A Valsa de Vênus escrita por Sarah


Capítulo 7
Capítulo 07




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Dezessete anos.

Eliza não poderia parecer mais pálida mesmo se estivesse morta. Rozênia não achava que estava muito melhor, tampouco.

— Como assim casamento?

— Você ouviu o que eu disse — ela rebateu a pergunta em um tom sem emoção, os olhos vidrados.

Eliza estava sentada na ponta da cama, a espinha reta e os dedos fechados sobre uma ponta dos lençóis em um gesto de nervosismo. Rozênia a tinha encontrado naquela posição ao entrar no quarto, e até onde sabia ela havia estado daquela forma durante boa parte da tarde.

— Ninguém fez a corte! — falou, indignada, e isso fez com que a outra voltasse os olhos para ela.

— Aparentemente fazer a corte é desnecessário quando o próprio rei sugere o casamento. Papai recebeu o primeiro corvo duas semanas atrás, assinado pelo rei, Rozênia.

Em contraste com a imobilidade da outra, Rozênia dava voltas pelo quarto, os pés batendo no chão com muita força.

— Quem se importa? Seu pai nem gosta do rei, você é filha dele, ele pode recusar!

Diante daquilo Elisa ganiu de frustração, batendo as mãos sobre o colchão. Dessa vez, quando encarou Rozênia, a raiva que ela vinha sufocando pareceu escapar pelas bordas.

— Pode recusar, mas só se quiser uma guerra! Você sabe melhor do que eu! Por que acha que sua mãe a trouxe para cá? O norte está a ponto de ebulição. Quanto tempo acha que os Castelos do sul podem se manter neutros? Mais um ano? Dois? Meu pai tem recrutado mais soldados do que nunca. O rei quer forçar alianças para que quando decidirmos um lado seja o dele.

Quando Eliza terminou de falar parecia que todo o ar tinha escapado do seu corpo, e ela respirava de forma descompassada. Rozênia, por sua vez, sentiu-se perder o fôlego. Oh, ela sabia de tudo aquilo, e ainda assim nada fazia sentido.

— Quem é a pessoa? — perguntou, os lábios comprimidos, obrigando-se a manter firme.  

Eliza deu de ombros, como se a questão não importasse.

— Lorde Cassius, do Vinhedo.

Rozênia poderia ter adivinhado. O Vinhedo era o último Castelo antes das fronteiras do sul, enquanto a Curva do Vento ficava na ponta do mundo: uma aliança entre os dois arrastaria todos os Castelos entre eles.

— Você está indo ser uma refém — Rozênia declarou, a consciência daquilo gelando seu sangue.

— É um casamento, Rozênia — Eliza contestou em um tom amargo. — Se Lorde Cassius tivesse tomado seu tempo para fazer a corte, não mudaria muita coisa.

Rozênia parou de andar por um instante para encará-la, o rosto vincado em uma expressão de desagrado.

— E você pretende aceitar isso?

Finalmente Eliza se levantou. Seu rosto, naturalmente corado, parecia queimar de raiva.

— O que espera que eu faça? Que eu me recuse e deixe meu pai enfrentar a ira do rei? Minha irmã é casada com o Lorde de Antares, e seu Castelo fica a um dia de cavalgada da capital. Meus irmãos foram mandados para estudar as artes da espada em Altair, e o Lorde daquele Castelo é conselheiro do rei. Todos eles estarão em perigo se meu pai desafiar as ordens do reino!

Quando Rozênia chegara à Curva do Vento os irmãos de Eliza já tinham partido, e era fácil esquecer que eles sequer existiam. Naquele não podia se importar menos com o que poderia acontecer com eles.

— Você não pode se casar!

A ideia era absurda. Eliza tinha chorado quando um garoto tentara beijá-la, como poderia se casar com um homem? Além do mais, imaginá-la na cama com outra pessoa revirou seu estômago. As Filhas de Vênus eram livres para se unirem com quem quisessem, e, não pela última vez, Rozênia desejou que sua mãe nunca a houvesse afastado da irmandade.

No entanto, em vez de se abalar com sua declaração, Eliza ergueu o queixo em desafio.

— Você não é a única pessoa que eu amo no mundo, Rozênia.

A declaração atingiu Rozênia como um golpe. A outra tinha seus pais e irmãos, todo um conjunto de primos e nobres vassalos que ela conhecia desde que nascera, além do fato de ser uma Lady. Obviamente, era muito para se abrir mão.

Rozênia, no entanto, não se importava com muito mais pessoas além dela, e essa consciência arranhou seu coração. Havia sua mãe, é claro, mas fazia anos que não via Leonora e, afinal, ela partira e a deixara ali como se estivesse se livrando de um problema. Gostava de Marcella, mas a anciã era sua mestra mais do que uma amiga. Lorde Bernard e Lady Lorena eram gentis, e Rozênia os respeitava, porém tampouco havia muito além disso na relação que mantinha com eles.

De repente, Rozênia se sentiu muito sozinha. Fitou Eliza por um longo instante, esperando que a outra fosse até ela ou dissesse mais alguma coisa, mas o olhar que recebeu foi apenas gelado.

Uma mistura de raiva, frustração e desalento ferveu em seu peito, e, antes que tudo aquilo pudesse se converter em lágrimas, Rozênia deu às costas a Eliza, batendo a porta ao sair do quarto.

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Embora não tivesse consciência de ter planejado aquilo, no terceiro passo pareceu muito óbvio para onde se dirigia.

Rozênia ouviu o vento assoviar enquanto corria pelo castelo em direção aos aposentos de Lady Lorena, cortando o caminho pelas cozinhas e enfiando-se por corredores estreitos que quase ninguém usava. Quando alcançou o quarto da Senhora, estava um pouco descabelada e qualquer preocupação com boas maneiras havia sido levada pelo vento.

Sequer bateu na porta, entrando no aposento num rompante.

Lady Lorena estava sentada à penteadeira, uma serva trançando seus cabelos para o jantar. A moça deu um pulo, assustada com a sua presença, e deixou cair a escova. Em contraste, Lady Lorena apenas a fitou com interesse.

— Saia — Rozênia ordenou, dirigindo-se à serva. — Preciso falar com sua Senhora a sós.

A moça arregalou os olhos castanhos. Oh, Rozênia sabia muito bem que não cabia a ela dar ordens em pleno quarto de Lady Lorena e que aquele tipo de atrevimento podia ser o suficiente para condenar alguém à morte, porém tampouco se importava. A serva procurou os olhos de sua Senhora em busca de orientação sobre como agir e pareceu um pouco decepcionada quando Lady Lorena fez um aceno afirmativo.

— Está tudo bem,Ilma, eu termino o penteado daqui, pode sair.  

Rozênia permaneceu impassível enquanto a serva passava por ela e fechava a porta às suas costas, os olhos fixos em Lady Lorena.

Quando ficaram sozinhas, cruzou o quarto, parando a frente da Senhora, e se ajoelhou.

— Minha Senhora, Lady Eliza me contou que vai se casar, e não creio que ela deseje essa união. Por isso, como sua parenta, peço que me deixe assumir essa obrigação no lugar dela — disse, encarando o chão, a cabeça curvada em sinal de submissão.

Aparentemente Lady Lorena estivera esperando um arroubo, mas não aquilo. Seu queixo caiu perante a declaração de Rozênia, e ela girou a cadeira para poder encará-la de frente.

— Criança — a Senhora disse em um tom consternado —, Eliza pediu que você viesse até mim fazer esse pedido?

Rozênia levantou os olhos para ela.

— Não! — disse com indignação. — Mas sei que essa obrigação seria um fardo para ela. Deixe-me assumir seu lugar, Lady Lorena! Não tenho seu nome, mas tenho o seu sangue, minha mãe é sua prima e poderia ter sido uma Senhora se não tivesse se tornado uma Filha de Vênus. Lorde Bernard pode me legitimar, ou me tomar como sua filha adotiva. Prometo nunca reinvidicar qualquer herança, apenas deixe-me ir no lugar de Eliza!

Rozênia nunca tinha visto sua mãe perto chorar, mas achava que ela teria a mesma expressão de Lady Lorena naquele instante.

— Levante-se — ela mandou com uma voz firme, a despeito da comoção em sua face, e Rozênia obedeceu. — Quando sua mãe a deixou aqui, me pediu que não a casasse com nenhum homem contra a sua vontade.

— Não seria contra minha vontade, Senhora — Rozênia interrompeu. — Estou implorando por isso.

— Oh, estou vendo — Lady Lorena falou, parecendo muito cansada, ao mesmo tempo em que esfregava os olhos como se aquilo não fosse mais do que um incomodo.

 Ela levantou-se, segurando os ombros de Rozênia e guiando-a para a espreguiçadeira junto à janela, sentando-se ao seu lado.

— Eliza deve ter contado a você que o próprio rei sugeriu a mão dela ao Senhor do Vinhedo, não é? — Rozênia assentiu. — Esse pedido é uma honra — ela disse, embora tenha havido uma pequena hesitação, que Rozênia interpretou como desgosto. — Não é algo que se possa negar.

— Vocês não estariam negando, apenas negociando! — falou em desespero. — Você precisa ao menos tentar, Lady Lorena!

Mas, quando a Senhora suspirou, Rozênia percebeu que aquela era uma batalha perdida.

— Não estaria em meu poder fazer isso, Rozênia, e eu não arriscaria mesmo se estivesse. Sei que você ama minha filha — ela declarou, e por um instante Rozênia sentiu seu sangue gelar, se perguntando se a Senhora tinha conhecimento sobre amplitude daquele amor —, mas outra proposta de casamento viria se ignorassemos essa. Eu também gostaria que ela tivesse uma corte adequada, mas Eliza sabe que, como uma dama, é seu dever casar-se com um Senhor e honrar sua família.

Lorena parecia triste, mas para ela aquele era apenas o natural girar do mundo. Pela primeira vez Rozênia se deu conta de quanta coragem sua mãe precisara para romper aquela roda, deixar a família e juntar-se às Filhas de Vênus.

Lady Lorena a encarava com compaixão, mas isso só fez sua raiva arder com mais intensidade. Levantou-se num ímpeto, afastando-se da Senhora e sentindo que poderia matar alguém.

— Vocês estão sendo covardes! — acusou, cerrando as mãos em punho. — E Eliza vai passar a vida infeliz por causa disso!

A Senhora tomou fôlego, mas não demonstrou estar brava por causa daquelas palavras.

— Ela estará segura e terá uma família, Rozênia. Saberá encontrar a felicidade nessas coisas.

Aquela era a verdade de Lady Lorena, percebeu, e não saberia fazer a Senhora ver para além daquilo sem contar sobre a relação que partilhava com Eliza, mas fazer isso provavelmente só tornaria as coisas piores. Qualquer esperança em buscar ajuda ali fora tola.

Deu as costas à Senhora com um grunhido de exasperação. Não tinha pedido permissão para entrar no quarto dela, então supunha que não faria diferença pedir permissão para sair. Estava quase alcançando a porta quando a voz dela a alcançou, fazendo Rozênia hesitar.

— Não vou esquecer o apreço que tem por minha filha, Rozênia, nem o que se ofereceu a fazer.

Não era como se aquilo mudasse alguma coisa, no entanto. Assim, sem se dignar a lançar outro olhar para Lady Lorena, Rozênia deixou sua presença.


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