Superstition escrita por PW, VinnieCamargo, Jamie PineTree


Capítulo 2
Capítulo 01: Timebomb (Parte II)


Notas iniciais do capítulo

Capítulo de introdução de alguns personagens, foi escrito por todos os escritores. Aqui também já acontece o acidente inicial.



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Nate folheou as páginas do livro com impaciência, tentando pregar uma peça na própria mente.

Desligar-se da discussão que tivera com Adriel, seu namorado. Embora o amado sempre estivesse ajudando-o, naquele dia havia sido diferente. Não houve sequer beijo de despedida antes da viagem. Cada um viajaria para um lugar diferente e ficariam sem se falar o tempo que fosse preciso para estabilizarem as coisas. Nate estava prestes a ir em uma viagem de intercâmbio com cinco outros alunos de seu curso de espanhol.

Não era a melhor saída, mas Nathan Ribeiro, ou apenas Nate, não queria que seus problemas pessoais atingissem Adriel como pedras sobre a sua cabeça. Ele não merecia, ele era uma coisa boa no meio da obscura vida do rapaz. Mais do que seus pais ou irmãos. Mais do que seu maldito psicoterapeuta, das inúmeras receitas médicas ou das músicas melancólicas que tiravam os pesos de seus ombros. Adriel era quem o arrastava para a luz dia-a-dia, mas não daquela vez.

Naquele dia em especial, Adriel seria o responsável por devastá-lo, caso uma providência não fosse tomada. Nate era orgulhoso e egoísta demais para aceitar estar errado. Machucar o namorado como machucara a família, principalmente a irmã mais nova, seria demais para ele. Mesmo sabendo de todas as consequências para seu distúrbio.

As últimas palavras de Adriel martelavam cada centímetro do pensamento de Nate:

— Espero que Paris te traga coisas melhores…

Dentro do Uber ele se sentia como se estivesse prestes a explodir. Uma verdadeira bomba-relógio, embora por fora se mantivesse como um plácido e silencioso rio. O parceiro poderia ter ficado com uma impressão ruim da decisão, mas Nate preferia ser autodestrutivo do que pedir desculpas pela insensibilidade e incompreensão. Adriel era tudo que ele tinha, mas dentro do seu coração, fizera a coisa certa para algo pior não acontecer na relação.

Fechou o livro com força sem perceber, e encarou a feição antipática no pequeno espelho retrovisor do veículo. Os lábios grossos, o maxilar rústico, o nariz largo, os cabelos raspados em corte militar e a pele negra. As roupas eram finas, mostrando sua qualidade de vida financeira.

Nate suspirou e apertou o passaporte entre os dedos, fechando os olhos. O vento zuniu ao pé de seus ouvidos. A contagem regressiva que aprendeu na terapia como forma de se acalmar aconteceu dentro de sua cabeça até ele chegar ao aeroporto.

XXXXX

O bip do detector de metais estalou a mente de Tami Paes. A garota sentiu as borboletas baterem contra seu estômago, enquanto o aparato percorria as laterais de seu corpo atlético e mediano. Ela não tinha nada a esconder, mas a sensação era a mesma de estar sendo despida. Apesar de não conseguir ver completamente, presumia que a maioria das pessoas ao redor estivessem encarando-a. Uma jovem latina de cor sendo revistada em um aeroporto durante o mandato de um dos maiores xenofóbicos da atualidade. O circo perfeito. Tami só queria que a funcionária fosse rápida.

Não era a primeira vez que a garota precisava passar pelo procedimento. Acostumada a ir e vir dos Estados Unidos, na maioria das vezes a caminho do Brasil, era sempre como a primeira vez que precisou parar e receber os olhares de desconfiança.

Constrangida, baixou a aba do chapéu marrom que usava, escondendo parcialmente o rosto com os cabelos ondulados cor-de-caramelo. A guarda avisou que a revista havia acabado e Tami suspirou, aliviada. Pegou suas coisas, a mala na esteira de maneira apressada e caminhou rapidamente para a sala de embarque.

No caminho, passou por dois policiais e um cão farejador. Um dos homens falava sobre uma operação antidrogas, mas ela não se atentou à conversa.

A garota tinha longos cabelos lisos e brilhosos. A pele tão jovem quanto suas feições infantis e o corpo mediano dentro de uma blusa branca, coberta por uma jaqueta marrom; calça jeans e um par de botas. O chapéu parecia fazer parte do conjunto como uma peça plural, mas ao passar por uma vidraça, Tami viu a noite se erguer. Não havia sol, mas ela precisava do chapéu de qualquer forma.

Esconder sua Alopecia Totalis era um problema que se arrastava desde sua infância. Nascera com ausência capilar e de qualquer pelo do corpo, suas sobrancelhas foram feitas por demoradas sessões de micropigmentação. E a doença rendeu-lhe momentos sombrios na adolescência, o que não estava mais em pauta em pleno auge de seus vinte e seis anos. Porém, não conseguia se sentir bem sem a peruca e o chapéu. Eles faziam parte dela, era assim que Tami mantinha-se firme.

Encontrou um assento livre entre tantos outros na sala de embarque e sentou, colocando a mala entre suas pernas.

Em meio à música agradável que saía dos alto-falantes, estava prestes a mergulhar em pensamentos, quando seu celular tocou. Depois de olhar no visor, um sorriso brotou dos lábios vermelhos e cheios. Atendeu, dizendo:

— Quinze minutos, parabéns pelo novo recorde, pai.

— Só queria checar. — Seu pai retrucou sério, mas de maneira despretensiosa.

— Eu sei como é, mas acho que o senhor deveria ter esperado chegar pelo menos na porta de casa. Não acha? — Tami riu.

— Não quero sua mãe pegando no meu pé, caso algo aconteça a minha Sweet Heart.

— Garanto que ela não vai te encher, Daddy, fica tranquilo. — A jovem argumentou.

Filha de um norte-americano e uma brasileira, Tami viveu de perto a separação dos pais quando ela tinha apenas dezesseis anos. Mesmo devastada, procurou passar por aquela fase ruim da melhor maneira possível. Atualmente, ela estava em uma semana de folga da escola onde lecionava para crianças especiais, em sua maioria, deficientes físicos, então aproveitou para visitar o pai em Springfield. Ele era um homem superprotetor, diferente da mãe, e tinha certo apego à jovem. A idade não Tami não afastou-a da imagem vulnerável que o pai mantinha dela.

— Nunca se sabe o que pode acontecer, certo? — Ele murmurou, incerto da reação da filha.

Tami não chegou a ouvir a última fala do pai. Ela estava concentrada demais em uma cena que se discorria a sua frente.

XXXXX

— Ei, qual é cara, não precisa disso! Eu não fiz nada!

Um rapaz bronzeado tinha as mãos sendo forçadas para trás, justapostas por uma algema. O sotaque latino carregado era evidente, enquanto a camiseta branca por baixo da blusa de botões aberta estava suada e um tanto suja. O policial observava a reação do suspeito procurando ignorar os seus protestos. Mantinha-se focado no trabalho a se fazer.

As informações eram muito vagas. Seria um tiro no escuro? Acusações falsas?

De maneira embaraçada, Randy Calipari começou a andar, levando o suspeito consigo. O porte de ambos era equiparável, altos e fortes, porém, Randy era caucasiano e de aparência serena. Nem em milênios ele conseguiria aperfeiçoar aquela feição angelical para parecer alguém rude e imponente. Apesar disso, não fazia nenhum esforço para parecer maior e seu uniforme policial caía muito bem.

A princípio, o homem de cabelos castanhos e olhar entorpecido questionou ou chegou a desconfiar da denúncia que sua equipe recebera, mas não existia nenhum benefício da dúvida. A única coisa da qual sabia, era de que existia um rígido protocolo a se seguir.

Segundo a denúncia, aquele rapaz estava sob porte de drogas ilícitas e Randy chegou a chamá-lo para uma conversa em particular, onde poderia fazer as perguntas necessárias e uma revista completa com a ajuda dos cães da companhia. A informação foi um pouco vaga e confusa, mas era seu trabalho e estava ali no aeroporto no meio de uma operação antidrogas. Entretanto, o que não foi nenhuma surpresa para o oficial, foi a tentativa do latino de fugir. O rapaz tentou, mas ao chegar na sala de desembarque, Randy alcançou-lhe e efetuou a imobilização.

— Fuja assim de novo e terei um motivo mais que especial pra apertar a pulseira. Você não será preso a menos que nos dê razões concretas pra isso, por enquanto vou apenas te levar para conversarmos. — Sussurrou para o suspeito de maneira arrastada.

O latino não soube deduzir se era uma estratégia de intimidação. Argumentou:

— Você não tem que me algemar, eu não sou nenhum criminoso! Minha ficha é limpa! — Rangeu os dentes. — É porque sou latino? Isso é preconceito, cara!

De repente, Randy percebeu uma jovem de chapéu se aproximar num rompante. Ao redor, mais pessoas pararam para observar a situação. Ela apontou a câmera de um celular bem na sua cara. O homem franziu o cenho, encarando-a. A negra devolveu um olhar atrás do celular de como se o desafiasse e disparou:

— Exatamente o que ele disse. Algemar alguém e expor essa pessoa à humilhação só porque ela é de outra etnia ou país é preconceito, sabia?

— Estou só fazendo meu trabalho mocinha. — O policial respondeu de maneira firme. — Você é quem está expondo um policial que está apenas cumprindo ordens e realizando seu serviço.

— É exatamente assim que chamam quando policiais brancos confundem autoridade com abuso de poder? Lei? — A garota despejou uma risada debochada. — E não vou desligar meu celular, estou no meu direito.

Randy respirou fundo e apenas balançou a cabeça negativamente, seguindo com o latino à tiracolo resmungando e procurando esconder-se da câmera. Dois policiais o seguiam e encaravam a moça, que passou a ir atrás deles como se sua vida dependesse daquilo. Ela já fora como aquele latino, ela já fora o centro das atenções de maneira negativa e sua empatia lhe dizia que deveria fazer algo.

Um dos cães latiu, mas Tami não se sentiu intimidada e só de perceber que outra pessoa negra estava ao seu lado, sentiu-se aliviada. Algumas pessoas começaram a tirar fotos e os flashes tomaram de conta do saguão.

— Estão vendo o que é ser um estrangeiro latino em um país como esse? — Perguntou ela, com altura suficiente para a sua voz se sobressair aos burburinhos pelo salão de desembarque.

— Acudam! — Uma mulher berrou entre a multidão.

— Ele está fugindo! — Um dos policiais gritou.

A garota esquecera completamente do rapaz latino e voltou sua atenção para o policial que outrora o algemara. Ele estava debatendo-se no chão. No mesmo instante, Tami desligou a câmera e correu até o oficial, ajoelhando-se próxima do corpo e colocando a cabeça dele em seu colo. Outras pessoas se reuniram ao seu redor, preocupadas. Algumas chamavam a segurança, outras os paramédicos.

— A órbitas estão reviradas, a língua enrolando… — A professora disse apavorada, a voz permanecia trêmula. Puxou a língua dele para fora. — É um ataque epilético! Onde estão os paramédicos? Chamem ajuda rápido!

Olhando para o homem ali deitado sobre suas pernas, a adrenalina subindo, ela lembrou-se do dia em que salvou um de seus alunos de um ataque de epilepsia.

— Eu não vou sair daqui… — E olhou para o distintivo no peito do policial. O seu nome também estava em um crachá de metal pendurado bem ali. —… Randy.

XXXXX

Uma mulher trajando vestimentas maltrapilhas comia seu sanduíche com voracidade. Os alfaces pendiam para o lado, mas ninguém se importaria com a cena, ela sabia. A não ser que uma sem-teto estivesse no meio da praça de alimentação de um aeroporto devorando o que poderia ser o único alimento do dia, graças a um desconhecido que lhe pagara o lanche.

Assim como era incerto estar ali no dia seguinte. Como também poderia não haver nenhum desconhecido lhe pagando um lanche.

Essa era a rotina nômade de Jane, uma oriental que costumava transitar lá e cá pelos arredores do aeroporto, pedindo por trocados, comida ou qualquer outra forma de ajuda. Porém, as pessoas não a notavam, e se notavam, paravam para perguntar o que uma mulher oriental tão esbelta e bonita fazia como andarilha no Amelia Earhart. De certa forma era verdade, se não fosse pelas roupas sujas e rasgadas Jane chamaria ainda mais atenção. Seu corpo magro não era consequência somente dos dias sem comer, mas de uma forte pré-disposição genética.

Infelizmente, ela não tinha qualquer lembrança guardada, então sentia apenas um imenso vazio quando tentava ao menos recordar como era o rosto de sua mãe. Elas eram muito parecidas? E seu pai? Por que eles deixaram que isso acontecesse com Jane? Eram perguntas recorrentes.

Os cabelos negros e um pouco frisados estavam amarrados em um rabo de cavalo simples, enquanto haviam leves rastros de fuligens em suas bochechas. Ela deu mais uma mordida feroz no sanduíche e um pedaço de carne caiu no chão. Olhando para os lados, ela abaixou-se e pegou a carne, levando de volta à boca. Um rapaz negro encarou seu gesto e pediu uma água, apoiando o cotovelo no balcão.

Jane escondeu um pouco o sanduíche e o jovem continuou sério, com sua feição de antipatia. A moradora de rua fez cara feia e começou a comer o resto do lanche com pressa. As expressões dela dizem o contrário do que ela tá mostrando, o jovem notou. Ele era muito bom em ler pessoas, mais do que ler livros. Achava um passatempo divertido.

— Assim você vai acabar morrendo engasgada, sabia? — Ele disse em um tom confortável.

— Isso não é da sua conta. — Ela respondeu seca, lambendo os dedos e saindo dali com uma das bochechas ainda cheia de comida.

XXXXX

Pouco antes dos paramédicos aparecerem, o policial abriu os olhos e a primeira coisa que viu, foi a jovem negra que outrora lhe filmara, sorrindo para ele. E então entendeu a situação, ele havia tido outro ataque, mas dessa vez a exposição fora maior. Ninguém de sua corporação sabia de sua epilepsia. Agora todos sabiam.

Um dos paramédicos se aproximou calmamente e ajudou a garota a levantar o homem. Disse:

— Você tem sorte de ter essa garota por perto, seus primeiros socorros foram essenciais. Mas você não teve nada sério, só precisa de repouso agora.

Randy olhou para a moça e sorriu, desconsertado.

— Muito obrigado. — Agradeceu, estendendo a mão para um aperto. — E me desculpa pelo que você viu, eu tive que algemá-lo porque ele resistiu.

Tami apertou sua mão e torceu os lábios, sem saber exatamente como começar a responder. Arriscou:

— Não precisa agradecer, a gente nunca sabe de onde vai vir a ajuda quando estamos em perigo. — Sorriu de maneira doce. — Eu também preciso me desculpar, porque você estava certo. Seu suspeito fugiu, talvez ele fosse mesmo culpado pelo porte de drogas.

Sem esperarem, um vento frio bagunçou os cabelos de Tami e fez Randy arrepiar-se. De onde veio aquela sensação estranha de algo ruim chegando?

XXXXX

A conversa de Lucky com a administração do aeroporto não levou a nada, os responsáveis negaram tudo, como o jornalista já sabia que fariam, mas não isso não o impediria de conseguir sua matéria. E tirando o lanche que pagara para uma asiática, que parecia moradora de rua, tudo estava normal naquele lugar.

Ele havia pesquisado muito sobre o aeroporto para saber que havia algo de errado em sua construção, como a grande movimentação de veículos e da enorme quantidade de túneis na área de carga, muito exorbitante para um simples aeroporto de cidade pequena.

Saindo da sala da administração, Lucky revisou as plantas do aeroporto em seu celular, mas imagens que ele conseguira encontrar eram desconexas, como se fossem feitas por vários engenheiros diferentes. Assim como o fluxo de militares que passavam hora ou outra por ele no saguão. Nada fazia sentido naquele lugar.

O jornalista engoliu a seco e continuou investigando, ele foi até o que parecia ser um dos túneis por onde os funcionários do aeroporto circulavam e entrou. Só que aquele corredor parecia não ter uso, nenhum funcionário passou por ele para atrapalhá-lo e Lucky agradeceu por isso, mas depois de alguns minutos, aquele silêncio se tornou preocupante.

Hesitou um instante sobre qual caminho seguir, cercado por diversos canos que seguiam o comprimento das paredes. Era possível notar ar um cheiro metálico e pesado, que fazia o seu nariz arder, como metais sendo superaquecidos. Começou a caminhar pelo corredor, procurando por uma saída, cada vez mais rápido. O ritmo da pulsação de seu coração aumentou e Lucky sentia que alguma coisa estava atrás dele. Algo escuro o suficiente para fazer sua espinha gelar.

Algo que o observava, aproximando-se cada vez mais.

Lucky seguiu caminhando nos labirintos de corredores, que pareciam nunca acabar. Entre as paredes de tijolos cimentados e sufocantes, admitindo que estava com medo, não só do que poderia encontrar, mas também das centenas de perguntas que apareciam em sua mente, sendo que ele não conseguia responder nenhuma delas.

A claridade o incomodou um pouco. Lucky não tinha se dado conta de que tinha saído no terminal de desembarque do aeroporto e sem querer, ele acabou se esbarrando com uma moça loira que usava um casaco de pele sintético, derrubando a bagagem dela.

— Me desculpa. – Disse ele, se recompondo do susto. – Me deixa te ajudar.

— Tudo bem. – A loira falou com um forçado sotaque inglês. – Eu posso pegar tudo sozinha.

Ele a reconheceu como a russa que competia na luta assistida pelo filho na noite anterior, Astrid. A loira parecia nervosa e olhava constantemente ao seu redor, como se estivesse com procurando por alguém e então se afastou do jornalista, com um sorriso constrangido.

Lucky sentiu uma brisa gélida atravessar o seu corpo, a sensação de estar sendo perseguido não diminuiu e só parecia estar cada vez mais forte, conforme uma dor de cabeça começava a se manifestar.

XXXXX

Um carro estacionado na entrada do terminal desembarque chamou a atenção de um segurança à paisana. Ele teria passado direto, mas escutou um barulho que o fez se dirigir ao veículo com curiosidade, um barulho de tique-taque. E antes que o pobre homem pudesse fazer algo, o carro se desfez em pedaços numa bola de fogo, acertando e matando o segurança imediatamente.

As portas de vidro reforçado do terminal foram estilhaçadas com o deslocamento de ar, lançando pedaços enormes de vidro em alta velocidade pelo ar. Após o susto e da gritaria inicial, um silêncio grutural se fez no saguão do aeroporto. Todos se agacharam e olhavam uns para os outros, tentando compreender o que tinha acontecido.

Até que todos os olhares se voltaram para uma moça morena de chapéu, que tinha sido atingida pelos estilhaços e segurava o pescoço com as duas mãos. O vívido olhar dela logo se perdeu, quando uma cascata de sangue escorreu do ferimento aberto em sua carótida e ela caiu de joelhos, se contorcendo e tossindo sangue até não poder mais.

— Mas que droga foi essa? – Perguntou o sujeito tatuado, que se aproximava da lutadora russa.

— Eu não sei. – O olhar de Lucky se voltou para ele e em seguida, para a mochila que ele carregava. Um som de tique-taque. - Tira a mochila agora!

Lucky se afastou e puxou a russa consigo, o tatuado não entendeu o motivo e tirou os fones de ouvido, até se tocar do barulho que provinha dele. Astrid não teve chance de gritar, num minuto o rapaz do cabelo rosa estava ali e no outro, uma explosão dizimara o corpo do tatuador em pedaços, que fez jatos de sangue fresco espirrar no rosto da lutadora e do jornalista.

A explosão e a chuva de sangue foram o bastante para iniciar o caos no terminal de desembarque. O carro bomba no estacionamento atingira outros carros também, que formaram uma parede de fogo na saída externa do terminal, os passageiros não tiveram escolha a não ser voltarem para dentro do aeroporto.

— A gente precisa sair daqui! – Gritou Lucky para a lutadora.

O pilar de sustentação daquela área fora abalado com a explosão e logo, rachaduras intensas surgiam nas paredes próximas da moça asiática, que parecia ainda mais perdida no meio daquele caos. O jornalista tentou gritar para que ela saísse de onde estava, mas no segundo seguinte, a pilastra desabou em cima da asiática e de outras duas pessoas.

No andar superior ao terminal, mais um forte tremor fora sentido. Outra bomba tinha sido detonada e as luzes do terminal começaram a piscar, deixando as pessoas assustadas no escuro por alguns rápidos momentos. As rachaduras que cresciam da parede ao teto, faziam a fiação elétrica do aeroporto ficar exposta.

Um policial que trabalhava junto com os seguranças para orientar melhor a saída das pessoas. Um cabo elétrico que se partiu e despencou do teto, atingindo o policial desavisado, que fora arremessado para longe com a força do choque elétrico, tremendo em espasmos involuntários até seu coração parar.

Uma loira bem vestida gritou apavorada com a cena, mas enquanto corria, ela foi empurrada por um rapaz negro e caiu sem jeito no piso. Ela pediu ajuda para se levantar, mas ele simplesmente a ignorou e acabou sendo chutada e esmagada por pés atônitos. Naquele momento ninguém conseguia enxergar para onde ia, só pensavam unicamente em sobreviver. Um pouco de sangue escorria de sua boca e a dor de suas costelas se partindo e perfurando seus órgãos era excruciante, fazendo a gritar de dor.

Lucky não pode vê-la mais, mas consegui escutar que segundos depois, o grito dela cessara.

O mesmo rapaz que empurrara loira, dava cotoveladas e xingava as pessoas que corriam na sua frente. Ele passou por Lucky e Astrid, visivelmente alterado. Uma explosão seguinte, vinda de algum lugar no piso acima deles, fez com que uma pequena parte do andar acima deles desmoronasse e caísse sobre as pessoas.

O rapaz mal teve tempo de olhar para cima, quando um bloco de concreto acertou o seu rosto. Sua cabeça girou 180° graus e a pele de seu pescoço se rasgou, deixando sua cabeça pendurada por um mísero pedaço de carne, até finalmente despencar e rolar para longe.

Astrid desviou o olhar e por um breve momento, parecia estar com falta de ar. Lucky relembrou de seus piores momentos, quando vira coisas muito parecidas nos ataques aéreos contra Síria.

— Vamos por aqui. – Lucky indicou a direção oposta.

Aquela área do aeroporto começara a colapsar de vez, a estrutura de ferro no teto rangia e se partia em diversos pedaços cada vez maiores, Lucky e Astrid conseguiram chegar à área dos freeshops, um lugar relativamente não afetado pelas explosões, mas as rachaduras no piso aumentavam conforme o teto desabava, soterrando aqueles que estavam abaixo. Além do mais, o curto circuito na fiação elétrica causara um incêndio, que podia parecer ainda tímido no início, mas que logo ganharia força.

Perto deles, uma viga de ferro caída estava prendendo o corpo de um piloto. O rosto dele estava sujo de poeira e havia uma linha de sangue escorrendo de sua cabeça. Um rapaz de óculos tentava ajudá-lo, mas mesmo tendo um corpo atlético, a viga de ferro era pesada demais para que ele pudesse levantá-la.

Movido por uma força maior, Lucky parou para ajudá-los, antes que o fogo que tomava conta das lojinhas do freeshop chegasse até eles.

— O que está fazendo? – Astrid perguntou.

— Me ajuda a tirar ele.

Astrid segurou o corpo do piloto por trás, enquanto Lucky e o rapaz puxavam a viga para cima, mas o movimento brusco teve uma consequência inesperada, o metal retorcido da viga estava enterrado no tórax dele, que ao ser puxado, rasgou a barriga do piloto, abrindo espaço suficiente para que os órgãos dele escorressem para fora.

O rapaz de óculos se curvou para frente, como se fosse vomitar, mas não havia mais em seu estômago para ser colocado para fora. Toda aquela adrenalina deixava a mente do jornalista confusa e suas roupas estavam cobertas com o sangue do piloto.

— A gente ainda pode encontra uma saída. – O tom esperançoso na fala da lutadora trouxe mais energia para os rapazes.

—Por aqui! – O jornalista falou com o rapaz de óculos, que pareceu sair de seu estado de pânico e seguir o barulho de sirenes do corpo de bombeiros que soavam ao fundo.

Uma explosão seguinte atingiu o trio. O tímido rapaz de óculos corpo foi atirado acima da amurada de vidro da escada rolante, que levava ao estacionamento no andar inferior. Ele se segurou no corrimão de metal, mas sentiu seu corpo ficar cada vez mais pesado.

— Segura firme! – Lucky conseguiu reagir rapidamente e segurava sua mão, tentando puxá-lo para cima.

— Eu não consigo... - As mãos de ambos ainda estavam molhadas com o sangue do piloto e por mais que um tentasse segurar o outro, suas mãos escorregavam. O rapaz de óculos caiu de costas no andar abaixo, em cima de muita bagagem queimada e ferro retorcido. Seu corpo foi perfurado em vários lugares e muito sangue emergia dos ferimentos, mas o rapaz não se mexia mais.

O grito da loira foi o que chamou a atenção do jornalista de volta.

A explosão tinha atingido a lutadora seriamente. As chamas cresciam e o consumiam o tecido sintético de suas roupas, que derretia e grudava no corpo de Astrid. Quanto mais ela tentava tirar seu casaco, mas ela arrancava a própria pele sem querer. Lucky não conseguia se aproximar, não havia extintores de incêndio ou nada que pudesse ajudá-la. Os olhos da lutadora continuaram abertos, fixados em Lucky, mas luz dentro já havia se apagado.

Cercado por fogo em todos os lados, Lucky se viu sem saída. Ele cobriu o nariz com as mãos, mas a fumaça tóxica conseguia entrar em seus pulmões, impedindo-o de respirar e deixando o cada vez mais desorientado.

Lucky percebia que sua consciência ia embora. Ele se encolheu e sentiu a mesma sensação de quando estava no túnel, de que algo se aproximava e então ele o viu. Um vulto negro que se confundia com a fumaça e caminhava em sua direção, Lucky sentiu que as batidas de seu coração diminuíam, conforme aquela fumaça o queimava por dentro e aquele vulto se aproximava para abraçá-lo.


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Notas finais do capítulo

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