A Valsa de Vênus escrita por Sarah


Capítulo 8
Capítulo 08




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Dezessete anos.

Rozênia escorregou da sela do cavalo com leveza, dando batidinhas no lombo da égua que estivera montando ao mesmo tempo em que a guiava para sua baia. Tanto ela quanto a égua estavam suadas. Tinha saído antes de o sol nascer e a tarde já ia quase pela metade.

Havia sido fácil estabelecer aquela rotina: passava as manhãs cavalgando, às vezes apenas andando sem rumo, às vezes caçando com o gavião que Eliza lhe dera anos atrás; em seguida enfurnava-se na sala de estudo de Marcella, secando plantas e dosando venenos, até que fosse muito tarde. A anciã encarava com reprovação aquele comportamento, mas não dizia nenhuma reprimenda expressa, limitando-se a fitá-la com uma expressão carrancuda. De qualquer forma, não era como se Rozênia quisesse conversar.

Tampouco havia visto Eliza nos últimos cinco dias. Não tinha ideia de como a outra estava se virando para se vestir e pentear — ou como vinha reagindo ao que quer que viesse depois de um pedido de casamento —, mas decidira que não se importava.

Foi uma surpresa, portanto, dar de cara com a menina logo após tirar a sela do cavalo e prendê-lo na baia. Eliza levantou-se de cima de um monte de feno, sacudindo o vestido. Rozênia não tinha reparado nela ao entrar, mas aparentemente ela estivera ali por algum tempo.

— O que está fazendo aqui? — questionou enquanto a outra se aproximava.

— Saí com Marcella para vila, quando voltei o encarregado do estábulo me disse que você estava cavalgando, e resolvi aguardar.

Ela estava esperando pegá-la desprevinida, portanto. Seja lá como fosse, Eliza devia estar se sainda bem sozinha, pois seus cabelos estavam perfeitamente trançados. O fato fez m nó de ciúmes apertar sua garganta. Ao reparar melhor nela, porém, percebeu que algo estava errado.

— Isso no seu vestido é sangue? — perguntou, a apreensão substituindo qualquer outro sentimento menos nobre.

— E isso nas suas calças de montaria? — a outra devolveu a pergunta.

Por reflexo, Rozênia olhou para baixo, analisando a si mesma. De fato, haviam respingos vermelhos sobre o bege das suas vestes.

— Estive caçando, não é nada. E você? Está machucada?

Eliza negou.

— Uma moça na vila precisou de ajuda com o parto.

Oh, Rozênia poderia rir com a irônia daquilo. Ainda era capaz de sentir sua faca sobre o pescoço do porco do mato que caçara, a forma como ele guinchara e lutara para escapar, e então o sangue fluindo. E, equanto isso, Eliza estivera tranzendo alguém à vida.

Talvez, afinal, as duas fossem ficar melhor separadas... — considerou, porém a mera ideia pareceu retorcer seu coração.

O cavalo relinchou, sacudindo a crina e tirando Rozênia de seu estupor. Passando por Eliza, pegou um saco de ração para alimentá-lo.

Parecendo constrangida, a outra se aproximou, recostando-se em uma coluna do estábulo e mudando o peso de um pé para o outro.

— Minha mãe me contou o que você fez... O que pediu para ela — Eliza declarou.

Rozênia apertou o saco de ração com mais força, os nós dos seus dedos ficando brancos. Imaginava que chegariam naquilo mais cedo ou mais tarde.

— Eu não estava querendo roubar algo de você — defendeu-se, mesmo não havendo acusação no tom de Eliza. — E, de qualquer forma, não adiantou nada.

Eliza sacudiu a cabeça.

— Quando você saiu do meu quarto, achei que estivesse com raiva de mim. Achei que nunca mais ia querer me ver... Céus, eu sei que você não quer se casar! Que você tenha se oferecido para tomar esse compromisso no meu lugar... — A voz de Eliza morreu na garganta.

Rozênia deixou cair o saco de ração ao lado do tratadouro, e o barulho fez o cavalo patear o chão.

— Seria mais fácil para mim. Eu ao menos posso apreciar os homens — disse com sarcasmo, forçando-se a sorrir.

— Não diga algo assim!  — Eliza a interrompeu, batendo os pés no chão em frustração.

Quando a encarou, Rozênia percebeu que ela estava chorando, e todo o esforço que fizera para manter-se inteira até ali pareceu ruir.

— Eu estava com raiva de você — admitiu. — Mas não estava te deixando! É você quem está fazendo isso!

Eliza torceu os dedos contra o vestido manchado de sangue.

— Não foi minha decisão, Rozênia! Eu não tive escolha!

— Mas aceitou isso!

Eliza deu a volta em si mesma, rosnando de raiva e respirando muito rápido. Demorou todo um instante para ela se recompor o suficiente para tomar fôlego e voltar a falar, e, quando o fez, parecia furiosa.

— E você não fez o mesmo? — ela questionou, e Rozênia franziu o cenho em incompreensão. — Não foi até minha mãe e disse que aceitaria se casaria em meu lugar, para me proteger? Qual a diferença? Eu aceitei o compromisso porque minha família sofreria se eu me rebelasse!

Rozênia arregalou os olhos como se adeclaração de Eliza a tivesse assustado. Definitivamente não tinha pensado nas coisas daquela forma. Quase sufucora de raiva por Eliza ter aceitado se casar tão facilmente, mas ela também tinha aceitado tomar o lugar da outra sem pensar uma segunda vez.

— Não é igual — contestou com um fio de voz. — Eu fiz isso porque sei o quanto você vai sofrer.

— Sim, você foi até minha mãe disposta a se sacrificar por mim. Eu me dispus a me sacrificar pela minha família. A única diferença é que eu não estava pensando apenas em você quando aceitei o compromisso — Eliza revirou os olhos, exasperada mesmo através do choro. — Nós sabemos que você sempre foi a mais egoísta.

De fato. Tinha se enclausurado em sua raiva e impotência, deixando Eliza lidar sozinha com o próprio desespero. Rozênia sentius suas bochechas pinicarem de vergonha por ter passado os últimos dias fugindo. Manter-se afastada de Eliza exigia um enorme esforço e, afinal, parecia sempre fadada a render-se perante a outra.

Deu um passo à frente, satisfeita por Eliza não ter se afastado. Em vez disso as lágrimas começaram a cair com mais intensidade, e ela voltou a recostar-se na coluna do estábulo em busca de apoio.

— Você pode me perdoar?

Eliza a ergueu os olhos. Levou um longo segundo, mas enfim ela sacudiu a cabeça em um gesto afirmativo.

Rozênia não tinha certeza de quem tinha se movido primeiro, mas então os braços de Eliza estavam ao redor do seu torso, e o rosto dela escondido em seu peito. Céus, devia estar cheirando a suor, sangue e feno, mas a outra não pareceu se importar. Correu os dedos pelas costas dela e, então, acarinhou seu cabelo.

— Vai ficar tudo bem — prometeu em meio a afagos gentis. — Eu vou dar um jeito.

— Você vai comigo? Quando eu for para o Vinhedo, você vai comigo? — Eliza pediu, seu autocontrole quebrando e o desespero finalmente ameaçando engolfá-la.

Talvez tivessem passado muito tempo juntas e se tornado muito parecidas, mas naquele instante Eliza soara tão egoísta quanto Rozênia sempre fora.

Assentiu, porque era o que a outra precisava no momento, porém não tinha a menor pretensão de partir com ela para o Castelo de Lorde Cassius.


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