Meu amado é um lobisomem escrita por Lailla


Capítulo 4
Capítulo 4: Afeiçoamento repentino




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Yuzo desapareceu por um tempo de novo. Pensava agora que ele não voltaria mais depois de seu rosnar. Mas estava enganada.

Continuei a cuidar da horta. As árvores continuaram a dar frutas e eu vendia maçãs para a mãe de Sana. Consegui economizar e com o dinheiro que meu pai me deixara, comprei um jipe para mim. Um carro comum não chegaria inteiro até minha casa, como o táxi quando cheguei. O carro acabaria quebrando ou indo para o conserto constantemente. O jipe era cinza e me ajudou a não pegar mais ônibus, chegando também mais rápido aos lugares.

Liguei para a empresa, dizendo que em algumas semanas estaria em Kansai. Não podia perder essa oportunidade, avisei que estava empacotando minhas coisas. Pretendia também doar as coisas do meu pai. E foi o que fiz. Doei roupas, os móveis de seu quarto e algumas coisas dele, como a vara de pesca que estava dentro de seu armário. Fiquei apenas com os álbuns de fotografias.

Senhora Kei tomava chá comigo algumas vezes, me fazendo companhia e perguntando se eu já havia alugado um apartamento. Falei que ainda estava vendo bons apartamentos e tinha algumas opções. Ela quis saber no que eu trabalharia em Kansai e expliquei que seria no setor de planejamento de produção. Definiria os tipos e como seria feita a plantação dos conjuntos dos produtos agrícolas do ano, o custo e o preço final. Expressei como estava contente por logo conseguir um emprego assim, consegui boas recomendações dos professores da faculdade.

Encontrei-me com Sana um dia desses e fomos para uma lanchonete. Pedimos lanches e bebíamos milk-shake. Ela estava de folga nesse dia e Haku trabalhando, então foi até minha casa me convidar para passarmos um tempo juntas.

— Conseguiu achar aquele rapaz? – ela perguntou.

— Sim. Ele me contou o que gostaria de saber.

— E...?

— O que?

— Ele é bonito?

— Isso não vem ao caso. – sorri, achando graça.

Sana riu.

— Pensei que depois de encontrá-lo, você sairia com ele talvez. Nunca a vi se interessar por ninguém.

— Fiquei sete anos fora.

— Mas até os 16 nunca disse se gostava de alguém.

— Ah, eu gostei de um garoto daqui, mas ele se mudou da cidade antes de terminarmos a escola. Fora isso tive alguns namoros no colégio e faculdade, mas nada sério.

— Por que não? – perguntou Sana, curiosa – Desculpa eu estar fazendo essas perguntas, mas não nos vimos nenhuma vez nesses sete anos.

— Tudo bem. – achei graça – Bem, eles... Queriam mais do que eu poderia dar.

— Como assim? Tipo casamento e filhos?

— Não. Eu quero isso. – sorri, imaginando – Ele queria ou que minha atenção fosse toda para ele, ou que eu largasse meus estudos para ir para a cidade dele, ou que planejasse ficar na cidade para ficarmos juntos mesmo sabendo que eu partiria. Problemas diferentes vindos de pessoas diferentes. Mas eles sempre queriam algo que eu não poderia dar.

— Entendo.

— Mas acho que não gostava deles o suficiente pra me arriscar. – confessei.

— E se gostasse teria deixado a faculdade?

— Não. – ri – Mas teria ao menos esperado até o fim, pedido para ele esperar.

— Mas e agora?

— Como assim?

— Quando for para Kansai você poderá se deixar levar por alguém.

— Sim. – sorri – E você? Quando vai se casar?

Sana sorriu.

Voltei para casa e peguei um dos livros que ainda não havia encaixotado, me sentando na entrada com os pés nos degraus de pedra. O livro que peguei foi um dos primeiros que meu pai me dera. Ganhei de presente quando tinha nove anos. A história era infantil, sobre uma raposa e um coelho. Contava como os dois eram diferentes e como suas famílias diziam que eles nunca poderiam ser amigos. Mas que no final eles continuaram amigos e mudaram o pensamento de todos. Era um pequeno livro com a capa amarela e o título com o desenho da raposa e do coelho.

Senti a brisa que passava e movimentava meu cabelo. Pus uma mecha atrás da orelha e olhei rapidamente pra a horta, voltando para o meu livro. Os grandes parágrafos eram acompanhados por desenhos que representavam a história. Virei a página para continuar, porém olhei para a direita e vi Yuzo sentado bem próximo a mim. Agarrei o livro, me assustando e arregrando os olhos.

— O que faz aqui? – perguntei.

Yuzo levantou de forma acanhada – algo que vi pela primeira vez ele fazer – e ficou à minha frente.

— Você pode... Cortar meu cabelo?

— Hã? – exclamei.

Ele abaixou o olhar e se virou para ir, porém levantei e agarrei seu casaco como parecia sempre fazer. Aceitei cortar seu cabelo e entramos. Pus uma cadeira da cozinha no cômodo principal e Yuzo se sentou, tirando o casaco a meu pedido. Procurei por uma tesoura de cortar cabelo e achei uma na gaveta da cozinha. Fiz com que ele molhada o cabelo na pia e o penteei para cortá-lo após dividir ao meio.

Quem cortava o cabelo do meu pai era eu. Minha mãe me ensinara quando pequena, antes de mim, ela o cortava. Me lembrava como se fosse ontem. Sempre que o cabelo de papai ficava grande demais, eu o chamava para cortá-lo. Não sei com quem ele cortava seu cabelo depois que fui para Tokyo, provavelmente ia a um barbeiro, mas sentia faltava disso.

Yuzo ficou parado enquanto eu o fazia. Passei as mãos por seus cabelos, segurando mechas entre o dedo indicador e o médio e cortava seus cabelos pretos azulados. Eram macios e tão pretos que tinham ao fundo a cor azulada. Quando terminei, ajoelhei-me à frente dele e coloquei as mãos nas laterais de sua cabeça para esticar o cabelo dos lados e ver se o corte estava alinhado. Olhei consecutivamente cada lado, vendo que estavam corretos e olhei nos olhos de Yuzo. O olhar sério e penetrante que sempre mostrava, porém agora parecia ligeiramente surpreso. Continuei com as mãos dentro de seu cabelo. Estava curto, masculino e bonito. Eu podia ver seu rosto e seu cabelo era naturalmente arrepiado. Enquanto secava ficava cada vez mais arrepiado. Corei enquanto o olhava, seu olhar estava fixo no meu.

— O que está fazendo? – perguntou.

— Vendo se está alinhado. – disse, recuando as mãos – Está bom. – sorri – Tem um espelho no meu quarto. Pode ver.

Yuzo assentiu e procurou pelo meu quarto. Quando entrou, vi a luz se acender. Ele ficou algum tempo lá enquanto eu varria seu cabelo do chão. Quando joguei fora, ele apareceu na cozinha com a expressão acanhada, olhando para o chão.

— Obrigado.

— Não há de que. – sorri suavemente ao me endireitar.

Ele deu dois passos à frente, me olhando.

— Você disse que eu poderia vir comer quando quisesse.

— Sim. O que você quer comer?

— Não sei. – ele abaixou o olhar, mexendo na ponta do cabelo.

— Eu posso ir comprar alguma coisa.

— Não precisa.

— Não tem muita coisa aqui pra fazer o jantar para dois, então... – dei de ombros.

Yuzo assentiu, acanhado mais uma vez.

Vesti uma calça no quarto e pus o casaco. Peguei a chave na estante e perguntei se ele gostaria de ir comigo. Ele pareceu não querer, porém insisti e por fim acabou me acompanhando. Fomos com meu jipe e Yuzo pareceu ter visto a cidade pela primeira vez na vida ao chegarmos. Fomos para o mercado e enquanto eu pegava algumas coisas, percebi que ele havia sumido. Procurei-o, passando pelas estantes e o vi olhando para um pôster de comida. Me aproximei, ele olhava para uma propaganda de Sukiyaki na parede. Segurei a cesta de compras à frente do corpo, sorrindo.

— Quer comer Sukiyaki?

Yuzo me olhou e vi ligeiramente suas bochechas corarem.

— Faz o que for fácil.

Sorri novamente e assenti. Peguei carne, udon, cogumelo shitake e as verduras eu tinha várias em casa. Fomos para o caixa e a moça que me atendera não parou de olhar para Yuzo nem por um momento. Além de bonito, ele era novo na cidade para muitos. Todos conheciam a todos, então como ela não o conhecia seu olhar não desconectava dele. Porém Yuzo nem notou, seu olhar não parava de percorrer o lugar e o lado de fora. Quando saíamos ele ficou ainda mais inquieto.

Ao voltarmos para minha casa e passarmos pela casa da senhora Kei na estrada, ela nos viu e acenou. Com certeza depois viria para perguntar quem seria o rapaz que estava comigo dentro do carro e indo para minha casa. Ela estava praticamente fazendo o trabalho do meu pai.

Yuzo me ajudou com as sacolas, dizendo – quase murmurando – que eu não precisava ter comprado tudo aquilo por causa dele. Falei que gostava de Sukiyaki também, então não estava fazendo apenas por ele. Yuzo me ajudou a cozinhar, cortando a carne e os vegetais para mim. Porém algo estranho aconteceu. Quando fui lhe entregar a faca, ele já havia começado a cortar. Sem nada nas mãos. Perguntei como ele havia feito aquilo, mas ele apenas ficou calado e pegou a faca, continuando.

Nos sentamos e comemos juntos. Na mesa havia a panela do Sukiyaki, o molho shoyu e o wasabi. Assim como nossas tigelas e os hashis. A última vez que comi assim com alguém foi na casa da minha tia com ela e minhas primas. Yuzo prontamente pegou os hashis dessa vez. Sorri, olhando para minha tigela. Durante o jantar houve algumas coisas engraçadas, como quando ele espirrou sem querer o molho no nariz quando sugou o udon para dentro da boa e quando ele pegou o wasabi numa quantidade maior que o normal e sua boca ardeu. Yuzo bebeu quase três copos de água para parar de arder.

— Posso fazer uma pergunta? – disse ao voltarmos a comer.

— Hum.

— Por que deixou a escola?

Ele hesitou.

— Porque não queria mais ir. – falou simplesmente.

— Seus pais não disseram nada?

Yuzo se calou. Percebi que havia tocado em um assunto delicado. Suas sobrancelhas franziram e a expressão se tornou sério. Abaixei a cabeça, comendo em silêncio. Pensei que o resto da noite se resumiria a terminarmos de comer e ele ir embora. Porém Yuzo cortou o silêncio.

— Quer andar comigo na floresta amanhã?

— O que? – o olhei, surpresa.

— Andar... Comigo.

Encolhi-me na cadeira. Por acaso ele estava me chamando pra sair? O rapaz da floresta estava me chamando pra sair? Yuzo me olhava, atento, provavelmente esperando pela minha resposta. Claro que ele estava esperando pela minha resposta!

— Sim. – sorri, tentando não corar muito.

Yuzo voltou a comer, abaixando o olhar. Quando terminamos, ele se foi, adentrando a floresta. Tranquei a casa para dormir, ansiosa pelo dia seguinte.

Acordei com senhora Kei batendo em minha porta na manhã seguinte. Ela trouxe o café da manhã num pote dentro de sua sacola. Perguntou se eu havia passado a noite bem e se estava sozinha. Deixei uma risada escapar e a deixei entrar, dizendo que foi apenas um jantar com um amigo. Tomamos o café da manhã juntas enquanto eu contava quem era o rapaz com quem ela me viu dentro do carro. Senhora Kei ficou surpresa por eu tê-lo levado para casa e ficado sozinha com ele, mas contei que ele era o amigo do meu pai a quem eu tanto procurava.

Pareciam infinitos os minutos que ela conversou comigo sobre confiança e levar um rapaz desconhecido para casa. Queria ter gargalhado, mas não podia fazer isso com ela. Pensava apenas no que ela diria se eu contasse que passearia com Yuzo na floresta. E eu tinha razão em achar que ela diria para eu não ir. Quando contei, ela disse:

— Mas você irá? Ele é um rapaz, mas é um desconhecido.

— Bem, eu sei algumas coisas dele. E ele era amigo do meu pai, contou para mim que meu pai era como um pai para ele.

— Isso pode ser mentira, querida.

— Meu pai tinha fotos com ele desde que ele era adolescente. Eles se conheceram há anos. Achei as fotos no armário dele.

— Qualquer coisa vá para minha casa.

— Sim, senhora. – sorri.

Não sabia se um passeio pela floresta era um encontro, então não sabia que roupa usar. E Yuzo não havia dito que horas me encontraria. O que me deixou louca! Acabei optando por uma calça jeans, tênis e uma camisa rosa-claro. Esperei desde o almoço por Yuzo, sentada na frente de casa com os pés nos degraus. Fiquei ali por algumas horas, pensando que ele havia se esquecido de mim. Abaixei a cabeça, abraçando os joelhos, estava frio mesmo com o casaco. Ouvi passos e levantei a cabeça, vendo Yuzo caminhando em minha direção.

— Desculpa. – disse ele – Não falei quando vinha.

— Tudo bem. – sorri, levantando.

Não fazia ideia sobre o que faríamos durante o passeio. Ele caminhou comigo pela trilha em silêncio no começo, porém quando vimos uma raposa, ele contou que ela vivia em uma toca por ali e tinha filhotes. Me surpreendi e perguntei como ele sabia daquilo. Ele hesitou e disse que já havia visto os filhotes uma vez, mas correram de volta para a toca. Yuzo parecia conhecer bem a floresta. Me contou várias coisas incríveis sobre os animais e plantas que haviam ali. Passei a olhá-lo enquanto ele falava e o vi sorrindo pela primeira vez. Um sorriso feliz de quem falava sobre o que mais amava na vida. Admirei aquele sorriso e mais ainda sua admiração pela floresta.

Yuzo me levou até o rio que conheceu meu pai e me contou como se conheceram. Nos sentamos em pedras e me disse que estava tomando banho no rio quando meu pai apareceu de repente, devia estar fazendo sua caminhada diária. Perguntou o que Yuzo fazia e disse para ele sair da água e se secar, pois faria mal à sua saúde tomar banho ao ar livre no outono. Yuzo o fez e papai perguntou por que ele estava ali sozinho. Foi quando Yuzo contou que morava na floresta. Ele tinha doze anos.

Queria saber mais sobre ele, mas Yuzo não me contou nada sobre sua história antes de conhecer meu pai. Na verdade ele não me contava nada sem que meu pai não estivesse com ele. Yuzo contou que ficava fora por algum tempo às vezes, mas nunca dizia para onde partia. Apenas voltava no ponto em que reencontrava meu pai. Eu perguntava, sempre queria saber sobre ele em si, mas ele sempre se calava e voltava a contar a história de onde parou. Isso me irritava um pouco, porém pensava que ele poderia ser apenas reservado.

E assim foram as seguintes semanas. Passeávamos pela floresta com Yuzo contando histórias sem fim sobre a natureza. Histórias as quais eu prestava atenção fielmente, admirando sempre seu sorriso. Ele me visitava em casa e às vezes para jantar comigo. Yuzo parecia gostar da minha comida. Sempre me pedia para cozinhar a mesma coisa dois dias seguidos e normalmente no almoço, pois ele passava a tarde comigo e jantava depois.

Yuzo poderia ser sério, franzir as sobrancelhas constantemente e usar as mesmas roupas várias vezes. Mas ele era uma pessoa incrível. Podia ser divertido e engraçado também. Ele me fazia rir de algumas histórias de animais que contava, como o pássaro que se distraiu quando o viu de repente e se chocou numa árvore. Ele cuidou do pássaro, mas a história foi engraçada. E ele era engraçado mesmo sem querer, como quando bateu a cabeça numa das colunas na minha casa ao levantar e não ver o que estava atrás dele. Seus olhos pareciam ter girado sem parar por ele ter ficado tonto. E eu detestava ser desastrada na frente dele. Principalmente porque ele me chamava assim.

Várias vezes tropecei e caí na trilha enquanto passeávamos por causa de galhos que nunca via no chão e duas vezes caí no rio, chegando perto demais e me desiquilibrando. Yuzo parecia saborear as palavras saindo de sua boca quando me chamava de desastrada. Começou a rir de mim e a se expressar mais. Agradeci por poucos momentos por ser desastrada. Ao menos ganhava sorrisos vindos dele.

Numa manhã eu estava cuidando da horta, ajoelhada no chão e mexendo na terra com as luvas quando Yuzo chegou de repente depois de alguns dias. De vez em quando ele desaparecia sem dar notícias, mas sempre voltava e me fazia uma surpresa.

— Tsuki. – disse ele, ajoelhando ao meu lado e esfregando o nariz no meu cabelo ao cheirá-lo.

Sorri, corando. Há uma semana e meia ele começara com isso e eu estava gostando desse cumprimento.

— Vai vender hoje?

— Sim. Quer vir comigo?

— Hum...

— Tudo bem. – resmunguei, sorrindo – Senhora Kei está perguntando quando vai te conhecer. Assim como Sana, Haku...

— Seus amigos?

— Sim.

— Tsuki... Não sou bom com pessoas.

— Eu sei! – arregalei os olhos para ele, que sorriu – Você parece com meu pai. Ele não gostava muito de socializar.

— Não é exatamente isso.

— Então o que é?

Ele se calou e eu continuei com a horta, pegando uma cesta. Yuzo me ajudou e entrou em casa comigo. Guardamos tudo e lavamos os vegetais. Ele disse que viria novamente mais tarde e foi embora. Eu fui trabalhar, indo de casa em casa e de loja em loja para vender o que colhi e voltei para o almoço. Pensei que Yuzo viria almoçar, porém ele nunca me falava a hora exata que viria. Arrumei meu cabelo e o prendi em um rabo de cavalo. Me olhei no espelho e o soltei, não sabia que penteado usar. Apenas queria ficar bonita pra ele. Penteei novamente e o deixei solto por fim. Suspirei e troquei de roupas umas três vezes. Detestava não saber o que vestir e sempre optava por algo simples. Uma calça jeans e uma camisa.

Esperei na frente de casa por ele, porém demorou tanto que entrei e comi uma fruta. Voltei para frente de casa e continuei a esperar. O sol iria se pôr em poucas horas e eu não gostava quando ele ia embora à noite. Achava perigoso, mas ele sempre me dizia que sabia o caminho e que eu não precisava me preocupar. Realmente ele conhecia a floresta muito bem, mas eu sempre ficava preocupada.

Sorri ao vê-lo se aproximar, porém havia algo errado. Yuzo estava sem camisa e passou pelo mato alto – um caminho incomum. Apareceu diante de mim com a expressão de dor e a mão nas costas. Em suas costas havia uma flecha no lado direito. Arregalei os olhos e corri em sua direção, apoiando-o.

— Yuzo! O que houve?

— Me ajuda. – ele pediu.

Entramos na minha casa e ele deitou no chão, rangendo os dentes pela dor. Fui até o canto do telefone e o peguei para ligar para a emergência.

— Não... – ele pediu – Tem que ser você...

— Temos que ir a um hospital! – exclamei, nervosa.

— Não... Você tem que tirar a flecha.

Hesitei, mas larguei o telefone e corri até ele, apoiando-o novamente e levando-o para meu quarto. O deitei no tatame e corri para a cozinha, abrindo os armários e derrubando várias coisas para encontrar o que queria. Corri para o quarto, Yuzo se contorcia de dor.

— Fique parado. – pus as mãos em suas costas e lhe dei uma toalha – Isso vai arder.

Ele assentiu e mordeu a toalha. Joguei um pouco de álcool sobre o ferimento, que se misturou ao sangue que escorria. O vi morder fortemente a toalha. O preparei no momento em que ia tirar a flecha e contei até três, arrancando-a da forma mais suave que podia, porém ele rosnou quando a flecha foi tirada. Ele rosnou. Como no dia em que toquei em seu cabelo quando me ofereci para cortá-lo. Fiquei nervosa, mas ele sentia dor. Então imaginei que era uma daquelas coisas estranhas quando a pessoa está no limite.

Joguei mais um pouco de álcool. Ele gemeu, porém menos. Desinfetei uma agulha e costurei o buraco da flecha com a linha mais grossa que tinha. Ele apertava o punho, porém agora não emitia som algum. A flecha não atingira o pulmão, estava próxima de seu ombro. E isso era bom. Enrolei uma atadura que tinha em meu quite de emergências e Yuzo parecia mais aliviado. “O que houve com você?”, pensei.

Arrumei minha cama e o fiz deitar. Dei-lhe um remédio para dor e Yuzo adormeceu. Preparei um pouco de chá para mim e fiquei sentada à mesa da cozinha, pensando e nem tocando na xícara. Pus os braços sobre a mesa e deitei a testa em minhas mãos. Ainda estava aflita. Vê-lo naquele estado me deixou apavorada. Mas agora o que mais me apavorava era quem teria feito isso com ele.

Ao anoitecer, Yuzo foi até a cozinha. Eu ainda estava sentada, olhando para o nada. Ele pôs a mão em minhas costas e me despertou.

— Você está bem?

Você está bem? – perguntei, olhando-o.

Ele assentiu, sentando ao meu lado.

— Era uma flecha... Era uma flecha! – falei, pensando – Quem atirou em você?

— Não importa.

— Claro que importa! E por que não quis ir ao hospital?

— Porque fariam as mesmas perguntas que você está fazendo.

— Claro que sim. – peguei a xícara e levantei, quebrando-a sem querer ao pô-la com força dentro da pia de pedra – Você aparece com uma flecha nas costas e eu tenho que desenvolver habilidades médicas. Me diga quem fez isso, por favor.

— Esqueça isso, Tsuki. Terei mais cuidado.

O olhei, indignada. O que ele fazia para alguém atirar uma flecha nele? Yuzo se levantou e veio até mim, segurando carinhosamente em meu rosto.

— Não posso contar... Então confie em mim. – ele pediu.

Olhava em seus olhos, hesitando. Porém, por fim, assenti e o abracei, chorando.

Yuzo dormiu na minha casa naquela noite. Dormi ao seu lado e quando acordei na manhã seguinte, ele não estava. Foi embora sem me avisar e isso me chateou. Ele sempre desaparecia e voltava alguns dias depois, porém ele não deveria fazer isso ferido. E como suspeitei, Yuzo voltou três dias depois.

Troquei suas ataduras e elas eram diferentes, ele devia estar se cuidando. Ainda bem. O ferimento estava cicatrizando bem, porém lentamente. Quando Yuzo vestiu sua camisa, me olhava sem parar como se pedisse desculpas. Ele pediu para eu confiar nele, então eu confiaria. Não perguntaria mais nada sobre isso. Porém não significava que meu medo por ele desapareceria de uma hora para outra. Ele me pediu para cortar seu cabelo de novo, mas acho que foi para não ficarmos calados sem olhar um para o outro. Sorri e assenti.

Cortei seu cabelo de novo, ele crescia rápido. Quando ajoelhei à sua frente e pus as mãos dentro de seu cabelo como antes para ver se o corte estava correto, Yuzo me olhou fixamente como na primeira vez. Corei ao olhá-lo, ficando imóvel com as mãos em seu cabelo. Yuzo era tão bonito e seus olhos amarelos tão intensos. Ele me olhava como se estivesse vendo dentro de mim. Um olhar íntimo, porém suave. Eu amava quando ele me olhava desse jeito. Porém naquele momento havia algo mais.

— Tsuki.

— Yu...zo?

Ele segurou em minhas mãos, baixando-as e encostando a testa na minha. Continuávamos a nos olhar e delicadamente Yuzo se aproximou e me beijou. Um toque suave que me fez estremecer. Ele parecia parar o beijo às vezes, porém sempre retornava a dá-lo em meus lábios. Tocou meu rosto e sentou no chão comigo, agora não parando sequer um minuto os beijos. Suavemente beijou minha bochecha algumas vezes, correndo para meu pescoço. Fechei os olhos, segurando em sua camisa. Quando parou, encostou a testa na minha mais uma vez, dizendo:

— Tsuki... Fica comigo?

— O que? – abri os olhos.

— Fica comigo.

— É... Por causa da flecha?

Ele abaixou o olhar, então entendi que não queria tocar mais nesse assunto.

— Quero ficar com você. – disse Yuzo – Como... Morar aqui, ter uma família.

Fiquei boquiaberta enquanto tentava imaginar o que deveria dizer. Em uma semana eu deveria partir para Kansai. Mas desejava ficar com Yuzo. Ficar com ele e viver o que ele falou. Não sabia que opção escolher e o que aconteceria, apenas sabia que queria ficar com ele. Então acho que seria essa escolha que faria.

— Sim. – sorri.

Yuzo sorriu, segurando minha cabeça e beijando todo meu rosto, fazendo-me rir.


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