olhos tão azuis, e aquele sorriso. Parecia mais com uma piada do universo, das mais cruéis.

Nenhum dos dois dizia nada – Yuuri surtando internamente, e Victor sentado com o mesmo sorriso educado, olhando ao redor com discreto interesse, como se o ambiente de um apartamento minúsculo de dois universitários fosse tão fascinante quando o palácio de Buckingham ou a Capela Sistina. O silêncio era mais desconfortável ainda, então Yuuri não teve alternativa a não ser preenchê-lo com o que viesse à sua cabeça.

— Bem, hm, não há muito o que fazer por aqui, além do mais meu apartamento é bem pequeno como você pode ver, não posso te oferecer nenhuma acomodação melhor, mas… talvez você prefira ficar em um hotel? Eu não acho que seja justo fazer você gastar ainda mais dinheiro, afinal fui eu que indiquei o restaurante, e foi por causa disso que você acabou se atrasando então eu imagino que… – Yuuri tomou ar. Não havia parado para respirar desde que começara a falar.

—  Está tudo bem, Yuuri. – Victor abriu um sorriso que poderia ou não significar que ele estava achando a situação muito divertida, a seu modo. Yuuri sentiu o rosto aquecer diante do olhar intrigado do outro, incapaz de interpretar o que aquilo poderia significar. – Este lugar é ótimo, okay? Além do mais, se Makka gostou de ficar aqui, eu com certeza vou adorar também!

— Certo, entendo… ok, certo. –  Yuuri repetiu mais para si mesmo, tentando se convencer de que era inútil pensar demais naquela situação, e que isso só faria com que parecesse ainda mais esquisito aos olhos de Victor. (Desde que momento exatamente ele começou a se preocupar tanto com isso?).

— Hey! Eu sei que não faz muito tempo desde o almoço, mas nós poderíamos pedir comida mais tarde, o que acha? – o sorriso enigmático de Victor logo se metamorfoseou em algo mais espontâneo e animado, claramente alheio a qualquer traço de tensão restante em Yuuri. Ele estava bastante entusiasmado para alguém perdido, passando a noite no apartamento de um completo desconhecido. – Faz muito tempo que eu não faço isso, sabe! Na verdade, não lembro de já ter feito algum dia… é como uma festa do pijama, não acha? Vai ser divertido!

Yuuri não conteve o riso que o assolou depois de uma declaração tão espontânea. Mais uma vez, Victor empurrou toda sua desconfiança, agindo daquela maneira inesperada que acabava completamente com a imagem distante e inalcançável do personagem dos sonhos de Yuuri.

Não havia como eles serem a mesma pessoa, afinal.



— 



Victor olhava ao seu redor com indisfarçável interesse, mas apesar de toda a situação ser claramente um problema (e ele iria ouvir muito de Yura quando enfim chegasse em casa, percebia-se pela variedade de palavrões que recebeu em resposta quando contou a ele o imprevisto), ele ainda conseguia encontrar dentro de si um certo conforto com o ambiente que estava, algo que não conseguia explicar. 

Makkachin, deitado aos seus pés com tranquilidade, também parecia muito à vontade. Enquanto seu recém-proclamado Herói conversava com o colega de quarto não muito longe de onde ele estava, em voz tão baixa que era impossível bisbilhotar, não que ele pretendesse de qualquer forma, Victor sentiu seu corpo se acomodar no sofá, antigo mas incrivelmente confortável, e sentou para trás, um sorriso satisfeito no rosto.

O apartamento era pequeno, verdade, mas a forma como cada objeto parecia pertencer a um contexto maior, revelando pequenas partes do cotidiano de quem morava ali, era de certa forma, aprazível. O apartamento de Victor era bastante impessoal, principalmente antes de Yuri chegar. Ele tinha apenas o necessário de mobília, e a única decoração eram os livros que comprava. Nada lá tinha personalidade, ou revelava qualquer característica de quem morava ali. Era quase como viver em um quarto de hotel. 

Agora que observava a sala dos dois estudantes, esse contraste se intensificava. Quadros com desenhos que pareciam feitos à  mão, pôsteres de algum filme estrangeiro, bandeiras da Wayne State University, uma pilha de DVDs em um canto do chão, polaroids coladas em um lado da parede, e livros empilhados de qualquer jeito onde quer que houvesse espaço. Mesmo naquela desordem, havia algo de confortável naqueles móveis que não combinavam entre si, na mobília desgastada e nos objetos aleatórios que o rodeavam, e Victor descobriu que gostava muito dessa sensação. 

Já fazia muito tempo desde que ele passara a noite fora de casa. Ele não lembrava nem mesmo qual fora a última vez que saíra de Nova York, para ser sincero. E apesar de ter certeza de que deveria estar pensando e trabalhando em seu próximo livro, não conseguia encontrar em si mesmo o nervosismo que supostamente sentiria, em qualquer outro momento em que fosse obrigado a adiar seu trabalho por um dia inteiro.

Victor queria conversar mais com Yuuri, como no restaurante, mas ele não parava de andar de um lado para outro, compenetrado em alguma tarefa que Victor não conseguia deduzir qual seria. Yuuri era… elegante. Ele não havia percebido isso até aquele momento, talvez porque não tivera a oportunidade de observá-lo daquela distância – e Victor gostava muito de olhar e analisar pessoas, talvez por causa de sua profissão, ou quem sabe era um hábito nato que o direcionou para essa área, ele não saberia diferenciar.

Enfim, a forma como Yuuri se movia, inquieto e focado, com pressa de fazer algo (Organizar a casa? Esconder algo?), apesar de agitado, ainda trazia em si algo de memorável. Yuuri era bonito, Victor concluiu. Feições gentis, mãos delicadas, ainda que firmes, pescoço alongado e a pele pálida contrastando com o cabelo muito escuro. Yuuri era a imagem do conforto e da gentileza. Victor nunca havia tido qualquer atenção particular para asiáticos, sempre fora mais atraído por tipos mais misteriosos e confiantes… como o dançarino do seu sonho. Enigmas a serem resolvidos, desafios, ou algo assim. 

De alguma maneira, Yuuri também se encaixava nessa definição, embora "adorável" fosse um termo muito mais condizente com ele do que simplesmente misterioso ou desafiador. Yuuri era outro tipo de enigma, um mais divertido e leve de desvendar.

Yuuri o fitou, com os olhos ligeiramente arregalados e um rápido rubor subindo para o rosto. Só então Victor percebeu que esteve assistindo ele caminhar de um lado para o outro, o olhar fixo enquanto escorava o rosto com uma das mãos, o cotovelo apoiado na guarda do sofá.

— Precisa… de algo? – Yuuri indagou, cuidadosamente.

— Por enquanto, não. – continuou a sorrir, sem se mover da sua posição de observador. Yuuri pareceu tímido, olhando ao redor, procurando por alguma outra coisa onde Victor pudesse focar sua atenção que não nele.

 — Bem, podemos escolher o que pedir, como você disse. Acho que tenho alguns folhetos de delivery por aqui… Ele começou a procurar pela estante maior. – tem um restaurante tailandês que foi aprovado pelo próprio Phichit, e isso realmente significa alguma coisa… ah, aqui! – Yuuri encontrou em uma gaveta do móvel ao lado, uma pilha considerável de cardápios de diferentes tipos de fast food e restaurantes. – Você pode escolher.

Victor aceitou os folhetos que Yuuri estendia para ele, mas continuou olhando para a estante onde ele havia procurado antes. 

— Vocês gostam bastante de ler, não é? – ele mal conseguia disfarçar sua curiosidade insaciável. 

— Phichit faz jornalismo, então é o esperado. Mas a maioria dos livros desse lado são meus, mesmo. – Havia uma faísca de orgulho quando Yuuri falou sobre isso. Um brilho diferente que passou pelos seus olhos, mas que jamais passaria incólume pelo olhar minucioso de um escritor. Ele sorriu ainda mais abertamente, erguendo-se do sofá e colocando -se próximo de Yuuri diante da estante. 

— Você gosta desse autor? – Ele puxou o familiar livro que estava fora da fila organizada dos outros livros, com um evidente marcador em meio às páginas. – Esse exemplar parece bastante usado…

— É porque eu li algumas vezes, talvez. – Yuuri puxou o livro da mão de victor com ar protetor, antes mesmo de cogitar que fazer isso poderia soar rude.

— Por acaso você já leu o outro livro dele também… – inconscientemente, Victor se aproximava do espaço pessoal de Yuuri, enquanto ele recuava discretamente, distraído. 

— O primeiro? Sim, eu li também, e adorei, mas In Regards to Love ainda é meu favorito.

— Favorito é um eufemismo, Yuuri! – Nenhum dos dois havia percebido quando Phichit havia retornado para a sala, ou há quanto tempo estava testemunhando a conversa dos dois. Victor se afastou um passo, por reflexo. – Eu juro que já vi ele dormindo com o livro debaixo do travesseiro,  aposto que era para sonhar com o protagonista!

Phichit!

— É verdade, Yuuri? – Um sorriso perspicaz adornou o rosto de Victor, achando isso bastante divertido. Talvez isso estivesse evidente na forma como estendeu as sílabas do nome do outro, já que ele o encarou com incredulidade.

— Ele exagera! – Yuuri exclamou, exasperado, levando apenas alguns segundos para recobrar a postura, já que ceder às provocações do colega de quarto só confirmariam as brincadeiras dele. – Nunca leve a sério o que Phichit diz, é a primeira regra dessa casa.

— Vou manter isso em mente. – Victor sorriu para Phichit, que acomodava-se na poltrona casualmente, em evidente desprezo pelo pedido anterior de Yuuri para que ficasse afastado. (Como se ele fosse fisicamente capaz de obedecer e manter-se incólume diante do maior acontecimento da pacata vida de Yuuri Katsuki desde a notória festa na fraternidade.) 

Victor mal o conhecia mas já o considerava um aliado. Aliado em quê? Nem ele saberia explicar. Mas algo no garoto o fazia lembrar de Chris, e se isso não era um sinal de que eles se dariam bem, nada mais seria.

Apesar de permanecer ali, Phichit acabara de colocar os fones de ouvido para assistir alguma coisa no celular. Algo naquela atitude parecia dizer “eu PRECISO estar aqui, mas vou dar privacidade à vocês.” Isso também fez Victor pensar que Phichit certamente teria a capacidade de se concentrar em duas coisas ao mesmo tempo, sem perder nenhum detalhe. 

— Por quê você não gosta do primeiro livro? – Victor apontou para o exemplar que Yuuri ainda segurava, voltando ao seu lugar no sofá e continuando a conversa como se ela jamais tivesse sido interrompida. Yuuri pareceu surpreso com a pergunta repentina, guardando o livro em seu lugar cuidadosamente antes de prosseguir.

— Bem, não é que eu não goste, exatamente. Eu adoro a forma como esse autor consegue contar histórias de uma forma muito… densa, e leve ao mesmo tempo. Quase como se estivesse fazendo as palavras dançar, e elas automaticamente encontrassem seus lugares para trazer sentido ao que ele conta… – Yuuri balançou a cabeça, escondendo o embaraço com uma das mãos. – Você deve achar que eu não estou fazendo nenhum sentido…

— De forma alguma. – Victor o tranquilizou, absolutamente absorvido pelas palavras do seu, ao que tudo indicava, grande fã. – Literatura é algo que não precisa necessariamente fazer sentido, mas na forma completamente sem sentido que você interpretou o estilo do autor, fez completo sentido para mim. Entende?

— Não, não entendi nada. Mas você fala como um especialista. – Yuuri sorriu timidamente, sentando-se na cadeira próxima a estante onde estava.

— Eu trabalho na área. – justificou, naturalmente, e Yuuri voltou a sorrir, como se achasse esse simples fato estupidamente fascinante. – Por isso, fiquei curioso sobre a sua opinião…

— Como eu disse, eu não desgosto de nenhum dos dois livros. Mas eu li o primeiro livro depois do segundo, então acho que tive expectativas diferentes. Autores evoluem com o tempo, mudam seu estilo, acho que é por isso.

— Compreendo. – Victor passou a mão no queixo, pensativo. – Isso te deixou frustrado com a escrita dele, então?

— De forma alguma! – Yuuri se apressou em retificar. – Eu gostei muito do enredo, e de todo o sentimento de solidão e esperança que a história passa, apesar de sentir falta da… hm… – Ele fez alguns gestos amplos com as mãos, sem conseguir descrever o adjetivo que não surgia em palavras na sua mente.

— Paixão? Intensidade? – Victor sorriu, condescendente. Yuuri ruborizou (oh, como ele conseguia parecer tão inocente naquela idade?), e acenou com a cabeça brevemente.

— Mesmo assim, as duas histórias me transmitem a mesma sensação. – Yuuri desviou o olhar, dessa vez, parecendo ponderar com seus próprios pensamentos. – Eu acredito que o autor nunca experienciou nada do que ele escreveu.

Victor sentou para trás no sofá, ligeiramente ofendido. — Como?

Foi a vez de Yuuri sorrir como se guardasse os maiores segredos do universo.

— Bem, para ser bem sincero, as histórias dele são absolutamente bem trabalhadas e emocionantes, mas nunca são descritas como uma experiência pessoal, sabe? Ele escreve sobre amor, sobre pessoas que têm suas vidas transformadas por paixões avassaladoras. Mas eu aposto que ele nunca viveu algo assim. Existe algo de idealizado na forma como ele descreve os sentimentos.

— Você acha? – Victor indagou, sinceramente, sem conseguir esconder a surpresa que sentia por ouvir Yuuri falar daquela forma. Ninguém nunca havia interpretado seus textos daquela forma, e ele não podia negar que era quase com se Yuuri conseguisse enxergar através das palavras, diretamente dentro dele próprio.

— Não vejo isso como algo ruim. De jeito nenhum. Só penso que o autor quer muito sentir as coisas sobre as quais ele escreve. É quase como se ele colocasse todos os seus desejos em palavras, a vontade que ele tem de experienciar algo tão transformador quanto os livros que escreve. É admirável, na verdade. Ele tem o dom de colocar tudo o que ele sente para fora, de uma maneira que alcança milhares de pessoas, não é? Isso é lindo. – Yuuri suspirou longamente, voltando a olhar para Victor, como se esperasse por alguma validação do que acabara de falar.

— Ele conseguiu transformar uma esperança vazia em algo útil, afinal…

— Não! Não, não. – Yuuri se exaltou, ou pelo menos, o máximo que sua boa educação permitia que ele se exaltasse. – Não é uma esperança vazia. No momento em que ele coloca para fora esses sentimentos, eles se tornam reais, e quando alguém lê, pode sentir o mesmo que ele. Não é exatamente esse o ponto de escrever um livro? 

— Você mesmo disse que ele não parecia ter experiências reais…

— Nesse caso, o livro é a experiência. Os sentimentos das pessoas são verdadeiros. O amor que ele sente transborda nas páginas, e isso muda a vida de quem está lendo. Então, ele conseguiu alcançar o seu objetivo. Ele tornou isso real.

Victor sorriu calmamente, sentindo seu coração bater de uma forma que ele não lembrava ser possível. Yuuri continuava a fitá-lo, com olhos em chamas e uma determinação inimaginável em suas feições. Isso parecia fazer juz ao que ele tentava tão ardorosamente explicar. Yuuri estava certo. 

— Yuuri… – Victor respirou bem fundo. – Você é maravilhoso.

Yuuri engasgou na própria respiração e falhou em conseguir formular qualquer resposta, então olhou para qualquer coisa que não fosse Victor, até enfim ter forças para levantar da cadeira onde estava, e voltar-se para Phichit (que permanecia perfeitamente alheio a tudo ao seu redor, mas Victor tinha certeza de que ele havia prestado atenção em cada palavra proferida).

— Hey, Phichito— Yuuri chamou, a voz mais alta do que pretendia, e com um sotaque carregado na última sílaba que parecia adoravelmente não planejado, embora ele se esforçasse em soar natural – Ajuda! Digo, ajude a escolher o que podemos pedir para comer, pode ser?

Naquele instante, o livro inacabado, as várias mensagens de Yura xingando-o por ser tão idiota, ou o voo perdido eram as últimas coisas que passavam pela sua mente. Phichit era engraçado, Yuuri era tão interessante e incrível, Makka estava bem, e ele estava se divertindo como há muito tempo não fazia. 

Se pudesse escolher, talvez (veja bem, talvez), ele teria cometido os mesmos erros de antes, em sequência, apenas para chegar até ali.


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Notas finais do capítulo

hey hey
agradeço muito o incentivo e a paciência de todos que enviaram comentários no último capítulo! Espero atender às expectativas~ ♥



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