Superstition escrita por PW, VinnieCamargo, Jamie PineTree


Capítulo 9
Capítulo 08: I Believe I Can Fly


Notas iniciais do capítulo

Escrito por Jamie PinteTree



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Acabou a esperança.

Uma névoa recobria o céu, obstruindo a passagem dos raios de sol. Louis sentiu um nó se formar em sua garganta, enquanto tentava manter-se consciente após o feito dos medicamentos. O piloto continuou olhando para o céu cinza, abrigando-se um pouco mais no casaco com insígnias de piloto e imaginando como seria seu futuro daquele momento em diante.

Isso, se ele tivesse um futuro. Louis passou a noite pensando no plano da morte, pensando no que o destino reservaria para ele e precisava admitir isso de uma vez por todas.

Era complicado aceitar que sua morte era iminente, da mesma forma que custara para ele aceitar que era um soropositivo. De que não havia uma cura para sua doença e que ficaria para sempre, sendo consumido por ela até definhar. A morte poderia ter acabado com seu sofrimento naquela mesma noite, ao lado de um frasco de remédios vazio e uma overdose planejada, mas quando acordou na manhã seguinte, percebeu que sua tentativa de morrer falhara. Sem nenhuma explicação.

— Como se sente? - Lhe trazendo uma garrafa de chá gelado, porém quente, Lucky sentou perto do piloto com uma expressão vazia. Mesmo sabendo que naquela situação, ele não podia fazer nada para salvar a vida do Nate, o jornalista sentia-se mal por mais uma morte ter ocorrido.

— Parece que eu acabei de voltar de uma viagem bem louca. – Louis respondeu com um sorriso sem forças, apalpando o curativo recém-feito por Tami. – Há quanto estamos presos aqui?

— Quase uma semana, eu acho. - Lucky sentiu as gotas de suor deslizarem sobre sua testa, mesmo estando quase congelando ao seu redor, não era só a dor de cabeça comum, seu estômago roncava e Lucky se perguntou quando foi a última vez que comera. - Aconteceu tanta coisa, que não tenho certeza de mais nada.

Lucky se lembrou do que descobriu com Randy noite passada, sobre o escândalo escondido dentro do aeroporto. Ele queria reunir todos mantê-los por dentro da confusão em que tinham se metido, não só sobre o protocolo Argo, mas também a respeito da lista da morte. A cada minuto que passava, ele questionava a decisão de ter aceitado se envolver naquela história, de ter aceitado escrever sobre a conspiração, porém sabia que o destino quis que ele estivesse ali de qualquer jeito.

A lista ainda martelava na cabeça de Lucky e ele desconfiava que Louis era o próximo, mas não sabia como contar isso, enquanto Louis cantava Shakira.

Voltou para o dia do atentado, que continuava sem resposta sobre o responsável e tentou lembrar-se de algo mais, algo que de alguma forma, pudesse ajudá-lo. A última coisa que lembrava era a morte do Nate, o que se passava depois disso era uma confusão quente e mórbida. Louis estava lá, junto à um Randy vivo, o que era impossível, já que Randy morrera muito antes em sua visão. As peças pareciam não se encaixar.

— Aconteceu alguma coisa? – Louis o trouxe de volta. - Você saiu do ar por um minuto.

— Sim – Não havia como dizer que não. - Não quero te assustar de novo, mas eu tenho um pressentimento sobre você. Sobre sua morte. Não há mais como negar que você é o próximo.

Louis não respondeu. Ficou encarando o chão, enquanto uma sensação elétrica e desconfortante tomava conta de seu corpo, mas Louis não se importou com aquela sensação agourenta. Ele era movido pela emoção, confiando em seus próprios instintos e naquilo que seu coração dizia.

Mas seu coração andava bem calado ultimamente.

— Eu sei o que deve estar pensando. – Lucky continuou com a voz mais amena. – Não sabemos quando ou como ela vai atacar, por isso estou te contando logo. A morte pode vir sem dar sinais e temos de estar preparados, Louis.

Durante aproximadamente um ano, Louis vivia preparado para a bomba-relógio, que viajava pelos seu sangue, e a ideia de morrer pela doença ou pelas mãos furiosas da morte, era algo que com o passar do tempo, parecia não fazer diferença alguma. Ele se lembrou de Laura e das coisas que falara para ela, antes de sua morte e se questionou, se ainda valia a pena lutar.

— Depois do que aconteceu com a Laura, acho que eu aprendi que não adianta surtar. – Ele falava distante, ainda sem olhar para Lucky. - Eu sempre vivi a minha vida, acreditando que era possível voar para longe. Mas às vezes, a gente não pode voar para sempre, não é mesmo?

— O que quer dizer? – Lucky ficou intrigado e esperou pela resposta do piloto, mas Louis não respondeu e voltou a encarar o céu. O jornalista continuou sem entender, mas compreendeu que Louis precisava de um tempo.

— Bom, Randy e eu descobrimos umas coisas sobre o que escondem no aeroporto ontem, e é melhor que todos fiquem sabendo o quanto antes. E precisamos pensar no que faremos com o Antônio também. Onde estão a Astrid, o Cisco e a Jane?

— Não os vejo desde ontem. – Tami respondeu. A latina estava enrolada num lençol, segurando uma xícara de café solúvel que conseguira na praça de alimentação. Seus olhos castanhos estavam perto do vermelho e havia olheiras abaixo deles, resultado da noite mal dormida. – Acho que a Jane ficou muito mal depois do que aconteceu com os balões.

Encolhida num canto úmido perto deles, Tami tentava recobrar suas forças depois de chorar até esgotar todas as suas lágrimas. Não por Nate, mas pela sensação de que quanto mais tentava ser otimista, algo acontecia para acabar com sua esperança. Como professora, Tami descobriu que tinha um verdadeiro talento para alegrar outras pessoas e dessa maneira, liberar um pouco a tensão que sentiam por estarem presos dentro daquele pesadelo. Mas a dor continuava ali dentro e crescia cada vez mais, devorando-a.

O piloto concordou com acenando a cabeça, refletindo sobre as palavras ditas sem uma expressão evidente em seu rosto. Os balões de Jane e Astrid foram abatidos no ar, frustrando os planos da oriental de avisar o mundo do lado de fora sobre eles.

Perto deles, Randy olhava a foto em sua carteira e uma lágrima escorreu de seu rosto. Ele, Mary e seus filhos na viagem à Disneylândia ano passado. Randy imaginou como sua família estaria passando, como seus filhos reagiram com a notícia de que estava morto e sentiu o coração apertar de saudade.

Um barulho próximo à eles os alertou. Alto demais para ser Cisco, Astrid ou Jane voltando. Não eram os passos de uma ou duas pessoas, eram de várias que se aproximavam rapidamente de onde eles estavam reunidos. Por um segundo, uma chama de esperança se acendeu no olhar dos quatro. E se um dos balões tivesse sobrevivido?

E se a ajuda tivesse finalmente chegado?

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No que restara do banheiro feminino, Jane jogava água no rosto para tentar acordar.

O massacre dos balões a impactou com força. Tanto trabalho e confiança destruídos em segundos. No inicio, suas pernas tremeram e ela teve que se sentar no chão, enquanto os pedaços de borracha vermelha caíam como chuva e uma torrente de frustração subia por sua garganta. E isso doeu muito.

Até onde podia se lembrar, o aeroporto era a sua casa, mas agora ela o abominava com todas as suas forças. Jane era um espírito livre, podia fazer o que quisesse onde quisesse, mas o governo insistia de mantê-la presa sem motivo. Sem alternativa, Jane foi obrigada a se conformar.

Uma tentativa tinha falhado, mas isso não significava que ela ia desistir tão fácil.

Desde o dia em que escapara da lista, a oriental sentia ainda mais vontade para sobreviver. Seu passado era preenchido devagar, quase parando, ganhando contornos e detalhes que amorteciam a dor da andarilha e ela parecia estar disposta a seguir em frente. Um plano não deu certo, mas ela ainda podia pensar em outra coisa e se agarrava fortemente a essa última fagulha de otimismo.

Jane terminou de lavar o rosto e o braço, mesmo estando protegida quando carregou os corpos, o cheiro podre ainda não havia passado e parecia estar preso á ela. A oriental fixou seu olhar novamente ao espelho e quando o fez, uma sombra pareceu passar através do reflexo quebrado. Ela sentiu uma corrente fria abraçar seu corpo, olhou para trás, mas não tinha ninguém ali.

— Olá? – Disse em voz alta. – Você já pode usar o banheiro sozinho, piloto.

Apenas um ruído estranho chegou até ela, vindo do fundo do corredor. Mesmo estando de dia, o aeroporto era repleto de sombras, muito mais escuras e davam a impressão que se moviam ao seu redor. Durante alguns segundos que pareceram intermináveis, Jane esperou por uma resposta.

Nada.

— É só sua imaginação, Jane.

Jane amaldiçoou sua paranoia, o clima de clausura devia estar afetando sua cabeça. Quando se preparou para sair do banheiro, sem querer bateu o tornozelo na borda afiada de um pedaço de ferro e soltou todos os palavrões que passaram por sua cabeça na hora. Agachou-se com raiva para examinar a área que sangrava e quando ergueu a cabeça, viu o que estava lhe observando.

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Astrid desferiu um soco contra a mala cheia de roupas seguido por mais uma sequência de golpes. A lutadora passara o dia anterior recolhendo corpos e isso a deixara deprimida, tanto que ela tentava voltar para a normalidade e de alguma forma, sair daquela aura negra que o confinamento lhe trouxera. Com o treinamento pesado, Astrid descarregava todos os sentimentos ruins que possuía e a mala de viagem pagava o preço por isso.

— Tem certeza que não quer tentar? – Ela perguntou para Cisco, que assistia sentado em um banco de metal. Ela falou de forma suave. Astrid fora perdendo o sotaque carregado da Rússia com o tempo. - Eu não sou a especialista em conselhos por aqui, mas não é bom ficar remoendo tudo isso para sempre. Já é estranho demais ficar esperando a morte.

— Nah, é mais fácil a mala me dar um nocaute. – Ele tentou rir. – Meu forte mesmo são números. Cisco suspirou e balançou as pernas contra o vão do banco de ferro. Estava inquieto e ao ver como Astrid lidava com aquela situação, ele se tocou que não sabia nada sobre a russa, além do nome dela e que a loira sabia fazer drinks com nomes de lugares mágicos.

— Todo mundo aqui tem uma história de vida... – Começou como não se fosse nada de importante. - Tipo, quando a Tami nasceu, o destino olhou para ela e decidiu que aconteceria tudo de ruim em sua vida. A epilepsia do Randy atrapalhou sua vida profissional e o Nate... Bem, dá para imaginar quais foram os problemas dele, mas eu nunca ouvi a sua história, lutadora.

Um semblante de tristeza passou pelo olhar azul-elétrico da russa, porém ele logo desapareceu. Astrid caminhou até Cisco, fez ele chegar mais para o lado e sentou perto dele. Tão perto, que podia sentir o calor que irradiava dele, mesmo estando fazendo frio ali.

Astrid não gostava de falar sobre sua antiga vida na Rússia, e Cisco a respeitava demais para se intrometer. Mas com o tempo de convivência, ele percebeu o quanto o confinamento conseguira fazer todos criarem laços intensos um com o outro, por que no final das contas, os sobreviventes só tinham uns ao outros.

— Antes de tudo isso, eu estava presa em um relacionamento ruim. – Ela olhou para a mão direita, onde ainda podia ver a marca do anel de noivado. – E só depois de terminar tudo, eu percebi o quanto sentia falta de ser livre. Agora, estamos presos nesse aeroporto. Estamos presos à lista. Estamos presos à um sofrimento que parece não ter fim.

Após a conversa que tivera com Jane na noite passada, Astrid se lembrou que perdera sua liberdade ao lado de Sasha, por isso estar confinada era uma situação que a deixava mal. E por mais que tentasse lutar contra esse sentimento, estava sendo derrotada e sem direito a outro round.

Cisco podia sentir a dor nas palavras de Astrid, e o quanto ela se esforçava para parecer bem. Mas na realidade, todos eles estavam quebrados e a cada dia, pareciam perder mais um pedaço a cada golpe do destino. Cisco também se sentia assim, mas percebeu que não importava quantas vezes chorava, suas lágrimas não podiam ajudar.

— Eu te entendo. Também entendo o que você e todos sentem pela morte, mas vejo que não devemos ficar sofrendo por isso. – Cisco se aproximou da lutadora, sorrindo com seu olhar castanho. - Não tenho de ficar triste por saber que vou morrer. Sei lá, ás vezes eu prefiro imaginar que ainda há uma saída, que ainda há uma esperança para cada um de nós. E que devemos fazer o possível para merecê-la.

— Espera um pouco. O que é isso em seu rosto? – Cisco perguntou surpreso. - É um sorriso? Eu fiz Astrid Ivankowitch sorrir? Cadê a câmera? Temos de registrar esse momento.

Astrid não conseguiu segurar e gargalhou. Não era mais o sorriso “tá tudo bem” de sempre, era uma felicidade genuína que há muito tempo, ela não tinha. A morte era inevitável e isso ela sabia, mas isso Cisco parecia mostrar que ela podia aproveitar o tempo que tinha e tentar mais uma vez, lutar por sua vida.

O momento foi interrompido por uma movimentação perto deles. Um barulho alto e sôfrego, de alguém que não estava bem. Cisco e Astrid se viraram para trás, na direção do corredor que levava aos banheiros e aos telefones públicos. Vindo daquela direção, duas formas distintas pareciam lutar entre si e uma delas, era a Jane.

A oriental surgiu do corredor com a roupa rasgada, seus braços estavam vermelhos e uma linha de sangue escorria de seu nariz. Atrás dela, um soldado que a segurava com força e apontava uma arma de grosso calibre para eles.

Sem acreditar, Astrid cerrou os punhos e sentiu seu sangue ferver.

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Através da névoa que se dissipava ao poucos, seis fachos de luz vermelha se tornaram visíveis e atrás deles, homens fardados do exército apareceram com suas armas em punhos. Tami deixou sua xícara de café cair e Randy sentiu seu corpo enrijecer, Louis permaneceu parado e Lucky engoliu seco, tendo aqueles fachos de luz concentrados em seu peitoral.

Liderando o grupo de seis homens, a pose imponente de um militar se fez presente e pelo olhar do homem, ele não parecia estar ali para salvá-los. O Sargento Hilligan tinha o cabelo grisalho e cortado em estilo militar, seus ombros estavam caídos e a pele do rosto pendia flácida como um maracujá murcho. Ainda sim, o homem demonstrava confiança, com o peito inflado e cheio de medalhas penduradas.

— As armas não são necessário, senhor. – Com cuidado, Randy retirou o distintivo do bolso e mostrou ao oficial. - Eu sou Randy Calipari, do Departamento de Polícia de Springfield. E nós somos sobreviventes do atentado. Só estamos tentando ir para casa.

— Eu sei quem são vocês. – Hilligan se aproximou de Randy, o que fez o policial notar o hálito azedo que vinha do homem. – Estive os obervando pelas câmeras de segurança nos últimos dias. Por isso os mantive aqui.

A resposta não era o que Randy esperava. Ele não percebera em momento nenhum, que as câmeras ainda estavam funcionando, e mesmo com as constantes quedas de energia, elas continuaram filmando cada segundo de sofrimento do grupo, que o velho militar vira e poderia ter salvado todos se quisesse.

— Se sabe quem somos, sabe que não somos uma ameaça. – Randy insistiu. Por dentro, o medo e a desconfiança gritavam alto, mas por fora, ele tentava se manter calmo. - Por favor, peça para seus homens abaixarem as armas.

Hilligan concordou e acenou para os soldados, que tiraram a mira a laser de Lucky, mas continuaram com o dedo no gatilho. O jornalista recuou para mais perto de Tami e Louis, que permaneceram imóveis. Como policial epilético, Randy estivera em pouquíssimas situações de conflito armado, por isso ele não tinha prática para lidar com negociações, mas mesmo assim, ele precisava tentar.

— Sinto informar, mas vocês sabem demais e isso compromete a segurança do país. – Hilligan falava cuspindo, Randy teve que se segurar para esconder o nojo. – Você e seu amigo descobriram segredos que não podem ir à público.

— Lucky, você sabe do que ele está falando? – Tami perguntou.

— Esse homem foi condizente em esconder o massacre de centenas de soldados anos atrás, numa tentativa infrutífera de criar novos Capitães América. – Lucky respondeu num tom ofensivo. - Agora ele tem medo que a gente conte tudo.

— Eu não colocaria nesse termo, mas sim. – Hilligan riu. - Os homens e mulheres que viram lá embaixo concordaram em dar suas vidas por nosso país, mas não na guerra. Os superiores antes de mim quiseram aprimorar nossa força em batalha e por isso, eles foram necessários.

Randy abriu a boca para protestar a insinuação, mas Hilligan levantou a mão para fazê-lo se calar, antes de prosseguir.

— Íamos libertar vocês depois que a carga fosse tirada daqui em segurança, mas houveram algumas mudanças nos planos.

A frieza que o homem falava era chocante. Randy viu que estava certo, que nem mesmo a morte era tão temerosa, quanto um militar ensandecido e homens cegos que seguiam o que ele mandasse. Cruzou um olhar com Lucky, mas o jornalista também parecia não ter nenhum plano em mente.

Por fim, Hilligan deu as costas, indo de encontro aos seus soldados, batendo com as botas no chão e fazendo um barulho desnecessário.

— Vocês dois vão atrás dos outros e da russa. Usem de força física se precisarem. – Hilligan ordenou para os dois soldados à sua esquerda. – O resto, levem esses aqui para o subsolo. Está na hora de acabar logo com isso.

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— Levantem as mãos! – O militar ordenou com sua arma em punho. – Ninguém precisa se machucar, além dessa aqui.

Sem alternativa, Cisco estendeu suas mãos, Astrid não. Ao ver o sangue escorrendo do nariz de Jane e o estado em que ela se encontrava aos pés do homem, uma lembrança ruim despertou da lutadora. De repente, ela estava de volta ao seu apartamento na Rússia, com o rosto inchado e sangrando, enquanto seu noivo gritava e a apertava seu braço com força.

— Jane... – Astrid murmurou. Seu rosto começava a ficar vermelho, evidenciando as sardas em seu rosto.

Ela se aproximou com alguns passos em direção à Jane, querendo ajudá-la, mas o militar a surpreendeu e agarrou seu braço com uma força descomunal, arrancando um grito da loira. Astrid foi jogada ao chão.

— Seja uma boa menina e renda-se! – O militar gritou. Ele tinha mais corpo que Cisco e decerto, muito mais força que os três, além de ter treinamento em táticas de combate. - Não vai querer bancar a heroína comigo, boneca.

Naquele momento, Cisco não pensou e nem parou para calcular os prováveis desfechos de uma reação, apenas agiu e desferiu um soco contra o rosto do soldado. O militar cambaleou para trás e deixou sua arma cair, para longe de seu alcance. Foi quando Astrid conseguiu se levantou e ficar de frente para seu agressor, com uma chama viva em seu olhar.

Anos antes, Sasha a espancou e quase a matou motivado por ciúmes, naquela época, Astrid nada fizera para revidar o ataque. Já aquele homem, deliberadamente agrediu duas mulheres sem motivo e isso, ela não podia deixar passar impune. Ele podia ser forte, mas Astrid era um judoca ainda mais forte e acreditava em seu potencial.

O soldado ergueu o punho novamente na direção da loira, mas Astrid não permitiu. Com a palma da mão aberta, ela acertou o nariz do homem, que deu alguns passos descoordenados para trás. O soldado tocou o nariz e sentiu sua mão molhar com o sangue que escorria, era como tocar num colchão de água furado, só que cheio de sangue.

Astrid era contra a violência, o que ela fazia no octógono era apenas algo que sua profissão exigia, mas ao ver Jane, ela sentiu a dor que a oriental devia estar sentindo por ter sido agredida por um homem e não era preciso pensar duas vezes, antes de reagir. Astrid chutou com força a virilha do soldado, que se curvou em direção ao chão e gemeu de dor.

Aproveitando o momento, Astrid passou o braço esquerdo pelo pescoço do militar e apertou numa chave de braço. O homem até tentou reagir, mas seu rosto ficava cada vez mais vermelho e respirar era uma tarefa difícil, conforme Astrid pressionava e comprimia o fluxo de sangue no pescoço dele. Segundos depois, o corpo do homem ficou mais leve e menos tenso, ele perdera a consciência e a loira finalmente o soltou.

— Me lembre de nunca procurar briga com você. – Cisco dissera impressionado e fazendo joinha com os polegares.

— Ele só desmaiou. – Astrid deixou o soldado para trás e foi até Jane, visivelmente preocupada. - O que ele queria, Jane? Porque ele te machucou?

— Eles... – A oriental precisou de um tempo para se recuperar do susto. - Eles estão aqui para nos matar.

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O galpão do hospital era bem maior do que eles pensavam.

Tami, Louis, Randy e Lucky foram atirados na sala velha, a mesma onde Lucky e Randy estiveram no dia anterior e para a surpresa dos dois, ela estava vazia. Os militares fizeram uma limpa nos armários metálicos e enferrujados, não deixando um único grampo de papel para trás. Todos os documentos que Randy e Lucky poderiam usar para o protocolo Argo, foram perdidos e mais uma vez, eles voltaram à estaca zero.

Randy caiu de forma desastrada perto do armário velho, teias de aranha se soltaram e caíram perto do policial. Louis sentiu uma dor aguda em seu pulso quando tentou se levantar, pensou te-lô quebrado, mas viu que fora apenas um pequeno corte, vindo provavelmente dos cacos de vidro do tubo quebrado onde Randy quase morrera perto dali.

Do outro lado da sala e escondido pela iluminação precária, havia um lugar que Lucky e Randy não viram quando estiveram ali: uma sala de cirurgia, onde os experimentos com os alistados ao Exército eram realizados e também, o lugar onde todos eles morreram. Aquele lugar fedia a morte e mofo.

O Sargento Hilligan andava de um lado para o outro na segunda sala, absorto em seus próprios pensamentos.

— Eu gastei metade da minha vida protegendo o segredo do Amelia Earhart e assim como eu, outros fizeram isso antes de mim. Quando a Segunda Guerra começou, o país precisava tentar e esse projeto fracassado, pareceu uma ótima ideia. As consequências foram uma catástrofe e o que eu faço pode parecer errado, mas eu acredito que os fins justificam os meios. E o destino colocou vocês aqui, de uma forma ou de outra, nada é por acaso.

— Você não pode fazer isso com a gente. – Tami disse em alto e bom som para Hilligan. Ela não tinha medo. – Você devia ter vergonha, Sargento. De se esconder atrás do seu título e fazer horrores com as mesmas pessoas, que você diz defender. Você não está preocupado com a segurança do país, só está preocupado do que vai acontecer consigo, quando descobrirem que escondeu todos os podres desse lugar.

Do outro lado do vidro, Hilligan pareceu ignorar as palavras da latina, mas bem lá no fundo, ele sabia que Tami estava certa. Mesmo depois da carga secreta ter sido retirada e das principais evidências dos testes estarem em suas mãos, Hilligan ainda temia que algo desse errado e comprometesse sua missão.

— Não importa o que vocês acham que vai acontecer. Talvez estar aqui nessa sala, faça você entender que a linha do destino já foi tecida e não importa o que faça para mudar, as coisas continuarão a ser, como deveriam ter sido desde o começo.

O Sargento não disse mais nada, deu uma meia volta robótica e deixou a sala de cirurgia com seus subordinados. Alguns minutos depois, após ter certeza que ninguém podia ouvir, Tami se virou enérgica para Randy e Lucky, enquanto Louis estava sentado num canto mais escuro da sala e ela não podia vê-lo.

— Ele nos trancou aqui. – Ela bateu seus braços contra o corpo. - O que faremos agora?

Randy e Lucky se aprontaram para ir até a porta do galpão, mas o grito de Tami os fizera desviarem sua atenção de volta a ela. Tami se ajoelhou no chão limoso perto de Louis, apalpando o rosto cheio de gotículas de suor do piloto.

— Louis? Você está... Está quente! – Ela não conseguiu entender. Minutos antes ele estava bem e agora, ardia em febre. - O que aconteceu?

O piloto gritava através de seu olhar desesperado. Com a boca escancarada, ele tentava puxar o ar, mas sem sucesso, o que deixava a pele de seu rosto vermelha e seu corpo tremia, em sinal de puro pânico.

— Achei que não tinha risco de infecção por causa da bala. – Randy foi apressado até o piloto.

— Não, o ferimento está limpo. Eu mesma troquei o curativo. – Tami disse nervosa. A professora puxou parte da gaze que cobria o buraco do tiro e olhou para o ferimento. Realmente, não havia sinal de infecção generalizada. – Isso é por outra coisa. Mas o quê?

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Just stop your crying
It's a sign of the times

Quando chegaram à sala de espera onde montaram um acampamento improvisado, não havia mais ninguém ali. Cisco viu cacos quebrados de porcelana e uma poça de café onde Tami passara a noite, mais a frente, o distintivo de Randy parecia ter sido pisoteado.

Welcome to the final show
Hope you're wearing your best clothes

— Chegamos tarde. – O escorrimento nasal de Jane já havia cessado. – Pegaram os outros.

— Precisamos encontrá-los, a morte pode agir a qualquer momento e levar o próximo. – Jane dissera. A oriental parecia melhor fisicamente e enquanto caminharam até ali, Jane explicou que o militar tentou levá-la à força para algum lugar e que essa decisão só foi tomada, depois que ela tentara avisar o mundo com seus balões sobre o cárcere.

Um sentimento de culpa tomava conta dela.

You can't bribe the door on your way to the sky
You look pretty good down here
But you ain't really good

Depois da conversa com Tami e Astrid, Cisco reforçava seu psicológico com otimismo, tentando não surtar e manter sua esperança acesa. Ele estivera em tantos momentos tempestuosos, que tudo o que ele precisava era uma luz para iluminar seu caminho. No meio de tanto sofrimento e desespero, Cisco entendeu que não era inútil como pensava. Ele era essa luz.

— Jane, você conhece esse aeroporto mais do que todo mundo. – Cisco. - Deve ter uma outra saída.

— Esse lugar parece ser muito antigo, mas acho que posso nos levar para fora. – Jane pensou bastante, mas às vezes, sua memória se comportava bem. Naquele mesmo saguão, ela indicou uma porta de serviço. - Pessoal, por aqui!

If we never learn, we been here before
Why are we always stuck and running from
The bullets?

The bullets

Cisco e Astrid não pararam para discutir as possibilidades, quanto mais tempo passassem ali, os militares e suas balas não iriam demorar em achá-los.

Desceram os degraus com rapidez, num corredor estreito, cheio de mofo por causa da temperatura úmida, faltavam ladrilhos nas paredes e poças de água suja cobriam o chão. De um lado, do chão ao teto, bem deterioradas pela ação do tempo, as persianas das pequenas janelas caíam aos pedaços, o vidro estava sujo por camadas grossas de poeira, que tornava impossível a tarefa de ver o exterior. Do outro lado do corredor, uma porta de ferro bloqueava o caminho.

Just stop your crying
It's a sign of the times
We gotta get away from here
We gotta get away from here

— Está trancada!

Cisco arrancou um extintor de incêndio, que há muito tempo não era usado e o usou para quebrar a fechadura. O engenheiro golpeava a porta com raiva, raiva pela captura de seus amigos e também do exército, que dizia proteger o país, mas que usava de meios sádicos e errados para isso.

Com um estalo, a fechadura retorcida caiu no chão e a porta foi aberta. Eles saíram no antigo terminal de carga e descarga, onde Jane vira Hilligan assassinar outro soldado a sangue frio dias antes. A lembrança a fez se sentir mal.

— Para onde vamos agora? – Astrid perguntou para Cisco, que ia na frente e os liderava. Jane seguia na retaguarda.

Cisco parou, fazendo um sinal para o grupo recuar. Mais a frente, um comboio de caminhões do exército estava estacionado no pátio e alguns militares os vigiavam. Não podiam avançar sem serem vistos e mesmo com o coração aos pulos, eles se obrigaram a esperar.

Just stop your crying
It'll be alright
They told me that the end is near

— Qualquer lugar. – Cisco olhava o terreno extenso do aeroporto, procurando por prováveis saídas. Seus amigos estavam nas mãos do exército e a única coisa que podia fazer, era procurar ajuda. – Se os militares pegaram eles, nossas chances num contra-ataque são bem pequenas. Precisamos de um plano.

We gotta get away from here

— Tem toda razão. – Uma voz desconhecida falou. – Suas chances são bem pequenas. Quase inexistentes, na verdade.

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Minutos antes

Sem cuidado nenhum, os quatro sobreviventes foram colocados aos pontapés dentro do galpão hospitalar. Randy se bateu contra o armário e teias de aranha caíram sobre ele, desfazendo o trabalho que alguma aranha passou muito tecendo. Escondida da vista de todos, uma aranha preta e com uma ampulheta vermelha desenhada, se assustou e com suas patas velozes, correu para longe.

Just stop your crying
Have the time of your life
Breaking through the atmosphere
And things are pretty good from here

Para perto de Louis, que ainda atordoado, não viu o pequeno aracnídeo pousar em sua mão e picá-lo. O piloto sacudiu o pulso incomodado, mas não se tocou com os pequenos furos em sua mão. Louis continuou sentado no chão, o ferimento em seu abdômen ainda doía e sem os analgésicos, qualquer movimento brusco que ele fizesse resultava em dor. Mas ainda sim, era um milagre ele ter sobrevivido e por alguns momentos, ele acreditava ter escapado da lista, mas ele só podia morrer após a morte de Nate.

E isso fora só umas oito horas atrás.

Agora era a sua vez.

E o destino colocou vocês aqui, de uma forma ou de outra, nada é por acaso.

Quando Lucky tocou no assunto, Louis se lembrou da conversa que tivera com Laura quando a loira descobrira que era a próxima. Lembrou do quanto à sua solidão o levara em uma vida cercada de falsa alegria, de momentos para esquecer que morria a cada dia, tanto com o segredo que preferiu esconder de todos, tanto com a doença.

Remember everything will be alright
We can meet again somewhere
Somewhere far away from here

 

Talvez estar aqui nessa sala, faça você entender que a linha do destino já foi tecida e não importa o que faça para mudar, as coisas continuarão a ser, como deveriam ter sido desde o começo.

Louis passou a viver aproveitando o máximo, mas por mais que ele acreditasse que podia voar para longe, não podia continuar assim para sempre. Uma hora, ele ia morrer.

O semblante de Tina passou por sua mente, ele pensou no quanto ela deveria ter ficado chateado na última vez em que se falaram. Pensou no que seria diferente, caso fosse sincero quando descobriu sua doença e no tempo que perdeu, por mantê-la afastada. Ele daria qualquer coisa para poder abraçá-la por uma última vez.

We never learn, we been here before
Why are we always stuck and running from
The bullets?

The bullets

O coração do piloto acelerou, seguido por uma queda repentina de sua pressão arterial, o que o fez perder suas forças para avisar alguém. Tami, Lucky e Randy estavam voltados ao discurso de Hilligan e sem poder falar por causa da paralisia, Louis assistiu uma pequena aranha sumir entre as sombras do cômodo. Uma lágrima despontou dos olhos do piloto.

No final, Louis morreria assim como vivera, sozinho. Não havia como escapar.

O piloto sentiu não ter mais controle dos próprios músculos e uma queimação elétrica lhe consumir. Muito parecido com os ataques epiléticos de Randy, o corpo de Louis tremia com o efeito do veneno e cada centímetro de sua pele alva queimava, ganhando uma coloração avermelhada. Foi quando Tami o notou e correu preocupada.

Just stop your crying
It's a sign of the times

A mão do piloto estava inchada e amarelada, com uma solução aquosa saindo de cortes minúsculos. Perdida, Tami olhou em volta e viu as diversas teias de aranha no teto do galpão e com um estalo, logo soube que aqueles cortes minúsculos eram de uma picada de aranha.

As lágrimas foram inevitáveis.

— Ele está tendo um choque anafilático. Um edema de glote! – Tami gritou. – A professora já tinha ensinado sobre animais peçonhentos e seus venenos, alguns tão fortes, que faziam a garganta inchar e impedir o fluxo de células, interrompendo a passagem de ar. – Ele está sufocando e não posso fazer nada.

A última frase saiu cheia de dor.

Randy observou com atenção o rosto da latina e engoliu em seco, nervoso. Ele correu até um armário de remédios, perto daquele que guardava os documentos. Lá havia várias substâncias químicas de um século atrás, procurou por adrenalina, mas nada ali conseguiria atenuar a dor que Louis sentia, nem aquela que crescia dentro de Randy.

— Fica com a gente, Louis. – Lucky segurou a mão boa do piloto. - Você não está sozinho.

O veneno da aranha fazia seu corpo arder de dentro para fora, como se estivesse o devorando por dentro. Estava trêmulo e encharcado de suor, mas o pior eram seus olhos. O verde mar e cheio de brilho de Louis sumira, sendo substituído por uma expressão apagada e confusa pela dor.

We gotta get away from here
We gotta get away from here

A imagem de Louis naquela situação, fez o sangue de Lucky congelar. A intensidade de sua inoportuna dor de cabeça aumentou, e uma parte dos músculos de seu rosto começou a se contrair em uma incontrolável raiva. Mais uma vez, a morte agira sorrateira e não deixou sinais para seguir.

Stop your crying, baby
It's a sign of the times
We gotta get away

Louis sentiu seu coração desacelerar, um gosto amargo em sua boca e seu corpo amolecer, mas o piloto não demonstrou medo. O piloto sentiu-se mais leve, lembrando da primeira vez que pilotou um avião e como estava nervoso. Aquele momento parecia ser igual, ele só precisava acreditar que seria apenas mais uma viagem.

— Eu sinto muito... – A voz de Lucky foi desaparecendo.

Sua mente ia apagando, como uma cidade que sofre um corte repentino de luz. A imagem de seus amigos foi se perdendo e ele não podia mais vê-lo e nem ouvi-los. A falta de ar e a dor não o deixavam pensar com clareza, mas Louis se permitiu ter um último deslumbre, antes de ser consumido pelo veneno.

We got to, we got to away
We got to, we got to away

Ele estava de volta ao Amelia Earhart em seus dias de glória, carregando sua mala e em pé de frente para parede de vidro, observando um avião que decolava com o por do sol ao fundo. E ao fundo, ele ouviu um chamado. Estava na hora de ir.

We got to, we got to away

Estava na hora de fazer sua última viagem.

=-=-=-=-=

Todos os sorrisos morreram.

O velho Hilligan se materializara atrás deles, possuído por uma aura negra e arrancando um suspiro de decepção dos três fugitivos. Atrás do homem, mais soldados se aproximaram silenciosamente e com suas armas em punho. Cisco, Astrid e Jane se entreolharam, enquanto Hilligan os observava com uma sensação vitoriosa.

— Já pegamos seu amigo traficante latino, meus soldados estão levando ele e em breve, vocês também. Só um milagre pode salvá-los.

Eles não entenderam de imediato, mas pela descrição, devia ser Antônio. Cisco ia protestar, mas deixou que o lamento morresse em sua garganta. Ele tinha parte de culpa em concordar na prisão do homem.

— Desgraçado! – Jane avançou em passos largos. Sua vontade era terminar de amassar o rosto do homem, mas foi contida por Astrid. – O que fez com eles?

O Sargento não se intimidou, pelo contrário. Ele pareceu se animar com a reação da jovem.

— Esses olhos... Posso reconhecer esse brilho furioso em qualquer lugar. – O Sargento Hilligan pareceu analisar a oriental de forma nervosa. Quando terminou, seus lábios murchos se torceram num sorriso amargo. – Você se parece muito com o traidor do seu pai.


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Notas finais do capítulo

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